domingo, maio 29, 2011

Reflexões sobre a política do tempo presente

Nunca  imaginei que Portugal pudesse chegar ao que chegou, depois de uma revolução idealista, que derrubou a ditadura de Salazar-Caetano e de um processo de modernização que todos nós julgávamos sustentável.

Aplaudi a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (depois União Europeia) e a adesão ao euro, convencido de que tanto a União Europeia como o sistema monetário eram projetos sérios, assentes num nível de coesão suficiente para ultrapassar todas as crises.

Estou hoje muito cético, por várias razões.

Em primeiro lugar porque a Europa (da União Europeia) se cristalizou em torno de uma burocracia, que envolve um líder fraco, perdendo o élan que teve, pela última vez, nos tempos de Jacques Delors.

Tudo o que era inimaginável passou a ser real, graças à perda de qualidade de (praticamente) todos os lideres dos países membros. Com exceção do nome da Srª Merkel, que ganhou notoriedade não derivada das melhores razões, do Sr. Sarkosy que é pequeno em tudo e do Sr. Berlusconi, que é o que é e toda a gente sabe, ninguém conhece quem está no topo do governo, na generalidade dos países membros.

A Europa tem agora um Presidente do Conselho e uma alta representante para os Assuntos Externos, de que ninguém, também conhece o nome. O primeiro foi escolhido depois de ter participado numa reunião do Bilderberg Club e a segunda deve ter sido escolhida por causa da altura.

Os discursos com que nos empolgavam dirigentes como Willy Brandt, Olof Palm, Mário Soares, François Mitterrand, Felipe Gonzalez, Bruno Kreisky, Helmut Khol ou mesmo Margareth Tatcher, foram substituídos pelo não discurso ou por discursos completamente estúpidos.

E a partir do início do século, a política passou a ser, em toda a Europa, essencialmente a concretização da definição de Paul Valery:

 «A política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem naquilo que lhes diz respeito. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não entendem.»

Para  mal de todos nós, a Europa não só não conseguiu ultrapassar ainda o síndrome gerado pela  II Guerra Mundial que, num certo sentido, a transformou num protetorado dos Estados Unidos como, ao invés, extinta a ameaça soviética, se tornou ainda mais vulnerável a todo o mal (e a pouco bem) do que tem origem na outra margem do Atlântico.

Estou convencido de que, em boa parte, isso passa pelas obediências dos protagonistas da atual política europeia, quase todos eles «formados» ou moldados pelo Club Bilderberg.  É muito interessante ler, a propósito, o que Daniel Estulin escreveu sobre Durão Barroso ou o que Mário Soares afirmou sobre a escolha de Van Rompuy.

Acabada a guerra fria parece que se finou também o velho brocardo romano (et pour cause europeu) que nos ensinava que «Roma não paga a traidores». Bem ao contrário, tudo nos indica que os traidores da Europa são hoje pagos por ela própria e não pelos beneficiários das traições.

Só isso justifica o envolvimento ativo da União Europeia e da Nato na desestabilização do norte de África e na destruição da Líbia, tão prejudiciais aos interesses das empresas europeias, a benefício, apenas, do plano americano de rentabilização da exploração do petróleo do Alaska.

Isso justifica também a canibalização de toda a pequena e média indústria da União Europeia, a pretexto de uma parceria estratégica dos Estados Unidos com a China ( e da aliança do capitalismo americano com o único comunismo vitorioso) e dos arranjos estabelecidos na Organização Mundial do Comércio.

O projeto do euro serviu, essencialmente, para ajudar a reconstrução alemã, que teria sido muito mais difícil sem a moeda única. Concluída a unificação, vêm agora apresentar-nos a conta, como se não houvesse paisagem para além da Alemanha e como se o projeto europeu que visava o equilíbrio de todos os países  membros, parasse aí ou, no máximo, no eixo franco alemão, agora arvorado numa espécie de potência colonial, por relação aos demais países da Europa continental, com duas ilhas fora do esquema, mas inseridas no mesmo, graças à sua aliança direta com os Estados Unidos.

Há quem sustente que o projeto de uma Europa federal, com um governo federal único, moeda e politica fiscal única, sempre haveria de ter a oposição dos Estados Unidos, porque seria um projeto muito mais perigoso para os interesses americanos do que o da criação da grande Alemanha com que sonhava Adolfo Hitler.

Vale a pena refletir sobre isso. Como valerá a pena re-estudar a  história do nazismo e rescrevê-la, quando  é certo que o fantasma do nazismo continua a ser o registo da maior hecatombe do século passado (6 milhões de mortos, contra 20 milhões do estalinismo e 200 milhões do maoismo).

Obviamente que não devemos estar contra a esperteza americana.

Devemos estar sim, porque somos europeus, contra a estupidez europeia, mesmo que a América nos surja como o «salvador» cada vez mais próximo. Será o natural local de exílio para os políticos corruptos que nos governam;  mas será também quem nos matará a fome, no quadro de um novo e inevitável plano Marshall, que se prepara meticulosamente.

Ainda me lembro dos tempos de criança e das latas enormes, contendo um queijo com um cheiro horrível, com que a embaixada americana abastecia as Conferências de São Vicente de Paula, espalhadas por todo aquele país de miséria, que era o Portugal do princípio dos anos 60. E as sacas de trigo, que, por falta de moagem eram confiadas aos padeiros, a troco de um determinado número de papo-secos.

A Espanha, aqui ao lado, está a caminhos 25% de desempregados. É a campeã. Mas todos nós vamos atrás, seguindo-lhe  o exemplo:  a média do desemprego na União aproxima-se dos 10% e Portugal já está nos 11,1%.

Paradoxal é que  quase ninguém tenha reparado a tempo no rumo que isto levava e que muito poucos, quase ninguém, tivesse tenha apontado os riscos de tal rumo.

A Grécia, a Irlanda e Portugal foram as primeiras vítimas da politica inconsistente e paradoxal que tem marcado a Europa, sobretudo após a introdução do euro. Estão, literalmente, falidos e são agora acossados com «programas de ajuda» que não são mais do que empréstimos usuários que ainda os enterram mais.

É  elementar regra da ciência económica aquela que nos diz que qualquer empréstimo deve ser  adequado à capacidade de endividamento e de pagamento do devedor, sob pena de se transformar em projeto de morte o próprio projeto de cura.

A capacidade de endividamento não pode, por isso mesmo, ser nem uma abstração nem um valor fora da realidade, devendo fixar-se em termos coerentes com a efetiva capacidade de  recuperação do devedor, sob pena de o asfixiar ou de o tolher,  de tal forma que ele acabará em incumprimento.

Os modelos de «ajuda» adotados no «tratamento» das economias da Irlanda, da Grécia e de Portugal são absolutamente inadequados à resolução dos problemas destes países, por várias razões.

Em primeiro lugar, porque são empréstimos de curto prazo, com taxas de juros elevadíssimas com as quais não se pretende outra coisa que não seja um intolerável anatocismo, visando o próprio crescimento da dívida e a exclusão desses países dos mercados de capitais, de forma a que possam ser explorados pelos países mais ricos, que neles ganharão milhões, nas mais valias geradas pelos diferenciais das taxas de juros

Não há, obviamente, ajuda, havendo antes exploração se as instituições internacionais e os demais países vão aos mercados buscar dinheiro a 1% para o emprestarem aos países endividados a 5% ou a 6%, com a fundada esperança de consolidar esse negócio, porque sabem, à partida que eles não conseguirão sequer pagar os juros.

Em segundo lugar, porque, para além do modelo dos empréstimos, os programas que lhes são associados são injustos e provocatórios e, por isso, suscetíveis de criar situações de rotura social e de violência.

Os clichés do Memorando de Entendimento com o FMI, a União Europeia e o Banco Central Europeu estão condenados a ser vistos, a muito breve prazo como instrumentos inadequados, inúteis e ridículos, à semelhança  de documentos idênticos, elaborados pelos comités centrais dos antigos partidos comunistas do bloco soviético.

Eles enfermam dos mesmos vícios, porque foram elaborados por funcionários sem conhecimento e sem preparação, à margem da sociedade e de todo o poder de matriz democrática, como se estivéssemos a assistir a uma processo de sovietização liderado por esse subproduto da velha máquina comunista que é a Srª Merkel, uma física criada na Universidade de Leipzig, que ali permaneceu até à que do muro de Berlim, sem nenhuma história de inconformismo com o decadente sistema comunista do Sr. Honecker e agora se vê transformada em líder de um conglomerado de políticos, que beberam na sua juventude os ideais e os sonhos do estalinismo e do maoismo.

É como se os europeus ressuscitassem Brejenev, Staline ou Mao Tse Tung, para por via de um cocktail dos seus antigos ídoloss, nos imporem a todos, contra toda a ilusão democrática, um plano de ação que afirmam como salvífico mas que, pelo menos os mais atentos, sabem que não dará em nada.

Por falta de líderes  - pior do que isso, com lideres de má qualidade – a Europa está à beira de perder o próprio debate das ideias e de ver sepultadas todas as que procuraram transformá-la num espaço de liberdade, segurança e justiça.

A Europa moderna, a que se reclamava da liberdade, da igualdade e da fraternidade entrou num processo de decadência cuja expressão máxima  reside na sua própria representação, decorrente do alheamento dos europeus pela política e  da ascensão ao poder de oligarcas das mais duvidosas raízes, a começar  pela referida Srª Merkel, que foi, durante toda a vida, até entrar na política, uma aparatchick protegida pelo decadente regime de Honecker, responsável pessoal pelo assassinato de 200 pessoas e libertado em 1993, quando o muro já tinha caído  e ela era ministra do governo alemão. Não se livra de ser considerada a responsável pela libertação do velho ditador.

Não consta que Passos Coelho tenha  já frequentado o curso de estratégia do Bilderberg Club, talvez porque não houve tempo.  Mas as reuniões dessa máfia financeira (que tem um peso imenso) são frequentadas por muitos portugueses,  geralmente considerados insuspeitos, o que prova  por si só que no melhor pano cai a nódoa.

Mas será, seguramente, óbvio para todos que a Democracia está decadente, quase morta, nesta Europa onde o poder reside em superstruturas que não são eleitas por ninguém e que determinam o que bem entendem, sem respeito pelas próprias constituições do Estados.

Um governo de gestão, deposto por um voto parlamentar, assinou com o Fundo Monetário Internacional, a União Europeia e o Banco Central Europeu, um gigantesco empréstimo, que o país não tem condições para pagar. Todos os partidos do Centrão o apoiaram, submetendo-se, sejam quais forem os resultados eleitorais, a um autêntico «estado de sítio financeiro», pois que tudo se passou como a Constituição tivesse sido suspensa, deixando de ser necessária a aprovação parlamentar para a contratação de empréstimos públicos.

Complementarmente (ou como condição do empréstimo) as organizações internacionais impuseram ao país um autêntico programa de governo, que contém medidas tão disparatadas (e ilegais) como a prestação de empréstimos forçados aos bancos, lançando sobre o país (que é composto por todos os contribuintes) o ónus do pagamento.

Ninguém sabe em que condições é que os recursos que são (ou já foram) entregues aos bancos poderão ser exigidos pelo Estado, mas os observadores melhor colocados indicam que são para escrever no gelo, na medida em que os bancos nada receberão, pois que tais recursos são alocados aos seus credores.

Em paralelo a tudo isto, assistimos a uma campanha eleitoral patética, em que os principais dirigentes políticos correm o país a discutir o seu próprio sexo e a sua virgindade, nada esclarecendo, nada debatendo e nada de positivo anunciando.

Parece que chegamos ao grau zero da política, como se nada houvesse a debater ou a discutir, para além da divisão dos lugares da administração e do tráfico de influências que a nova situação potencia.

Pela primeira vez, após o controlo inglês (1808-1820) Portugal  voltou a ser tratado como uma espécie de protetorado, com um governo e um parlamento fantoches que terão que obedecer aos ditames dos esquisitos funcionários da troika.

Até esta qualificação (que apenas Paulo Portas não aceita, substituindo-a pela de triunvirato) é feliz para qualificar a situação.

A palavra «troika» significava originariamente um carro conduzido por três cavalos, sendo depois usada para designar um comité de três membros.  Na União Soviética, a troika era o comité constituído pelos principais titulares do poder: o chefe do estado, o chefe do governo e o líder do partido. Mas foi  no período estalinista que a palavra troika assumiu o significado mais consentâneo com aquele com que é usada  hoje em Portugal, ou seja como um poder de exceção, desprovido de qualquer legitimidade e com capacidade para levar o cumprimento dos programas até ao limite.

No tempo de José Estaline,  as troikas substituíam o sistema legal para perseguir rapidamente dissidentes contrários ao regime ou qualquer cidadão acusado de crimes políticos.

O podo português nunca aceitou o controlo estrangeiro por muito tempo.

O que a História nos ensina é que somos um povo pacífico, mas violento no momento próprio.

Este tipo de medidas – e sobretudo a marginalização a que somos votados – é é conforme com o nosso código genético.

Francamente não acredito ( e no fim de contas não desejo) que a aplicação do Memorando seja uma coisa pacífica, porque estou convencido que será uma coisa desastrosa.

É um plano de ação que serve apenas para obrigar o país a fazer sacrifícios que salvem os banqueiros, sobretudo os estrangeiros, que emprestaram dinheiro aos bancos portugueses para a jogatina do mercado de capitais que nos entalou.

Tudo indica que a economia vai parar, obrigando os portugueses a emigrar para outros destinos e reduzindo ainda mais o crédito de impostos, indispensável  à sobrevivência do Estado.