O Brasil é um país fantástico, que tem funcionado, no
imaginário português, como uma espécie de “seguro de vida” para Portugal.
O relacionamento entre Portugal e o Brasil – pesem embora
alguns momentos de glória nos últimos tempos – sempre foi marcado pela
imbecilidade portuguesa, desde que daqui saíu D. Pedro I, o IV dos portugueses.
Contam-se anedotas tão fantásticas quão carinhosas dos
portugueses que lhe dão precisamente esse tónus – o da imbecilidade – sem que
isso se possa haver como insultuoso ou ofensivo.
A sorte da maior parte dos políticos portugueses está no
facto de os correspondentes de imprensa não reproduzirem na imprensa de
Portugal o que eles afirmam no Brasil e
de a imprensa portuguesa local ser marcada por uma elegância e um respeito que
não permite tomar nota (nem sequer conhecer) as contradições.
Os portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração deverão
ser uns 21 milhões no Brasil, com uma diferença de entre 700 mil e 1 milhão a menos, por parte dos italianos.
Estes - os italianos
– dizem que são 31 milhões no Brasil e 15 milhões na Argentina.
As autoridades de
Portugal fazem variar o número entre 500 mil e 700, como se tivessem vergonha
da imensa comunidade portuguesa neste grande país.
Diz a Embaixada de Portugal em Brasília:
«Apresentando um total de 213.203 indivíduos, incluindo
os bi-nacionais, no censo demográfico brasileiro de 2000 (amostra), e calculada
entre 500.000 e 700.000 pelos Serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros
português, em coerência, aliás, com o total das inscrições consulares
registadas, o que importa reter, para além da sua expressão numérica, é que
esta é uma das comunidades portuguesas mais relevantes.»
Fábio Porta deputado brasileiro ao parlamento italiano,
escreve o seguinte, a propósito da comunidade italiana:
«Não temos petróleo, energia atômica, dimensões enormes
como têm China, Rússia, Índia. Temos esse patrimônio que ninguém tem: 31
milhões de italianos no Brasil, 15 milhões na Argentina. E essa riqueza
está um tanto adormecida por falta de atenção e entendimento político do
potencial destes “países” que vivem fora da Itália. »
Ora, entre 1881 e 2010 emigraram para o Brasil 1.514.057
portugueses e 1.507.695 italianos. Mesmo sem contar os portugueses que vieram
para o Brasil desde a descoberta até 1881, as projeções das familias tipo e do
número de emigrantes apontam para que a comunidade portuguesa, considerada como
a dos portugueses e luso-descendentes até à 3ª geração (netos), será maior que
a italiana e se fixará em torno daqueles números.
Quando falo disto parece que estou a fazer um sacrilégio,
apesar de ser consensual que os italianos não são os tais 31 milhões de que
fala Fábio Porta.
Os portugueses apoucam-se e deixam que os seus governantes
os apouquem e continuem com essa afirmação de que são 5 milhões fora de
Portugal, Brasil incluído, afirmação que tem mais de 20 anos e que é uma confabulação
sem nenhum fundamento sério.
Tanto o Brasil como Portugal aceitam a dupla nacionalidade
e desconsideram a nacionalidade estrangeira dos que também são seus nacionais,
quando residentes nos respetivos territórios, não contando esses “estrangeiros”
como tal, porque são nacionais.
É, porém, lastimável que o que é apenas uma verdade
estatística tenha servido para satisfazer a tradicional preguiça das
chancelarias, desvalorizando-se os brasileiros que, no Brasil, são também
portugueses e os portugueses que, em Portugal, são também brasileiros.
Com essa falta de visão – que é luso-brasileira – se anulam
boa parte dos efeitos mais salutares do regime da plurinacionalidade.
De setembro de 2012
a junho de 2013 vamos viver o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em
Portugal.
A propaganda oficial
de Portugal tem sido marcada pela crise financeira e pela afirmação da intenção
de aumentar os investimentos portugueses no Brasil, como se o país estivesse em
condições de fomentar investimentos fora das suas fronteiras.
Os políticos portugueses, que vêm ao Brasil e se instalam,
como nababos em hotéis com preços proibitivos, frequentando restaurantes cujos
preços não encontram comparação em Lisboa, só dão estes conselhos porque não pagam
as contas.
Os preços no Brasil atingiram níveis proibitivos para as
pequenas empresas de qualquer dos paises da União Europeia, a não ser que elas
disponham (o que é raro) de avultados stocks
de capital e estejam vocacionadas para o proteger num país muito atrativo
em termos financeiros. Porém, se tiverem de recorrer ao crédito, precisam, para
além de histórico, de pagar taxas que são elevadíssimas.
Os últimos números relativos ao investimento estrangeiro
dão conta de que, no primeiro semestre, Portugal, um país em que o crédito
secou, investiu mais de 300 milhões de euros no Brasil, enquanto o Brasil, que
está a nadar em dinheiro, investiu apenas 60 milhões de euros em Portugal.
Poderemos estar a assistir ao uso de Portugal como veiculo
para o investimento no Brasil por parte de outros países, nomeadamente da
China, que, como é sabido, tem um acordo cambial com o Brasil, transacionando
em real e yuan, desde 2009. Aliás, em julho de 2012, já há 91 paises (contra 65
de há um ano) a processar as transações com a China em yuan.
O Brasil está sobre-aquecido, em consequência da crise
internacional e do facto de ter sido transformado numa placa giratória de
negócios financeiros com os Estados Unidos e com a China, como que se tivesse
assumido a função de substituir os asiáticos no negócio da dívida americana, perspetivando-se
que substitua os chineses na posição de maior credor, a breve prazo.
Entre 2008 e o fim do primeiro trimestre de 2012 o
investimento chinês na Europa cresceu sete vezes, atingindo valores
astronómicos. No Brasil, cresceu de forma exponencial desde 2010,
inviabilizando uma boa parte da indústria brasileira e contribuindo para que o
Brasil assuma, cada vez mais, uma estrutura de tipo colonial, exportadora de
matérias primas e com a industria, sobretudo a que existe com vocação
exportadora, condenada à falência.
Tanto no Brasil como na Europa e nos Estados Unidos há cada
vez mais indícios da existência de um
conluio dos governos, do sistema financeiro e dos dirigentes do Partido
Comunista da China, no sentido de substituir os pagamentos dos produtos
importados da R.P.C. por títulos de dívida. Ou seja: os chineses são tão amigos
dos ocidentais que lhes fornecem tudo – desde os equipamentos mais sofisticados
até às cuecas de griffe – sem nada
receber, ou melhor, recebendo títulos de divida.
Depois de se ter transformado no maior credor dos Estados
Unidos – o que serve para provar que a aversão dos americanos ao comunismo é
uma estrondosa mentira - a República
Popular da China, que é o único país comunista vitorioso, prepara-se para se
transformar no principal credor dos países da União Europeia e do Brasil, após
ter assumido posições especialmente relevantes em Angola e Moçambique.
Como pode ler-se num texto da Embaixada da
China em Brasília, “para as empresas chinesas, o mercado brasileiro parece
um bolo gostoso, que, no entanto, não é fácil de saborear.”
Eles têm o problema da língua; mas esse será, ao menos em
parte, resolvido com a ajuda de
Portugal, envolvendo entidades e recursos públicos. Ninguém nos ajuda a
aprender mandarim, mas o nosso país, que está falido, como ainda recentemente
reconheceu a ministra da Justiça, esbanja recursos a ensinar aos chineses o que
não ensina aos próprios portugueses.
Os chineses já anunciaram a sua intenção de entrar no
negócio da construição civil no Brasil, começando por instalar as próprias
fabricas de equipamentos. Antes de entrar, a sério, no mercado preparam o
terreno, com recurso
a órgãos de comunicação prestigiados.
É com este pano de fundo que ouvimos os apelos às pequenas
e médias empresas portuguesas para que invistam no Brasil.
Os tempos não são propícios para uma boa parte dos
investimentos, sobretudo na indústria e, especialmente, na indústria da
construção civil.
Em primeiro lugar, porque o mercado imobiliário está
sobreaquecido e não é seguro que não
assistamos, a muito curto prazo, a uma crise semelhante à que se vive
atualmente no sul da Europa.
Em segundo lugar, porque a flecha do aumento do custo de
vida disparou de forma vertiginosa, começando a ameaçar o equilibrio social,
por via da inacessibilidade de muitos cidadãos da classes mais humildes a bens
essenciais, como o arroz ou o feijão, o que se vem traduzindo num
recrudescimento da violência.
Em terceiro lugar, porque o custo do dinheiro (e da dívida
pública, que este ano se deve fixar em cerca de 2 triliões de reais) é
brutalmente mais alto do que nos Estados Unidos ou na Europa. As taxas
de juros mensais nos financiamentos dos particulares e da empresas são
desproporcionadamente altas, por comparação com o que as nossas empresas estão
habituadas a pagar.
Em quarto lugar,
porque o Brasil é um país muito burocratizado, muito dificil e com um
sistema jurídico muito diferente do que temos em Portugal.
Todos os dias vemos anúncios de vendedores de ilusões,
aliciando empresários portugueses para projetos de investimento que não têm,
quase por regra, a mínima viabilidade.
As ofertas são, geralmente, de coisas rápidas, como se os
trouxessem a um feira de pechinchas, de pegar ou largar.
Do mal o menos quando o desastre pára na conta dos
consultores, não se perdendo tudo, porque o Brasil é um país que vale a pena
ser visitado.
Há hoje um número elevado de empresas portuguesas, em
estado de insolvência, porque se tentaram salvar no Brasil, envolvendo, de
forma imprudente, os recursos de que dispunham.
Essas agonizam em Portugal, enquanto os seus filhos, salvas
algumas honrosas exceções, ou morreram nas praias brasileiras ou abortaram mesmo antes da
nascença.
Claro que nem tudo é mau; e que há grandes oportunidades de
negócios, acessíveis a empresas portuguesas, no Brasil, sobretudo em áreas em
que elas possam ser inovadoras ou apresentar padrões de qualidade dificilmente
atingíveis por outros operadores no mercado.
Os pequenos negócios – ou os grandes negócios expansíveis
de forma modular – são os que se nos afiguram com menos risco, pois que podem
ser financiados com poucos recursos e, como soe dizer-se, “com o pelo do cão”.
Restaurantes com sabor português, tasquinhas, pastelarias
de qualidade podem ser boas saidas para quem tenha algum dinheiro, necessário
talento e vontade de mudar para uma terra tão acolhedora como dificil. Qualquer
refeição que em Portugal não custaria mais de 10 €, custa em São Paulo ou no
Rio um mínimo de 70 reais (cerca de 25 €). Um café, que não tem comparação com
o que estamos habituados a beber em Portugal, custa 5 reais (mais de 2 €) e um
pastel de nata, geralmente de qualidade duvidosa, pode custar 8 reais (3,20 €).
A área das novas tecnologias já foi chão que deu uvas,
porque os informáticos são já muito mais caros no Brasil que em Portugal. O
Brasil é um bom destino para os informáticos desempregados, nomeadamente
porque, após as mais recentes reformas da legislação laboral portuguesa,
oferece níveis de proteção no emprego muito mais fortes que as portuguesas.
Mas, tanto nesta área como noutras, o que é interessante é,
justamente, o movimento inverso.
Os tempos são especialmente propícios ao investimento das
empresas brasileiras em Portugal, porque as retribuições das profissões
técnicas especialmente qualificadas são, atualmente, mais baixas do que no
Brasil, as facilidades de despedimento foram alargadas e as empresas ainda
podem beneficiar de apoios e incentivos fiscais se criarem novos empregos.
Enquanto a constituição de uma empresa no Brasil demora
pelo menos 6 meses e não pode funcionar sem um administrador brasileiro ou com
visto válido de residência, em Portugal constitui-se uma sociedade, em termos
de poder começar a funcionar imediatamente, em menos de 24 horas e ela pode ser
administrada por um estrangeiro, mesmo que não residente.
O custo de vida em Lisboa, que é a cidade portuguesa mais
cara, é, atualmente, de menos de metade do de São Paulo, a saúde e o ensino
público são gratuitos, o que reduz, de forma sensível os custos de contexto
associados ao emprego, especialmente dos jovens, tomando em consideração que um
plano de saúde não custa menos de 600 reais (241,00 € mensais) e um infantário
não custa menos de 750 reais (301,00 €). A mensalidade de um curso
universitário numa universidade pública pode custar no Brasil até 3.800 reais (1.530
€) custando em Portugal cerca de 80 €.
Depois de o primeiro ministro Passos Coelho ter aconselhado
os jovens – em que o Estado investiu milhões, com a educação – a emigrar, como se
quisesse transformar o velho País num país de velhos, veio a máquina do Estado
lançar uma campanha para que sejam as próprias empresas a sair de Portugal e a
ir para o Brasil.
Numa recente entrevista
a uma estação de televisão, o comissário do ano, Horta e Costa, iludiu a realidade, afirmando que o dinheiro
aparece, quando a experiência nos tem ensinado que desaparece.
Em setembro e outubro vão realizar-se vários “encontros de
negócios”, no Brasil, para os quais o comissário apelou à deslocação de
empresários portugueses.
A onda do ano de Portugal no Brasil é uma onda muito
parecida com a que marcou a história da fotografia no tempo de José Estaline. O
que parece pretender-se, antes de tudo, é repintar a imagem de Portugal no
Brasil, como este Portugal do ano –
espécie de Beaujaulais Village - fosse um outro que nada tem a ver com os mais
de 20 milhões de emigrantes portugueses e seus descendentes, que representam
mais de 10% da população brasileira.
Em tempos, referindo ao Portugal
moderno, que é esse Portugal falido de que falaram a ministra da Justiça e,
agora, o comissário do governo, houve um agente cultural do Ministério dos
Negócios Estrangeiros que afirmou, em Brasília, que Portugal já não é um país
de padeiros.
Os padeiros portugueses – gente honrada – que faz parte
dessa imagem que se pretende apagar com a imposição Portugal moderno, são, na
sua grande maioria multimilionários, gente que construiu fortunas com suor e
honradez.
São impérios familiares, espalhados por todo o Brasil, em
homenagem ao trabalho, à solidariedade e ao talento empresarial.
Os primeiros sinais dos anúncios do ano de Portugal no Brasil
ofendem essa gente fina, que cresceu por si própria, sem mensalões, como se os quisessem apagar da História.
Muitos deles chegaram ao Brasil, com a roupa numa sacola,
em tempos de falência como os de hoje. Singraram porque se entreajudaram na
compreensão desta fantástica realidade que é o Brasil, em vez de tentarem
entradas perdulárias, como as que conduziram à falência dos pipis de chapéu de
palhinha, empresários de outros tempos, que também vieram ao Brasil, em viagens
de negócios e nos deixaram fabulosos retratos a la minute.
Todos conhecemos as histórias dos brasileiros de água doce,
que aqui delapadiram o resto das suas fortunas, a última vez após o fim da II
Guerra Mundial, quase todos industriais, de terno branco e chapéu da mesma cor,
com um bigode retorcido.
Vieram à procura da árvore das patacas e tiverem que pedir
dinheiro emprestado para regressar.
É importante evitar que isso aconteça de novo e volte a
alimentar o fabuloso anedotário brasileiro.
O ano de Portugal no Brasil nunca o será se quiser passar à
margem (isto é: marginalizar) os mais de 20 milhões de emigrantes portugueses
(de origem até à terceira geração) que o Brasil incorporou como seus filhos,
mas que continuam portugueses como os que aqui chegaram.
São esses sim: os padeiros, os comendadores, todos aqueles
que aparecem nas fotografias dos jornais da comunidade e que os políticos
(geralmente pindéricos ou incultos) tratam como saloios, apesar de eles serem
não a imagem do sucesso mas o próprio sucesso. Gente de respeito, que construiu
tudo com trabalho e que, por isso, se dói, quando sente que a querem apagar dos
retratos.
Poderiam ser esses Senhores (com S maiúsculo) os Mestres da
arte de investir no Brasil e ter sucesso. São muito mais antigos e muito mais
importantes do que todas as PT’s e todos os Hortas, que não conseguiram sequer
manter-se no mercado e deixaram uma péssima memória a todos os consumidores.
Mas não: em vez de os congregar, o Estado afasta-os e
ofende-os, com a propaganda do Portugal
moderno, desenhada em termos que lhes não pertencem.
Lastimável é que, apesar da multiplicação dos naufrágios em
tempos recentes, num momento em que Portugal precisa, mais do que nunca, de
sucesso, que não se alcança sem lucidez e realismo, a máquina da propaganda e
da vaidade prepara-se para, da forma mais irresponsável, para contribuir para o
agravamento dos desastres.
Há uns anos era frequente
ver empresários do Norte de Portugal, que não pagavam salários, gastar
fortunas num conhecido puteiro de Lisboa, chamado Elefante Branco.
Hoje, quando entram em insolvência, viajam para o Brasil,
normalmente em classe executiva, aconselhados por firmas de consultores que
voltam a vender o sonho da árvore das patacas, a troco de umas visitas aqui e
ali e do alojamento coletivo, por conta dos otários, em hoteis de primeira
linha.
O Brasil oferece excelentes oportunidades mas não é o
caixote do lixo de Portugal. Mais dramático é que haja quem tente transformar
este maravilhoso país numa espécie de cemitério de empresas portuguesas.
Era bom que houvesse bom senso e que isso se evitasse.
Miguel Reis
São Paulo, 31/7/2012