quinta-feira, abril 07, 2005

Portugal pode perder para Espanha posição de ‘pivot’ entre Brasil e UE (II)

A notícia de Mónica Silvares, no Diário Económico, nada tem de extraordinário nem de surpreendente.
Basta conhecer o Brasil e a realidade brasileira para ter a percepção do ridículo da afirmação do Dr. Filipe de Botton, atrás citada.
«Escolher Espanha seria um escândalo pois o Brasil estaria a dar um sinal de que privilegia as relações com Espanha e não com Portugal» - disse Botton.
A escolha espanhola pode ser um escândalo, mas por outras razões.
Os brasileiros não são burros nem masoquistas, gostam muito dos portugueses mas têm os seus interesses próprios e são ciosos da sua independência.
Em termos de interesse brasileiro, não faz nenhum sentido a instalação da representação da Agência de Promoção das Exportações do Brasil em Portugal, sendo muito mais interessante instalar essa representação em Madrid ou noutra cidade espanhola.
Aliás, foram os próprios portugueses a dar esse sinal no encontro de empresas portuguesas e brasileiras, organizado no ano passado em S. Paulo.
Na altura, o ministro Carlos Tavares fez questão de deixar muito claro que Portugal não queria ser a porta de entrada do Brasil na União Europeia, dizendo aos brasileiros que eles poderiam entrar por qualquer outro país, o que foi interpretado como um sinal hostil aos projectos do Brasil.
Os portugueses que assistiram à intervenção do ministro (e a alguns sinais idênticos do Presidente da República) interpretaram essas afirmações com o sentido de que Portugal reconhecia ao Brasil a capacidade e a grandeza suficiente para entrar na Europa de forma autónoma, sem a necessidade de uma mulheta portuguesa. Mas os brasileiros interpretaram essas palavras de modo diverso.
Os brasileiros são muito calorosos e vivem muito de pequenos sinais. Recordo-me que na altura o vice-presidente José de Alencar, que é lider de um importante grupo textil, começou o seu discurso evocando a alta qualidade dos lençois portugueses e o calor com que foi recebido em Portugal como empresário.
Falavam, há tempos, com algum orgulho dos importantes investimentos feitos por empresas portuguesas no Brasil, tecendo loas à grandeza e à modernidade do nosso pequeno país.
Hoje, o que se diz é que o investimento português no Brasil foi, em certo sentido, um bluff. A maior cidade do Brasil - S. Paulo - tem o nome da Telefonica em todas as esquinas e a Portugal Telecom quase que desapareceu, absorvida pela marca Vivo, em que se associam a Telefonica e a PT.
Enquanto os espanhóis investem em informação e em difusão cultural, as instituições portugueses atingiram o máximo da sua decadência.
A Casa de Portugal em S. Paulo, a mais respeitável instituição portuguesa da grande metrópole, tem na parede um anúncio a dizer «ALUGA-SE» e consta que há contactos de entidades espanholas, nomeadamente do Instituto Cervantes para arrendar os seus espaços livres.
São cerca de 800 metros quadrados, que estão disponíveis, no centro de S. Paulo e num edificio emblemático, pela ninharia de 20.000 reais negociáveis (cerca de 5.300 €...).
O facto de um edificio emblemático como este ter na parede uma tabuleta como aquela, é sintomático de decadência, não só da instituição mas também do País.
Nunca os espanhóis deixariam que o Instituto Camões pudesse ocupar um edificio emblemático espanhol.
Estas coisas não vêm de agora. Por inépcia da diplomacia portuguesa, a fundação de S. Paulo passou a ser atribuida ao espanhol Anchieta, num reescrever da História (devidamente financiado) que quase apagou o nome de Manuel da Nóbrega, que passou a ser um figura menore da história desta cidade.
Mas o mais grave está na progressiva perda de fiabilidade de Portugal para albergar uma instituição tão importante como a APEX.
Os espanhóis têm em S. Paulo uma moderna câmara de comércio, instalada num excelente edificio em Moema. Um corpo de funcionários preparados e diligentes presta assistência às empresas e organiza a informação determinante para o desenvolvimento dos seus negócios.
Nós, portugueses, temos uma câmara de comércio virtual, com menos de meia dúzia de empregados, sem preparação específica.
Os espanhóis têm instalada em S. Paulo uma eficaz repartição do seu instituto de comércio externo (ICEX) que ainda recentemente organizou uma jornada de informação para empresários europeus que se deslocaram ao Brasil e que presta informação de qualidade às empresas brasileiras que querem exportar para a Europa.
Portugal já teve em S. Paulo uma importante e competente delegação do ICEP, limitando-se agora a uma reduzida presença que, pela própria dimensão, não tem nenhuma credibilidade.
Estas coisas da economia e dos negócios internacionais não se resolvem nem com cocktails nem com excursões à Senhora de Fátima (talvez a mais importante das realizações recentes do ICEP/S. Paulo...
Mas o mais grave de tudo reside na má qualidade dos serviços externos portugueses e nalgumas deficiências gravíssimas dos no nosso Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Os serviços consulares (que têm funções essenciais ao bom desenvolvimento dos negócios, como a função notarial não dispõem, mesmo nos principais centros, de pessoal qualificado. Mas ainda mais grave do que isso é que não disponha de informação, pela simples razão de que a não procura ou não tem ninguém qualificado para a procurar.
Não há hoje no Brasil nenhuma repartição consular com um funcionário competente para celebrar uma escritura pública e cometem-se os erros mais grosseiros em matéria de outros actos de natureza notarial.
A legalização de documentos, tal como vem sendo feita, não só não oferece nenhuma garantia como implica riscos de perdas patrimoniais graves.
Pior do que isso tudo é o facto - intensamente denunciado por mim próprio e por muitas outras pessoas - de o consulado geral na principal cidade do Brasil funcionar de porta fechada, sem acesso por parte do público, inviabilizando o contacto directo dos utentes à repartição.
Enquanto o processamento de um visto demora quatro dias no consulado dos Estados Unidos, a telefonista do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo informa os utentes de que demorará, por regra, um mínimo de cento e vinte dias.
Todos os dias aparecem cidadãos portugueses e brasileiros no nosso escritório de S. Paulo contratando os nossos serviços para situações que deveriam poder resolver-se, de forma simples e ligeira, sem o recurso a um advogado. E todos os dias nos vemos obrigados a inventar alternativas, porque, pura e simplesmente as nossas repartições não funcionam.
Há duas semanas uma importante empresa de informática enviou um dos seus técnicos a Portugal para uma reunião com os dirigentes de uma empresa portuguesa com quem aquela tem contratos de uma valor de dezenas de milhar de contos por ano.
Esse funcionário foi impedido de entrar no País, apesar de o responsável pela empresa portuguesa ter declarado que assumia todas as responsabilidades da estadia. Mas, mais grave do que isso, o cidadão em causa viu o seu passaporte assinalado com uma cruz, que é um sinal terrivel, que o coloca como suspeito e, na prática, o impede de entrar em qualquer país da UE.
No fim do ano, um empresário português, casado com uma cidadão brasileira e com dois filhos portugueses pretendeu deslocar-se aos Estados Unidos e procurou obter passaportes para os seus filhos no Consulado Geral de Portugal em S. Paulo. Não conseguiu sequer aceder à repartição depois de ter informado que residia em Curitiba. E a solução foi pedir passaportes brasileiros e obter vistos no Consulado dos Estados Unidos.
Um cidadão brasileiro (e há milhares em Portugal) que pretenda obter uma informação não consegue aceder à repartição consular.
Grandes empresas multinacionais com sociedades no Brasil têm sofrido situações muito desagradáveis em matéria de transferência temporária de trabalhadores, por errada informação dos serviços portugueses e por um excesso de burocracia nos processamentos ou, como se referiu, por causa da própria inacessibilidade às repartições.
Os brasileiros já se aperceberam do alcance e sentido da diplomacia portuguesa do croquete.
Eles têm assistido a algumas situações que são, a um título, gravíssimas e vergonhosas.
Toda a gente conhece o que aconteceu em Fortaleza, no II Forum Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Toda a gente sabe ao que se resume a diplomacia económica de S. Paulo que nada tem de diplomacia nem de económico, resumindo-se a umas jantaradas e a umas recepções que não servam a mais nada, para além da promoção pessoal de algumas pessoas.
Toda a gente sabe que toda esta fantochada de um embaixador sem embaixada na cidade de S. Paulo foi financiada por empresas privadas (algumas cotadas em bolsa) em termos que retiram toda a dignidade de Estado à representação para a projectarem como uma representação fantoche de quem pagou a festa.
Estas coisas comentam-se e são tristes, porque dão às pessoas mais atentas uma ideia de falta de dignidade e de falta de rumo.
Os brasileiros gostam muito de nós, mas temos que compreender que eles mudem os seus projectos para Espanha quando constatam que eles podem enfrentar especiais dificuldades se forem implementados em Portugal.
Estive há uns dias em Brasília tratando de questões relacionadas com vários projectos brasileiros na Europa, alguns indirectamente participados por entidades públicas.
Como advogado não posso nem devo omitir chamadas de atenção para as dificuldades (algumas de muito dificil solução e de grande morosidade) no tratamento de várias questões relacionadas com operações conexas com investimentos ou com a instalação de escritórios de representação em Portugal.
A solução, para muitas situações, é constituir empresas em Espanha e investir ou instalar os escritórios de representação em Espanha.
Não é possivel pensar hoje em desenvolvimento de operações de comércio externo sem o recurso, para variados aspectos, aos serviços consulares dos países envolvidos.
Não é viável pensar na promoção das exportações do Brasil para a Europa através de uma estrutura com sede em Portugal sem que se altere de forma radical a qualidade dos serviços externos de Portugal no Brasil.
A solução ideal seria fechar todas as repartições e refundá-las como uma lógica idêntica às das lojas dos cidadãos e com os padrões mínimos de qualidade que estão hoje assegurados nos serviços públicos portugueses.
Ou há sensibilidade para esta realidade ou vai por água abaixo tudo o que de positivo se construiu nos últimos anos.