sábado, março 28, 2020

Da necessidade de uma moeda própria

Este blog está finado para ser usado apenas nos tempos difíceis.
Esvrevi, nas últimas horas, no Facebook:
"Portugal deveria relançar o escudo como moeda interna. Justificaria a existência (agora inútil) do Banco de Portugal e poderia fazer dinheiro para ajudar quem precisa, na base de um direito de soberania que continua a ter. Uma moeda é uma reserva de soberania."

Deixo-vos aqui um extrato do meu proximo romance, que se fala disso...
Foi escrito há mais de um ano...




Extrato do  reomance, "A Génese do Monstro":

"Agora, é como se estivéssemos órfãos e não podemos continuar órfãos. E começou a desenrolar-lhe a história, como se fosse necessário revê-la.
O euro é como se fosse o denário, que a república romana começou a cunhar 211 anos de Cristo. Valia o preço do salário de um dia e espalhou-se de ponta a ponta do império. Quando conferiu a Afonso Henriques o alvará de país, o papa, que era, na época uma espécie de presidente da união europeia, fez o contrário do que se fez agora. Outorgou-lhe o direito de cunhar moeda. E nasceram os bolhões, os dinheiros e as mealhas, logo com o primeiro rei.
Não havia dinheiro, fabricava-se. Como ainda hoje fazem os americanos. Quando o dinheiro faltava, cortavam-se as mealhas a meio, como aconteceu no reinado de D. Afonso II.
Nunca se colocou em Portugal a questão da moeda única. No tempo de D. Afonso Henriques, apesar de ele ter passado a ser um fabricante, continuaram a circular as moedas romanas, os denários e áureos e ainda moedas leonesas e muçulmanas, principalmente de prata e ouro,  como o diram e o dinar.
Inventaram-se os morabitinos de ouro, para concorrer com as moedas árabes que se haviam multiplicado no mercado morabitinos são uma resposta à moeda de ouro muçulmana, o dinar.
Com D. Fernando foi a barbuda. Fundiu as moedas antigas, reduziu-lhes o peso e deu-lhes um banhinho de prata ou de ouro. Com a operação o rei arruinou muitos dos seus vassalos, que viram, de um dia para o outro, reduzida a sua fortuna, porque, valendo o mesmo na contagem, não valiam as moedas o mesmo em termos de valou real, na compita com as que transportavam os mercadores.
 D. João, mestre de Avis, mandou cunhar as primeiras moedas de cobre e só se lançou nas de prata quando passou a crise. Fez-se o ceitil, depois da conquista de Ceuta, no sonho de o espalhar para todo o sul, em novas conquistas e novos negócios. D. Afonso V lançou os cruzados de ouro em homenagem ao papa Calisto III, depois da descobertas as minas de Aguim e D. João II cunhou vinténs de ouro e de prata, com a sua imagem, sentado no trono, porque era ele o senhor do dinheiro.
Com o alargamento do império e a chegada à Índia, D. Manuel I, viu-se obrigado a aumentar a moeda em circulação, fabricando os ceitis de cobre e os reais, de cobre, prata e ouro, que levaram, pela primeira vez a cruz de Cristo, em homenagem à holding que financiava a aventura.
Até o jovem  D. Sebastião se multiplicou em iniciativas de cunhagem de moeda produzindo tostões e meios tostões e desvalorizando-os, quando era o caso, com buracos que lhe retiravam o metal necessário para fabricar mais moeda.
Quando chegaram os espanhóis, em 1580, foram emitidos reais e tostões de prata e uma moeda de 500 reais de ouro. Até o efémero Prior do Crato cunhou moeda em Angra do Heroísmo e em Lisboa.
Após a revolução de 1640,  D. João IV continuou a cunhar moedas de prata, que se mantiveram em circulação até ao reinado de D. Maria II, em que foi adotado o sistema decimal. E todos os reis posteriores continuaram a fabricar moeda, em Lisboa, mas também em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, na Baía e até no Porto, mudando-se-lhe o nome à medida do gosto do rei.
Nasceram os dobrões, as dobras, os escudos e os meios escudos, os quartinhos e os cruzados, os pintos e até os vinténs. A moeda mais famosa desta série era a de três vinténs, a mais pequenina, que se perdia tão facilmente como a virgindade.
Com a quebra da produção das minas de ouro do Brasil faltou dinheiro à corte de D. José e o real erário, uma espécie de ministério das finanças inventado pelo marquês de Pombal, fez a primeira emissão de dívida soberana. Lançou apólices em papel com valores de 1.200 a 20.000 reis, que equivaliam a moeda metálica e podiam por ela ser trocada, recebendo os portadores juros entre os 5% e os 6%, quando as apresentassem, em período certo, à boca do cofre público.
Um negócio sério, que durou, porém, pouco tempo. O estado deixou de pagar os juros e habituou-se a fazer mais apólices, que passaram a circular como moeda, uma espécie de avó das notas. Tudo aconteceu com um atraso de 900 anos por relação ao invento das primeiras notas, pelos chineses da dinastia Ming e 100 anos depois da falência do banco da Suécia, que foi, ao mesmo tempo, uma verdadeira ressurreição e transformou aquele país nórdico no primeiro a substituir as moedas pelas notas, em 1661. Os ingleses imitaram-nos 3 anos depois, em 1664, passando a emitir notas com regularidade.
 As notas eram, originariamente, uma coisa aparentemente séria, porque constituíam uma promessa de pagamentos aos portadores de dinheiro em ouro ou em prata. Foi na base da exploração da confiança e do engano que todos os estados conseguiram enganar os parolos e levá-los a aceitar como normal que aqueles papéis eram o mesmo que ouro ou prata.
A moda custou a pegar em Portugal, apesar de as  apólices portuguesas do real erário terem duas assinaturas e afirmarem que se havia de pagar ao portador, no prazo de um ano, o seu competente juro.
D. João VI, ainda regente, autorizou a criação do primeiro banco em Portugal, no ano de 1808, data em que teve que fugir para o Brasil, carregando o ouro e a prata da casa real. Inviabilizou com isso a projetada emissão de notas, porque o povo, desconfiado, não acreditava no papel.
Continuaram nos reinados seguintes as cunhagens de moeda metálica e até um sino de uma igreja de Angra do Heroísmo foi usado para fazer moedas que continuaram a mudar de nome. Foram os malucos dos Açores, os escudos, os patacos, os reis e os tostões  que D. Maria colocou no mercado, lançando em 1835 um sistema decimal.
Nunca a coroa teve credibilidade para emitir papel moeda em quantidade suficiente para alimentar o mercado. Esse foi sempre um negócio dos bancos. Depois das apólices do real erário, o Banco de Lisboa emitiu notas  em reis, em 1822.
É uma história simples mas muito ilustrativa a das primeiras notas. Juntaram-se um credor do estado, Henrique Teixeira de Sampaio e um homem da inquisição, Jacinto Fernandes Bandeira, que foi o primeiro  e único barão de porto covo da bandeira e um pintor, Domingos Sequeira; fizeram o banco com um capital de 5.000 contos, abrindo ao público em 21 de Agosto de 1822.
Parece que a iniciativa pertenceu a Henrique Teixeira de Sampaio, que se tinha transformado, por via das mais variadas artes, no principal credor da coroa e que não tinha outro caminho para se ressarcir dos seus próprios créditos que não fosse pela via de emissão de moeda.
Para fazer moeda em papel era preciso um artista. E foi por isso que o barão da Terceira, afilhado de batismo do marquês de Pombal, foi buscar Domingos Sequeira, um pintor educado na casa pia, que já tinha dado grandes provas. Mas vejamos melhor quem eram estes senhores, que deram origem ao primeiro banco emissor de Portugal.
Angelina alterou o tom de voz, como se fosse dizer coisas muito importantes,  a ver com o presente ou a genética do presente. E lá prosseguiu com ar solene, sentada no sofá vermelho da sala, depois de desligar a televisão, que ia ronronando um ruído de fundo.
Henrique Teixeira de Sampaio nasceu em Angra do Heroísmo, em 1774, filho de um comerciante de Lamego, Francisco José Teixeira de Sampaio, que para ali foi em busca de fortuna. Foi batizado na capela do palácio dos capitães generais, sendo seu padrinho o marquês de Pombal, representado pelo capitão general D. Antão de Almada, com quem Francisco José tinha negócios.
O transmontano ganhava dinheiro no comércio com os ingleses mas, essencialmente, no fornecimento de mantimentos à marinha de guerra.
O jovem Henrique foi enviado para Londres para estudar num colégio inglês, mas sobretudo para estabelecer relações com os ingleses, com quem já haviam sido montados uma série de cambalachos, na perspetiva da invasão de Napoleão.
A Espanha tinha-se aliado a Napoleão, para invadirem Portugal e dividirem entre eles o território, de forma a fazer cumprir o bloqueio imposto  pela França aos navios ingleses. Quando, em 1801 estoirou a guerra das laranjas, Henrique tinha apenas 27 anos, mas possuía já relações ao melhor nível do exército inglês.
Esse primeiro episódio da guerra peninsular acabou muito mal para os portugueses e para os ingleses, mas fazia adivinhar grandes perspetivas de fortuna para Henrique. Perante a desproporção de forças, os portugueses tiveram que assinar o humilhante tratado de Badajoz, em 6 de junho de 1801, no qual se acordou a paz entre as duas nações, em toda a extensão dos seus reinos e domínios, em terra e no mar, o  encerramento dos portos de Portugal e de todos os seus domínios aos navios da Inglaterra, a restituição, pela Espanha, das praças e povoações de Juromenha, Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Barbacena, Campo Maior e Ouguela, porém com a perda da  Praça de Olivença, seu Território, e Povos desde o Guadiana, fixando-se a linha de fronteira, naquele território, no rio Guadiana, a proibição de contrabando nas fronteiras entre ambos os países e, naturalmente,  o pagamento por parte de Portugal à Espanha, das despesas da guerra.
O príncipe regente de Portugal e o rei de  Espanha ratificaram o tratado, mas Napoleão recusou-o, para viabilizar a invasão.
Em Londres, Henrique apercebeu-se de que tudo haveria de conduzir a uma guerra envolvendo o exército inglês e que ali poderia estar o futuro dele próprio e da sua família.
Em finais de Julho de 1807, chegou à capital inglesa um espião que trazia notícias frescas sobre os acordos secretos de Tilsit, nesta forma singela:
Art.º 1º - A Rússia tomará posse da Turquia na Europa e levará as suas conquistas pela Ásia dentro até aonde lhe fizer conta.
Art.º 2º - Cessarão de existir as dinastias dos Bourbon em Espanha e dos Bragança em Portugal: um príncipe da família do imperador Napoleão, será revestido da coroa destes reinos.
Art.º 3º - A autoridade temporal do papa cessará, e Roma com as suas dependências, será unida ao Reino de Itália.
Art.º 4º - A Rússia obriga-se a ajudar a França a conquistar Gibraltar.
Art.º 5º - As cidades de África, a saber: Tunis, Argel, etc, ficarão possuídas pela França, e depois da paz geral, todas as conquistas que a França tiver feito em África durante a guerra, serão dadas como indemnização aos reis de Sardenha e Sicília.
Art.º 6º - Malta será ocupada pelos franceses e a França jamais fará a paz com Inglaterra sem que ela lhe ceda esta Ilha.
Art.º 7º - O Egito será ocupado pelos franceses. A França, Rússia, Espanha e Itália terão o direito de navegação no Mediterrâneo - todos os outros serão excluídos.
Art.º 8º - Não se declara o seu conteúdo.
Art.º 9º - A Dinamarca será indemnizada no Norte de Alemanha, e nas cidades hanseáticas se ceder a sua esquadra à França.
Art. 10º - Suas majestades de França e Rússia, farão um ajuste, pelo qual, nenhuma potência para o futuro terá direito de fazer navegar embarcações mercantes, exceto mandando-lhes um certo número de navios de guerra.
Estava ali o princípio da guerra.


Em agosto, Napoleão começou a concentrar tropas junto à fronteira espanhola, para invadir Portugal. Em Lisboa os representantes da França e de Espanha entregaram a D. João VI, ainda regente, um ultimato: ou Portugal e juntava a França e Espanha e bloqueava os portos portugueses aos navios ingleses, declarando guerra à Inglaterra ou seria invadido.
Henrique Teixeira de Sampaio, invocando a experiência de seu pai nos fornecimentos à marinha e o facto de ser afilhado do marquês de Pombal, conseguiu ser nomeado, em 1807, quando tinha apenas 33 anos, comissário dos fornecimentos ao exército anglo-luso. Pouco tempo depois deram-lhe o monopólios dos tabacos.
Assim se transformou não só no homem mais rico de Portugal como no principal credor do estado.
Henrique tinha a generosidade de, perante a situação difícil em que o país se encontrava, exigir apenas o necessário para pagar os géneros, sustentar a família e os numerosos amigos, lançando todo o lucro, que muitas vezes era de cinco ou seis vezes mais no livro de fiados.
Sem dinheiro para lhe pagar, D. João VI deu-lhe comendas e títulos, nomeando-o 1º barão de Teixeira e qualificando-o como nobre.
Em 1822, na falta de dinheiro do estado para lhe pagar o calote, autorizou-o o rei a fazer ele próprio as notas, por via do referido banco de Lisboa. E, logo a seguir, em 21 de junho de 1823, mandou-o convidar para ministro e secretário de estado dos negócios da fazenda, fazendo-o nesse mesmo ano 1º conde da Póvoa de Santo Adrião.
Jacinto Fernandes Bandeira é apontado como tendo sido o primeiro barão financeiro do  país. Era um homem discreto, familiar do santo ofício, que D. Maria I fez barão de Porto Covo e alcaide-mor de Vila Nova de Mil Fontes.
Domingos António de Sequeira nasceu em Lisboa em março de 1868 e foi educado na casa pia. Protegido pela rainha, foi para Roma, com apenas 20 anos, tirar aulas de desenho e pintura com Cavallucci.
Conseguiu entrar  na Academia di San Luca, onde pintou a degolação de S. João Baptista, a alegoria à casa pia e a aparição de Cristo a D. Afonso Henriques. Regressado a Lisboa em 1798, foi nomeado pintor da corte em 1802 e ganhou a empreitada da pintura do palácio de Queluz.
Era verdadeiramente um troca tintas. Pintou o general inglês Beresford, no Porto, foi partidário do exército francês, pintando, em Lisboa, o retrato do general Junot a proteger a cidade, esteve na primeira linha da apoteose de Wellington e retratou  23 deputados das cortes de 1821.
Não há nada de mais sagrado que o dinheiro e, por isso mesmo, procuraram aqueles um pintor místico.
Desenhadas as primeiras notas, era preciso multiplicá-las. Domingos Sequeira encontrou o papel ideal na fábrica de papel de Alenquer e descobriu, em Lisboa, um judeu, Jacob Bernard Haas,  que tinha uma máquina de impressão rudimentar, na qual se fizeram as primeiras notas que viram a luz no país, em 1822.
Acabou em Roma, em 1826, a fazer pintura religiosa.
O negócio das notas prosperou e o banco de Lisboa instalou uma sucursal no Porto, em 1825, onde ainda hoje se encontra o banco de Portugal, que é da família, mas deixou de fazer notas.
O banco de Lisboa tinha licença exclusiva para a produção de notas pelo prazo de 20 anos, mas Henrique Teixeira de Sampaio morreu, com 59 anos, em 1833. Os do banco comercial do Porto viram removidos um obstáculo à entrada no negócio e obtiveram uma licença para fabricar notas em 1835. Depois disso foi grande liberalização, sendo distribuídas outras licenças pelo banco aliança, pelo Banco Comercial de Braga, pelo Banco união do Porto e pelo Banco do Minho.
Em 1846, o banco de Lisboa foi fundido com a companhia confiança nacional e deu origem ao banco de Portugal, esse mesmo que continua no mercado, que continuou a produzir notas com a licença do banco de Lisboa, até 1875.
A moeda metálica continuou a ser uma prerrogativa da coroa até ao fim da monarquia e durante toda a república. Mas as notas, que se transformaram no sangue da economia, foram sempre um negócio dos bancos privados.
Nem o dr. Salazar ousou tocar no sistema, mantendo-se o banco de Portugal como banco privado até 1974. Nem sequer se sabe bem se já foram pagas as indemnizações ou se eles continuam por detrás do banco central, como alguns suspeitam, porque não se ouviu ninguém chiar ao longo de todos estes anos.
Aderir ao euro sem poder continuar a emitir moeda foi um desastre, a entrada num caminho sem futuro e em saída, um caminho contra a natureza e contra a história. Ou saímos dele o mais rapidamente possível ou acabaremos no meio de um charco. – concluir Angelina, depois da longa lição de história financeira.
Francisco Beirão, um jornalista experiente, muito dado às questões económicas, como são quase todos, na base de um autodidatismo que facilita a condição de papagaios dos interesses instalados, estava atónito. Nunca tinha, em boa verdade, pensado nisto nem sequer tinha uma boa parte desta informação.
Mas então como se resolve o problema sem ajuda externa? Como vai o estado pagar aos funcionários? Como vai revitalizar a economia? – perguntou.
Só tem uma hipótese que é fabricar moeda ou deixar os bancos portugueses fabricá-la. Foi sempre assim; é uma receita milenar e ainda não se inventou outra.
O que é importante na moeda não é que ela tenha muito valor ou pouco valor; é que exista e facilite os negócios entre as pessoas. O conde da póvoa de santo adrião, o Henrique, só ficou rico porque o rei o autorizou a fazer notas e a pagar com elas o enorme calote do estado. Percebes? Resolveram-se dois problemas: o do estado que deixou de dever dinheiro e o do credor que o recebeu.
O único caminho que permitirá a recuperação deste país é esse: o do fabrico de dinheiro, em vez de o comprar ao estrangeiro por preços ruinosos."

Era bom que o António Costa tivesse a coragem de recriar o escudo republicano, mandando imprimentos os necessários para que possamos sobreviver.