sexta-feira, setembro 26, 2008

Memória de um voo na TAP

Visitei há dias o Director da TAP para a América do Sul, no seu novo escritório da Avenida Paulista. Foi uma visita de amigo e daquelas em que se pergunta como vais e se acaba a desejar saúde e sucesso.
O reconhecimento do papel do Mário de Carvalho para a afirmação da TAP na América Latina é uma obrigação incontornável. E por isso mesmo nunca deixo de lhe dar as minhas opiniões críticas, quando há razões para elas.Estes aviões A-330 são maravilhosos, mas um avião não faz tudo.
O que sempre distinguiu a TAP das demais companhias de aviação foram a segurança e a qualidade do serviço de bordo.
A assistência aos passageiros em terra vem-se degradando demais, a ponto de não podermos ter confiança no que nos informam aos balcões da companhia. Mas o próprio serviço de bordo está ao nível das mais miseráveis companhias de aviação.
Escrevo este post a bordo do voo TP109, de Guarulhos (São Paulo) para Lisboa.
Quando cheguei ao aeroporto para fazer o check-in fui informado de que não tinha bilhete para Lisboa, porque deveria ter embarcado de Salvador no dia 31 de Agosto, ou seja, há 21 dias.
Exibi uma confirmação da marcação do voo São Paulo-Lisboa para o dia 21, feita pela minha agência de viagens, com reporte do report emitido pelo próprio sistema informático da TAP. Mas mais: exibi bilhetes emitidos pela TAP, em Lisboa, para voos de Brasilia para o Rio de Janeiro, do Rio para Fortaleza, de Fortaleza para Belém, de Belém para Salvador e de Salvador para São Paulo, todos com data posterior a 31 de Agosto.
Tratando-se de um air-pass, tais bilhetes só podiam ter sido emitidos entre as datas da chegada ao Brasil e da partida.Porque tinha confirmada, previamente, a reserva da data do regresso a Portugal, fiz as marcações e o pedido de emissão das viagens internas no balcão Tap do Aeroporto de Lisboa, nunca me tendo passado pela cabeça que o regresso a Lisboa deveria fazer-se antes de realizar as ditas viagens.
Quando exibi o bilhete à funcionária da TAP no balcão de check-in do Aeroporto de Guarulhos, fez-me ela o reparo de que eu deveria ter verificado que naquele bilhete constava, paradoxalmente, o regresso a Lisboa no dia 31 de Agosto. Como não tinha reparado nesse erro deveria pagar uma multa.
Fica o conselho de que não devemos confiar nos serviços da TAP e devemos conferir cuidadosamente todos os dados dos bilhetes, tentando descobrir neles os erros mais paradoxais, como este de projectar viagens no interior do Brasil depois de um regresso a Lisboa.
Tentei explicar à funcionária que se tratava de um erro da TAP, como era evidente, não devendo eu ser penalizado por ela. Mas a dita não concedeu, mandando-me pagar a multa da remarcação no balcão próprio.
Repetiu-se aí a cena. Pacientemente voltei a tentar explicar o paradoxo. Tive a sorte de encontrar uma funcionária provavelmente mais esperta que telefonou à supervisora, a qual autorizou que eu viajasse com o tal bilhete de Salvador, que nunca cheguei sequer a comprar com destino a Lisboa.
Com isto gastei cerca de uma hora e meia, correndo directamente do check-in para o embarque.
A TAP anunciou recentemente que os titulares do cartão Vitória podem fazer upgrade para a classe executiva no próprio avião.
Porque a correria deste dia e a perda de tempo causada pelo acidente me impediram de jantar no excelente restaurante que abriu ali mesmo ao lado do balcão de check-in da TAP, decidi pedir o upgrade, mas logo que entrei no avião fui informado de que a classe executiva estava repleta.
Lá me sentei na fila 16-B, começando a devorar o Público, que ainda consegui apanhar naquele carrinho que colocam à porta do avião.
Quando começou a distribuição das refeições constatei que o jantar era uma pasta com queijo, sem alternativa. Quando perguntei se não havia outro menu, a menina respondeu-me que não; ou comia este ou não comia nada.
É a primeira vez que isto me acontece em voos intercontinentais, mesmo em outras companhias. E nos voos entre Portugal e o Brasil nunca tinha visto, de facto, um desaforo destes e uma falta de respeito pelos que, por razões de alergia ou outras, não podem ou não gostam de comer queijo.
Uma pasta não é comida que se apresente. É uma comida miserável, que faz mal à saúde, e que, por isso, nenhum médico recomenda. É a ração dos exércitos e a comida dos miseráveis, popularizada pelos italianos no Brasil.
Não faz parte da nossa gastronomia nem de nenhuma gastronomia que mereça esse nome. Mas mesmo nos restaurantes mais modestos há uma regra que manda servir o queijo como opção e não como aqui, à força.
Generalizar o uso do queijo é uma má criação que ofende as pessoas que não gostam de queijo, sobretudo se não se lhes oferecer nenhuma alternativa. E isso é o que está acontecer nos voos da TAP.
Que saudades do tempo em que esta companhia honrava a boa cozinha e nos tratava com dignidade.O Presidente da TAP, Fernando Pinto, porém, escreve no editorial da revista UP, que leio neste voo:
«Nos nossos aviões, a gastronomia, os vinhos e a música portuguesa, bem como o entretenimento seguem ao dispôr dos passageiros com toda a sofisticação».
Trata-se de uma rotunda mentira, aliás repetida, de forma insinuante na página 142 da revista, onde se promete uma «refeição genuinamente portuguesa», com quatro pratos quentes.
O meu problema desta noite não é o de a refeição ser genuinamente portuguesa ou não. O meu problema é o de que não gosto de queijo, estou fechado num avião e não tenho nenhuma alternativa.
A atitude do pessoal de voo foi em tudo semelhante à daquelas frauleine alemãs, que «educavam» espartanamente os seus pupilos, dizendo-lhes que ou comiam o que estava estabelecido ou não comiam nada.
Nos voos da TAM oferecem umas sanduiches de queijo que podem ser deliciosas para quem as come, mas que têm um cheiro nogento para o passageiro do lado que seja alérgico ao dito. Mas até aí há uma alternativa para quem não goste de queijo: umas barritas de cereais, que lembram ração de combate, mas que cumprem a sua função de aconchegar o estômago.
Aqui nada, para além da humilhação, como se fosse obrigatório gostar de queijo. Podia ter pedido outra refeição, no momento do check-in – sugeriu um comissário. Mas para quê se nunca foi preciso, porque sempre houve dois menus à escolha, um deles sem queijo?
Porque estava, literalmente, com muita fome insisti, perguntando se não havia nenhuma outra alternativa, uma sanduiche, uma bolacha, o que quer que fosse. Responderam-me de novo que não.
Folheando a revista de bordo verifiquei que nela constavam uns chocolates. Comprei uma caixa de Port Truffles e tentei convencer-me a mim próprio de que isto seria a minha ceia.
No momento em que escrevo faltam seis horas para chegar a Lisboa.
Eu, que adormeço passados dez minutos após a descolagem, não consigo pôr olho, com este desconforto que sinto no estômago.
A TAP não tem, obviamente, culpa de eu não ter almoçado, por falta de tempo. Mas tem culpa de me ter empatado quase uma hora e meia e de me ter impedido de comer um daqueles bifes maravilhosos do restaurante do aeroporto. E tem, obviamente, culpa por, sem qualquer aviso prévio ter passado a ter um menu único e com queijo, o que é discriminatório para todos os passageiros que dele não gostam.
Sinto-me, literalmente, enganado, vigarizado, ofendido... E com fome, muita fome.
Lembro-me que pelo menos água hão-de ter. Convenci um comissário a dar-me um litro e meio e vou imaginar que ela é tudo: o primeiro copo vai ser um consomé de lagosta; o segundo será um creme espargos; o terceiro talvez uma canja de galinha.
Emendei e tomei de seguida quatro consomés de lagosta imaginários.
Vou tentar dormir, agora que o estômago está confortado.
Há mais de 25 anos que não era obrigado a beber água para matar a fome.
Aconteceu-me pela última vez no deserto do Sahra, quando era jornalista.
Nunca imaginei que isso pudesse acontecer num avião da TAP.