domingo, janeiro 02, 2011

Um país à deriva...

Portugal é um país à deriva… Os discursos dos mais altos responsáveis políticos, nesta quadra de fim de ano, são o melhor sintoma dessa realidade.

Todos reconhecem que a situação em que o país se encontra é dramática, mas ninguém apresenta soluções credíveis, que permitam evitar a bancarrota, para que nos conduzem a passos largos.

Tais discursos não passam de uma tradução para a lógica do estado laico das rezas que, ao longo dos séculos, se fizeram em momentos de aflição, sem que alguma vez as divindades lhes respondessem com milagres.

O Presidente da República diz que Portugal foi confrontado com uma realidade que há muito se desenhava no horizonte e que já ninguém pôde negar que o país atravessa uma situação de grave crise económica e financeira, a qual tem efeitos negativos no plano social.

Afirma que não iludir a realidade é um sinal positivo e uma atitude responsável, pois representa o primeiro passo para mudar de rumo e corrigir a trajetória, mas não acrescenta nada em termos de resposta ou de projeto.

Segundo ele, a República, a democracia e a integração na União Europeia constituem opções estratégicas sobre as quais se formou um grande consenso nacional. Mas Portugal tem hoje mais de 600 mil desempregados, o desemprego está a penalizar muito os mais jovens e disso, assistimos ao recrudescimento da pobreza em níveis que são intoleráveis.

Perante isto, o supremo magistrado limita-se a apelar à união dos portugueses e à repartição dos sacrifícios por todos, de uma forma justa por todos, sem exceções ou privilégios.

Perante as situações de pobreza e exclusão com que somos confrontados, pretender fugir aos sacrifícios é uma atitude que não se coaduna nem com os mais elementares princípios da ética republicana nem com o valor fundamental da coesão social.

A coesão social é um elemento-chave da coesão nacional. É imprescindível que estejamos unidos para enfrentar as dificuldades que atravessamos e que, repito, não irão desaparecer em 2011.

A onda do primeiro ministro não é muito diferente.

Para ele a crise nacional não existe ou é como se não existisse, porque tudo é uma crise económica mundial, a maior dos últimos 80 anos.

Um dos efeitos da crise global, que acabou por condicionar todo este ano de 2010, foi a séria crise de confiança que se abateu nos mercados financeiros sobre as dívidas soberanas dos países do Euro. Esta situação, sem precedentes na União Europeia, levou à subida injustificada dos juros, e afetou todas as economias europeias.

Importaria que o primeiro ministro refletisse sobre essa «crise de confiança» mas não o fez. Encarou-a como uma fatalidade, que nos atingiu a nós próprios e aos outros.

O que está em causa é o financiamento da nossa economia, a proteção do emprego, a credibilidade do Estado português, e o próprio modelo social em queremos viver.

Tenho plena consciência do esforço que está a ser pedido a todos os portugueses. Mas quero que saibam que este é o único caminho que protege o País e que defende o interesse nacional. Caminho que temos de percorrer com determinação, para que possamos, finalmente, virar a página desta crise e garantir um futuro melhor para a nossa economia e para todos os portugueses.

Tudo na lógica do mesmo fatalismo, metendo a cabeça na areia e apelando à fé de cada um, como única via para uma saída da crise em que ele próprio não acredita.



As questões axiais da economia portuguesa no início da segunda década do Século XXI são muito claras, não se entendendo bem porque razão a classe política as encara de forma tão egoísta e com tão grande desprezo pelos direitos e interesses dos cidadãos.

1. As administrações públicas gastam quatro vezes mais do que a receita fiscal e isso é absolutamente insustentável.

2. A dívida soberana atingiu valores que, tomando em consideração as regras que qualificam as situações de insolvência, implicam altíssimo risco para os credores, o que conduz, em conformidade com velhíssimas regras dos mercados, à subida das taxas de juro;

3. O sistema financeiro, minado pelo peso dos ativos tóxicos com que cresceu na primeira década do século, aloca os recursos disponíveis à resolução dos seus próprios problemas, reduzindo o crédito ao funcionamento da economia real e bloqueando o seu desenvolvimento.

4. Não podendo crescer, por falta de recursos, a economia entra em recessão, agravando-se ainda mais, por essa via, a dívida do Estado, uma vez que se reduz o peso dos impostos.

5. As falências crescem todos os dias, aumentando o volume dos créditos incobráveis pelos sistema financeiro e lançando no desemprego milhares de trabalhadores, que morrerão à fome, quando se esgotarem os recursos do seguro de desemprego.



A sociedade portuguesa – como, aliás, todas as sociedades europeias – é marcada por uma tremenda injustiça, que reside na completa precariedade do emprego privado , por contraposição a uma segurança absoluta, absolutamente insustentável, do emprego público.

Uma empresa que não gere rendimentos que permitam a sua sustentabilidade está, inelutavelmente, condenada à insolvência e os seus trabalhadores ao desemprego.

Se o Estado não tiver recursos para pagar aos seus funcionários vai buscá-los às empresas e aos particulares, por via do aumento dos impostos, ou endivida-se, adiando uma carga que há de cair, inevitavelmente sobre os mesmos.

Por essa via se reduzem as perspetivas de recuperação da economia, pois que o crescimento dos impostos reduz ou anula a competividade das empresas, que não pode continuar a resolver-se por via de subsídios.

Sobre esta matéria, os sindicatos nada dizem, administrando contra os trabalhadores do setor privado os interesses que favorecem no setor público, quando é inequívoca a desigualdade entre uns e outros e, pior do que isso, quando é claro que qualquer lógica de protecionismo do emprego público prejudica a estabilidade do emprego no setor privado.

Há uma lógica de sovietização da sociedade portuguesa – comum, aliás, às demais sociedades europeias – que conduzirá, mais cedo ou mais tarde, aos mesmos resultados a que assistimos após a queda do antigo império soviético.

A lógica do Partido foi apenas substituída pela lógica dos partidos, que têm interesses próprios na gestão do poder e do interesse público, que deixou de ser o interesse da comunidade, para ser o conglomerado dos seus próprios interesses, no plano imediato e dos interesses das suas clientelas, no plano imediato.

É raro encontrar um político que não esteja ligado a uma empresa de formação, a uma sociedade de advogados ou a uma empresa de consultores, para quem, no atual quadro, uma política de saneamento financeiro e de estancamento do défice público seria desastrosa.

Por isso mesmo todos continuam a defender o endividamento que permite a sobrevivência das suas clientelas, sem que elas produzam o que quer que seja de útil.

Por isso mesmo se afigura impossível reduzir o Estado à dimensão adequada dos seus recursos, impondo-lhe a velha regra que impõe que não se gaste para além das possibilidades.

Com uma máquina pesadíssima, com funcionários competentes nos seus quadros, o Estado não resiste à tentação de despender milhões em consultoria privada. E se formos analisar quem presta essa consultoria, chegamos inevitavelmente à conclusão de que são empresas ou pessoas ligadas à estrutura do poder que, provavelmente, repartem os ganhos com os agentes do poder.

É essa mesma lógica que justifica que se gastem milhões e milhões de euros em ações de formação de resultado duvidoso, nomeadamente porque, quase por regra, são ações para empregos que não existem.

É também essa mesma lógica que justifica que as políticas de subsídios sejam marcadas por uma regulamentação excessiva e de difícil interpretação, que anula o efeito útil que os mesmo poderiam ter, por via dos custos de assessoria que importam.

O sistema está completamente viciado e é muito difícil sair dele, porque a voracidade dos agentes políticos e o completo desrespeito pelos cidadãos o impede.

Há centenas de serviços, de comissões, de unidades de missão que nada produzem de útil, só se mantendo porque é importante sustentar as clientelas partidárias que não são já nem apenas as que derivam das ligações dos funcionários e dos prestadores de serviços aos partidos, mas são também derivadas das relações pessoais ou familiares com os agentes políticos.

As democracias europeias transformaram-se, todas elas, em autênticas oligarquias, que gerem os Estados e os interesses públicos em conformidade com os interesses dos próprios oligarcas.

Os partidos perderam – todos eles e em todo o lado – as suas matrizes ideológicas e, sobretudo, o escopo da organização dos cidadãos para a defesa do bem comum, para se transformarem em máquinas que comandam a repartição dos resultados da exploração dos cidadãos e das empresas, cinicamente sustentadas pelos próprios recursos públicos.

São hoje, em todos os países da União Europeia, máquinas dos Estados, sustentadas com milhões de euros dos orçamentos públicos, o que, para além de constituir um autêntico seguro de vida, impede que os cidadãos tenham a veleidade de constituir novos partidos, pois que não dispõem de tais recursos.

De outro lado, a generalidade das legislações, impede o sufrágio uninominal e, por isso mesmo, a escolha dos cidadãos a eleger, o que agrava a perversão do sistema e eterniza as castas que dividem entre si o poder.

A sensibilidade perante este estado de coisas justifica, desde logo, níveis brutais de abstenção, em todas as eleições realizadas na Europa nos últimos anos. Mas, nem por isso, os políticos se preocupam, considerando todos, por unanimidade, que a sua representatividade é a mesma se acorrerem às urnas todos os cidadãos eleitores ou apenas um minoria de 30 ou 40%.



O Estado administra riqueza, mas não cria riqueza.

Cumpre-lhe gerir os recursos que são colocados à sua disposição pelos cidadãos e pelas empresas, para a realização do interesse público, que mais não deve ser do que a realização dos interesses da comunidade dos cidadãos.

Não deve o Estado tem uma passada maior que a que é admitida pela limitação dos seus recursos, por mais que isso custe aos agentes políticos que vivam de comissões da gestão pública.

Nem deve criar responsabilidades que asfixiem a economia de que ele próprio depende, sob pena de marchar para a bancarrota.

Em Portugal – e na Europa - há duas áreas que deveriam ser consideradas intocáveis pelos agentes políticos, porque é nelas que assenta a estrutura do estado social europeu: a educação e a saúde, que representam em Portugal menos de 50% da receita fiscal.

Significa isto que, no caso português, os governos ser deveriam limitar a gastar, nas outras áreas, apenas os outros 50%, sem prejuízo de ser possível, mesmo nessas áreas, obter ganhos de gestão, por via da redução de todos os desperdícios.

Mas não é isso que o Estado faz: gasta quatro vezes mais do que a receita fiscal… É o mesmo que uma pessoa que ganha 1.000,00 € mensais gastar 4.000,00 € por mês.

Ninguém empresta dinheiro a uma pessoa que ganha 1.000,00 € e gasta 4.000,00 €.

Não é preciso ser economista para concluir que esta situação é absolutamente insustentável e conduzirá, inevitavelmente, ao desastre.



Mais do que cruzarmos os braços e aguardar a intervenção do FMI ou da União Europeia, importante seria que não se escondesse aos portugueses a realidade da situação e que se mobilizasse o país para a imperatividade de pôr termo ao crescimento da dívida pública e de planificar a consolidação e o pagamento da existente, enquanto ainda é possível re-estruturar a economia e alocar os recursos disponíveis ao seu crescimento.

De outro modo, caminharemos, inevitavelmente para um beco sem saída, que conduzirá à bancarrota e à fome.

O crescimento acentuado dos juros e dos impostos destrói diariamente o nosso tecido social, transformando em lixo o capital investido e criando uma horda de desempregados que conduzirá à insegurança e à violência.

O próprio sistema financeiro será destruído pelo avolumar dos créditos incobráveis, perdendo-se as poupanças das pessoas e das empresas, se não se travar rapidamente esse incontrolável crescimento da dívida pública.

E, se isso acontecer, a economia será completamente inviabilizada porque de nada vale um exército de trabalhadores na reserva sem que haja dinheiro para lhes matar a fome e capital para os pôr a produzir.

Mas o País está completamente à deriva, sem que alguém queira ver o que entra pelos olhos dentro.