terça-feira, janeiro 18, 2005

Mário Soares sempre activo...

Mário Soares continua super-activo. Isto vem na VEJA e é interessante para ler e arquivar.

No mês passado, o líder socialista português Mário Soares completou 80 anos e anunciou sua aposentadoria. Em 62 anos de carreira política, Soares liderou a Revolução dos Cravos, foi presidente duas vezes e primeiro-ministro outras três. De Lisboa, ele conversou com a repórter Camila Antunes sobre política e seus amigos brasileiros

O QUE O SENHOR PRETENDE FAZER NA SUA APOSENTADORIA?
Apenas me retirei da política. Não quero mais cargo público nem participar do partido. Mas vou dar opinião, escrever artigos e aconselhar políticos.

COMO O SENHOR COMPARA OS POLÍTICOS DE HOJE COM OS DE SUA GERAÇÃO?
Minha geração foi presa, exilada e resistiu à ditadura. Eu mesmo fui preso doze vezes. Os novos não são melhores nem piores, mas dão muita importância ao marketing, à imagem e à televisão.

COMO ESTÁ PORTUGAL?
Temos um problema financeiro. Vivemos acima do que podemos pelos critérios da União Européia. O déficit fiscal máximo é de 3% do PIB. O nosso supera 5%. O poder econômico contagiou a política. Os crimes de colarinho branco e o tráfico de influência aumentaram. A corrupção não era habitual.

COMO ISSO SE REFLETE NO DIA-A-DIA?
O desemprego sobe em flecha. Os países, como as pessoas, têm bons e maus momentos. Em Portugal, diz-se: "Atrás de tempo, tempo vem".

PORTUGAL PODE AJUDAR O BRASIL NAS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS COM A EUROPA?
O Brasil não precisa de intermediários. Já para Portugal, a proximidade com o Brasil é estratégica. A união da América Latina com a Europa poderá nos deixar mais à vontade para enfrentar os Estados Unidos, que, às vezes, são um bocado exorbitantes e incômodos.

O QUE O SENHOR PODERIA DIZER SOBRE OS PRESIDENTES BRASILEIROS QUE CONHECEU?
Salvo erro, foram dez. O primeiro foi Jânio Quadros. Conheci Juscelino Kubitschek em seu exílio em Lisboa e Ernesto Geisel numa visita oficial que fiz ao Brasil. Ele presidia a ditadura militar. Eu dirigia um governo de esquerda. Pudemos entender-nos, não obstante o que nos separava. Conheci mal João Figueiredo, mas contribuí para abortar uma vaia que lhe estava sendo preparada em Lisboa pelos deputados portugueses. Não fiz isso por ele, mas pelo Brasil. Tancredo Neves era encantador e arguto. Oferecemos-lhe um jantar na véspera de sua posse. Faltou, disseram, por um "ligeiro incômodo de saúde". Sou amigo de José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique, com quem escrevi um livro. Collor era uma personalidade errática, mas com incontestável charme. Lula é uma referência para a esquerda.

LULA JÁ PODE SER COMPARADO A OUTROS LÍDERES DA ESQUERDA, COMO O INGLÊS TONY BLAIR E O ALEMÃO GERARD SCHRÖEDER?
Blair e Schröeder se deixaram influenciar em excesso pelo neoliberalismo. Sou muito crítico de Blair, porque ele assumiu posição frontal no caso da guerra contra o Iraque. Lula está introduzindo as políticas sociais necessárias e possíveis. É um grande presidente.

O SENHOR VISITA O BRASIL COM FREQÜÊNCIA. O QUE MAIS O ATRAI NO PAÍS?
O que eu gosto mais de tudo é a feijoada. Também dos sucos, da paisagem, da gente, da alegria, das novelas. Devia ser mesmo brasileiro. Fui ao Brasil pela primeira vez aos 40 anos. Se tivesse ido aos 20 anos, teria ficado.