Talvez seja no fim do ano a época em que, com mais frequência, os cronistas e demais comentadores multiplicam as encruzilhadas, nos seus textos de análise e de prognóstico.
Todos os anos aparece alguém - ou melhor, aparecem vários fazedores de opinião - a dizer que Portugal se encontra numa encruzilhada. Agora também há quen se refera à encruzilhada da Europa ou mesmo do ocidente, como se ninguém, em nenhum destes espaços, soubesse verdadeiramente qual deve ser o caminho a escolher, entre as diversas alternativas.
A expressão peca, no essencial, porque a metáfora não corresponde à realidade.
Nunca como agora foi tão difícil ficcionar a ideia de destino coletivo, como se houvesse, com alguma realidade, uma vontade coletiva a mover as nações ou a União.
A democracia ateniense durou muito pouco tempo.
Os historiadores costumam estabelecer os limites entre 594 a.c. (data da constituição de Sólon) e 322 a.c. (data da tomada do poder pelos macedónios). Foram apenas 272 anos.
As experiências democráticas do Século XX são esparsas e muito frágeis, sucedendo os regimes democráticos atuais, na sua maior parte, a experiências autoritárias de poder, das quais ainda hoje há testemunhas vivas.
Interessante - e gratificante para alguns - é o facto de a realidade das últimas décadas ter demonstrado que, ao contrário do que diziam os clássicos, é possível transformar os adeptos das ditaduras em adeptos da democracia. Temos hoje, em vários países, os antigos ditadores a dirigir regimes liberais,
Interessante - e gratificante para alguns - é o facto de a realidade das últimas décadas ter demonstrado que, ao contrário do que diziam os clássicos, é possível transformar os adeptos das ditaduras em adeptos da democracia. Temos hoje, em vários países, os antigos ditadores a dirigir regimes liberais,
Convencionou-se dizer que, apesar das suas imperfeições, a democracia é o melhor dos sistemas.
A pretexto da sua defesa - e da defesa dos direitos humanos - desenvolverem-se conflitos em várias zonas do globo em termos que, concretamente, visaram a construção de soluções que, pela sua própria natureza, excecionam as regras democráticas mais elementares.
As guerras do Afeganistão e do Iraque são excelentes exemplos dessas contradições, a que se juntaram, em 2011 operações de instabilização (ou mesmo de conquista, por grupos paramilitares equipados por países democráticos) no Norte de África e no Médio Oriente.
Não é preciso ser um especialista para compreender que o principal objetivo das potencias belicistas ocidentais (com relevo para o Reino Unido, a França, a Itália, a Alemanha e os Estados Unidos) tem a ver com os interesses das suas indústrias de armamento e com as vantagens comerciais das guerras.
Não há guerras gratuitas nem auxílios gratuitos, com bem sabem os portugueses, a quem nunca foi devolvido o termo de Olivença, porque nunca pagaram a indemnização prevista no Tratado de Badajoz, que pôs termo à guerra das laranjas,
Até à queda do Muro de Berlim viveu o Mundo partido em dois, com uma parte a aplaudir os defensores dos regimes democráticos burgueses e uma outra a defender a estruturação das sociedades na base dos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário.
Os media - e os dirigentes ocidentais - convenceram meio mundo de que o comunismo acabou com a queda do Muro e de que se acenderam em toda a terra os faróis da democracia.
Trata-se da mais refinada mentira dos últimos séculos.
O comunismo não só não acabou como se afirma vitorioso, na forma inteligente com que a direção do Partido Comunista da China passou a relacionar-se com os países capitalistas.
A Republica Popular da China é hoje o principal produtor das grandes marcas ocidentais, detendo toda a tecnologia de ponta desenvolvida pelos cientistas do Ocidente, antes e depois da guerra fria.
Os chineses têm já hoje a sua própria tecnologia e desenvolvimentos de propriedade intelectual que são próprios, embora não fossem viáveis se os cientistas chineses tivessem partido do grau zero.
Dentro de 20 anos, tomando em consideração os avanços verificados no desenvolvimento tecnológico, a China não dependerá em nada dos países ocidentais, pois que terá o seu próprio research; e, de outro lado, os países ocidentais terão uma enorme dificuldade de concorrer com os fabricantes chineses, apesar da vertiginosa aproximação dos valores dos salários na indústria.
Empresas chinesas aumentam, entretanto, as suas participações em empresas estratégicas ocidentais, como é o caso da Eletricidade de Portugal, em que o Estado português vendeu a sua participação à chinesa Three Gorges, porque esta apresentou a melhor proposta de preço.
O discurso dos direitos humanos . nomeadamente dos direitos políticos e sociais - passou a ser um discurso politicamente incorreto, em termos semelhantes aos que vivemos nos tempos do gonçalvismo, em Portugal, ou nos tempos dos regimes marxistas-leninistas que vigoraram em Angola e Moçambique.
É, obviamente, um sinal de pragmatismo, aliás clássico nas relações políticas.
O Dr. Salazar não criticava, obviamente, o regime nazi, com quem estabeleceu importantes negócios, que o ajudaram a resolver o problema das finanças públicas.
Os discursos a que assistimos hoje lembram, pelo seu pragmatismo, os discursos do volfrâmio.
Os discursos a que assistimos hoje lembram, pelo seu pragmatismo, os discursos do volfrâmio.
Essa é uma das razões pelas quais me parece incorreto dizer que Portugal ou a Europa estão numa encruzilhada.
De modo nenhum.
O ano de 2012 nasce sob o signo da real politik, que já reduziu a democracia politica ao grau mínimo e ameaça reduzir os direitos humanos ao grau zero.
As democracias constitucionais europeias estão hoje suspensas por poderes que não têm raiz democrática, em termos muito mais violentos que os que decorrem dos golpes de estado tradicionais. Os governos dos pequenos países são hoje, todos eles, governos fantoches e os parlamentos deixaram de fazer qualquer sentido, pois que não têm nenhuma autonomia e não há necessidade de os manter apenas afirmar que há liberdade política, uma vez que esta se pode exercer por outros meios, nomeadamente por via da comunicação. A gestão da divida pública se incumbirá de cortar essa despesa com este mesmo argumento.
Quanto aos direitos humanos, parece-nos óbvia a tendência de os nivelar pelos parâmetros das forças que, na realidade e em prospetiva, se afirmam vitoriosas.
2012 vai ser um ano muito importante tanto para China como para o Mundo.
O Presidente Hu Jintao vai chegar ao fim do seu mandato, como secretário-geral do Partido Comunista, como presidente da Comissão Política do PCC, como presidente da comissão militar do PCC e como presidente da República da China.
Não significa isso, tampouco, que a China esteja numa encruzilhada.
Tudo será resolvido em meia dúzia de dias no Congresso do Partido Comunista da China e tudo correrá bem, sem conflitos nem divergências. Provavelmente vai ser eleito Xi Jinping, o que permite que, desde já, todas as outras nações do Mundo se preparem para o reordenamento que estas mudanças implicam.
Nem sequer o Euro está numa qualquer encruzilhada ou em qualquer crise.
O Euro é a moeda mais forte do Mundo e não há nenhuma crise do Euro, bem pelo contrário.
O Euro é uma moeda forte porque, ao contrário do que acontece com o dólar, o Banco Central Europeu não põe as rotativas a funcionar sempre que há uma crise.
O problema não está no Euro mas no sistema financeiro, que está falido, porque os bancos ultrapassaram todas as normas prudenciais na gestão do crédito e não dispõem dos montantes neles depositados nem de maneira de os recuperar, para os devolver aos depositantes.
Pôr em causa o Euro, em vez de pôr em causa os bancos e as políticas por eles adotadas é qualquer coisa que pode compreender-se em termo de tendência, mas que será muito difícil de explicar aos europeus.
Eles terão muito mais dificuldade em compreender uma eventual tentação para a extinção do Euro - que redundaria numa autêntico roubo, para proteger os bancos - do que compreendem a efetiva alteração dos regimes democráticos e a sua aproximação pragmática de modelos autoritários, hoje considerados como exemplares, como é o caso do modelo instituído pelo Partido Comunista da China.
Ainda num dia destes me dizia um dirigente social-democrata, defensor da intensificação de uma aliança com o glorioso Partido Comunista da China: se os chineses estão felizes, porque não haveremos nós de ficar felizes?
É a real politik...
Miguel Reis
31/12/2011
31/12/2011