segunda-feira, dezembro 28, 2015

DUVIDAS SOBRE A “RESOLUÇÃO” DO BANIF (I)



A aplicação de uma anunciada medida de resolução ao Banco Internacional do Funchal – S.A. suscita as maiores dúvidas e justifica que o Ministério Público tome, com a maior urgência, uma iniciativa, visando a investigação de todos os indícios de práticas criminosas, que a própria realidade denuncia e que os particulares – os principais visados pela medida – não têm nem meios nem capacidade para denunciar.
Nos termos do disposto no Código de Processo Penal, o Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia (artº 241º).
O que (até agora) se conhece do “caso BANIF” indicia prejuízos efetivos para o Estado da ordem dos 4.100 milhões de euros e prejuízos de valor indeterminado para os particulares, a começar pelos acionistas e pelos credores do banco.
Seguramente que ninguém estará à espera de que os acionistas e os demais investidores do BANIF, a quem roubaram o banco, fiquem de braços cruzados sem questionar a medida de resolução e, sobretudo, a violação de obrigações legais por parte do regulador e, eventualmente, do Estado, fundadora de responsabilidade civil.
Não há quaisquer provas de que estamos perante uma gigantesca fraude, patrocinada pela própria União Europeia e executada ao mais alto nível do Banco de Portugal. Mas não pode descartar-se essa hipótese, do mesmo modo que não se pode descartar a hipótese de homicídio perante o aparecimento de um cadáver esquartejado.
É claro e inequívoco que, tal como aconteceu no caso BES, a comissão de inquérito não conduzirá a qualquer conclusão útil e que mereça crédito, porque são pouco relevantes as questões políticas, quando o essencial é jurídico e tem a ver com princípios axiais dos ordenamentos português e europeu.

O princípio e o fim...

A República Portuguesa deu uma ajuda ao BANIF, do montante de 1.100 milhões de euros, em 2013, na sequência de um processo especial de auxilio de estado, aprovado pela Comissão Europeia.
As coisas não terão corrido bem; por isso, tendo dúvidas sobre a legalidade do auxilio de estado, a Comissão Europeia abriu um procedimento relativo à execução da politica de concorrência, tendo notificado a República Portuguesa para prestar esclarecimentos, em 24 de julho de 2015.
Porque o governo não respondeu, em 18 de dezembro de 2015, a Comissão Europeia fez publicar no Jornal Oficial um anúncio público, que conclui nos termos seguintes:
“A Comissão conclui que, com base na informação disponível à data da presente decisão, tem dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado interno do auxílio estatal recebido pelo Banif.
À luz das conclusões aqui expostas, a Comissão, agindo ao abrigo do procedimento previsto no artigo 108º, nº 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, solicita a Portugal que apresente as respetivas observações e forneça toda e qualquer informação que possa contribuir para apreciar a compatibilidade do auxílio, no prazo de um mês a contar da receção da presente carta.
A Comissão solicita às autoridades portuguesas que encaminhem imediatamente uma cópia da presente carta para o potencial beneficiário do auxílio.
A Comissão faz ainda saber às autoridades portuguesas que informará as partes interessadas através da publicação da presente carta e de um resumo significativo da mesma no Jornal Oficial da União Europeia.
Informará igualmente as partes interessadas dos países da EFTA signatários do Acordo EEE, mediante a publicação de uma comunicação no suplemento EEE do Jornal Oficial da União Europeia, bem como o Órgão de Fiscalização da EFTA, através do envio de uma cópia da presente carta. Todas as partes interessadas serão convidadas a apresentar as suas observações no prazo de um mês a contar da data dessa publicação
Nenhuma sanção foi aprovada nem estava em perspetiva.
O teor desta comunicação não se afasta muito dos sucessivos avisos, feitos pela Comissão, relativamente ao incumprimento dos compromisso assumidos em 2013, quando da aprovação da medida de auxilio ao BANIF.
Apesar de estarmos perante um processo extremamente complexo, as “autoridades portuguesas” ou, pura e simplesmente, o Banco de Portugal montaram num fim de semana uma operação que conduziu à concessão de ajudas adicionais do estado do montante de cerca de 3.000 milhões de euros, visando a viabilização da venda do BANIF ao Banco Santander Totta.
O problema da ajuda de estado eventualmente incompatível com o mercado interno desapareceu, porque a Comissão Europeia o “apagou”.
E criou-se um problema adicional de uma ajuda de estado incompatível com o mercado interno de 3.000 milhões de euros.
Ou seja: em bom rigor jurídico havia um problema de  1.100 milhões de euros; e passou a haver um problema de 4.100 milhões de euros.
É importante questionar, antes de tudo, se a concessão de uma ajuda de estado de 4.100 milhões de euros para viabilizar a venda de um banco português a um banco português, porém  de capital espanhol,  por 150 milhões é compatível com o mercado externo, à luz do direito da União.
Mas, mais do que isso, é indispensável questionar estas ajudas no plano da responsabilidade civil e criminal dos diversos intervenientes, nomeadamente dos funcionários da União Europeia envolvidos neste processo.
Portugal tinha arriscado, em condições que são muito duvidosas, 1.100 milhões de euros, em janeiro de 2013.
Agora perdeu, em condições absolutamente obscuras, pelo menos, 4.100 milhões de euros.
Uma pipa de massa, como diria Durão Barroso. E o que parece ser um grande palmada, para favorecer os interesses do Banco Santander Totta, que comprou o BANIF por uma tuta e meia.


Antecedentes

A comunicação social tem apontado como causa principal da medida de resolução aplicada ao BANIF um alegado incumprimento, por parte deste banco ,relativamente a compromissos conexos com uma ajuda do estado eventualmente incompatível com o mercado interno.
A República Portuguesa – e não o BANIF -  comprometeu-se a apresentar um plano de reestruturação até 31 de março de 2013, tendo sido estabelecido, desde logo, que a Comissão tomaria, depois de tal apresentação, uma decisão definitiva sobre a compatibilidade da injeção de capital com as regras em matéria de auxílios estatais da UE.”
Em 1 de janeiro de 2013, Portugal informou a Comissão  de que as medidas de recapitalização, consistiriam na subscrição de ações emitidas pelo Banif num montante de 700 milhões de euros e em valores mobiliários híbridos no montante de 400 milhões de euros.
A propósito da proposta portuguesa, afirmou, então, o comissário espanhol Joaquin Almunia:
 «A recapitalização de 1,1 mil milhões de euros permite que o BANIF respeite os rácios de capital regulamentar. Neste momento, Portugal necessita urgentemente de elaborar um plano de reestruturação aprofundado, reorientando o BANIF para as suas atividades principais na Madeira e nos Açores e preparando uma significativa redução das suas operações».
Muita água correu sob as pontes até ao dia 18 de dezembro de 2015, data em que foi publicada, no Jornal Oficial da União Europeia, a carta enviada pela Comissão ao governo português, em 24 de junho de 2015.
Nesta data, a 18 de dezembro de 2015, a Comissão anunciou urbi et orbi  - no Jornal Oficial - que  naquela data notificou a República Portuguesa da decisão de dar inicio ao procedimento previsto no artigo 108º-2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à medida de auxílio acima mencionada.
Lê-se no relatório agora publicado:
“O plano de restruturação (do BANIF) tem de estar em conformidade com a Comunicação relativa à reestruturação, segundo a qual a viabilidade a longo prazo está garantida se o banco puder competir no mercado com vista à obtenção de capitais com base nos seus próprios méritos, em conformidade com os requisitos regulamentares relevantes. Ao banco cabe cobrir todos os seus custos e garantir uma rendibilidade adequada dos seus capitais próprios tendo em conta o seu perfil de risco, devendo ainda reembolsar ou remunerar de forma adequada o auxílio que recebeu do Estado. O regresso à viabilidade deve ser conseguido essencialmente à custa de medidas internas, devendo também ser identificadas as causas das dificuldades e os pontos fracos e explicado de que forma a restruturação vai atacar esta situação.”
Dito isto no contexto de uma iniciativa para “apresentação de observações nos termos do artigo 108º, nº 2, do TFUE”, parece-nos que todos nós, cidadãos e empresas, temos o direito de intervir nesse processo, visto o que foi, entretanto feito pelo Banco de Portugal,  cumprindo o velho brocardo de que é pior a emenda de que o soneto.
A questão axial do caso BANIF é a de saber se o auxilio do Estado, autorizado em janeiro de 2013 é ou não conforme com o mercado interno.
A resposta objetiva a essa questão foi uma solução que ofende ainda mais profundamente as regras que haviam sido questionadas pela Comissão.
Ou seja: o Estado concedeu um auxílio ao BANIF, do montante de 1.100 milhões de euros, não cumpriu a obrigação de apresentação de um plano de reestruturação, que teria que ser aprovado pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artº 142º do RGICSF e quando a Comissão, que foi de uma extrema tolerância, tornou pública a iniciativa de abrir uma investigação sobre a conformidade do auxilio com o disposto no artº 107 do TFUE, o Banco de Portugal tomou a iniciativa de aplicar uma medida de resolução ao BANIF que é muito mais violadora dessa disposição do Tratado do que o fora o próprio auxilio estatal.

O paradoxo da incompatibilidade da medida de resolução com o mercado interno

Temos como adquirido que, na base de todo este processo, está a ajuda de 1.100 milhões de euros ao BANIF, por parte da República Portuguesa, considerado de compatibilidade duvidosa com o TFUE, por não ter sido apresentado um plano de reestruturação aceitável.
Dispõe o artº 107º,1 do Tratado, onde radica toda a problemática do BANIF:
“(...) São incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”
A incompatibilidade com o mercado interno deriva do facto de os recursos usados na ajuda ao BANIF serem públicos e de um montante relevante.
Analisando o processo espelhado no relatório da Comissão agora publicado, dúvidas não podem suscitar-se relativamente à tolerância do executivo comunitário relativamente ao processo BANIF.
É certo que a República Portuguesa foi notificada para dar esclarecimentos em 24 de julho de 2015 e não terá adotado os procedimentos adequados.
Mas nem por isso o processo estava encerrado e nem por isso adviria algum mal ao Estado, por não ter sido encontrada uma solução tempestiva.
Estava em causa uma ajuda de Estado de 1.100 milhões de euros.
O que passa a estar em causa, com a medida de resolução adotada, é uma ajuda de Estado muito maior e uma operação claramente perturbadora do mercado interno, que não pode deixar de suscitar suspeitas.
Tendo em consideração os valores que o artº 107º do Tratado procura proteger, temos que considerar como muito mais perturbadora a venda apressada do melhor do BANIF ao Banco Santander por 150 milhões de euros, depois de uma autentica recapitalização de 3.000 milhões, elevando as ajudas estatais para 4.100 milhões de euro do que a aplicação de 1.100 milhões de euros na subscrição de ações do banco e na concessão de crédito, por via de valores mobiliários híbridos.
Os documentos que se conhecem são muito pouco precisos mas apontam para auxílios de Estado adicionais daqueles valores, que têm que se entender como apoios da República Portuguesa ao banco espanhol: mais do dobro do que foi aplicado no banco português.
No seu comunicado de 20 de dezembro, o Banco de Portugal afirma que a operação envolve um apoio público estivados em 2.255 milhões de euros, “que visam cobrir contingências futuras, das quais 489 milhões pelo Fundo de Resolução e 1.766 diretamente pelo Estado Português.”
Porém, o comunicado da Comissão do dia 21 de dezembro diz outra coisa, aumentando substancialmente os números.
O comunicado diz, em título, que a “Comissão aprova um auxílio adicional até 3 mil milhões de euros  para a resolução do banco português Banif e a venda de ativos ao Banco Santander Totta”, explicando que, para além das verbas que foram anunciadas pelo Banco de Portugal, a Comissão autorizou uma “margem adicional de segurança sob a forma de uma garantia do Estado para prever eventuais alterações recentes no valor da parte vendida ao Banco Santander Totta, o que eleva o total das potenciais medidas de auxílio para quase 3 mil milhões de euros.”
Este comunicado não deixa quaisquer dúvidas de que aprovou um auxilio de Estado que não é de 2.255 milhões mas de 2.677 milhões de euros, a que acrescem ainda os 1.100 milhões aplicados em 2013 e uma garantia de valor não determinado “para prever eventuais alterações recentes no valor da parte adquirida pelo Banco Santander”.
Diz, expressamente o comunicado:
“As autoridades portuguesas notificaram a Comissão dos planos de concessão de 2.255 mil milhões de EUR em medidas de auxílio destinadas a apoiar a venda de ativos e passivos do Banif ao comprador, bem como um auxílio no valor de 422 milhões de euros destinado à transferência de ativos para o veículo de gestão de ativos.
É aprovada também uma margem adicional de segurança sob a forma de uma garantia do Estado para prever eventuais alterações recentes no valor da parte adquirida pelo Banco Santander Totta, o que eleva o total das potenciais medidas de auxílio para quase 3 mil milhões de EUR.”
Para além disso, estando a correr um procedimento, anunciado no jornal oficial de 18 de dezembro, para a recolha de observações acerca de um auxilio de estado eventualmente incompatível com o mercado interno, em que estavam em causa 1.100 milhões de euros, o que a Comissão fez, segundo o comunicado foi legalizar essa ajuda de 1.100 milhões de euros, sem que houvesse qualquer dado adicional que tocasse nos argumentos trazidos a público, como, para além disso, aprovar ajudas estatais que podem elevar-se aos 3.000 milhões de euros, adicionais.
Tudo para vender o melhor do banco BANIF ao Santander Totta por apenas 150 milhões de euros.
Estamos perante um inaceitável paradoxo que justificaria que o Estado Português questionasse a postura da Comissão no Tribunal de Justiça, na base do entendimento de que a exigência de prestação de auxílios de Estado à autoridade de resolução com vista a facilitar a venda de um banco a uma “entidade bancária forte” é, ela sim, violadora do artº 107º do Tratado.


Importa saber se é verdade...
O Ministro das Finanças, Mário Centeno, revelou na Comissão de Finanças da Assembleia da República, que o governo pretendia adotar outra solução para o Banif, diferente da que foi adotada pelo Banco de Portugal.
"O governo preferia a recapitalização do Banif, seguida de uma fusão com a Caixa Geral de Depósitos, mas foi impossível devido às ajudas estatais."
Não se alcança facilmente por que razão a Comissão pode autorizar um auxilio estatal de cerca de 3.000 milhões de euros para viabilizar a venda do BANIF por apenas 150 milhões ao Banco Santander Totta e não podia autorizar uma simples operação de capitalização, que permitisse a viabilização do BANIF, para o que seriam necessários muito menos recursos, com perspetivas de recuperação dos capitais investidos pelo Estado, por via da fusão com a Caixa Geral de Depósitos, de que o Estado é o único acionista.
O que é incompatível com o mercado interno, não o sendo, porém com o interesse dos lobistas financiados pelo Santander, é a aprovação de ajudas colossais, a fundo perdido, que implicam uma perda para a República Portuguesa de mais de 4.100 milhões de euros e um favorecimento do Santander Totta em montante não determinado mas determinável.
A liberal Margrethe Vestager, Comissária responsável pela política da concorrência, afirmou, na sequência da medida de resolução: 
«Os bancos não podem ser mantidos artificialmente no mercado com o dinheiro dos contribuintes. Embora o Banif já tivesse recebido auxílios estatais significativos, não conseguiu regressar à viabilidade por si só. As medidas hoje aprovadas permitem ao Banif sair do mercado de uma forma ordenada e que um banco sólido adquira uma grande parte das suas atividades sem que tal acarrete um prejuízo para os clientes do Banif.”
Esta declaração constitui uma contradição nos seus próprios termos e é, em si mesma, um demonstração de falta de seriedade ou de incompetência da comissária.
Como pode aceitar-se que a comissária da concorrência defenda a injeção de dinheiros públicos de montante muito superior ao que havia sido questionado, para favorecer a saída do BANIF, de forma ordenada, para um banco forte, que é o Santander Totta?
E como é possível que se considere compatível com o mercado interno a concessão de uma ajuda de estado para a venda ao desbarato a um banco de capital estrangeiro estrangeiro e não para a venda a um banco nacional, nomeadamente ao banco público do estado financiador?
O jornal Expresso escreveu na sua edição eletrónica o seguinte:
“O Ministro das Finanças afirmou (...) no Parlamento que o Governo “preferia outra solução” para o Banif. Essa solução “passava pela recapitalização do Banif e a sua fusão com a Caixa Geral de Depósitos”.
O ministro das Finanças adiantou ainda que essa solução, “por restrições legais, não foi implementável”, acrescentando que as dificuldades estão associadas às “ajudas de Estado existentes, quer ao Banif, quer à Caixa Geral de Depósitos”. As declarações foram feitas na comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, que decorreu esta terça-feira no âmbito da discussão do Orçamento Retificativo, que surge na sequência do resgate ao Banif.”
O jornal escreve que também o secretário de Estado adjunto do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, presente na audição, sublinhou que essa era solução que o PS preferia e que foi discutida com a Comissão Europeia, tendo sido recusada.
É preciso averiguar se isto é verdade ou não.
Se for verdade, parece tratar-se de uma postura incompatível com as normas europeias da concorrência e com os princípios reguladores do mercado interno.
Porque razão pode ser organizado um procedimento para a venda do banco BANIF a um banco de capital estrangeiro, pelo montante irrisório de 150 milhões de euros, sem que o estado possa reaver um cêntimo do que investiu e o mesmo negócio não possa ser feito  com um banco público?

Uma medida de resolução que é um novo assalto a um banco

Temos qualificado a medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo como um ato administrativo de efeito equivalente a um assalto a um banco.


Justifica-se por isso, em toda a plenitude, que a Comissão abra um procedimento para averiguação da compatibilidade da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BANIF é, nos termos em que foi desenhada – e implicando uma ajuda de estado de valor superior a 4.100 milhões de euros, compatível com o mercado interno, com todas as consequências previstas nos tratados.
Justifica-se, outrossim, que o Parlamento promova o inquérito judicial já anunciado.
Mas, mais do que isso, justifica-se que os lesados questionem a legalidade da medida de resolução e que os cidadãos se organizem para peticionar nos tribunais a anulação da medida e a adoção de providências adequadas a evitar a injeção de mais recursos públicos nesta negociata.
A medida de resolução, tal como foi desenhada, prejudica, de forma grotesta todos os investidores do BANIF, de qualquer natureza, porque ofende o princípio de que os acionistas e os demais credores não podem receber, no quadro da resolução menos qo que receberiam num quadro de liquidação. E aqui, como está desenhada a medida de resolução nada receberão-
Prejudica-nos a todos pois que, dividindo o montante de 4.100 milhões pela população ativa obriga a um sacrifício de 785 euros per capital.
Trata-se de um desastre colossal, pelo qual não podem ser responsabilizados os cidadãos.


Um novo falhanço do Banco de Portugal?
Estaremos perante um novo falhanço do Banco de Portugal ou perante uma fraude conscientemente planeada e desenvolvida, visando o enriquecimento ilegítimo dos intervenientes, do beneficiário do negócio e de terceiros?
Não é possível extrair conclusões, antes que se proceda a uma aturada investigação de tudo o que se passou.
O que se conhece é, por si só, suficiente para que o Governo – se estiver de mãos limpas – declare a perda de confiança na administração do Banco de Portugal, sob pena de ser corresponsável pela sua atividade.
Aqui estamos no domínio da política. E se, de um ponto de vista jurídico a lei é especialmente restritiva que se refere à demissão dos administradores do Banco de Portugal, nenhuma limitação existe, de um ponto de vista político, relativamente a declaração de perda de confiança por parte do Governo, relativamente aos administradores do Banco de Portugal.
Nos termos do artº 33º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, “os membros do conselho de administração são inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE.”
Esta disposição diz o seguinte:
14.º-1. De acordo com o disposto no artigo 131.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, cada Estado-Membro assegura a compatibilidade da respetiva legislação nacional, incluindo os estatutos do seu banco central nacional, com os Tratados e com os presentes Estatutos.
14.º-2. Os estatutos dos bancos centrais nacionais devem prever, designadamente, que o mandato de um governador de um banco central nacional não seja inferior a cinco anos.
Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave. O governador em causa ou o Conselho do BCE podem interpor recurso da decisão de demissão para o Tribunal de Justiça com fundamento em violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação. Esses recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão ou da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tiver tomado conhecimento da decisão.
14.º-3. Os bancos centrais nacionais constituem parte integrante do SEBC, devendo atuar em conformidade com as orientações e instruções do BCE. O Conselho do BCE tomará as medidas adequadas para assegurar o cumprimento das orientações e instruções do BCE e pode exigir que lhe seja prestada toda a informação necessária.
14.º-4. Os bancos centrais nacionais podem exercer outras funções, além das referidas nos presentes Estatutos, salvo se o Conselho do BCE decidir, por maioria de dois terços dos votos expressos, que essas funções interferem com os objetivos e atribuições do SEBC. Cabe aos bancos centrais nacionais a responsabilidade e o risco pelo exercício dessas funções, que não são consideradas funções do SEBC.”

er diplomaDo nosso ponto de vista, o governador do Banco de Portugal e os demais administradores têm cometido, ao longo do seu mandato, faltas gravíssimas, que justificam uma fundamentada declaração política de desconfiança e a abertura, de forma leal e concertada com o Banco Central Europeu, dos procedimentos adequados à demonstração de faltas graves, para efeitos de exoneração.
Depois do apuramento das faltas graves, deverá o Conselho de Ministros revolver a exoneração,  nos termos do disposto no artº 33º,4 da Lei Orgânica.
O que é insustentável é a continuidade de um governo do Banco de Portugal que em menos de dois anos, em razão de um exercício desastroso da supervisão bancária, causou ao país prejuízos de dezenas de milhões de euros.
No caso BANIF, o investimento de 2013 foi anunciado pelo próprio governador como um investimento altamente lucrativo para o Estado.
Incumbia ao Banco de Portugal aprovar, em conformidade com o que foi negociado com a União Europeia, um plano de reestruturação adequado à dar cumprimento ao que havia sido decidido, em termos de ajudas de estado.
Na verdade, em conformidade com o disposto no artº 141º, 1 al b) e 142º do RGICSF é ao Banco de Portugal que compete aprovar, com poderes amplíssimos de imposição de alterações, os planos de reestruturação que forem exigidos no quadro das medidas de intervenção corretiva.

A primeira análise dos documentos conhecidos, relativos á resolução aplicada ao Banco BANIF sugere que falhou em toda a linha a supervisão do Banco de Portugal, o que indicia falta grave de todos os seus administradores, que causou ao país o brutal prejuízo de mais de 4.100 milhões de euros, para além de terem envolvido a República em ações que, inequivocamente, ofendem os tratados, máxime o artº 107º do TFUE.

domingo, novembro 15, 2015

Não nos cubram com a bandeira francesa, por uma questão de higiene

Gosto muito da França, especialmente de Paris, e tenho um apreço especial pelos franceses, entre os quais conto com grandes amigos.
Estudei jornalismo no CFJ, na Rue du Louvre e tive a oportunidade de conhecer, em 1974, alguns dos maiores vultos do jornalismo francês, de que destaco Hubert Beuve-Méry, Jean Daniel e J.J Servan-Schreiber,  pai do David Servan-Schreiber, que conheci quando ele tinha 13 anos e que, mais tarde, se tornaria o  meu guru do cancro.
Paris era, nessa época, a maior cidade portuguesa, a cidade de toutes les concièrges.
Quando estive em Paris -  com o Mário Bettencourt Resendes, o Joaquim Vieira, a Maria Elisa, o Pedro Mariano, o Pedro Luis de Castro, o Francisco Burnay, o Manuel Lamas, o João Vale de Almeida, entre outros – estava no poder Valery Giscard d’Estaing.
Tive a a oportunidade de  acompanhar a cimeira de Rambouillet  e as conversações entre Giscard e Leonid Brejnev, em dezembro de 1974.
Talvez tenha sido nessa época que se desfizeram boa parte das ideias que eu tinha alimentado, na senda dos escritos da Jeune Afrique, sobre a posição anticolonialista da França, para as substituir por outras, desenhando uma França neocolonialista, disposta a fazer tudo para recuperar influência no exterior, usando para isso os meios que fosse necessário usar.
Lembro-me de uma conversa com um assessor de Giscard em que, precisamente, se questionava por que razão podia a União Soviética fornecer armas a Angola e Moçambique e não podia a França fazer o mesmo.
Quem não podia fornecer armas às suas antigas colónias era Portugal, por razões que não consegui descortinar na juventude dos meus 23 anos.
Acompanho a politica francesa desde essa época, com uma atenção diária e adotei o francês é a minha segunda língua.
Nunca fui Charlie Hebdo apesar de ter lastimado o que ali aconteceu e de continuar a apreciar esse vigoroso semanário.
Depois daquela correção de trajetória, sempre respeitei  a vocação colonialista dos franceses, sem prejuízo de sempre ter criticado os seus excessos e de, há mais de 30 anos, vir advertindo para as causas da crescente perda de influência da França em todo o Mundo, em tudo o que essa influência poderia ser positiva.
Na minha geração toda a gente que tivesse passado por um liceu falava francês; hoje o francês é uma língua que ninguém fala, como se a França foi um país decrépito, apesar de ter aumentado, por relação à década de 70 do século passado a sua presença nos teatros bélicos.
Nesse tempo, nós os portugueses, tivemos a noção da História e  – em boa parte por influência francesa, sobretudo da imprensa e dos pensadores do último quartel do século XX – descolonizamos e negociamos a independência das nossas colónias em África.
Logo no nosso encalço se viraram os franceses para a África, encetando experiências neo-coloniais que deixaram manchas em vários territórios, a maior das quais foi a do escândalo denominado Angolagate.
Tínhamos dois Estados tampões que contribuíam, de forma equilibrada para os equilíbrios regionais: a Síria e  a Líbia.
Já no século XXI franceses figuram entre os principais responsáveis pela desestabilização desses Estados, ambos membros das Nações Unidas, tanto por via do apoio a terroristas que neles atuaram como mercenários, como por via da intervenção das suas forças armadas, especialmente da força aérea.
É hoje cada vez mais claro que o ISIS - Islamic State of the Iraq and the Levant – é uma criação de alguns países ocidentais, envolvendo mercenários de quase todos os países europeus, que funciona, essencialmente, como um alibi para a sustentação de uma guerra, com os consequentes lucros para os grandes fabricantes de armamento, entre os quais estão os franceses.
Conheciam-se árabes de vária natureza na Al-Qaeda, apesar de ser conhecido e de ser controverso que Ossama Bin-Laden foi um agente americano e que a sua família privava com os Bush na fazenda do Texas.
Um dia antes do 11 de setembro, George W. Bush participou numa assembleia da Carlyle, de que foi administrador Frank Carlucci, no Ritz Carlton Hotel, em Washington, na qual esteve também presente o irmão de Osama Bin Laden, Shafiq Bin Laden.
As caras da Al-Qaeda foram, durante anos, caras amigas dos Estados Unidos e, portanto, do Ocidente.
Do mesmo modo, no Iraque e no Irão sempre pautaram homens de mão dos países ocidentais.
Saddam Hussein era um homem da confiança dos Estados Unidos.
Ronald Reagan fez dele uma aliado, estabelecendo com o Iraque uma parceria, comemorada com grandes negócios de armamento, nomeadamente armas químicas usadas contra os iranianos e os curdos.
Saddam foi uma espécie de mandatário americano na luta contra os xiitas iraniados.
Nos anos 90, os Estados Unidos assumiam que o regime de Saddam Hussein era fundamental para a defesas dos seus interesses na região.
O Iraque chegou a ter um exército com mais de um milhão de homens, equipados com armamento comprado a diversos países ocidentais, entre os quais os Estados Unidos e a própria França, que também fornecia os aiatolas do Irão.
É bom lembrar que Khomeini foi “criado” em França e chegou a Teerão (1979) num avião da Air France.
Quando a Saddam Hussein, o homem dos americanos nos vales do Tigre e do Eufrates, foi “julgado”  e condenado à morte por um tribunal que não merce nenhuma credibilidade, por crimes de que são co-autores os seus mandantes americanos, especialmente Ronald Reagan e George Bush, os verdadeiros responsáveis pelas atrocidades cometidas contra os curdos e os iranianos.
O Iraque praticamente desapareceu como Estado.
Os soviéticos ajudaram a destruir o Afeganistão numa longa guerra que durou até 1989, e no quadro da qual nasceu, sob influência americana,  a Al-Qaeda, organização que se incumbiu da gestão do apoio ocidental aos mujahidins, treinados pelo ocidente e pela China.
Depois foi o poder dos talibãs e a guerra civil, transformando-se o Afeganistão num estado pária.
Em 2012, a Líbia tinha o segundo melhor índices de desenvolvimento humano da África. Tinha também as décimas maiores reservas de petróleo do mundo.
Em 2011, os países ocidentais ajudaram, com armas e dinheiro, os movimentos terroristas que se rebelaram contra Muammar Khadafi e a NATO bombardeou os principais centros administrativos, tendo entregue o poder (se é que se pode chamar poder) aos insurgentes.
A Líbia é hoje um Estado pária...
A Síria foi uma colónia francesa até 1940, ano em que foi tomada pelos nazis, tendo declarado a independência em 1946.
A vida desde país tem sido atribuladíssima desde a independência.
Em 2011, com o apoio dos países ocidentais, desertores do exército fundamentara, o Exército Sírio Livre, que passou a combater as forças armadas sírias e que se transformou, ele próprio numa organização terrorista, suportada por mercenários de todos os matizes, na maioria sunitas, quando é certo que o poder sírio assenta em figura alauitas.
A partir de 2013, com a Síria e o Iraque em situação caótica, começa a afirmar-se, como se viesse do zero, o ISIS (ouad-Dawlah al-Islāmīyah) que, de um momento para o outro, passou a dominar uma enorme área do território da Síria e do Iraque.
Em setembro de 2014, os Estados Unidos declararam assumir a liderança de uma coligação constituída, segundo então se disse por 48 países, para combater não o ISIS mas o Estado Islâmico, conferindo por essa via a dignidade de Estado àquele grupo terrorista.
A imprensa passou  a referir-se ao 'jihadistas' do EI (Estado Islâmico) em vez do  ainda acrónimo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS ou ISIL.
Em 2014, o Irão declarou que iria prestar apoio militar aos curdos iraquianos contra os 'jihadistas', enquanto que a Síria de Bashar al-Assad foi liminarmente afastada da coligação, apesar de boa parte das ações se desenvolverem no seu território.
A partir de 8 de agosto de 2014, os Estados Unidos passaram a bombardear os territórios do Iraque e da Síria alegadamente ocupados pelos jihadistas do EI, provocando uma migração massiva das populações.
Em setembro de 2014, François Hollande anunciou o fornecimento de armas aos 'peshmergas' curdos, sublinhando, porém "a importância de uma resposta política, humanitária e, se necessário, militar no respeito pelo direito internacional".
Também em setembro de 2014, o Reino Unido anunciou o fornecimento de metralhadoras pesadas e munições às forças curdas, reforçando os seus anteriores envios de material de guerra.
A Austrália também assegurou o fornecimento de material militar, armas, munições e a ajuda da sua  Força Aérea.
A Alemanha anunciou o envio para os combatentes curdos de 30 sistemas de mísseis antitanque, 16.000 espingardas de assalto e 8.000 pistolas.
A Itália enviou metralhadoras e armas ligeiras (30.000 AK-47 kalashnikov e 'rockets' antitanque), apreendidas há cerca de 20 anos pelas autoridades judiciais italianas num navio com destino à ex-Jugoslávia.
A Albânia, a Polónia, a Dinamarca e a Estónia também anunciaram a entrega de equipamentos militares.
O que se verificou  no curso do último ano foi  o crescimento da área ocupada pelos jihadistas e o incremento dos bombardeamentos desse território, primeiro pelas forças da difusa coligação internacional e, mais recentemente, pelas forças russas, aliadas de Bachar Al-Assad.
Há alguma similitude entre a criação dos “mujahidins” do Afeganistão e os jihadistas do EI.
Os primeiros foram formatados para combater o exército soviético, satadendo o seu recrutamento feito na população afegã.
Gorados todos os sonhos e indemonstradas todas as ilusões transformaram-se em talibãs.
Os jihadistas foram, essencialmente, recrutados entre jovens desempregados e sem futuro, nos países europeus.
Treinados para combater os ditadores (Saddam, Kadhafi, Assad), convertidos ao Islão e seduzidos para a criação de um estado teocrático avançado, associando a tradição às novas tecnologias e aos benefícios do conhecimento dos países ocidentais, transformaram-se numa força ameaçadora, que já não se contenta com os limites do seu próprio projeto, que, em 2014 tinha as fronteiras da Síria e do Iraque.
O próprio nome ISIS queria dizer Estado Islâmico do Iraque e do Levante, sendo que o Levante é o antigo nome da Síria.
O objetivo primeiro do ISIS foi o da ocupação/organização dos territórios do Iraque e da Síria como base de um Estado.
O Iraque tem a 5ª maior reserva de petróleo do Mundo.
A Síria tinha, em 2011, uma capacidade de produção de 14.000 barris por dia.
São esses uns interesses motivadores dos jihadistas, quase todos criados nos países ocidentais e educados nas suas escolas.
Em novembro de 2015, foi noticiado o homicídio do famoso Jihadi John, um britânico que é um dos cabeças de cartaz da organização, aquele que aparecia vestido de negro a decapitar reféns.
Na sexta-feira 13 de novembro, os terroristas do Estado Islâmico atacaram Paris matando mais de 100 pessoas, com a mesma frieza e a mesma cegueira com que a força aérea francesa mata gente no território da Síria e do Iraque. Em Paris os terroristas dispararam sobre cidadãos pacíficos que assistiam a espetáculos ou fruíam um tempo de lazer nos restaurantes. Um coisa horrível, hedionda; mas que não é menos hedionda do que os bombardeamentos.
Nos últimos meses somos testemunhas dos efeitos do terrorismo dos Estados ocidentais.
Aqueles milhões refugiados a quem cinicamente nos propomos acolher são pessoas de sorte, que só não morreram como os desgraçados da sexta-feira 13 porque, tal como as pessoas que estavam no Bataclan, passaram no intervalo da metralha.
No momento em que escrevo, as agências dizem que os terroristas são todos, provavelmente, franceses e belgas, sendo um filho de uma portuguesa.
Perante isto, não posso deixar de ficar chocado quando vejo a Torre de Belém coberta com a bandeira francesa.
É de oportunismo atroz; e nem sequer se compreende como é que tudo foi preparado para, de um momento para o outro, se projetarem bandeiras francesas sobre os principais monumentos europeus.
Será que os franceses sabiam que iriam haver esta chacina em Paris, como parece que os americanos sabiam que iria haver os 11 de setembro?
Seja como for, não faz nenhum sentido colocar a bandeira francesa onde ela não deve estar, sobretudo quando a França falhou em todas  as dimensões.
Melhor fora que iluminassem o Palácio Junot, na Rua Marquês de Fronteira, à frente do meu escritório, que é um encoberto testemunho das invasões e da primeira tentativa de colonização de Portugal.
Chocado fico, também, por ver a bandeira francesa, símbolo da soberania da República Francesa, no frontispício da nossa Assembleia da República, comos se as tropas napoleónicas tivessem voltado de novo e tivéssemos, os das elites, que fugir para o Brasil e chamar os ingleses para nos libertarem.
Claro que temos que condenar veementemente os ataques terroristas feitos em território francês, na sexta feira, 13 de novembro de 2015, mesmo que os seus autores possam ter sido cidadãos franceses ou até um lusodescendente.
Deveríamos condenar, outrossim, todos os outros ataques terroristas, nomeadamente os que são feitos sob as cores da bandeira francesa, pelas suas forças armadas e que são tão terroristas como os de Paris, se não acautelam a segurança dos cidadãos.
Parece-me que é um valor adquirido o de que não é licito a nenhum estado bombardear indiscriminadamente populações civis no território de outro estado.
O cúmulo do cinismo está nisto: a República Francesa alimenta o jihadismo no seu próprio território, exporta jihadistas para a Síria e para o Iraque e fica chocada se os mesmos ou outros despoletam em Paris bombas que talvez sejam francesas.
Essa coisa que se intitula ISIS /Islamic State of the Iraq and the Levant) – a quem a França reconhece a dignidade de Estado quando qualifica os atentados de Paris como uma guerra – é, em boa parte, uma criação francesa.
Paradoxal é que o ISIS diga que os massacres de Paris são a reação aos bombardeamentos franceses das regiões por ele controladas e que a França riposte dizendo que os bombardeamentos vão continuar.
Os bombardeamentos em causa ocorrem no Iraque e na Síria, que são países independentes e membros das Nações Unidas.
É obvio que os meus amigos de Paris ou de qualquer outra cidade francesa são tão titulares de direitos humanos como as iraquianos e os sírios que habitam no território da Síria e do Iraque, todos os dias fustigado por bombardeamentos cegos dos aliados e da Rússia.
Daqui é inevitável saltar para o plano dos refugiados.
Estes não fogem, essencialmente, dos terroristas do ISIS, mas dos bombardeamentos das forças ocidentais e da Rússia.
O Estado Islâmico ainda não tem aviões...
Por tudo isto me parece que temos que ser solidários com as vítimas, sejam elas quais forem, mas não podemos ser solidários com os carrascos, sejam eles Estados  terroristas ou terroristas mercenários.
É óbvio que os bombardeamentos cegos constituem terrorismo puro e são tão condenáveis como a sua versão minimalista, que vimos em Paris na 6ª feira 13 de novembro.
Por favor não cubram as nossas coisas com a bandeira francesa.
Por uma questão de higiene.