sábado, dezembro 31, 2005

Fim de Ano...

Parece que foi ontem a virada do século e já passaram cinco anos.
Os meu filhos cresceram e eu amadureci.
Portugal continua a ser o país mais corrupto da Europa e eu sinto-me um marginal feliz, um conservador relapso, que insiste em não embarcar nessas modernices que sangram esta desgraçada nação.
Este ano perdi vários amigos da minha geração, essencialmente por isso: porque não suportam o que eles qualificam como a minha «malvada língua». Não importa: como amigos destes não vale a pena ter inimigos.
Finaram-se alguns dos mais velhos, de quem guardo gratas recordações, como é o caso de Emídio Guerreiro. Ganhei outros, de quem não deixo o nome, para os não os marginalizarem, também.
Outros passaram a olhar-me de soslaio, como seu eu fosse um polícia ou um inspector de uma coisa qualquer, quando me limito a ser um crítico.
Ainda num dia destes um desses se mostrou agastado quando, numa roda de amigos e conhecidos, questionei a política de comunicação da PT, a propósito dos negócios do sector de media e venda da participação na UOL.
A PT fez passar para os jornais a ideia de que foram fabulosos negócios, nomeadamente o da UOL, que lhe terá permitido realizar um lucro de 165 milhões de euros. Já ninguém se lembra que a participação da PT na UOL resulta da integração da ZipNet na companhia e que a ZipNet custou a módica quantia de 400 milhões de dólares, dos quais 50 milhões para pagamento a advogados e consultores.
Já ninguém se lembra, tampouco, de quanto custou a Lusomundo e é importa que tudo isso seja esquecido, para que os otários não voltem para a rua questioner a competência dos gestures e a limpeza dos negócios.
Um dos dramas deste país está em que a sua riqueza se esvai de um lado na corrupção e de outro na especulação e no engano dos investidores, sem que aconteça o que quer que seja.

Foi uma surpresa para mim a qualidade de José Sócrates como primeiro ministro. Mas todo o terreno está minado à sua volta. Por mais que ele queira é quase impossível dar a volta a isto.
E se Cavaco ganhar vai ser o fim: é o bloco central de interesses na sua melhor forma e o fim da ética como referencial na política, a benefício de um economicismo que apenas permitirá o enriquecimento dos grandes e de uma teia de oportunistas sem ética e sem escrúpulos que aproveita os benefícios do «centro».
É que a corrupção de que falo não tem nada de ilegal, bem pelo contrário.
Pagar 1.000 pelo que vale apenas 500 só se justifica por via de uma actividade corrupta; mas é de uma dificuldade extrema provar onde esta corrupção existe, porque ela respeita, de um ponto de vista formal, todos os requisitos legais.
Vimos o que aconteceu com a formação profissional, área em que se gastaram milhões sem nenhum resultado.
Ouvimos agora falar de negócios milionários, também eles absolutamente regulares, mas em que é impossível deixar de pensar que alguém está a ganhar muito dinheiro de forma legal mas eticamente reprovável.
Ainda recentemente o Tribunal de Contas publicou um relatório sobre a reforma consular que indicia, de forma espantosa, comportamentos deste tipo. Mas não acontece nada, porque a fronteira entre a má gestão e a corrupção é difusa e a má gestão não é punida.
O Plano Tecnológico promete ser fonte da nova onda de práticas corruptas.
São milhões de euros e ninguém parece interessado em que se implemente um sistema de auditoria rigoroso que anule esta sangria de recursos.
Há negócios que se situam no plano da burla pura e simples, mas não há sensibilidade para os censurar, em boa parte por ignorância das tecnologias que envolvem as realidades.
Campo fértil dessas realidades é o da informática, onde, de vez em quando, constatamos que se gastaram milhões em operações que não valem sequer centenas.
Nuns casos tudo terá acontecido por mero desconhecimento dos responsáveis. Mas noutros estamos perante vigarices no seu estado mais puro.
Nem se diga que o know-how justifica tudo. Hoje o know how é muito aberto e é determinável, com rigor, o tempo útil que um programa demora a construir, sendo, por essa via determinável o seu custo razoável.
Parece, porém, que essa e outras transparências não interessam. Como não interessa nem a transparência e a facilidade dos concursos, que continuam bloqueados com mecanismos indutores de concorrência desleal.
Uma empresa nova mas sem histórico pode ter a melhor tecnologia e o melhor pessoal, mas não conseguirá fazer nada perante a burocracia do Estado se não tiver «histórico» ou não tiver uma grande cunha.

Há vícios que não são apenas estruturais. São estruturantes…
Muitos passam, infelizmente, pelos escritórios dos advogados, a coberto de um conceito ultrapassado de segredo profissional.
Há quem sustente (e é política oficial da Ordem dos Advogados) que o segredo abrange a lista dos clientes de cada advogado, nomeadamente porque a respectiva divulgação prejudicaria os profissionais colocados em pior posição, servindo de instrumento de propaganda dos que estão melhor no mercado.
É um argumento absolutamente falacioso.
O que é importante, na sociedade dos nossos dias, é que o público possa verificar ele próprio a existência de conflitos de interesses, por via de um registo que deveria incluir não só o nome dos clientes como os assuntos tratados quando eles, de algum modo, impliquem uma relação com o Estado ou com uma entidade pública.
Ainda recentemente uma conhecida advogada dizia numa entrevista a um jornal que a sua sociedade tem relações privilegiadas com um conjunto de câmaras municipais e que isso a qualifica, de forma especial, para assistir os particulares que tenham relações jurídicas com tais câmaras. É, obviamente, um raciocínio perverso e completamente viciado. Como é possível sugerir que alguém que tenha um litígio com uma câmara possa confiar no advogado que presta serviços à própria câmara?
Os contratos de advogados com entidades públicas deveriam ser mesmo públicos, para que todos os possamos auditar.
Porque foram celebrados com aqueles advogados e não com outros?
Se se invoca experiência e qualidade na prestação de serviços, onde está ela?
Todos temos o direito de saber, ou este país continuará a ser um país de compadres.
É uma vergonha o que se está a passar, com escândalos escarrapachados todos os dias nos jornais, envolvendo gente que passou ou está na política.
Não faz nenhum, mesmo nenhum sentido, que um advogado que queira dedicar-se à política possa continuar a advogar enquanto é deputado. Mas, sobretudo, é chocante que dele não haja um registo público de interesses que permita aos cidadãos saber que relações têm que possam ser beneficiadas pela sua actividade política.
Ou José Sócrates tem a coragem de mexer destas coisas ou acabará por ser sufocado por esta pouca vergonha.
O perigo está no bloco central de interesses que se consolidará, de modo fortíssimo, se Cavaco Silva ganhar as eleições. Por isso até há pessoas no PS a quem incomoda a ideia de Mário Soares vir a vencer.
O objectivo principal de 2006 deveria ser o de tirar Portugal do topo dos países corruptos na Europa.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Dúvidas metódicas

Mário Soares é o candidato apoiado pelo Partido Socialista. Porém não se vê o apoio... Parece que o partido (que são os militantes) está congelado ou proibido de apoiar.
Tenho notícias de estruturas que querem fazer campanha, convencer cidadão que ainda não decidiram o sentido de voto, a votar Mário Soares. As «instruções» são no sentido de que devem ficar parados, porque não se quer que se veja a acção do partido.
Isto é um paradoxo... Ou será que esta candidatura é uma coisa muito mais complexa e bem diversa do que foi anunciado: uma operação de assassínio político de Mário Soares?
Há uma coisa de que não tenho dúvidas: Soares só ganhará as eleições se, para além do seu esforço pessoal, o PS se envolver interessadamente na campanha.
Por ele, com um grupo de amigos e acompanhantes, está a fazer o máximo.
Este País não pode parar, nem ficar à mercê do bloco central de interesses que nos oferece escândalos todos os dias...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Para memória futura...

Para memória futura, aqui fica a mensagem de fim do ano do Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas
Conselho das Comunidades Portuguesas conselho permanente


MENSAGEM DE FIM DE ANO


Caros Compatriotas,

Nesta quadra festiva formulo a todos os nossos compatriotas, Portugueses ou descendentes de Portugueses, residentes no estrangeiro, votos de Festas Felizes e um Ano de 2006 cheio de Prosperidade.
Sabemos que uma parte importante dos Portugueses que residem no estrangeiro estão bem na vida, mas não podemos esquecer aqueles que residem em países com problemas político-económicos que os privam das liberdades mais fundamentais. Também temos compatriotas nossas que vão passar esta quadra nas prisões, nos hospitais, e por vezes em casa, mas em condições de pobreza e de isolamento que em nada correspondem ao ambiente de festa que o Natal e a Passagem de Ano evocam.
Para além duma “simples” formulação de Votos de Festas Felizes, o Fim do Ano é também um período propício a retrospectivas e a balanços. No que diz respeito às Comunidades Portuguesas, força é de constatar que as mudanças não têm sido muitas. Há um sentimento de descontentamento constante na emigração. Um sentimento de abandono que persiste ao longo dos anos, independentemente das cores partidárias dos Governos. E esta situação não é natural. Têm sido dados, é verdade, alguns passos que consideramos positivos como por exemplo a recente abertura de um escritório consular na ilha da Córsega, a “automatização” do recenseamento eleitoral, a assinaura de acordos em matéria de Segurança Social com a África do Sul. A criação de um “Consulado Virtual” (em preparação) e da “Escola Virtual” (já implementada) também são passos interessantes, mas o Conselho das Comunidades Portuguesas considera que não resolvem, de maneira nenhuma, os problemas crónicos do atendimento consular e do ensino da língua portuguesa no estrangeiro. A estes problemas ninguém tem encontrado soluções.
O Conselho das Comunidades Portuguesas tem mantido um diálogo constante com o Secretário de Estado das Comunidades, mas força é de constatar, mais uma vez, que a Secretaria de Estado também não tem os meios necessários para resolver estes e outros problemas. O Orçamento de Estado para 2006, recentemente votado e aprovado, é disso o exemplo mais flagrante. É neste contexto que já tivemos reuniões com o Presidente da República, e muito recentemente estivemos reunidos com os Grupos Parlamentares com assento na Assembleia da República e com a Comisão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Foram reuniões ricas que esperamos continuar a ter.
Também é neste contexto que solicitámos uma reunião com o Ministro dos Negócios Estrangeiros e temos já agendada, para Janeiro, uma reunião com o Primeiro Ministro. O Conselho das Comunidades Portuguesas está actuante e vigilante, como elo de diálogo com o Governo, com a Assembleia da República e com as demais Instituições portuguesas. Vamos continuar a levar os problemas e as preocupações de quem nos alegeu, até que estes sejam resolvidos. Vamos continuar na nossa trajetória de trabalho, seguindo uma acção serena, mas determinada, no sentido de atingir o grau de credibilidade necessário a permitir o debate efectivo dos problemas que afligem as nossas Comunidades, de forma coerente e responsável, longe dos desnecessários embates ideológicos e partidários aos quais o CCP deve estar alheio. Neste momento de crise económica, o nosso país tem de “descobrir” enfim, que tem cerca de cinco milhões de Portugueses e de seus descendentes, a residir no estrangeiro, que podem ser de grande utilidade para Portugal. Mas para isso, têm de ser ciadas as “pontes” que ainda não existem. Tem de haver uma verdadeira política para as Comunidades. São estes os votos que formulo para 2006.
Aos nossos compatriotas residentes no estrangeiro, peço que se inscrevam nos cadernos eleitorais, que procedam ao seu recenseamento e que votem, porque estou consciente que é com o voto poderemos chamar a atenção dos nossos governantes. Desejo a todos um Natal cheio de Paz, Harmonia e Amor, no convívio confortante das nossas respectivas famílias. Que no Ano Novo que se aproxima possa realizar os nossos sonhos, na conquista de melhores condições de vida, onde a saúde e a felicidade nunca faltem.
Carlos Pereira
Conselho das Comunidades Portuguesas Presidente do Conselho Permanente
Dezembro de 2005

sábado, dezembro 17, 2005

O milagre de António Costa

António Costa anunciou hoje que 1000 automóveis da GNR e da PSP passaram hoje a poder ter acesso a uma base de dados.
Há meses que isto poderia estar operacional, mas ninguém se lembrou.
É moderno, operacional, eficaz.
Não compreendi é como é que um projecto como este custa 2 milhões de euros.
Contas de cabeça:
1. Um laptop custa 1.000 euros, mas se se comprarem 1.000 não custa mais de 600 euros.
1. Um palmtop com acesso à internet custa cerca de 600 euros, mas o valor também baixa substancialmente, se a compra for de quantidade apreciável.
Uma ERP adequada ao processamento dos dados não custa mais de 20.000 euros.
Há aqui uma diferença... que sugere que alguém ganhou muito dinheiro com esta operação que é um ovo de Colombo.
De qualquer modo, parabéns António Costa.

Portugal: um país enconado, segundo o El País

Segundo o El Pais, de Madrid, «los dos candidatos socialistas a las elecciones presidenciales portuguesas del 22 de enero mantuvieron un debate tan agrio ante las cámaras de televisión que hasta Aníbal Cavaco Silva, el candidato de centro-derecha y mayor beneficiado de esta división fratricida, se mostró ayer "sorprendido" por la "dureza y acritud" de la disputa.»
Não somos apenas nós quem pensa que Portugal é um pais enconado.
Também os espanhóis...

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Bom senso e bom gosto

Tinha jurado a pés juntos que não voltaria a intervir no forum PortugalClub, do Casimiro Rodrigues.
Depois dos insultos a Mário Soares ali publicados, não resisti e enviei uma mensagem que, obviamente, o «director-presidente» não publicou.
Aquilo é dele, é ele quem paga ao provedor de Internet e, na lógica da propriedade privada, tem todo o direito de fazer o que quer, a começar por censurar os textos e por só publicar o que bem entende.
Nessa matéria, já estamos falados há muito tempo.
Esse é um dos aspectos em que o Casimiro é sério: só sai o que ele entende que deve sair.
A meu ver, foi infeliz, ao publicar um texto do blog http://arraiamiuda.blogspot.com/ que compara Mário Soares a Milosevic, acusando-o se d ser responsável por milhares de mortos.
Casimiro tem (agora) um ódio de morte a Mário Soares, não se sabe bem porquê, talvez porque é retornado da África e não conseguiu compreender o processo de descolonização.
Mas, em contrapartida, é militante do Partido Socialista - cujo programa seguramente não conhece - e apoia Manuel Alegre que foi um dos mais valorosos combatentes do colonialismo português.
Apesar de o homem adorar o ditador Salazar, a quem tece as mais ardentes loas, e de ter saudades do Portugalinho miserável que o obrigou a partir, almocei há uns tempos com ele em Lisboa, com o respeito que sempre voto às pessoas que, por causa da política obscurantista da ditadura, nunca tiveram oportunidade de atingir um nível médio de escolaridade mas têm a esperteza e a ousadia de fazer coisas notáveis.
Este Casimiro - tiro-lhe o chapéu - conseguiu montar um grupo de discussão frequentado por toda a gente que tem alguma intervenção nas comunidades portuguesas da diáspora. E toda a gente lhe vai ao beija mão e não o contraria, porque se contraria ele tem a tesoura e censura.
Tipo esperto, muito engraçado, atrevido...
É um daqueles protótipos em vias de extinção e por isso é bom que ele continue, para que possa ser visto, lido, observado pela gente que pensa a sociedade.
Não tenho dúvidas em afirmar que o trabalho do Casimiro e a deferência que lhe é dada pelos confrades poderia ser um excelente tema para um doutoramento numa universidade, porque é um caso, julgo que único nas comunidades portuguesas.
Por uma questão de bom senso e de bom gosto, eu não volto a escrever para aquele forum.
Mas vou continuar a lê-lo e a comentá-lo quando for necessário.
Aqui fica a última mensagem que lhe enviei e que, obviamente, não podia ser publicada:
Tinha prometido a mim próprio não voltar a participar no Portugal Club, por ter divergências relativamente à condução que dele faz o Casimiro, que ultrapassam todos os limites do conciliável.
Não significa isso que eu seja inimigo do Casimiro ou que tenha por ele menos consideração.
Bem pelo contrário: acho que é um homem arrojado, com todo o mérito que isso tem.
Respeito as suas posições e o exercício que faz das suas liberdade, de acordo com as suas opções. Mas discordo profundamente tanto das posições como da maneira que ele escolheu para exercer a sua liberdade de escrita.
A questão essencial que nos divide está no seguinte: a meu ver a liberdade de imprensa não pode exercer-se na base do insulto gratuito e do atentado permanente contra o direito à honra dos demais cidadãos.
É nisso que reside um dos pilares da Democracia.
Antes de tudo, eu não posso concordar que o director deste espaço apadrinhe o insulto gratuito a quem quer que seja. Foi Mário Soares, como poderia ser Cavaco Silva ou Jerónimo de Sousa.
Outra coisa são divergências políticas. E essas discutem-se e debatem-se noutro tom.
Se querem falar da descolonização, pois então falemos…
Qualquer pessoa sensata sabia que não éramos mais de dois milhões nas colónias ditas portuguesas; pouco mais do que os emigrantes que nos anos 60 e 70 tinham ido a salto para a Europa.
Toda a gente sabia, desde o princípio da década de 60, que as independências eram uma questão de tempo, pelo que deveriam ter sido preparadas, como o fizeram os países civilizados.
Toda a gente podia aperceber-se de que não havia nenhuma ligação entre o Povo que vivia no Continente e os que viviam nas colónias.
Só foram para a guerra os que não conseguiram evitá-lo…
E não foram apenas os estudantes, como eu era. Foram milhões de homens em idade de poder prestar serviço militar, que fugiram para França, para a Austrália, para a América, para a Venezuela, para o Canadá e para o Brasil, porque não tinham nenhuma quinta nem nenhum interesse para defender em África.
Portugal era, em 1974, um país miserável, com a maior taxa de analfabetismo da Europa, sem serviços de saúde, sem direito à reforma da maioria da população.
Uma viagem de Lisboa ao Porto demorava seis horas e uma viagem de Lisboa a Bragança demorava doze horas.
Hoje vai-se de Lisboa ao Porto em 3 horas e de Lisboa a Bragança em 5.
Tínhamos em 1974 um exército exausto, incapaz de continuar um combate sem futuro. E tínhamos uma população portuguesa nas colónias manifestamente diminuta e impreparada para forçar o jogo democrático.
Era evidente que não poderia essa população continuar a ter o domínio político, pela impreparação da maioria e pelo seu reduzido número.
Era previsível, como acontece em todas as revoluções, que essa população fosse atacada, como se veio a verificar.
Mário Soares e António de Almeida Santos foram os grandes artífices de uma operação de que já ninguém se lembra: a do retorno a Portugal de todos os que quisesse regressar.
Um pequeno país, miserável, à beira da falência conseguiu trazer para casa e integrar mais de um milhão de pessoas, o que correspondia a cerca de 10 por cento da sua população.
Houve danos, como era previsível. Mas foram comparativamente menos graves do que os sofridos pelos franceses na Argélia e no Congo e que os sofridos pelos belgas no Zaire.
A descolonização não foi exemplar, porque não há descolonizações exemplares. Todas foram processos turbulentos e traumáticos…
Mas a nossa descolonização seria muito mais traumática se não fosse a acção de Mário Soares, pelo que é de uma enorme injustiça a onda de calúnias que lhe é dirigida.
Portugal esteve à beira de uma ditadura de sinal contrário em 1975.
Quem veio para a rua defender as liberdades? Quem tomou a liderança do grande combate que conduziu ao afastamento do Partido Comunista da área do poder?
Quem esteve na frente daquela grande manifestação na Fonte Luminosa que foi o princípio do fim do poderio dos comunistas? Quem esteve com os militares moderados do «grupo dos 9» no 25 de Novembro.
Foi novamente Mário Soares, o mesmo que, contra a opinião de Cavaco Silva forçou a entrada de Portugal na União Europeia, que arrancou o país de um quadro de miséria que a todos nos envergonhava.
Estava convencido de que o Casimiro tinha apreço por estes pequenos passos da História e que teria sido por isso que se inscreveu no Partido Socialista.
Estava convencido de que, apoiando como declarou apoiar a candidatura de Manuel Alegre – uma das personalidades mais carismáticas da luta contra o colonialismo português, a partir da rádio «Voz da Liberdade» sedeada na Argélia – não cooperaria na sujice que aqui se fez, insultando-se um cidadão que é, ele próprio, a personificação do Portugal moderno de que todos nos orgulhamos.
Enganei-me e fico triste.
Acho que o melhor que o Casimiro tem a fazer é mesmo demitir-se do Partido Socialista, onde, obviamente não podem caber pessoas que pensam como o senhor pensa. Talvez haja outro partido em que o Casimiro tenha lugar, porque a democracia tem essa enorme virtualidade que não tinha o regime do Dr. Salazar que o Presidente do PortugalClub tanto aprecia.
Espero bem que o Casimiro não venha num dia destes a defender a destruição das pontes e das auto-estradas e o encerramento das escolas, para voltarmos aquele Portugalinho que tanto se distinguia dos demais países europeus, por ser o mais miserável de todos.

Miguel Reis
Lisboa

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Perigo e insensatez...

Há leis que são más.
Há outras que são simplesmente perigosas.
Imaginem que qualidade pode ter uma «Justiça» que exige que as alegações de um recurso de decisão num processo em que houve dezenas ou centenas de sessões sejam apresentadas no prazo de quinze dias (corridos) após a leitura da sentença.
Há julgamentos que duram mais do que 15o horas pelo que, sem mais, a audição das gravações demora um mínimo de 150 horas, que correspondem a 15 dias de 10 horas.
Pergunto como é possivel fazer um trabalho sério com estas limitações.
Um perigo e uma insensatez...
Seria razoável que o prazo fosse de quinze dias acrescidos de 1 dia por cada 5 horas de gravação.
É o mínimo para que se possa falar de seriedade de processos.
Acórdão do STJ n.º 9/2005, de 11 de Outubro de 2005
Processo n.º 3172/04, Pleno das secções criminais / Supremo Tribunal de Justiça. Henrique Gaspar, relat.
"Nestes termos, confirma-se o acórdão recorrido, fixando-se a seguinte jurisprudência: Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil". In Diário da República. - S.1-A n.233 (6 Dez. 2005), p.6936-6941. https://www.dre.pt/ Texto disponível na Bases de Jurisprudência do STJ: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase
Sem palavras... Posted by Picasa

terça-feira, dezembro 13, 2005

Pelo preço que ma contaram...

LEXPRESS.fr - Le transport aérien - Airbus : les dessous du contrat chinois - L'Express

Quando da última visita de Putin a Lisboa, nos finais do ano passado, foi pedido a um empresário português, com boas relações com a Rússia, que sondasse o presidente russo no sentido de apurar da sensibilidade do seu governo para reduzir os fornecimentos de petróleo à China e melhorar os seus fornecimentos à América.
Putin terá mandado dizer que estaria disposto a aceder ao pedido desde que os americamos ajudassem a Rússia a modernizar a sua indústria aeronáutica. Segundo me contou então o referido empresário, passados dois os chineses pediram à Airbus que mandassem um enviado a Pequim.
O caixeiro-vianjante meteu-se num avião e estava lá passadas menos de 48 horas.
Os chineses terão comunicado que pretendiam que a Airbus lhe fabricasse 1.500 aviões em cinco anos, o que corresponde a bem mais do que a produção de toda a companhia.
Respondeu o viajante que era difícil e responderam os chineses que não, pois que eles próprios poderiam ajudar.
Parece que a informação tinha algum fundo de verdade.
Na semana passada viajei para Londres com um português que vive na China e que me disse que a Airbus já tem estruturas industriais na China e que e que vai fazer uma fábrica naquele grande país.

sábado, dezembro 10, 2005

A desgraça da Justiça

EXPRESSO

Isto vai de mal a pior porque os senhores que mexem na Justiça não têm a mínima noção do que andam a tratar.
Ou são advogados de negócios ou são jovens talentosos mas sem experiência.
Grave, gravíssimo, é que não tenham a minha noção do que estão a tratar.
Não é razoável pretender-se que depois, às vezes, de inúmeras sessões de julgamento na primeira instância, se pretenda que o recurso seja minutado em quinze dias.
Destroem com isto (será esse o objectivo) a qualidade da reflexão jurídica e arrastam para o abismo uma área em que ela afirma ainda alguma qualidade.
Claro que, depois do aperto dos quinze dias para as partes, os juizes vão ter todo o tempo para reflectir sobre as insuficiências das alegações das partes.
É uma tristeza...

A pitoniza

EXPRESSO

A pitoniza mostra alguma irritação no debate desta semana, or Cavaco estar hirto e não reagir, como quem toma Xanax antes dos debates.
Mas mostra ainda maior irritação porque Soares mexe e ela desejaria, como se vê do texto, um Soares morno, morto e menos activo.
O modelo dos debates é mau, porque não permite o debate.
Foi claramente definido, para proteger Cavaco. É um modelo à medida de Cavaco.
Mas que se peça a Soares para ficar quedo é uma rasteira quase tão grande como induzir a ideia de que todos os candidatos da esquerda deveriam unir-se e desistir a favor de um na primeira volta.
A vitória de Soares ou Alegre depende, essencialmente, de tempo.
Por isso é indispensável passar à segunda volta.

Interessante interpretação da lei

EXPRESSO

Muito interessante a interpretação da lei no caso dos impostos de Saramago. Muita gente andará já à procura do parecer para aplicação a casos análogos.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

O negócio das putas...

Conhecem-se, de vez em quando, casos de tráfico internacional de mulheres e crianças.
São situações gravíssimas, que merecem a maior vigilância e o maior cuidado das polícias.
O grosso do movimento de prostitutas que alimenta a Europa em geral e Portugal em particular não resultará, no entanto, de operações de tráfico.
As meninas, normalmente provenientes do Leste ou da América Latina vêm, normalmente para a Europa de livre vontade e com o específico objectivo de se dedicarem à prostuição.
Tenho sido solicitado, como advogado, a assistir estrangeiras que são impedidas de entrar no País por se suspeitar que vêm trabalhar.
Curiosamente nunca vi nenhuma prostituta nessa situação.
Tenho assistido estudantes, empregadas de restaurante, cabeleireiras, pessoas que vêm com a intenção de prestar serviços doméstivo.
Mas nunca encontrei uma prostituta impedida de entrar em Portugal.
Mas já dei conselho jurídico a várias prostitutas em Portugal, que procuravam regularizar a situação da sua estadia e por essa via tomei conhecimento de que há «esquemas» para evitar que haja problemas nos aeroportos.
Recentemente fui consultado em S. Paulo por duas prostitutas de Goiânia, em cujos passaportes as autoridades de fronteira puseram carimbos em cruz, com jeito de sinal.
Expliquei-lhes o que dizem as nossas leis, informando-as de que, provavelmente, não conseguiriam entrar de novo em Portugal, por serem suspeitas de imigração ilegal.
Contaram-me que no mesmo voo iam mais umas quinze, da mesma cidade e que entraram todas.
Só elas foram impedidas de entrar em Portugal.
Como se pode explicar isso?
O que me disseram foi que todas as outras tinham pago em Goiânia o preço de uma «facilidade», no valor de 2.000 reais. E que elas se recusaram a pagar.
Ao que me contaram há um agente de viagens que «organiza tudo», incluindo a facilidade de entrada, cobrando um valor adicional. Como elas se recusaram a pagar esse valor, concluiram que está aí a razão de lhes ter sido impedida a entrada no País.
É uma história incrível, mas é uma história que nada tem a ver com tráfico de mulheres.
Tem a ver, provavelmente, com corrupção e nada mais.
Das conversas que tenho tido, no Brasil e em Portugal, com mulheres ques e dedicam à prostituição em Portugal ficou-me a ideia geral de que há um fabuloso negócio, aproveitando as dificuldades que as brasileiras encontram nos aeroportos da Europa, especialmente em Portugal. Só quem paga a tal comissão de agência, ao que dizem, tem a segurança de poder entrar no País.
Tive conhecimento de dois ou três casos em que fazia parte do contrato que o agente arranjasse às mulheres autorizações de residência e em que não cumpriram as promessas. Naturalmente que nada podia fazer, de um ponto de vista jurídico porque as pessoas em causa não tinham emprego no país.
Sei que num dos casos uma dessas mulheres conseguiu, mais tarde, uma autorização de residência fundado num contrato de trabalho simulado, que, segundo me disse, custou 1.500 euros.
Demonstram estes casos que há indícios de um negócio de grande monta relacionado com a imigração das prostitutas estrangeiras para Portugal. Mas nestes casos, como na generalidade, não há nenhum indício de tráfico de mulheres. São elas que querem vir e querem efectivamente prostituir-se, de boa vontade. Não havendo meios legais que lhes permitam assumir os seus projectos recorrem a serviços ilegais de engajamento, como o faziam os emigrantes portugueses que saltaram para França nos anos 60 e 70.
Não é possivel acabar com estes fluxos de um dia para o outro.
A única forma que vejo de pôr termo a esse negócio de engajamento está na regulação da prostituição e no licenciamento da entrada das mulheres que queiram praticar em Portugal, afectando-as a um estabelecimento e sujeitando-as a obrigações sanitárias e fiscais.
O País não tem números sobre o volume de divisas que são exportadas pelas prostitutas. Mas são milhões e milhões de euros, completamente isentos de impostos.
O mais interessante é que todas as putas em quem perguntei se gostariam de estar legais mesmo que isso implicasse o pagamento de impostos me disseram que achavam isso preferível do que manterem-se na condição de clandestinidade em que se encontram.
Se há casos de maus tratos que não são denunciados isso deve-se, acima de tudo, ao medo de serem expulsas.

Imagens do futuro

Será que vai ser assim??? Posted by Picasa

Vamos ter um observatório das putas

De um lado fala-se em reduzir o peso do Estado.
Do outro inventam-se cargos, funções e empregos. Agora vamos ter um observatório das putas.
É obvio que há tráfico de mulheres e surgem nos jornais, de vez em quando, notícias de situações graves, de para-escravidão.
Isso é um problema de polícia que tem que ser resolvido pelas polícias, não precisando de mais observadores no mercado.
Talvez precise é de mais inspecção de forma a apurar eventual responsabilidade das polícias na tolerância do tráfico e da própria prostituição.
E precisa, seguramente, de regulação.
Temos a internet cheia de anúncio de putas que ganham a sua vida em Portugal.
Temos os principais jornais cheios de anúncios de putas -e não deveríamos estar indiferentes a isto.
O que preciso - e é urgente - é criar medidas sanitárias que responsabilizem as profissionais do sexo e as obriguem a uma certificação de qualidade sanitária.
De outro lado é preciso regularizar a situação destas pessoas, que são na maioria estrangeiras e que estão numa situação muito débil porque são clandestinas.
Não são precisas casas de acolhimento de putas, que já há muitas, publicitadas nos jornais todos os dias.
O que é preciso é garantir às putas que não são mais exploradas porque são clandestinas.
Legalizá-las, dar-lhes um alvará que lhes permita actuar no País com toda a liberdade desde que respeitem as regras sanitárias e as leis nacionais, garantir-lhes a cidadania tributária.
Não há nenhuma razão para que as centenas de estabelecimentos de prostituição que funcionam no País sejam uma espécie de zona de off-shore.
Ainda se pode admitir que a prostituição doméstica, em prática isolada, aquela da puta sozinha e sem anúncio, que opera só com clientes de telefone, sem anúncio de jornal, seja sujeita a uma espécie de pagamento por conta e tenha um regime de tributação simplificado.
Mas já não se admite que isso aconteça na prostituição organizada, na base de estabelecimentos públicos, com anúncios nos jornais.
Óbvio que deve ser uma actividade sujeita a IVA à taxa normal e que as profissionais devem emitir recibo.
Vou até mais longe: cada uma dessas casas com anúncio no jornal deveria ser proibida de receber dinheiro, obrigando-se os clientes a pagar na caixa de Multibanco mais próxima e a apresentar a senha no momento da prestação do serviço.
Isso já está tudo estudado desde que se adptou o novo sistema de pagamento da taxa de justiça, que, como todos sabem é paga por esse meio.
Aí sim, se se avançasse por ai, talvez valesse a pena criar e manter o tal observatório das putas, que, a par de gente da segurança social, podia ter umas funcionárias do fisco, para fazer a fiscalização e para evitar a tentação que os fiscais, sendo homens, naturalmente teriam.
Não vale a pena ter pena das mulheres que vêm para a putaria em Portugal e deixam os filhos no estrangeiro, para quem precisam de mandar dinheiro.
Estes fluxos são conhecidos; esse tipo de emigração só dura enquanto a actividade for rentável.
De qualquer modo a louvável preocupação de proteger as putas carenciadas só é viável se, previamente, se lhes conceder a cidadania tributária e se for possivel sujeitá-las a uma verificação de rendimentos.
De outro modo corremos o risco de os subsídios se transformarem numa facilidade que permitirá que alguém obtenha favores sexuais pagos pelo orçamento do Estado.
Deixem-se de ser puritanos e puritanas.
E abandonem de vez essa apropriação indevida do chavão marxista da «exploração».
A «exploração sexual» não existe.
O que existe é um fabuloso negócio que se chama putaria e que está isento de impostos.
E a putaria não tem nada a estudar por não ter nada de obscuro, para além dos ambientes em que normalmente se pratica.
Os senhores ministros e os senhores secretários de Estado e as senhoras dos tais projectos que se tirem dos gabinetes e vão às putas.
Comprem o Correio da Manhã, escolham aquela página e apareçam à senhora do anúncio como se fossem clientes. Vão ver que nenhuma lhes diz que está na escravatura.
Ou vão ao Elefante Branco, ou ao Gallery, ou a mais meia dúzia de estabelecimentos especializados...
Depois sejam intelectualmente sérios e não digam barbaridades.
O grande factor de dependência de que sofrem as putas em Portugal está nessas meias tintas de poderem anunciar os seus serviços nos jornais que os senhores ministros leem, ganharem muito acima da média dos portugueses e inexistirem regularmente, porque são clandestinas e vagabundas, naquele sentido de que não têm como provar de onde lhes vem o que efectivamente ganham.
06-12-2005 19:10:00
Fonte LUSA
Notícia SIR-7551336
Temas: justiça sociedade portugal prostituição crimes segurança
Tráfico mulheres: Portugal terá até 2007 observatório permanente de segurança

Lisboa, 06 Dez (Lusa) - Portugal vai ter até 2007 um observatório permanente de segurança que trabalhe sobre as questões relacionadas com o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, foi hoje anunciado.
A coordenadora do CAIM - Projecto Piloto na Área da Prostituição e Tráfico de Mulheres em Portugal -, Isabel Varandas, revelou que o observatório, já aprovado pelo Governo, vai ser criado junto do Ministério da Administração Interna e terá como funções reunir informações permanentes e elaborar estudos sobre o fenómeno.
Em funções há quatro meses, o projecto CAIM realizou hoje em Lisboa o primeiro fórum para debater o problema e os modos legais de intervenção.
De acordo com Isabel Varandas, o projecto CAIM pretende "conhecer melhor um problema profundamente obscuro", o tráfico de mulheres, aumentar a investigação sobre o fenómeno, apoiar e integrar as vítimas.
No âmbito do CAIM deverá ainda ser criada uma casa de acolhimento para mulheres traficadas e um guia de registo de denúncias, a ser usado pelas forças de segurança, adiantou a responsável.
Durante o fórum, Isabel Varandas propôs a necessidade de se criar uma "estrutura de acolhimento de emergência" para apoiar as prostitutas.
Nesta estrutura, as pessoas reflectem se querem ou não denunciar a sua situação e têm um acompanhamento médico, psicológico e judicial, afirmou, acrescentando que posteriormente serão avaliadas por uma comissão independente que definirá a sua condição ou não de vítima.
"Caso sejam consideradas vítimas de tráfico, são colocadas numa instituição de acolhimento temporário", sugeriu, sublinhando que, neste local, as vítimas receberiam apoio e seriam integradas na sociedade.
A responsável considerou ainda que as vítimas de tráfico deveriam receber "um rendimento de integração".
"As vítimas são mulheres exploradas e em condições de vulnerabilidade. Muitas delas vieram para Portugal, deixaram os filhos nos países de origem e precisam de enviar dinheiro todos os meses", disse.
Isabel Varandas recomendou ainda que é necessário transpor para Portugal a legislação que está em vigor na União Europeia relativamente a esta matéria.
Também o secretário de Estado Adjunto da Justiça, José Conde Rodrigues, considerou necessário "actualizar a legislação portuguesa", adiantando que no âmbito das reformas do processo penal e direito penal, que vão estar em curso em 2006, o tráfico de pessoas para fins sexuais terá de ser incluído.
O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, sublinhou que "no quadro de um trabalho que está a ser orientado pelo Ministério da Justiça vai haver a revisão de alguns instrumentos legais no combate da criminalidade mais grave e organizada".
Sem especificar mais pormenores, Jorge Lacão acrescentou que vão ser "repensadas algumas soluções para tornar mais eficaz o combate ao tráfico".
O secretário de Estado referiu que o projecto CAIM "é pioneiro no país" e vai permitir "identificar os problemas sociais deste fenómeno e procurar as respostas adequadas".
O projecto "ajuda a tomar consciência que o tráfico de seres humanos é um problema sério", não só da sociedade portuguesa, mas também a nível internacional, frisou.
A Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, os ministérios da Justiça e da Administração Interna, o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, a Associação para o Planeamento da família e a Organização Internacional para as Migrações são os parceiros do projecto CAIM.
CMP.
Lusa/Fim

Falta de transparência

Leio a notícia da Lusa e dou um salto ao site do Conselho Superior da Magistratura.
Continua a ser uma instituição baça, sem a mínima transparência, que oculta ao público as suas deliberações.
Não faz nenhum sentido que uma decisão como esta não seja tornada pública.
Os reguladores só têm credibilidade se forem transparentes.

06-12-2005 20:43:00. Fonte LUSA.

Notícia SIR-7551846Temas: justiça portugal
Casa Pia: Arquivado processo disciplinar contra ex-director PJ Adelino Salvado
Lisboa, 06 Dez (Lusa) - O Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu hoje arquivar o processo disciplinar instaurado ao ex- director da PJ Adelino Salvado no caso das cassetes alegadamente furtadas a um jornalista e relacionadas com o processo Casa Pia.
Fonte do CSM adiantou à Agência Lusa que a decisão de arquivar o processo instaurado ao juiz desembargador Adelino Salvado - que se demitiu da PJ na sequência deste caso - se deveu "à falta de provas", mas a "decisão não foi pacífica" e dividiu o plenário.
A decisão de arquivar foi tomada por maioria simples dos 16 membros presentes no plenário do CSM, que durou o dia inteiro, tendo o caso Adelino Salvado ocupado praticamente todo o período da tarde.
O CSM abriu um processo ao magistrado depois de terem sido publicados na imprensa excertos de gravações de conversas entre o jornalista Octávio Lopes, do Correio da Manhã, e o então director da PJ Adelino Salvado sobre o processo de pedofilia da Casa Pia de Lisboa, entre outras.
O alegado roubo de cassetes ao jornalista do Correio da Manhã Octávio Lopes ocorreu no início de Agosto de 2004.
As cassetes continham gravações de diálogos do jornalista Octávio Lopes com investigadores, juristas, advogados, o director- nacional da PJ Adelino Salvado, a assessora de imprensa da Procuradoria-Geral da República Sara Pina e outras personalidades relacionadas com aquele processo.
Três dias depois de noticiado o alegado roubo, Adelino Salvado, que nas conversas com o jornalista sobre o processo de pedofilia terá feito referências ao nome do então secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, apresentou o seu pedido de demissão do cargo alegando sentir-se isolado pela tutela política.
Numa entrevista publicada poucos dias depois no jornal "Expresso", Adelino Salvado negava ter violado o segredo de justiça durante as conversas com o jornalista do Correio da Manhã.
O CSM - órgão de gestão e disciplina dos juízes - é formado por sete membros indicados pela Assembleia da República, dois pelo Presidente da República, sete pelos juízes e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, por inerência, preside ao CSM.
CC/FC/ARA.
Lusa/Fim

Como vai a advocacia em Portugal?

Vale a pena ler esta notícia da Lusa e reflectir sobre ela.
Paulo Pedroso não foi pronunciado e tanto o Ministério Público como a Casa Pia perderam todos os recursos que interpuseram para o levar a juizo.
O advogado contratado pela Casa Pia - e pago com dinheiros públicos - vem comentar para a imprensa que Paulo Pedroso não foi absolvido, o que sem uma verdade jurídica é indutor de confusão da opinião pública e é ofensivo da imagem de Pedroso.
É que dizer como se diz que não foi absolvido lança um juizo de suspeita sobre a pessoa em causa, que é intolerável quando os tribunais consideraram que não havia fundamento para o acusar ou para o pronunciar.
Pôr em causa de forma tão subtil e subrepticia as decisões judiciais implica a admissão de que poderá ter sido igualmente um erro a acusação e a pronúncia dos que foram acusados e pronunciados.
Se os tribunais erraram ao não pronunciar Pedroso, porque estarão certos ao pronunciar os demais arguidos?
Estamos no meio do pântano e este processo há-de suscitar questões e questões durante anos, porque está pejado de absurdos.
O primeiro absurdo está em ser uma segunda edição de um processo que desapareceu. Ao ponto de, com fundamento no que constava desse processo, se terem feito prognósticos sobre quem iria ser preso na fase seguinte ou quem seria exonerado dos governos.
Segundo absurdo é o silêncio que se mantém sobre os processos resultantes das queixas de Ferro Rodrigues, um político que foi autenticamente chacinado pelo marketing comunicacional da estrutura judiciária.
Terceiro absurdo, talvez o maior, é o da intervenção da Casa Pia como assistente.
A Casa Pia é uma instituição pública a quem cumpria zelar pela segurança dos jovens que se queixam de violência. Deveria estar no banco dos réus, dignamente representada pela sua Provedora, como se sentam nos bancos dos réus os representantes das empresas que concorrem para a prática de crimes.
Não faz é nenhum sentido que seja acusadora - a par do Ministério Público - quando é certo que a haver crimes eles resultam directamente da omissão no cumprimento das suas obrigações.
Interessante, muito interessante, seria que fosse tornado público em que condições foram contratados os seus advogados e quanto recebem.
Todos temos o direito de o saber, tanto mais que é um paradoxo estarmos a pagar, no essencial, não uma acusação mas a defesa do branqueamento de uma instituição que não cumpriu os seus deveres.
Se em vez da Casa Pia isto acontecesse num qualquer Colégio de nomeada da capital, seguramente que os seus directores estariam no banco dos réus, como deveria estar, em representação da Casa Pia, a sua provedora.
06-12-2005 19:26:00. Fonte LUSA. Notícia SIR-7551660
Temas: justiça portugal tribunais
Casa Pia: Tribunal da Relação não absolveu Paulo Pedroso - advogado instituição

Lisboa, 06 Dez (Lusa) - O advogado da Casa Pia Miguel Matias salientou hoje que o acórdão do Tribunal da Relação que mantém a decisão de não levar Paulo Pedroso a julgamento também não absolve o antigo deputado e dirigente socialista.
O advogado comentava assim o facto de o acórdão ter transitado em julgado e assim o caso ter sido encerrado, já que não foram apresentados quaisquer recursos daquela decisão da Relação de Lisboa, que confirmou também, há cerca de um mês, a não ida a julgamento do humorista Herman José e do arqueólogo subaquático Francisco Alves por alegados crimes relacionados com o processo de pedofilia da Casa Pia.
Miguel Matias continua a defender que Paulo Pedroso devia ir a julgamento, justificando com "uma percepção jurídica da realidade":
"o acórdão mantém a não pronúncia, não absolve ninguém".
O advogado desvalorizou também a importância que possa ter para o caso a anunciada decisão de Paulo Pedroso de processar os responsáveis pela investigação do processo Casa Pia.
Questionado sobre se o anúncio dessa intenção poderia condicionar os depoimentos das testemunhas, o advogado afirmou que os jovens "têm continuado a afirmar todas as violências" de que foram alvo enquanto alunos da Casa Pia de Lisboa.
O ex-deputado socialista anunciou hoje a intenção de processar os responsáveis "na condução da investigação" do processo Casa Pia pela sua implicação nos alegados crimes de abuso sexual de crianças de que foi acusado.
Num comentário ao trânsito em julgado da decisão da Relação (que manteve a decisão de não o levar a julgamento), Paulo Pedroso afirma ter pedido à sua defesa para accionar "os procedimentos legais necessários para que sejam reparados os danos" que lhe foram causados pelas "condutas e omissões de deveres" por parte de "quem teve responsabilidades na condução da investigação", sem se referir directamente ao Ministério Público.
"Sei que quem conduziu o inquérito judicial a meu respeito agiu sem presumir sequer a possibilidade da minha inocência", acusa, lembrando que o inquérito foi "avocado pelo próprio Procurador-geral da República".
Numa reacção à decisão de Pedroso, o Procurador-geral da República, Souto Moura, admitiu hoje que a investigação do processo Casa Pia "não foi a ideal", devido a "resistências de todos os lados", e indicou nunca ter recebido provas de ter havido uma cabala política contra o PS.
Quando em Maio de 2003 Paulo Pedroso - que sempre clamou inocência - foi envolvido no processo Casa Pia, o então secretário- geral socialista, Eduardo Ferro Rodrigues, afirmou que se tratava de uma "montagem" destinada a prejudicá-lo, a Pedroso e ao PS.
"Quem tiver elementos que possam minimamente sustentar uma cabala que mos tragam", afirmou hoje à Lusa Souto Moura, questionando:
"se continuam a afirmar a inocência e a dizer que isto é tudo uma construção e uma cabala porque é que em três anos nunca me trouxeram elementos por onde eu pudesse puxar para confirmar essa tese?".
FP.
Lusa/Fim

terça-feira, dezembro 06, 2005

Negócios

Citando o Claro:
Depois da denúncia de Paulo Morais da "pilhagem organizada"
EMPRESÁRIO HENRIQUE NETO PARTE A LOIÇA DO
COMPLEXO NEO-CORPORATIVO E SALAZARENTO
Henrique Neto decidiu hoje falar claro. Depois das recentes declarações de Paulo Morais sobre a "pilhagem organizada", foi agora a vez de Henrique Neto pôr a nú o complexo económico neo-corporativo e salazarento... Segundo a Lusa, o empresário líder da Iberomoldes, que falava num debate sobre política energética, organizado pela Sedes e pelo Fórum para a Competitividade, na Ordem dos Engenheiros, considerou o sector energético "apenas um exemplo, talvez algo patético, mas certamente trágico", de uma realidade em que aqueles interesses actuam "praticamente à luz do dia, sem nunca terem sido investigados", o que entendeu ser "a melhor demonstração do seu poder e da impunidade com que se movem".
A raiz das considerações de Henrique Neto está no processo de privatização da Petrogal que o levou a criticar Pina Moura, ministro das Finanças e da Economia no governo de António Guterres, Diogo Freitas do Amaral, então presidente da Petrocontrol, bem como a maioria dos investidores da empresa, com excepção de Manuel Bullosa.
O processo de privatização da Petrogal passou pela venda, em 17 de Janeiro de 2000, da posição dos accionistas privados portugueses, agrupados na Petrocontrol, presidida por Diogo Freitas do Amaral, e na entrada dos italianos da ENI no capital da Galp com uma posição de 33,34 por cento, era então Pina Moura ministro das Finanças e da Economia no governo de António Guterres.
Henrique Neto perguntou pelas razões que levam "o nosso sistema político a silenciar este negócio".
Particularmente crítico relativamente ao ex-ministro de Guterres, Henrique Neto lembrou que "este silêncio continua estranhamente a permitir que o Dr. Pina Moura possa continuar a ser simultaneamente deputado da República, presidente da empresa Iberdrola em Portugal - que concorre com o sector energético nacional - e administrador da empresa sucessora da Petrogal, a Galp". Invocou a propósito Sousa Franco, "que teve a coragem de dizer o óbvio, na sua famosa frase «o homem dos espanhóis»", uma alusão ao então ministro das Finanças e da Economia no governo de Guterres.
Para Henrique Neto, "tudo tem sido feito - ou pelo menos assim tem resultado - no sentido de enfraquecer as empresas nacionais e facilitar a penetração das empresas espanholas".
Questionando "Porque o fazem? Com que interesse?", o vice- presidente da AIP apresentou as respostas quase imediatamente:"tratando-se de pessoas inteligentes, a razão da insanidade mental será de excluir".
Henrique Neto considerou ainda que "a promiscuidade entre a política, os governos e alguns grupos económicos conduziu a que estes se tenham vindo a abrigar da concorrência externa e a viver para os negócios do Estado, com o Estado e para o Estado".
Henrique Neto defende que esta situação é insustentável, "já que nenhum país pode sobreviver satisfatoriamente com uma parte tão relevante da sua economia a dormir na cama com os governos e a fugir da concorrência internacional".
Certo é que "os negócios do Estado já permitiram que bastantes tenham ficado injusta mas faustosamente ricos, ao mesmo tempo que a Nação, no dizer do Dr. Durão Barroso, está de tanga", concluiu Henrique Neto.

Sobre o ensino da língua portuguesa no estrangeiro


De : Maria Teresa Duarte Soares no PortugalClub

Como escreveu o professor António Justo, no dia 1 de Dezembro, o ensino da Língua e Cultura Portuguesa para os filhos dos trabalhadores portugueses no estrangeiro encontra-se em situação caótica. Tal situação é geral para todos os países e não se limita apenas à Alemanha.
Os actuais professores de LCP têm sido tratados, desde 1998, como uma “classe a abater “ pelos sucessivos governos, que, com um histerismo economicista incompreensível, não se envergonham de procurar as soluções mais vergonhosas e inconcebíveis para acabar com um ensino que é um direito dos portugueses no estrangeiro, direito esse consagrado pela Constituição da República Portuguesa.
Apesar dos ataques de vários inimigos políticos, este sistema de ensino tem conseguido sobreviver, em boa parte devido à boa vontade dos professores e alunos, os primeiros leccionando sem a mínima actualização salarial desde 1998, cada vez com mais deslocações escola a escola e com turmas cada vez mais mistas, e os segundos aprendendo em condições que cada vez se tornam mais precárias, indo desde os reduzidos tempos lectivos até à falta de meios didácticos apropriados ( em muitas escolas os professores até o giz têm de levar).
Mas agora tudo isso vai acabar ,não é? Acabar devido à milagrosa intervenção de vários “messias comunitários” que tudo vão resolver através da Escola Virtual ! Já é possível o acesso às unidades didácticas para vários anos escolares, onde são religiosamente seguidos os programas da escola em Portugal e gloriosamente ignoradas as necessidades específicas dos alunos portugueses no estrangeiro. Assim é óptimo e poupa-se muito dinheiro, pensam os messias. Deixa de ser preciso pagar aos professores e acabam-se todas as despesas com eles relacionadas!
Quem quiser compra um computador e aprende “tudo” em casa sozinho, tenha 7, 12 ou 15 anos de idade! Não é mesmo óptimo? Fica-me uma grande vontade de perguntar se os “ messias” que já acima mencionei alguma vez andaram na escola e se conhecem o significado da palavra “ensino”. Parece-me que não. Mas voltando às medidas de poupança: o golpe mais recente foi acabar com os contratos das seguradoras que garantiam aos professores cuidados médicos relativamente aceitáveis. A partir de 1 de Janeiro os professores de português no estrangeiro vão “beneficiar” dos “privilégios” da ADSE , que se em Portugal mal funciona, como todos sabem, muito menos vai funcionar aqui.... Mas quem se rala com a saúde dos docentes? O que é preciso é poupar, cortar, poupar. Os professores queixam-se, os sindicatos reinvindicam. E o Ministério da Educação tapa os ouvidos e cala-se, num mutismo arrogante e autista, dando apenas atenção a políticos arrivistas que, a bem de si próprios e das suas carreiras, não hesitam em pôr em perigo um bem inestimável, a nossa língua e a nossa cultura. Alguns desses políticos, num rasgo de génio, dizem que as aulas de português para portugueses no estrangeiro não precisam de ser dadas por professores portugueses, podem ser ministradas por professores suíços, alemães, etc, com habilitação para ensinar português como língua estrangeira, já que em Portugal também são professores portugueses que ensinam inglês ou francês.
Ó crassa ignorância! Os nossos alunos são falantes do português, não são estrangeiros! Alguém consegue imaginar, por exemplo, um professor alemão a explicar o que é um magusto , o bolo-rei ou o feriado do 1°de Dezembro? Na verdade, o Ministério da Educação tem gasto dinheiro com este ensino – não tanto como dizem – mas não com os vencimentos dos professores.
Tem-no gasto, sim para colocar por “confiança política “ indivíduos em cargos de Coordenadores e Conselheiros, alguns competentes, mas outros que parecem mais interessados na destruição do sistema de ensino do que no seu desenvolvimento, como aconteceu na Alemanha, em que uma senhora Conselheira, muitíssimo poupada, conseguiu desmantelar a rede de ensino em três estados onde as aulas eram de co-responsabilidade luso-alemã
Essa senhora ganhava mensalmente cerca de dez mil euros. Só para despesas
de representação tinha direito a cerca de 7 mil euros mensais.
Foi principescamente paga para destruir uma rede de ensino.
Os Coordenadores vencem, dependendo das situações e dos países, entre 6 e 7 mil euros mensalmente. A Conselheira da França, por razões que não sei explicar, vence a “módica”quantia de 12 mil euros mensais. Espantosamente, para estes cargos, não há planos de poupança, pois irão continuar, aconteça o que acontecer ao ensino. Há até a intenção de aumentar o número de Coordenadores... e os professores desde 1998 não têm a mínima actualização de vencimento, mas esses é que saem caros! Falta-me apenas falar de mais um inimigo dos professores portugueses no estrangeiro. Este inimigo é representado por alguns “colegas” que , por terem menos habilitações, menos tempo de carreira , não estarem, por inúmeras razões , ligados ao Ministério da Educação, se arrogam o direito de caluniar os professores que têm a sua situação profissional regulamentada acusando-os, indevidamente, de “ganharem muito”, como se não bastassem os “politiqueiros” para o fazer... Nem em Portugal nem em nenhum país os salários dos professores são uniformes. O tempo de serviço e as habilitações são critérios que não podem ser ultrapassados, assim como os vários tipos de contratação existentes.
O nivelamento por baixo não serve os interesses de ninguém. Não é prometendo “ mais trabalho a preço mais baixo” que se mantém o emprego... Só sendo uma classe unida poderemos lutar contra os ataques de que somos alvo e manter a nossa dignidade profissional.

Maria Teresa Duarte Soares
Professora de LCP na Suíça

Braga assume herança de Cesário

Recebi hoje duas cartas do Chefe de Gabinete de António Braga sobre o Consulado Geral de Portugal em S. Paulo.
Uma diz que todos os procedimentos daquela repartição no caso do Mikael são correctos.
Outra afirma, de modo frontal, que o Secretário de Estado António Braga considera correcto o funcionamento do Consulado.
O representante do Governo já tinha mentido numa carta que enviou a Mário Soares a propósito do assunto.
Agora, para além de ampliar a mentira, assume com frontalidade o apoio a um modelo de funcionamento que é ilegal e que prejudica gravemente os interesses dos utentes e do País.
Para além dos cidadãos portugueses são ofendidos os interesses da empresas brasileiras que precisam de recorrer ao Consulado em razão dos seus interesses em Portugal.
Não é viável a uma empresa brasileira investir em Portugal se depois não consegue obter um simples visto para os seus colaboradores, em tempo razoável, ou se não consegue, de forma imediata proceder ao reconhecimento de uma assinatura.
Estava a tentar que houvesse bom senso e que não fosse necessário recorrer aos tribunais.
Infelizmente não é.
Não estamos a lidar com gente séria... E isso é muito triste.
Para manter a política do governo anterior, José Sócrates poderia ter convidado José Cesário.
António Braga não passa de uma imitação de má qualidade.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Um comentário de Manuel de Melo sobre o modelo consular



O Consulado modelo de Freitas do Amaral
De visita a Angola, o ministro português dos Negócios Estrangeiros anunciou que o Consulado Geral de Portugal na capital angolana será o «primeiro consulado modelo» da rede portuguesa."A modernização da rede consular, tantas vezes prometida e tantas vezes adiada, vai começar pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda", afirmou o chefe da diplomacia portuguesa.Nesse sentido, revelou que o director-geral dos Assuntos Consulares e o cônsul português em Luanda vão preparar nas próximas semanas "um plano em duas fases para fazer aquele que será o primeiro consulado modelo da rede consular portuguesa".Na perspectiva do ministro português, um consulado modelo deverá caracterizar-se por "bom atendimento ao público, celeridade nas decisões e humanidade do tratamento das pessoas".Assim sendo, exige-se a Freitas do Amaral que explique as razões pelas quais continua a pactuar vergonhosamente com duas situações aberrantes, já amplamente denunciadas, que mancham a diplomacia portuguesa em São Paulo e em Londres.Será que os diplomatas desses postos nasceram com o código de Da Vinci no umbigo e o ministro não se atreve a tocar-lhes, ou serão as forças de bloqueio do MNE que impedem Freitas de actuar.Recorde-se que o funcionamento do Consulado de Portugal em Luanda originou fortes criticas do governo angolano, que denunciou a existência de condições de atendimento "humilhantes" para os cidadãos angolanos que necessitam de visto para entrar em Portugal.Isso mesmo foi admitido pelo ministro português que afirmou que "tinham fundamento as queixas que o ministro das Relações Exteriores de Angola me fez em Setembro, em Nova Iorque".Será que também vai ser necessário um qualquer ministro inglês ou um ministro brasileiro queixar-se a Freitas da humilhação que os seus concidadãos sofrem quando são obrigados a recorrer aos serviços consulares de Portugal em Londres e São Paulo, para que este actue?O que Freitas certamente não disse ao ministro angolano é que um consulado modelo segundo o MNE, tem que ter as portas encerradas ao público. Aliás, o nosso ilustre ministro acabou de anunciar há bem poucos dias, que a prática consular modelo da “Porta Fechada” se vai estender ao Consulado de Portugal em Nogent-Sur-Marne, na região parisiense.Finalmente, gostava de ver a cara de José Lello – ele que tanto apregoou a modernização consular – depois das afirmações do ministro Freitas do Amaral.

MANUEL DE MELO
Suíça

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Recordação do 25 de Novembro

Pediu-me um amigo que lhe emprestasse a Revista do Expresso onde, há uns três ou quatro anos, escrevi um texto sobre o 25 de Novembro, a convite do José António Saraiva.
Não sei por onde anda a Revista.
O texto, esse guardei-o em formato digital. Aqui fica satisfeito o pedido, ainda que de forma insuficiente.
Faltam as fabulosas fotos do Rui Ochoa, que o ilustrou.


25 de Novembro DE 1975
O ADEUS ÀS ARMAS...

Miguel Reis


O almirante meteu a mão na cintura enterrando-a até ao púbis. Trouxe nas pontas dos dedos meia dúzia de cabelos que colocou em cima de uma folha amarelada, como se estivesse iniciando um ritual.
«Isto é só borrasca... Mas num dia destes há tempestade, lá isso há-de haver» - disse-me Pinheiro de Azevedo, enquanto acendia um fósforo sobre os ditos, infestando a sala com um cheiro que me trouxe à memória os da matança de porco da minha aldeia.
A conversa aconteceu no 8 de Novembro de 1975, umas horas depois de ter ido pelos ares o emissor da Rádio Renascença na Buraca. «Estes já não chateiam mais... e não há cristais nem meios cristais» - garantiu-me, quando lhe perguntei porque razão fizeram explodir o emissor em vez de lhe tirarem os cristais.
Eu era então um jovem jornalista, da redacção de Lisboa do “Jornal de Noticias”. Logo a seguir ao 25 de Abril, fui para Paris, no primeiro curso organizado pelo Centre de Formation des Journalistes para jornalistas portugueses. Caí na capital portuguesa no princípio de 1975, para acompanhar a cimeira do Alvor, onde foi decidido o processo de independência de Angola. Por lá fiquei, como quem se distrai a ver o desenvolvimento da História.
Naquele dia 8 de Novembro tive precisamente essa sensação. Eu tinha aprendido no curso de Paris alguns pequenos truques para olhar os movimentos sociais com olho de repórter, sem paixão, com esforço de objectividade.
Logo no dia 9, a seguir a essa coisa extraordinária que foi o comentário do próprio primeiro-ministro sobre como se mandou pelos ares um emissor que fora da igreja católica e se dedicara depois à propaganda comunista, assisti a uma conferência de uma associação de deficientes militares que se propunha preencher o vazio deixado pelo afastamento dos “militares revolucionários”.
Sentia-se que a tensão estava num crescendo e que o PC estava a preparar acções de agitação que lhe permitissem recuperar o poder, abalado com a queda de Vasco Gonçalves. Nesse dia 9 à tarde houve uma enorme manifestação promovida pelo PS, pelo PPD e pelo PPM, em apoio ao governo do almirante. Mas logo no dia seguinte começava0 uma campanha de boatos, anunciando um golpe de direita.
A 13 de Novembro, milhares de trabalhadores da construção civil cercaram o palácio de S. Bento e sequestraram a Assembleia Constituinte e o Governo. Aquilo do cerco não era, obviamente, uma brincadeira. O Partido Comunista, que perdera grande influência no sector militar, começava a reagir, de forma organizada a uma controversa vaga de atentados bombistas visando as suas instalações.
A situação estava a degradar-se todos os dias e no dia 20 de Novembro às 4 da manhã, o gabinete do almirante anunciou que suspendia a sua actividade governativa “até que Sª Exª o Presidente da República e Chefe do EMGFA efectivamente garanta as condições indispensáveis ao exercício das suas funções”. Nunca ninguém vira um governo em greve. Ali estava mais uma originalidade da política portuguesa.

Um simples aviso
Acho que ninguém acreditou que o parlamento pudesse ser assaltado pela turba que o rodeou. Os próprios líderes tinham a consciência de que era demasiado perigoso pôr a andar aquela mole de autómatos. Já tínhamos a experiência do assalto à embaixada de Espanha – grande bernarda, como disse o Vargas Cardoso, que se transformaria num banho de sangue se ele não tivesse travado os cavais – passe a linguagem da época – e freado as bestas mais aceleradas que queriam ir para a porrada, desencadear uma zaragata, que poderia dar uma guerra civil.
Dessa vez foi tudo muito rápido, foi. Mas o suficiente para saírem pratas, baixelas, óleos devidamente desmontados pela porta do cavalo; e, depois, mesmo pela porta da frente, com inúmeras testemunhas, porém mudas que era sacrilégio dizer que os revolucionários eram ladrões[1].
Lembro-me, como se fosse hoje, desse dia 27 de Setembro à noite, do desenrolar das cenas na Praça de Espanha e na Rua do Salitre, dos telefonemas que fiz, das contradições de comandos, da “guerra” entre a PSP e o COPCON, do poder a cair na rua. Todos sentíamos que estávamos numa situação limite.
O país vivia uma permanente turbulência desde o início do verão. Enquanto as pessoas passavam as suas férias na praia – grande verão que foi esse de 1975 – os militares contavam as armas e envolviam-se em intermináveis discussões formando e reformando grupos num permanente desafio de guerra e de conciliação.
O país era mais militar do que nunca; mas os militares tinham perdido a graça que inundou o país de alegria, naquela inesquecível madrugada de Abril de 1974. Uns tinham um aspecto porco, como se a porcaria fosse moda; outros apresentavam uma postura frívola, com guedelha comprida e beata no canto da boca. Quase todos os que se viam em público, nas constantes movimentações militares, adoptavam a insofismável postura de defensores da revolução, com o dedo no gatilho da G3 ou a mão por cima da pistola, como se o país estivesse inundado de inimigos.
Paravam, às vezes, noite avançada, de Chaimite alcatifado e com leitor de cassettes em altos berros, à porta do Galeto, para tomar uma bica e fazer vista, mas já ninguém lhes achava a graça de outros tempos.
O verão acabou decadente, com uma tropa a desfazer-se sem que ninguém a conseguisse agarrar. Aos que cá estavam juntaram-se eufóricos batalhões com sede de reserva, vindos da guerra de África, terminada de forma abrupta ao som do slogan “nem mais um soldado para as colónias”.

A aliança MFA-Partidos
Todos tínhamos a ideia de que o Partido Comunista consolidara importantes posições a seguir ao 11 de Março, em termos de influência no seio das forças armadas. Em 18 de Maio, no discurso que proferiu em Baleizão, na homenagem a Catarina Eufémia, disse Álvaro Cunhal:
“Valorizamos o apoio e as decisões corajosas do MFA, movimento revolucionário que tem mostrado estar com o povo trabalhador. A aliança entre o movimento popular e o MFA é a força motora da revolução portuguesa”.
A aliança Povo-MFA evoluiu de forma expressiva a partir da assembleia de delegados do Exército reunida em 3 de Julho de 1975. Foi aí que apareceu pela primeira vez em discussão um documento intitulado precisamente Aliança Povo-MFA em que se projectava uma intervenção dos delegados militares nas estruturas locais e se criticava veementemente o unitarismo com a marca do PC.
O moderador dessa reunião, realizada no Centro de Sociologia Militar, foi Vasco Lourenço. O resultado dela foi mal recebido pelos comunistas e muito aplaudido por gente que ia das áreas da social-democracia a uma esquerda romântica de que Otelo tentava assegurar a representação.
Começou aí a derrocada do gonçalvismo e a queda da influência do PC. Logo no dia seguinte, com grande alarde, os comunistas convocaram os seus militantes em todo o país, para lhes dar informação sobre a crise política, o que só serviu para empolar a própria crise. Pouca gente sabia que Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho se tinha pegado numa violentíssima discussão. Mas esta mobilização e o movimento lançado pelo PCP em apoio de Vasco Gonçalves (Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço...) acabaram por empolar a crise ao ponto de o Presidente da República, Costa Gomes ter sido obrigado a ir à televisão, com Vasco e Otelo, dizer que estava tudo bem, o que era obviamente mentira, que ali ficou a nu.

Do empolamento da extrema esquerda...
A esquerda basista ganhou, de um momento para o outro, um enorme protagonismo, em boa parte devido à simpatia de Otelo Saraiva de Carvalho. Mas hoje, vistas as coisas à distância é forçoso reconhecer que todo o desenvolvimento foi marcado por um extraordinário processo político em que os militares moderados do chamado grupo dos nove e os seus aliados civis tiveram um papel preponderante.
O basismo do documento da Aliança MFA-Partidos foi mal recebido pelo PC. Cunhal considerou-o então um resultado da “influência do radicalismo pequeno-burguês sobre a esquerda militar” e “uma tentativa de submeter o movimento operário e popular ao MFA e aos militares em geral, que definiriam quais as estruturas unitárias representativas do povo e as reconheceriam oficialmente”.
Com esta argumentação e com a abertura de uma guerra a Otelo Saraiva de Carvalho, então comandante do COPCON, o PC gerou uma onda de crescente antipatia, que levou a que a martirização dos seus centros de trabalho por incêndios e atentados bombistas fosse encarada com razoável tolerância, como aconteceu em Rio Maior, a 13 de Julho.
Este verão foi o verão dos documentos político-militares. Primeiro foi o Plano de Acção Politica, que qualificava o MFA como o “movimento de libertação nacional do povo português”, aprovado pela Assembleia do Exército em 3 de Julho de 1975; depois foi o documento Vasco Gonçalves, apresentado na Assembleia do MFA de 8 de Julho; mais tarde, a 7 de Agosto de 1975, veio a público o Documento dos Nove; depois foi divulgado o Documento do Copcon, com marca de Otelo Saraiva de Carvalho.
Os homens sem sono passavam o tempo em intermináveis reuniões procurando a via portuguesa para o socialismo, contando espingardas e calculando o melhor meio de tomada do poder.
Depois de Julho de 1975 sentia-se com toda a evidência que ninguém acreditava no que dizia. Os militares não acreditavam uns nos outros e talvez nem neles próprios, pelo que passaram a andar de gravador na mão – uns matacões enormes que pesavam mais de meio quilo – para gravar o que diziam uns aos outros e o que diziam eles próprios. Haveria, porém, uma excepção: a do próprio Vasco Gonçalves, que talvez acreditasse, tal era o cansaço e o ar esgaseado com que encarnava a paixão nos seus últimos discursos públicos.

... ao aparecimento dos moderados
Foi por esta altura que me encontrei pela primeira vez com um discreto tenente-coronel chamado António Ramalho Eanes, julgo que por indicação do major Melo Antunes ou do capitão Sousa e Castro, com quem frequentemente me encontrava para trocar impressões sobre a situação político-militar. Era um homem muito calmo, que tinha sido colocado por Spínola na televisão, donde saiu sob suspeita no 11 de Março. Tinha agora um papel descrito de análise e planeamento de qualquer coisa que nunca conheci em detalhe.
Foi por essa altura que me apercebi que o tecido político militar estava a sofrer uma complexa e extraordinária transformação com novos grupos emergentes, com extraordinárias alianças tácticas, com uma finura de condução dificilmente perceptível por quem estava de fora.
Os militares moderados, de matriz socialista e socialdemocrata não hesitavam em aliar-se aos esquerdistas e aos conservadores para destruir o poderio de Vasco Gonçalves e dos seus apaniguados, que suportavam o Partido Comunista.
Essa aliança era clara e objectiva. E depois, como é? – perguntei num desses dias de Julho ao capitão Sousa e Castro. Depois logo se vê...

A destruição dos suportes do PC no aparelho militar
Evidente, evidente era que a derrota do gonçalvismo passava pela destruição de uma série de aparelhos de comunicação. No dia 24 de Agosto foi anunciada a constituição da FUR (Frente de Unidade Revolucionária). Constituíram-na o PCP, a PSP, a LCI, a LUAR, o MES, o MDP/CDE, o PRP/BR e o 1º de Maio). A pretexto de que a Frente fora constituída no Centro de Sociologia Militar, Otelo Saraiva de Carvalho ordenou a uma força do Regimento de Comandos chefiada por Jaime Neves, que tomasse de assalto a 5ª Divisão do EMGFA, liderada pelo comandante Ramiro Correia. Na lista estavam também “o Século” e o “Diário de Noticias”, dois importantes baluartes do gonçalvismo, mas à última hora esse assalto foi cancelado. Veio a saber-se mais tarde que tudo foi uma operação meticulosamente preparada por Vasco Lourenço.
De assembleia militar em assembleia militar, chegou-se à Assembleia do MFA de 5 de Setembro, em Tancos. Foi a queda de Vasco Gonçalves e a vitória da linha moderada que se revia no Documento dos Nove. Vasco foi afastado de primeiro ministro mas cinicamente convidado para Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas. Não aceitou...
Com a queda de Vasco Gonçalves caíram também os seus principais apoiantes no Conselho da Revolução. Se até ali parecíamos todos distraídos com o xadrez militar, depois desse dia 7 de Setembro começamos a sentir de novo uma grande agitação na sociedade civil, que se apercebia como nova, porque marcada por alianças grupusculares dos militares com os civis.
O PCP, começava agora a mostrar uma renovada capacidade de organização, com mobilizações diversas e intervenções discretas mas absolutamente controladas em manifestações ditas unitárias.

O grande confronto
O almirante Pinheiro de Azevedo, um personagem tão estranho quanto simpático, tomou posse como primeiro ministro no dia 19 de Setembro de 1975. Ninguém conhecia o homem, nem as suas capacidades nem as suas apetências. Até se dizia que ele era próximo do PC, o que era um contrasenso, porque foi escolhido precisamente para substituir o príncipe dos comunistas, Vasco Gonçalves.
Nunca percebi porquê, chamou-me duas ou três vezes para pedir a minha opinião sobre questões de comunicação. Eu tinha escrito um texto muito crítico sobre a lei da censura militar, aprovada pelo Conselho da Revolução, em princípios de Setembro. Essa lei proibia os jornais de publicar notícias sobre questões militares, porque, consideravam com alguma ingenuidade os membros do novo Conselho da Revolução[2], os jornais estavam a envenenar diariamente as relações entre os militares e corriam o risco de lançar o país numa guerra civil. Tentei explicar-lhe que o problema não podia equacionar-se com o simplismo com que ele o equacionava, que o que me parecia difícil de controlar era a agitação da sociedade civil que estava a ser catalizada. Respondeu-me com uma gargalhada dizendo que os civis faziam o seu folclore mas não se matavam uns aos outros mas que entre os militares não era assim e quiçá houvesse baixas se não se controlassem as fugas de informação.
Nunca percebi muito bem essa lógica da lei da censura militar. O que sei é que ela nunca funcionou – bem pelo contrário – e que até catalizou um efeito perverso. Os jornais passaram a dar ainda maior atenção às questões militares e melhor guarida aos sucessivos anúncios de golpe, aos movimentos de armas e às contagens de espingardas.
A rentré tinha feito perceber que o futuro do país passava pela mão dos militares, partidos em três grupos que acirravam as lutas entre si: os chamados moderados, congregando simpatizantes socialistas, social-democratas e conservadores sem partido, os gonçalvistas, englobando os simpatizantes do Partido Comunista e os radicais, integrando todas as famílias políticas da extrema esquerda.
Manipulação da informação? Claro que a informação era manipulada e isso acontecia em todos os quadrantes. O predomínio da influência da Partido Comunista induzia uma abuso da afirmação ideológica por contraposição a uma estratégia menos opinativa da imprensa que alinhava com os nove. Mas isso não significa que esta fosse menos militante e menos comprometida.
A imprensa divergente – a rádio e a televisão eram absolutametne controladas pelo PC –teve um papel determinante na criação de condições politicas para contragolpe de 25 de Novembro[3].

O golpe e o contragolpe
Escrevi contragolpe, sim. O 25 de Novembro foi um contragolpe e estava há muito anunciado que o seria.
Os paraquedistas, alinhados com a extrema esquerda e confortados com o apoio que lhes fora oferecido por Otelo Saraiva de Carvalho na contestação que fizeram ao CEMFA, general Morais e Silva, tomaram quatro bases aéreas[4] e fizeram refém o Vice-CEMFA, general Pinho Freire, desencadeando uma operação que, pela sua natureza, só podia ter como objectivo a tomada do poder.
No dia 24 à tarde houve uma grande manifestação em Belém, clamando pela queda do “cesto”[5]. Falei com o Major Vargas Cardoso, que me disse que havia indicações de que “a bernarda está para rebentar” e me confirmou que já havia começado a distribuição de armas às “forças democráticas”. Passei por S. Pedro de Alcântara, para tentar saber como estavam as coisas a correr no PS. Colhi a informação de que nesse mesmo dia tinha sido levantado em Cascais um carregamento de G3[6], que, entretanto, haveria de ser distribuído; mas nada indicava que as ditas armas tivessem que ser distribuídas dentro de horas. Bem pelo contrário: as informações existentes eram no sentido de que a máquina do PC estava a trabalhar no sentido de criar condições para uma “sublevação nacional”, que é o mesmo que dizer um movimento que justificasse a tomada do poder pelos militares que lhe eram afectos. Nomeadamente, havia notícias de movimentações estranhas de camiões, que eram consideradas, por alguns observadores militares, como um ensaio para operações de paralização da cidade. O PC tinha infiltrado a extrema-esquerda e aparecia a tentar controlá-la, por via da FUR e dos SUV, mas tudo indicava que isso demoraria ainda algum tempo.
Julgo que das armas entregues ao PS na tarde de 24 de Novembro, levaram destino nesse dia apenas uma meia dúzia, sendo que uma ou duas foram destinadas ao jornal A Luta. As demais ficaram à espera de instruções, sendo palpável nesse dia um clima de expectativa, pois a direcção do partido, se havia desdobrado em dois grupos: um que quedara em Lisboa e outro que fora para o norte do País para preparar a resistência, a partir de algures na zona do Porto e para a Galiza, onde haveria de constituir-se um governo no exílio se o PC tomasse o poder. Nesse grupo estavam, segundo a informação que colhi na altura, Mário Soares, António Macedo, Raul Rego e Manuel Alegre[7].
No dia 24 à noite, depois do fecho da edição do Jornal de Noticias, que acontecia naquela época por volta da uma e meia da manhã, fui dar uma volta por diversas capelinhas, por onde corria habitualmente informação de última hora. Passei pelo Rossio e conversei com alguns elementos de um grupo de “operacionais” retornados, que por ali parava e que se entretinha a por umas bombas de vez em quando para desorientar o PC. Depois disso passei pelo Botequim, no Largo da Graça, onde a discussão continuava a ser sobre estratégia e onde não havia nenhuma noticia de movimentações específicas. A Natália Correia e o Aventino Teixeira pautavam na afirmação concludente e peremptória de que o Otelo estava a ser empalmado pelo PCP e de que o que aí viria a breve prazo era um gonçalvismo reciclado e mais forte, tendo o COPCON como braço armado.
Saí do Botequim por volta das 3 da manhã e parei no Porão da Nau. Tenho a ideia de que naquela noite estavam na mesa onde habitualmente me sentava, o coronel Jaime Neves, o Rui Pimenta, o Fernando Balsinha e o Rui Castelar. Jaime Neves andava muito irritado e pessimista. Comandante de uma unidade operacional muito importante – o Regimento de Comandos a mais importante entre os apoiantes dos nove – ele manifestava a opinião de que era possível “limpar a situação” com uma operação militar se a situação não se degradasse mais. Se a situação continuasse a evoluir e tendesse para a mistura de civis com as forças armadas vaticinava ele que haveríamos de ter um desnecessário banho de sangue.
O problema era para Jaime Neves um problema técnico-militar. Ou se actuava cirurgicamente e se invertia a correlação de formas, que se estava a alterar em favor do inimigo (e o inimigo para Jaime Neves era o PCP) ou haveria “muitas mortes de inocentes”.
Despedimo-nos de madrugada, sem nenhuma novidade especial, com Jaime Neves a lamentar-se da falta de armas anticarro e a dizer que tinha que ir buscar algumas julgo que ao Vera Cruz, que se encontrava atracado no jardim do Tabaco, recém regressado de Angola.
Pouco depois de ter chegado a casa, ainda não tinha adormecido, recebi um telefonema de um informador do jornal, dizendo que havia uma grande movimentação junto do Ralis. Cheguei ali deviam ser umas sete e meia e constatei que tinham sido montadas armas pesadas nos acessos à auto-estrada e que havia uma grande movimentação de civis, entrando no quartel. Fui ao aeroporto telefonar para o Rui Ochoa. Quando voltamos, de novo ao Ralis, o sargento que estava à porta foi preciso:” Há um golpe dos paraquedistas em curso; estamos a dar armas ao povo. Os camaradas devem dirigir-se ao edifício da Cimpomóvel, em Cabo Ruivo.”
Para lá fomos e o que verificamos foi que havia efectivamente uma distribuição de armas e uma prestação de informação oral e por turnos de “como defender a revolução”. Via-se que havia ali a mão do PC e que os circunstantes se sentiam completamente ultrapassados pelos acontecimentos. Aquilo era uma emergência a que haveriam de juntar-se informações e orientações adicionais, segundo diziam.
A existência de uns cartazes em papel de cenário esquematizando um anteplano de operações dava a ideia de que havia efectivamente um plano em desenvolvimento mas que fora precipitado antes do tempo, apanhando os dirigentes comunistas desprevenidos.
Quando viram que éramos jornalistas puseram-nos fora da Cimpomóvel, depois de obrigarem o Rui Ochoa a abrir a máquina a a tirar o rolo, que julgo que era o primeiro que ele tinha usado.
Depois, tudo se passou muito lentamente. Corremos ao Alto do Duque, onde recebemos a informação de que não estava a acontecer nada, aliás justificada com a afirmação de que o Otelo até já tinha estado e se tinha ido deitar. Passamos por Belém ao fim da manhã tendo-nos sido dito que Costa Gomes estava a tentar mediar o conflito, tendo enviado um emissário a tentar convencer os paras a recuar; mas onde soubemos, também que tinha sido posto em acção o “dispositivo de emergência” adequado, que soubemos ser o dos nove, por nos ter sido dada a notícia de que Garcia dos Santos controlava as comunicações e de que Ramalho Eanes assumiria a responsabilidade do posto de comando operacional.
Passamos pelos Comandos para falar com Jaime Neves mas ele não estava e tudo parecia calmo. Só depois do meio da tarde conseguimos chegar à fala com ele e ter a noticia de que o havia um golpe e de que se estava a preparar a resposta, a partir dali mesmo, do quartel da Amadora.
Foi nos Comando da Amadora que António Ramalho Eanes montou o seu posto de comando. A situação evoluía de uma forma lenta e tensa, contando-se as armas e trocando-se ameaças pelo sistema de comunicações. Saídos dos Comandos, fomos detidos eu e o Rui por um grupo de soldados do Ralis que só nos deixaram depois os convencermos que estávamos com eles, ao lado da valorosa luta dos paras.
O ambiente era de grande tensão junto à porta dos Comandos, perto das quais pararam algumas betoneiras do J. Pimenta, apontadas coimo equipamento a usar para bloquear as vias. Um major dirigiu-se-lhe e passou-lhes o recado de que seriam os primeiros a abater se fosse necessário.
A meio da tarde, uma força da EPAM comandada por Duran Clemente tomou conta da RTP, na Alameda das Linhas de Torres. À noite, no Monsanto, uma força do Ralis tomou posições mas logo recuou quando dois caças sobrevoaram o local. Foram momento de grande tensão com os civis a fugir para debaixo das árvores.
Passou entretanto a correr a informação de que unidades da aviação fieis ao grupo dos nove estavam preparadas para bombardear as unidades ocupadas pelos paraquedistas e aquelas que os apoiassem.
Ao fim do dia, pondo termo à ambiguidade que durava há várias horas, o Presidente da República decretou o estado de sítio e impôs o recolher obrigatório. As informações eram absolutamente contraditórias, com toda a gente a dizer que estava às ordens do Presidente da República como se fosse possível ele estar a dar ordens manifestamente contraditórias como as que emergiam do comando do COPCON, exercido à revelia da Otelo Saraiva de Carvalho, do posto de comando da Amadora, liderado por Ramalho Eanes, ou do anárquico comando da Armada, onde o granel era total, com permanentes e ininterruptas assembleias de marinheiros.
Salgueiro Maia saiu, entretanto de Santarém, à frente de uma coluna de blindados a desfazer-se, para se colocar às ordens de Eanes. Não foi preciso.
Antes que os blindados de Santarém chegassem a Lisboa, uma força do Regimento de Comandos deu a machadada final no “golpe dos paraquedistas”, tomando de assalto o quartel da Polícia Militar, na Ajuda. Morreram três homens – dois dos Comando e um da PM, numa operação meticulosa que fez derrocar o que restava do sonho dos golpistas. Foi tudo tão rápido que o PC foi obrigado a fazer um recuo táctico e a demarcar-se dos esquerdistas, a quem ajudou depois a cortar a cabeça.
O PC tem uma enormíssima capacidade de reciclagem e também foi um dos vencedores do 25 de Novembro. Basta ver como estão hoje bem instalados no Poder alguns dos que se colocaram do outro lado naquelas 48 horas de Novembro de 1975.

20/11/2000

Publicado na Revista do Expresso

[1] O major Dinis de Almeida veio mais tarde a afirmar no seu livro “Ascensão, Apogeu e Queda do MFA” que, afinal, foi a CIA quem esteve por detrás do assalto (pag. 288). Se eram da CIA ou não não sei, mas que roubaram, lá isso roubaram e houve muita gente que viu.
[2] Da Assembleia do MFA de Tancos (5/9/75) sairam Vasco Gonçalves, Eurico Corvacho, Pinto Soares, Pereira Pinto, Ramiro Correia, Costa Martins, Graça Cunha, Ferreira de Sousa, Ferreira de Macedo e Miguel Judas. O CR foi então reduzido de 29 para 19 membros: Costa Gomes, Pinheiro de Azevedo, Otelo Saraiva de Carvalho, Carlos Fabião, Filgueiras Soares, Morais da Silva, Franco Charais, Pezarat Correia, Melo Antunes, Marques Júnior, Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Pinho Freire, Canto e Castro, Costa Neves, Rosa Coutinho, Almeida Contreiras e Martins Guerreiro.
[3] Cito com um papel muito importante o Jornal de Notícias, o Expresso, O Comércio do Porto, o Jornal Novo, a Luta, o Tempo e O Dia –
[4] Tancos, Montijo, Monte Real e Monsanto.
[5] “Abaixo o cesto” – diziam os cartazes, referindo-se ao 6º Governo Provisório.
[6] Essas armas passaram no meio da manifestação de Belém, numa carrinha conduzida por Edmundo Pedro, que demonstrou uma enorme coragem e sangue frio perante situação tão delicada.
[7] Nunca publiquei esta informação para que ela não fosse aproveitada de forma oportunista, dizendo-se que aqueles dirigentes políticos haviam fugido, quando isso não correspondia à verdade.