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Visitei
o Brasil, pela primeira vez, em 1985, a convite do saudoso Dr. Eliseu Pinto
Soares, com quem desenvolvi um projeto para o estudo e a oferta de serviços na área
do novo direito português da nacionalidade.
A
Lei nº 37/81 tinha sido publicada em 3 de outubro de 1981, que entrou em vigor em 8 do mesmo mês. O Dr. Eliseu era,
na época, dirigente da Associação Portuguesa de Desportos e foi um dos
percursores da aplicação de tal lei aos descendentes dos portugueses do Brasil.
Entre
1985 e 1990 fui várias vezes ao Brasil, tendo passado a interessar-me pela sua
evolução política.
Estava
no Rio de Janeiro quando, em 16 de março de 1990, Fernando Collor de Mello
decretou o célebre feriado bancário e confiscou todos os depósitos bancários
dos brasileiros.
Entre
1990 e 2017 tive a oportunidade de correr o Brasil de ponta a ponta, por várias
vezes.
A
minha sociedade de advogados instalou escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro
e Fortaleza e desenvolvemos parcerias em todo o país.
Fixei
residência em São Paulo no ano de 2011, passando a repartir-me entre Portugal,
o Brasil, a Índia e os Estados Unidos.
Para
além das áreas do direito português e do direito internacional privado passamos
a apoiar empresas europeias que investiam no Brasil.
Já
nessa altura o Brasil tinha, como quase todos os países, “custos de contexto”;
nenhum projeto avançava se que houvesse uma “propina”. Mas não havia nenhum
risco de que os funcionários e os políticos que “ajudavam” denunciassem o
investidor, em jeito de cuspir na própria sopa.
Tenho
muitos amigos no PT, o que poderá ter justificado que me convidassem para estar
presente nas cerimónias de posse do Presidente Lula, em 2003 e 2007 e na posse
da Presidente Dilma e do Vice-Presidente Temer, em 2011.
O
Brasil que conheci era um país enorme, com duas cidades grandes e perigosas: São
Paulo e Rio de Janeiro. Porém, todo o interior era calmo e pacífico, ao ponto
de se poder viajar de automóvel, sem receios, de dia ou de noite.
Fiz
viagens de automóvel de São Paulo para o Rio, para Belo Horizonte e para
Florianópolis. Rodei de automóvel, sem nenhum receio, em Manaus, Fortaleza, Belém,
Macapá e Porto Alegre, só para citar algumas cidades.
Apesar
dos perigos de São Paulo e do Rio, nunca me inibi de sair à noite.
Quando
me falavam da “insegurança” do Brasil, eu dizia, por regra, que a segurança
era, essencialmente jurídica; e isso, porque, no essencial, os tribunais
funcionavam muito mal.
Entre
2003 e 2011 o Brasil mudou radicalmente, graças às políticas dos governos de
Lula, muito vetorizadas pela ideia de acabar com a fome das classes médias.
Tais
ideias não são sequer ideias originárias do PT; são do governo de Fernando
Henrique Cardoso, de quem tive o privilégio de ouvir uma explicação, quando
acompanhei Mário Soares à Fundação FHC, em São Paulo (2005).
Explicou
o antigo presidente brasileiro que estava contente porque Lula tinha
compreendido que a paz no Brasil passava por matar a fome aos pobres e por lhes
garantir o acesso à escola.
Isso aconteceu em setembro de 2005.
Numa entrevista à Veja, em janeiro desse ano, Mário
Soares considerava que Lula estava introduzindo “as políticas sociais
necessárias e possíveis” e que era “um grande presidente”.
O
Brasil era um país juridicamente inseguro, mas onde não havia riscos de
segurança física, exceto em São Paulo e Rio de Janeiro.
Em 2005 estoirou o escândalo do Mensalão, que afetou membros do Partido
dos Trabalhadores (PT), do Popular Socialista (PPS), do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), do Partido República (PR), do Partido Socialista Brasileiro
(PSB), do Partido Republicano Progressista (PRP) e do Partido Progressista (PP).
Nunca foram muito claros os resultados
do processo do Mensalão, que é o
primeiro megaprocesso marcado por lógicas de puzzling e pela corrupção das testemunhas, a que se chama “delação
premiada”.
É com o processo do Mensalão que se desenvolve, de uma forma
profissional e consistente, uma lógica de politização do sistema judiciário
para fins políticos, como se os magistrados do Ministério Público e os
magistrados judiciais pretendessem tomar o poder.
Os primeiros ensaios desta estratégia foram
feitos com o impeachment de Fernando
Collor de Mello (1992), usando a investigação judiciária do caso PC Farias. Já
na altura alguns observadores consideraram que se tratava de um processo muito
obscuro, sendo, para outros, um processo golpista.
Foi a primeira vez que os
sobreviventes se organizaram para se pendurarem no vice-presidente, então
Itamar Franco.
O impeachment
de Dilma Rousseff é um golpe político perfeito, conduzido pelos políticos
que se organizaram contra a Presidente da República.
Dilma não foi acusada de qualquer ato
criminoso, mas apenas de desvios orçamentais, já verificados em outros governos
e em outras situações. Porém, o vice-presidente que lhe sucedeu e a maioria dos
políticos sobreviventes está sob suspeita da prática de crimes de corrupção
envolvendo valores elevadíssimos, sem que os tribunais adotem quaisquer medidas
com efeitos visíveis.
Entretanto, o tal Brasil pacífico transformou-se
num continente inseguro, onde as condições de vida se transformaram de forma
muito negativa.
Não se pode ir de uma cidade para
outra, em nenhuma parte do Brasil, porque há riscos de assalto, de homicídio,
de morte.
Recentemente, foi assassinada uma
vereadora no Rio de Janeiro. E os indícios são de que foi assassinada pela polícia.
São Paulo era uma cidade mais limpa
que Nova Iorque, onde não se via um morador de rua. Hoje eles contam-se aos
milhares, sem que alguém apresente uma solução para o desequilíbrio social que
afeta a cidade.
Parece que o Brasil chegou a um beco
sem saída. Com Lula da Silva no topo das sondagens, como que condenado a ganhar
as eleições.
É neste contexto que a prisão de Lula
não pode deixar de ser encarada como um golpe político destinado a evitar que
ele se candidate ao sufrágio do próximo mês de outubro.
Ulpiano dizia, há mais de 2100 anos,
que a Justiça é a arte do bom e do equilibrado (jus est ars boni et aequi). Não pode usar-se a Justiça para
branquear a corrupção ou qualquer outra prática criminosa, sacrificando-se uma
pessoa para, encobrir os crimes das outras. Essa é uma prática política pagã,
intolerável em países civilizados.
Em todos os países civilizados vigora
o princípio da tipicidade, segundo o qual a prova da prática de um crime
depende da prova de cada um dos elementos do tipo, de forma objetiva e perentória.
Não é admissível, em nenhuma circunstância,
o julgamento por convicção.
Li, como muita atenção, a sentença que
condenou Lula da Silva.
É uma peça jurídica de péssima
qualidade, que ofende princípios estruturantes do Estado de direito.
Só para dar um brevíssimo exemplo:
tendo sido suscitadas suspeições relativamente ao julgador, não lhe repugna a
ele julgar as questões em que é parte.
O que é incrível, é que ele tenha
cobertura do mais alto tribunal, que, em boa verdade já não é um tribunal, mas uma
tribuna em que cada juiz (que no Brasil se chama ministro) dispara segundo os
seus interesses. Em boa verdade, não há decisões colegiais.
Tudo isso porque o Superior Tribunal
de Justiça é um tribunal político, cujos membros são nomeados pelo poder político,
não podendo, por isso, ser independentes e não tendo por isso qualquer
legitimidade democrática.
O impasse em que está a democracia
brasileira emerge, no essencial, da completa rotura do sistema de justiça, que
se assumiu como uma espécie de alternativa ao poder das Forças Armadas, no mais
estrito sentido golpista.
Porque correu o boato de que poderia
haver um golpe militar, o mais alto tribunal entrou no cenário político para se
substituir aos generais e dar um golpe alternativo, tomando o poder.
Ou seja: perante a corrupção
generalizada e as perspetivas de uma vitória eleitoral de Luís Inácio Lula da
Silva, o poder judicial associado aos media, resolveu dar um golpe e afastá-lo
das eleições, o que, em nada é menos censurável do que seria um golpe militar.
Nem sequer a justificação de que, se não
agissem assim, provocariam um golpe militar, é válida. Essa justificação corre
nos bastidores de Brasília, para branquear o sentido e o alcance da decisão do
STF sobre o habeas corpus, mas
resulta óbvio que não passa de uma falácia, pois que é, pelo menos, tão grave
um golpe da autoria do poder judicial como um outro do poder militar.
Afinal, o que é criticável em qualquer
golpe é a perturbação do funcionamento do sistema democrático; e essa é indiscutível.
Os atos judiciais que conduziram à prisão de Lula da Silva são atos políticos
que não têm outro objetivo que não seja evitar que ele se candidate.
O golpe judicial justifica-se com a própria
incapacidade do poder judiciário para o cumprimento das suas funções
constitucionais, sacrificando, por isso o mais importante princípio constitucional,
o princípio da igualdade dos cidadãos.
Acaso se pretendesse perseguir
qualquer crime, nomeadamente de corrupção, teriam os juízes ordenado a prisão
de todos os políticos que estão das mesmas condições, em vez de,
deliberadamente, usarem o sistema para criar um facto político novo, que
inviabiliza a candidatura à Presidência do candidato melhor colocação na
corrida.
É claro e inequívoco que Lula da Silva
é um preso político.
Como é claro que a Democracia está
suspensa no Brasil.
Há uns meses (outono de 2017) entrevistei
um velho comunista, que esteve preso nas cadeias da ditadura e que me afirmou, perante o meu espanto, que a
única esperança do Brasil estava num golpe militar.
“Mas
o Sr. esteve preso; e diz uma coisa dessas?”
Respondeu-me que pensava isso, porque
considerava que os militares são a única classe que mantém “uma reserva de
honradez”, face a uma “classe política
corrupta e irrecuperável”.
Quando o questionei sobre o que
pensava da honradez dos juízes, deu-me alguns exemplos negativos e
aconselhou-me a reler Gil Vicente.
Há anos que me questiono sobre a questão
de saber se o maior drama do Brasil está na dificuldade de consensos no
Congresso ou na apropriação de funções, que são do poder legislativo, pelos juízes.
Continuo sem resposta, embora tenha
para mim que só com o jeitinho brasileiro é possível admitir que os juízes “legislem”
ou adotem decisões sem base legal, como aconteceu relativamente ao caso dos
casamentos gay ou da mudança de sexo.
O ambiente mudou, com a prisão de
Lula, sob uma gigantesca campanha de manipulação, em que se pretende dar a
entender que ele se entregou (se rendeu) e que the game is over.
São fortes os indícios que nos indicam
que Lula não vai lutar mais, porque foi vendido pelas próprias lideranças do
seu partido como boi de piranha.
Este Novo Brasil precisa de um
consenso que permita uma regeneração baseada, necessariamente, no abafamento
dos processos judiciais pendentes e na salvação, por essa via, dos políticos
envolvidos em casos de corrupção.
A construção obedece à lógica bíblica do
“cordeiro de deus que tira os pecados do mundo” ou à lógica do “dia da expiação”
israelita, ambas interpretadas conforme o jeitinho brasileiro.
O “dia da expiação” era um ritual de
purificação de toda a nação de Israel. Para a cerimónia eram levados dois
bodes: um era sacrificado; o outro era tocado pelo sacerdote e assumia todos os
pecados dos israelitas, sendo enviado para o deserto, onde todos os pecados
eram anulados.
Os brasileiros são os campeões do
mundo em matéria de manipulação.
Alguns excelentes exemplos do bom jornalismo
transformaram-se em veículos de propaganda que servem a nova vaga do jornalismo de tráfico de influências,
que substituiu uma indústria mediática assente nas receitas das vendas de
jornais e na publicidade.
Essa máquina já conseguiu criar no
Brasil as ideia de que Lula é culpado e de que Moro é justo, factos que, em si
mesmos são suficientes para ornar a antecâmara de uma nova ordem, onde hão-de
aparecer, quiçá como perseguidos, personalidades como Aécio e Temer, de mãos dadas
com Cunha e Renan Calheiros.
Nesse sentido me parece que estamos
perto de ouvir de novo o sinal de que “the
game is over”; e que o Brasil de Lula acabará a breve prazo.
Todo o discurso posterior ao impeachment de Dilma assenta numa lógica
destrutiva das políticas sociais que fizeram
Brasil do século XXI. Traduzido por miúdos, aponta para o regresso à exploração dos mais
pobres, para restrição no acesso à Universidade, a redução das garantias
laborais, o incremento da miséria e da fome como forma de pressionar medidas
políticas.
O resultado esta à vista: entre 21 e
27 de agosto de 2017 foram assassinadas 1195 pessoas em 553 cidades do Brasil,
o que dá uma média de 1 morto por cada.
São Paulo e Rio de Janeiro são cidades
cujos centros estão pejados de sem
abrigo.
A luxuosa e moderna capital do País
tem os seus maravilhosos jardins cheios de acampamentos, de pessoas miseráveis
e famintas.
É como se, de um momento para o outro,
o Brasil tivesse retrocedido mais de 30 anos.
Os brasileiros metem a cabeça na areia
e dizem que esta realidade foi causada pelo Lula e pelos traficantes de drogas. Talvez por isso haja tanta gente a
aplaudir a sua transformação em bode expiatório.
Penso que não têm razão.
A violência é causada, em minha opinião,
pela fome e pela miséria emergentes da redução das políticas sociais de que
beneficiavam os pobres e os da classe média e pela perversão das políticas de
combate à corrupção, nomeadamente pela “delação premiada”.
Ninguém investe num país onde, à
partida, sabe que nada avança sem propina e que, dando a indispensável, pode
ser denunciado por ter corrompido um funcionário.
Qual será a saída? Francamente não
sei.
Afastado parece o risco da guerra
civil, porque o PT deu o Lula de “boi de piranha”, para salvar o pelo dos seus
ilustres.
Talvez tudo acabe ao jeito da colónia
italiana: em pizza.
Lisboa, 8 de abril de 2018
Lisboa, 8 de abril de 2018