domingo, janeiro 23, 2005

Comunicado de resposta ao MNE

COMUNICADO


Emitiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros um comunicado em que a propósito de uma notícia publicada pela Agência Lusa sob o título «Polícia diplomática chamada a Consulado de Portugal após altercações" afirma o seguinte:

«O Senhor Manuel Guilherme Andrade Ferreira de Melo, Assistente Administrativo Especialista no Consulado Geral de Portugal em Genebra, foi ontem notificado da decisão ministerial de suspensão pelo período de três meses;
Esta decisão decorre da instrução de dois processos disciplinares em que este funcionário é arguido, instaurados por despacho ministerial respectivamente em 5 de Março de 2003 e em 17 de Abril do mesmo ano;
Foi, ainda, instaurado um processo disciplinar, por despacho do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em 26 de Fevereiro de 2004 e está também em curso um processo de inquérito, decorrente de despacho do Secretário-Geral do MNE de 9 de Novembro de 2004;
Ao Senhor Manuel de Melo foram já aplicadas duas penas disciplinares, respectivamente em 17 de Janeiro de 1996 e em 25 de Março de 1999.»

Em representação do Sr. Manuel de Melo, candidato do Partido Socialista pelo Círculo Fora da Europa e na qualidade de seus advogados vimos prestar os seguintes esclarecimentos à opinião pública:
1. O Sr. Manuel de Melo vem sendo, há vários anos, perseguido em razão das suas opiniões políticas, nunca lhe tendo sido apontada qualquer falta no tocante ao desempenho das suas funções, como funcionário do Consulado Geral de Portugal em Genebra, onde tem merecido, sucessivamente, a classificação de Muito Bom.
2. Não é verdade que ao Sr. Manuel de Melo tenham sido aplicadas duas penas disciplinares, porquanto ainda pendem nos tribunais, aguardando decisão judicial os processos em que tais penas foram impugnadas, sendo certo que num dos processos já foi proferido parecer do Ministério Público considerando a sanção ilegal, por atentar contra a liberdade e opinião desse cidadão, no exercício das suas funções de membro do Conselho das Comunidades Portuguesas.
3. É verdade que estão em fase de instrução dois processos disciplianares contra o Sr. Manuel de Melo, igualmente com motivação política, em razão das opiniões que exprimiu como cidadão.
4. O primeiro dos processos foi justificado pelas críticas que Manuel de Melo dirigiu à actual Consul Geral, em razão da rotura de uma postura firme perante as autoridades suiças no conhecido caso das «classes especiais» que apontava para a colocação de crianças portuguesas absolutamente normais em escolas destinadas a deficientes. Apesar de o ex-secretário de estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, ter mesmo desencadeado um debate parlamentar em que exigia do governo de António Guterres uma atitude mais enérgica perante as autoridades suiças, o governo de Durão Barroso abriu um processo disciplinar contra Manuel de Melo que, no essencial, censura o facto de este cidadão, na sua qualidade de membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, ter criticado a posição de cedência da actual responsável pelo consulado.
5. Tal processo disciplinar, iniciado em 2003, deveria estar há muito tempo concluido. Já foram ouvidas dezenas de testemunhas, não se tendo carreado prova que, em nossa opinião, permita censurar a postura do referido cidadão.
6. Perante os indícios de insufiência de tal prova, o Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros ordenou a instauração de novo processo disciplinar, por despacho de 26/2/2004, acusando-se Manuel de Melo de ter faltado ao respeito à Consul Geral numa reunião sobre o funcionamento dos serviços.
7. Também este processo foi contestado em devido tempo e deveria ter sido já concluido. Manuel de Melo defende-se, também neste processo, com a invocação das responsabilidades que tem como conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas, alegando, nomeadamente, que as posições criticas que adoptou se destinaram exclusivamente a evitar uma maior degradação dos serviços do Consulado Geral de Portugal em Genebra.
8. Na defesa que deduziu, Manuelo de Melo considerou, nomeadamente o seguinte:
8.1. O Consulado de Portugal em Genebra funciona muito mal, devido a uma enorme da falta de organização interna.
8.2. Ao longo dos três anos de exercício da actual Cônsul Geral teve Manuel de Melo a oportunidade de a alertar para a necessidade de reorganizar internamente os serviços e de corrigir algumas situações funcionais que são prejudiciais ao bom funcionamento do Consulado e da qualidade do atendimento a prestar aos nossos compatriotas.
8.3. Em várias conversas havidas com a senhora Cônsul, de âmbito profissional, teve igualmente a oportunidade de apresentar inúmeras propostas e soluções para os vários problemas existentes, sem que a senhora Cônsul tivesse dado a mínima importância às mesmas.
8.4. O resultado dessa má vontade da senhora Cônsul em aceitar quaisquer sugestões dos seus funcionários foi o agravamento do estado caótico em que se encontram os serviços do Consulado de Portugal em Genebra.
8.5. Foi precisamente o avolumar de situações de disfuncionamento interno que levaram Manuel de Melo a solicitar um encontro com a Srª Cônsul em Genebra, de que haveria de resultar o segundo processo disciplinar.
8.6. Nesse encontro, e adoptando uma postura pro-activa, de ilimitada disponibilidade para o serviço público – como sempre adopta, Manuel de Melo justificou as suas propostas e as suas opiniões para resolver o problema do estado caótico em que se encontram os arquivos consulares, apontando os seguintes vícios:
8.6.1. As inscrições consulares estão por informatizar, o que causa um enorme transtorno aos utentes e desaproveita os recursos;
8.6.2. Os processos individuais estão espalhados por caixas de cartão, colocadas no chão, com riscos sérios para a sua conservação e prejuizo para os cidadãos, que têm a expectativa de que os papeis que lhes dizem respeito são cuidados com zelo e estão facilmente acessiveis;
8.6.3. Há uma completa desorganização dos documentos respeitantes ao Registo Civil, com milhares de assentos de casamento e de nascimento espalhados por vários cantos da chancelaria, não havendo sequer livros de assentos por maços, onde constem os respectivos termos de abertura e encerramento, como mandam os respectivos Códigos, o que ofende as legítimas expectativas dos cidadãos utentes, que confiam em que o Consulado trata com zelo os assuntos que lhe são confiados;
8.6.4. Não há circulares internas de serviço, com instruções precisas, de carácter técnico, para que os erros cometidos pelos funcionários não se tornem um círculo vicioso;
8.6.5. Há milhares de boletins de averbamentos remetidos pelas conservatórias do registo civil, que não são averbados aos respectivos registos e que se vão acumulando ao longo dos anos, sem que alguém se preocupe em mandar averbá-los, o que ofende as legítimas expectativas dos utentes e lhes causa graves prejuizos; esses verbetes deveriam ser entregues aos interessados depois do averbamento, não se cumprindo essa obrigação;
8.6.6. Não estão no Consulado, com prejuízo dos cidadãos que de boa fé procuram os serviços, milhares de processos de casamento, organizados no Consulado em Genebra, e outros documentos importantes de registo, que pertencem a este Consulado, mas que entretanto foram enviados para a secção consular em Berna .
8.6.7. Consta que muitos desses documentos terão sido destruídos, o que seria absolutamente intolerável e justificava a abertura imediata de um inquérito, uma vez que está ofendida, por tal via, a fé pública dos serviços de registo;
8.6.8. Porque confrontado pelos utentes, Manuel de Melo diligenciou, nos últimos três anos, no sentido de que a Srª Cônsul Geral solicitasse à Embaixada de Portugal em Berna, a devolução dos referidos processos, sem que nada tenha sido feito, sendo ele obrigado a mentir aos cidadãos, ocultando-lhe a razão do não aparecimento dos documentos;
8.6.9. Esta omissão causa dificuldades gravíssimas ao funcionamento dos serviços na área da Nacionalidade e do Registo Civil, de que Manuel de Melo é responsável.
8.6.10. Não está Manuel de Melo, enquanto funcionário, em condições de responder às inúmeras solicitações que lhe são feitas pelas conservatórias do registo civil, pois que não dispõe da documentação que esteve na base de muitos actos de registo civil praticados no Consulado, em razão da referida desorganização.
8.6.11. Todos – incuindo a Cônsul e o Ministério dos Negócios Estrangeiros - têm consciência de que esta falta causa um enorme prejuízo aos utentes e põe em causa a fiabilidade do serviço público.
9. Manuel de Melo, na presença dos demais funcionários – e no excercío cumulativo das obrigações que tem como conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas, pediu ainda a atenção da Srª Cônsul para a necessidade de uma melhor gestão do pessoal, de forma a reparar estes vícios antes que eles, em toda a sua profundidade caissem no domínio público, lançando o descrédito e a desconfiança sobre o Consulado Geral de Portugal em Genebra.
10. A resposta a esta inicitativa foi um novo processo disciplinar, desta feita instaurado pelo Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desse modo se tornou corresponsável pela gravíssima situação em que se encontra o referido Consulado Geral.
11. Apesar de tudo – e porque os depoimentos das testemunhas confirmam o essencial das gravíssimas denúncias de Manuel de Melo, os processos disciplinares não foram concluidos, apesar de o Ministério dos Negócios Estrangeiros ter gasto milhares de contos com deslocações de uma instrutora a Genebra, quando é certo que as diligências deveriam ter sido deprecadas e podiam tê-lo sido, por haver outros departamentos do MNE naquela cidade, com capacidade para as cumprirem.
12. Se houvesse razão para qualquer suspensão ela deveria ter sido ordenada no inicio dos processos disciplinares e não quando passaram largos meses – num deles mais de de um ano – sobre o inicio da instrução.
13. Por isso mesmo, a suspensão agora ordenada, não assentando em nenhum facto concreto e objectivo, só pode ter a motivação política de prejudicar a candidatura de Manuel de Melo à Assembleia da República, tanto mais que, sabendo como sabiam, porque isso é público, que Manuel de Melo seria candidato, o secretário geral do MNE evitou ser ele próprio a decidir a suspensão, armando-se com um parecer jurídico no qual se concluiu que a decisão caberia ao Ministro, não podendo este, obviamente, deixar de conhecer das motivações políticas dos processos, porque elas resultam claras de uma leitura mesmo em diagonal.
14. O mais grave de tudo isto está no facto de, tanto na carta dirigida ao Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros como no parecer de sustentação apresentado pela instrutora não haver qualquer facto novo mas tão só duas justificações que são gravíssimas e a que o Ministro aderiu:
14.1.Que deve suspender-se o funcionário porque o processo dura há demasido tempo;
14.2.Que a presença de Manuel de Melo no consulado prejudica a liberdade de depoimento das testemunhas.
15. A Cônsul Geral de Portugal em Genebra procurou, nomeadamente por via de uma nota interna, influenciar o depoimento das testemunhas, pelo que se receia que esta suspensão não seja mais do que uma operação para aterrorizar as testemunhas e tentar ouvi-las de novo, coagindo-as a alterar os seus depoimentos.
16. É especialmente relevante o facto de o Ministro ter tido conhecimento prévio de que seria chamada a polícia suiça no momento da notificação de Manuel de Melo, porque essa intenção está afirmada na carta da Cônsula. Ao dar-lhe o seu assentimento, sem fazer qualquer reparo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros corresponsabilizou-se pela montagem de uma operação policial adequada a prejudicar politicamente o candidato de um partido da oposição, sem cuidar sequer da preservação da imagem do Estado. De facto, a polícia nada fez nem tinha que fazer, por não haver nenhuma justificação para que fosse chamada.
17. Porque estamos perante um caso, aliás duradouro, de abuso de poder, Manuel de Melo apresentou há alguns meses queixa criminal contra a Consul Geral e contra a instrutora dos processos, a qual pende nos serviços do Ministério Público, em Lisboa.
18. No passado dia 21 de Janeiro, Manuel de Melo deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a uma providência cautelar, com pedido de suspensão da executoriedade do acto administrativo da suspensão preventiva.
19. No dia 24 de Janeiro será apresentada ao Ministério Público queixa criminal contra a Consul Geral e o Ministro dos Negócios Estangeiros, por difamação, que tem origem numa carta dirigida pela referida funcionária ao Ministério, mas cujo conteudo, tendo sido aceite e confirmado pelo Ministro, o torna a ele próprio pessoalmente responsável pela ofensa à honra de Manuel de Melo.
20. Se havia dúvidas sobre o envolvimento pessoal do Ministro dos Negócios Estrangeiros nesta “operação” elas desvaneceram-se com o teor do comunicado emitido pelo Ministério.
21. Não sendo nosso hábito trazer em público informações sobre processos pendentes, não podemos deixar de divulgar estas informações, para a defesa da honra do nosso constituinte, num momento especialíssimo como é o do envolvimento numa campanha política, adiantando que elas comportam dados mínimos para a compreensão da situação, mantendo-se reservada matéria que é da maior gravidade, mas que não deve ser lançada na opinião pública para que, sem prejuizo da responsabilização dos respectivos agentes, não saia ofendida a imagem do Estado, para além dos limites estritamente necessários à defesa a honra e da verdade.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2004

O Advogado
Miguel Reis