quinta-feira, junho 30, 2011

O discurso de Passos Coelho na apresentação do programa do governo

Senhora Presidente da Assembleia da República Senhoras Deputadas e Senhores Deputados.

1 - Os Portugueses sabem quão pesada a actual crise está a ser.

Podemos vê-la e senti-la nos nossos familiares e amigos que perderam o emprego, que foram forçados a fechar a sua empresa, que não conseguem obter financiamento a juros razoáveis, que deixaram de pagar a prestação do empréstimo que contraíram para comprar casa. Vemos e sentimos nos nossos concidadãos para quem as portas se fecham e os horizontes se estreitam. Vemos e sentimos nos Portugueses que têm de partir para o estrangeiro e que antecipam dias menos felizes para os seus filhos.

Não são dias fáceis aqueles que vivemos. Há problemas profundos que reclamam urgentemente por uma solução, há impasses antigos que têm de ser superados, há bloqueios persistentes que precisamos de ultrapassar. Nunca na história democrática do nosso País defrontámos tamanhos desafios. Deixámos de poder escolher entre a resolução dos problemas de curto prazo e a resolução dos problemas de longo prazo.

Hoje é evidente que chegou o momento para se atacarem uns e outros.

É neste contexto de grande incerteza e de angústia que o Governo inicia as suas funções. O Governo desde a primeira hora assumiu que as actuais circunstâncias exigem capacidade de antecipação e agilidade na acção. Não queremos chegar atrasados. Não queremos governar depois dos factos, quando todas as oportunidades foram já perdidas. A fuga à realidade complexa dará lugar ao estudo rigoroso das circunstâncias e à adopção atempada de medidas. Se as condições em que nos movemos se modificam a um ritmo rápido, então temos de saber responder com a mesma agilidade.

2 - Ontem foram divulgados pelo INE novos dados relativos à execução orçamental. Ficámos a saber que, preparados para todos os cenários, é com o mais indesejável e o mais exigente que teremos de trabalhar. Mas nem por isso deixaremos de cumprir os objectivos e as metas propostas no Programa do Governo, e que estão em conformidade com o Memorando de Entendimento acordado com a União Europeia e com o FMI. Na verdade, o cumprimento dos objectivos do programa de ajustamento da economia portuguesa terá precedência sobre quaisquer outros objectivos. Isso requer uma resposta imediata e decidida da nossa parte. O Governo não sujeitará o País a quaisquer riscos nesta matéria. A delicadeza das circunstâncias não o permite.

Os Portugueses podem confiar neste Governo para quebrar o ciclo vicioso de hesitação e derrapagem em que vivemos nos últimos anos.

Toda a acção governativa será marcada pela diligência no cumprimento dos nossos compromissos para preservar a honra da nossa democracia, para poupar o País a um desastre que colocaria em causa a sua segurança e a dos seus cidadãos e tornaria vãos todos os sacrifícios já feitos. Em nome dessa responsabilidade aqui assumida, e do dever de transparência que nunca declinarei, o Governo anuncia hoje aos Portugueses medidas de antecipação e de prevenção capazes de inverter este ciclo e de contribuir para restaurar a confiança na nossa economia.

Em primeiro lugar, anteciparemos já para este terceiro trimestre medidas estruturais previstas no Programa de Ajustamento e que darão outra dinâmica à concorrência em sectores-chave, que tornarão o Estado menos intrusivo na vida económica dos Portugueses e que abrirão a nossa economia aos estímulos do exterior. Dentre todas estas medidas destaco a reestruturação do Sector Empresarial do Estado, a reforma do modelo regulatório e o programa de privatizações.

Em segundo lugar, a estratégia do Governo está comprometida com um controlo rigoroso da despesa pública. Já este ano será posto em prática um ambicioso processo de monitorização, controlo e correcção de desvios orçamentais. Implicará um esforço de todo o Governo, e não só do Ministro das Finanças, na tarefa de prevenir os desvios e de, se for caso disso, corrigi-los, segundo metas globais e ministeriais. Não temos ilusões: não haverá uma redução consistente da despesa nas Administrações Públicas e no Sector Empresarial do Estado sem uma abordagem sistémica e responsabilizadora.

O estado das contas públicas força-me a pedir mais sacrifícios aos Portugueses. Sei bem que as pessoas se perguntam até quando terão de ser elas, com o fruto do seu trabalho, a acudir aos excessos das despesas do Estado. Neste ponto, permitam-me que fale com toda a clareza. Não deixo as notícias desagradáveis para outros, nem as disfarçarei com ambiguidades de linguagem. Temos objectivos a cumprir, o que não nos deixa alternativas exequíveis. Mas posso assegurar que não permitirei que estes sacrifícios sejam distribuídos de uma forma injusta e desigual.

O Governo está a preparar a adopção, com carácter extraordinário, de uma Contribuição Especial para o Ajustamento Orçamental que incidirá sobre todos os rendimentos que estão sujeitos a englobamento no IRS, respeitando o princípio da universalidade, isto é, abrangendo todos os tipos de rendimento. Esta medida cujo detalhe técnico está ainda a ser ultimado será apresentada nas próximas duas semanas. Mas posso adiantar que a intenção é que o peso desta medida fiscal temporária seja equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional. Esta Contribuição Especial apenas vigorará no ano de 2011.

3 - Com a resposta adequada e decidida, saberemos sair desta crise. E dela sairemos mais fortes porque teremos aprendido com os erros do passado. Mas teremos de vencer a crise em conjunto. Venceremos estas dificuldades juntos, ou não as venceremos. Seremos implacáveis na redução da despesa do aparelho do Estado para que os custos da consolidação não recaiam apenas sobre as famílias, as empresas ou os funcionários públicos. Seremos incansáveis na procura de modelos mais eficientes de gestão e de funcionamento porque sabemos que neste momento difícil não há outro modo de libertar os recursos necessários ao auxílio a quem está mais vulnerável.

Cada decisão difícil do meu Governo será acompanhada pelo cumprimento das nossas responsabilidades para com aqueles que mais sofrem nas actuais circunstâncias. Neste sentido, irei acelerar a concepção do Programa de Emergência Social, que deverá ser anunciado até ao final de Julho, e cuja concretização começará a fazer-se sentir já no início do último trimestre. Dadas as terríveis consequências da crise económica, o Governo não pode deixar de vir em socorro daqueles que mais precisam da protecção do Estado: as crianças e os idosos, as mulheres com filhos a seu cargo, os desempregados que viram cessar o seu subsídio de desemprego e não encontram trabalho, as pessoas com deficiência e todos os que estão a ser atingidos com particular violência pelas nossas agruras.

4 - Comprometidos como estamos com o projecto de integração europeia e com a moeda única, sabemos bem que este grande desígnio exige uma mudança das nossas praticas de governação e um ajustamento das nossas instituições. Habituados como estivemos durante tanto tempo a uma realidade diferente, o País não se ajustou adequadamente às mudanças estruturais que ocorreram quando aderimos ao euro.

Chegou o momento de mudar. Chegou o momento em que temos de adaptar as nossas políticas aos novos factos, e é isso que faremos. Não nos podemos excluir desta exigência que todos os países europeus estão a sentir. Não nos podemos arredar do grande movimento reformista que a Europa vive no momento actual e que é absolutamente incontornável para garantir o futuro da União e dos nossos modos de vida. É de uma mudança política estrutural que virá a solidez financeira do País e, por conseguinte, o crescimento económico de que precisamos. As mudanças profundas que vamos realizar podem ter sido forçadas pelas circunstâncias, mas são, em si mesmas, uma grande oportunidade de viragem perene se assim quisermos que aconteça.

Seremos ambiciosos, não certamente em nome de ideologias simplistas, não apenas porque qualquer outro propósito seria manifestamente insuficiente para resolver os nossos problemas, mas também e sobretudo porque a falta de ambição nas actuais circunstâncias seria ela mesma um factor de perturbação e de agravamento da crise. Sabemos por experiência própria que cada hesitação na política financeira do Governo, cada medida adiada para o próximo ciclo político, seria imediatamente reflectida numa situação financeira ainda mais adversa, e em sucessivas e agravadas crises de confiança.

5 - Uma economia quase estagnada, como tem sido a nossa ao longo da última década, tem como reflexo uma sociedade menos livre. Menor crescimento económico significa escolas menos bem equipadas, hospitais menos eficientes, menos museus e programas culturais, menos gosto pelo risco e pela criatividade, maior isolamento e menos curiosidade do resto do mundo pelo que se passa entre nós. Uma economia estagnada é imediatamente traduzida num menor leque de escolhas para cada pessoa e para cada família, numa menor capacidade de escolher entre várias possibilidades para as suas vidas. Uma economia dinâmica e criadora de emprego promove a mobilidade social, gera mais liberdade, mais segurança, mais tolerância, mais projectos de vida com boas probabilidades de serem realizados.

Acreditamos, portanto, no crescimento económico como um valor político e social, e acreditamos na capacidade das nossas políticas para promoverem esse crescimento. Sabemos que o grande motor do crescimento económico é a geração de ideias. Sabemos que as necessidades que uma economia procura satisfazer dependem menos dos recursos materiais do que da invenção de novas e melhores maneiras de utilizar os recursos existentes. Apostaremos na educação e na cultura como uma grande escola de conhecimento, criatividade e rigor, de teste de diferentes ideias animado pela busca permanente do aperfeiçoamento.

Não existem receitas instantâneas para produzir ideias e conhecimento.

Na nossa concepção, a educação e a ciência, a tecnologia e a cultura, não são mecanismos sujeitos à manipulação e planeamento das autoridades estatais. É nossa convicção que nada se faz no domínio do espírito humano sem um ambiente de civilidade e de esforço, de disciplina e de diálogo. Na educação queremos que pais, professores e alunos acreditem na sua capacidade para colaborar na grande empresa que agora iniciamos. Com uma taxa de abandono escolar precoce sem paralelo entre os nossos parceiros europeus e nivelando por baixo a exigência escolar, o nosso sistema educativo é hoje uma fonte de injustiças e de desigualdades sociais, bem como um dos principais obstáculos às nossas possibilidades económicas futuras. Chegou o momento de pensar a reforma do sistema educativo de modo a garantir que os investimentos sem retorno das últimas décadas não se voltem a repetir.

6- Vivemos tempos muito difíceis e, como referi logo no meu discurso de tomada de posse, mais tormentas nos esperam. Existe apenas uma forma de fazer face a este desafio, sem precedentes na nossa história democrática. O Governo terá de demonstrar aos Portugueses e aos seus parceiros internacionais que reconhece a gravidade do momento. Terá de comprovar que não tem hesitações quanto à necessidade de corrigir os erros passados e de os substituir pelas políticas que neste momento delicado permitam vencer as ameaças que conhecemos e aquelas para as quais nos devemos desde já preparar.

7 - Com este Programa, o Governo reafirma o seu propósito de contribuir para que a economia portuguesa desenvolva um sistema financeiro sólido e adaptado às exigências da globalização. Pessoas e empresas com poupanças para investir não são necessariamente as mesmas que precisam destas poupanças para realizar novos projectos. Não existe crescimento económico sustentável sem um sistema financeiro capaz de colocar os recursos necessários nas mãos de quem tem as melhores ideias, as iniciativas mais felizes e as oportunidades mais promissoras de investimento. Ao mesmo tempo, sabemos que um sistema financeiro sólido assenta necessariamente em instituições políticas e sociais adequadas, num quadro institucional pensado com inteligência e com sensibilidade para a história e cultura do nosso País.

Portugal entrou num período de crise económica e financeira gravemente fragilizado por um sistema de justiça que não consegue gerar confiança. Ora essa confiança é indispensável para que os agentes económicos se orientem nas suas decisões por critérios objectivos de mérito e de criatividade. O Governo tem o firme propósito de reformar a arquitectura e os procedimentos do sistema de Justiça, de modo a garantir que os direitos sejam exercidos e os contratos cumpridos com celeridade, eficácia e transparência. A degradação da confiança na Justiça provoca incontáveis problemas sociais, como a paralisia da actividade económica, a erosão da cooperação social e a utilização de recursos e instituições públicas para a prossecução de interesses privados.

Com vista a corrigi-los, o Programa do Governo propõe a gestão do sistema judicial em função de objectivos quantificados, círculo a círculo, comarca a comarca e sector a sector, avaliando com regularidade o seu grau de concretização. Queremos desenvolver a justiça arbitral e criar uma bolsa de juízes de reacção rápida para atrasos crónicos. É imperativo alcançar resultados na simplificação processual. É urgente agilizar a actual lei dos processos de insolvência e atacar a explosão de casos pendentes, o que contribuirá para a recuperação económica na medida em que libertará recursos preciosos retidos nos trâmites do processo judicial.

8 - O Programa do Governo deixa bem clara a nossa adesão a uma sociedade aberta e representativa, a uma sociedade onde o sistema político segue as legítimas aspirações de quem, numa democracia, detém a ultima palavra. Uma sociedade aberta e democrática é também uma sociedade onde a economia sabe representar as aspirações de quem trabalha, de quem investe, de quem faz planos para a sua vida. É preciso associar a democracia representativa a uma economia também ela representativa, onde todos se sintam livres para agir e escolher, e cada um pode colher os frutos das suas actividades. É numa economia representativa que é acolhida a aspiração que todos partilhamos a viver melhor, a aprender, a inovar, a preparar para os nossos filhos uma vida mais próspera, num Pais mais dinâmico e numa sociedade mais justa.

9 - O Programa do XIXº Governo Constitucional é hoje apresentado aqui na Assembleia da República, a sede institucional por excelência do escrutínio e da responsabilização da acção governativa, do debate democrático com a Oposição e da abertura à pluralidade de opiniões políticas da sociedade. Em obediência ao mais solene respeito pelas instituições democráticas e pelos órgãos de soberania da República portuguesa, cabe-me pois reafirmar o pacto que quero estabelecer com os Portugueses e que se estende à Assembleia da República e aos partidos políticos nela representados.

Portugal precisa que, entre Governo e Oposição, e no respeito pelas divergências políticas que não podem nem devem ser eliminadas do debate público livre, se gere uma relação de confiança, de responsabilidade e de abertura. Ao falar perante esta Assembleia não posso deixar de notar que uma amplíssima maioria dos representantes do povo português apoia partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento firmado com a União Europeia e com o FMI. É certo que muitas escolhas estão abertas ao debate democrático, e devem ser discutidas por todos. Mas esperamos genuinamente que a Oposição contribua para a solução dos grandes problemas nacionais. Também aqui tem de vigorar a regra da responsabilidade, o sentido da realidade e o compromisso nacional.

Para que Portugal não falhe.

E Portugal não falhará.

terça-feira, junho 07, 2011

A sovietização da Europa

Declarações do escritor e dissidente soviético, Vladimir Bukovsky, sobre o Tratado de Lisboa



"É surpreendente que, após ter enterrado um monstro, a URSS, se tenha construído outro semelhante: a União Europeia (UE).

O que é, exactamente a União Europeia? Talvez fiquemos a sabê-lo examinando a sua versão soviética.

A URSS era governada por quinze pessoas não eleitas que se cooptavam mutuamente e não tinham que responder perante ninguém. A UE é governada por duas dúzias de pessoas que se reúnem à porta fechada e, também não têm que responder perante ninguém, sendo politicamente impunes.

Poderá dizer-se que a UE tem um Parlamento. A URSS também tinha uma espécie de Parlamento, o Soviete Supremo. Nós, (na URSS) aprovámos, sem discussão, as decisões do Politburo, como na prática acontece no Parlamento Europeu, em que o uso da palavra concedido a cada grupo está limitado, frequentemente, a um minuto por cada interveniente.

Na UE há centenas de milhares de eurocratas com vencimentos muito elevados, com prémios e privilégios enormes e, com imunidade judicial vitalícia, sendo apenas transferidos de um posto para outro, façam bem ou façam mal. Não é a URSS escarrada?

A URSS foi criada sob coacção, muitas vezes pela via da ocupação militar. No caso da Europa está a criar-se uma UE, não sob a força das armas, mas pelo constrangimento e pelo terror económicos.

Para poder continuar a existir, a URSS expandiu-se de forma crescente.

Desde que deixou de crescer, começou a desabar. Suspeito que venha a acontecer o mesmo com a UE.



Proclamou-se que o objectivo da URSS era criar uma nova entidade

histórica: o Povo Soviético. Era necessário esquecer as nacionalidades, as tradições e os costumes. O mesmo acontece com a UE parece. A UE não quer que sejais ingleses ou franceses, pretende dar-vos uma nova identidade: ser «europeus», reprimindo os vosso sentimentos nacionais e, forçar-vos a viver numa comunidade multinacional. Setenta e três anos deste sistema na URSS acabaram em mais conflitos étnicos, como não aconteceu em nenhuma outra parte do mundo.

Um dos objectivos «grandiosos» da URSS era destruir os estados-nação.

É exactamente isso que vemos na Europa, hoje. Bruxelas tem a intenção de fagocitar os estados-nação para que deixem de existir.

O sistema soviético era corrupto de alto a baixo. Acontece a mesma coisa na UE.



Os procedimentos antidemocráticos que víamos na URSS florescem na UE.

Os que se lhe opõem ou os denunciam são amordaçados ou punidos. Nada mudou. Na URSS tínhamos o «goulag». Creio que ele também existe na UE.

Um goulag intelectual, designado por «politicamente correcto».

Experimentai dizer o que pensais sobre questões como a raça e a sexualidade. Se as vossas opiniões não forem «boas», «politicamente correctas», sereis ostracizados. É o começo do «goulag». É o princípio da perda da vossa liberdade.



Na URSS pensava-se que só um estado federal evitaria a guerra.

Dizem-nos exactamente a mesma coisa na UE.



Em resumo, é a mesma ideologia em ambos os sistemas.



A UE é o velho modelo soviético vestido à moda ocidental.



Mas, como a URSS, a UE traz consigo os germes da sua própria destruição. Desgraçadamente, quando ela desabar, porque irá desabar, deixará atrás de si um imenso descalabro e enormes problemas económicos e étnicos.



O antigo sistema soviético era irreformável. Do mesmo modo, a UE também o é. (...) Eu já vivi o vosso «futuro»... e não funcionou!"



segunda-feira, junho 06, 2011

Porque é que os Portugueses têm que «ajudar» os bancos?

Portugal vai ter um novo governo,  de centro direita, após uma campanha eleitoral em que os diversos partidos do arco do poder se preocuparam, essencialmente, em esconder aos portugueses aquilo que lhes interessa, realizando  com a maior precisão artística, após o 25 de Abril de 1974, a definição de política feita, há muitos anos, por Paul Valery e que consiste nisso mesmo.

O que está em causa – e que todos os partidos do arco do poder ocultaram – é a questão de saber se, para além do pagamento da dívida pública, os portugueses devem pagar também as aventuras dos banqueiros nos últimos anos e, especialmente, os custos do favorecimento de que foram beneficiários os novos ricos da sociedade portuguesa.

Parece-me que há um relativo consenso na sociedade portuguesa relativamente ao pagamento das dívidas do Estado, sem prejuízo da necessidade de apurar até que ponto algumas delas não terão que ser reduzidas, por haver indícios de que o Estado foi enganado.

Penso que não há uma maioria em Portugal que ponha em causa, nomeadamente, as pequenas obras realizadas sem concurso público, em obediência a s lógicas de favor, nem sequer os gastos perdulários feitos pelo último governo, sob o mais variados pretextos.

Acredito, porém, que a maioria dos portugueses espera que o novo governo questione as contas das parceiras público privadas, sobretudo depois de serem conhecidas as críticas feitas pelo próprio Tribunal de Contas a esses negócios.

A questão maior não reside, porém, aí.

O Estado tapou, por iniciativa do governo de José Sócrates um buraco do Banco Português de Negócios, cuja dimensão é desconhecida, mas que se situará entre os 1,5 mil milhões de euros e os 5 mil milhões de euros.

Não se conhece nenhuma iniciativa séria para apurar quem foram os beneficiários dos recursos desviados desse banco, sendo certo que se aplica também ao dinheiro o velho princípio de Lavoisier que nos ensina que «na natureza nada se perde, nada se cria e tudo se transforma».

A questão mais importante suscitada pelo Memorando de entendimento imposto ao governo de José Sócrates pela troika é a de saber se os cidadãos (que são a base do Estado e a fonte dos seus rendimentos) deverão assumir a responsabilidade pelo pagamento das dívidas dos bancos.

Não se trata de garantir que o Estado pagará as dívidas que contraiu, no plano da dívida soberana, o que já admitimos como pacífico.

Trata-se sim de o Estado assumir ou não assumir a garantia do pagamento das dívidas que tenham ou venham a ser contraídas pelos bancos, que são entidades privadas, para além do mais beneficiárias de um regime especialíssimo de tributação.

Essa questão foi, manifestamente, oculta por todos os partidos do arco do poder durante a campanha eleitoral.

Ora, o Memorando prevê que o Estado – ou seja todos nós – entregue aos bancos 12 mil milhões de euros e que para além disso garanta emissões de bonds da ordem dos 35.000 milhões de euros (2.1).

Muito claramente é assim:  nos termos do compromisso assumido com a troika, o governo obrigou-se a entregar aos bancos 12 mil milhões de euros e a não intervir na sua gestão privada mas, para além disso, a garantir o seu endividamento em  mais 35.000 milhões.

No total são 47 mil milhões de euros que o Estado se compromete a entregar aos bancos.

Para que se tenha uma noção de grandezas o valor orçado para 2011 relativamente às despesas dos serviços integrados da Saúde é de apenas 8,2 mil milhões de euros sendo as da Educação de 6,5 mil milhões.

Ou seja: o que o Estado vai enterrar nos bancos corresponde a 5,73 vezes mais que a despesa anual no setor da Saúde e a 7,23 vezes mais que a despesa anual no setor da Educação.

Se compararmos esse valor com o custo do TGV (7,7 mil milhões) concluímos que o dinheiro a entregar aos bancos daria para pagar mais de 6 TGV, sendo suficiente para pagar quase 8 aeroportos do tipo do que está projetado para Alcochete.

E tudo isto acontece porque, por culpa dos seus dirigentes, os bancos realizaram níveis de alavancagem intoleráveis, dispondo de reservas inferiores a 9% da suas responsabilidades.

Para além de estarmos perante uma enorme injustiça, estamos perante um autêntico absurdo, contrário a todas as boas regras e a toda a propaganda que, durante anos, fizeram todos os partidos, no sentido de que o Estado não deve ingerir na economia, estando, por isso, impedido de ajudar as empresas em dificuldades.

O facto é especialmente grave porque nenhuma garantia tem o Estado nem de reaver esse dinheiro nem de evitar a falência das instituições financeiras. Tudo, para além de implicar um rotura com o atual ordenamento constitucional, na medida em que se dão essas medidas como certas sem que tenham sido aprovadas pelo Parlamento.

As elevadas taxas dos empréstimos negociados com a troika  e as previsões de continuação da recessão, porque para além da falta de capital as medidas anunciadas tornam Portugal num país pouco atrativo para o investimento externo, em razão da elevada carga tributária, obrigam-nos a prever a impossibilidade objetiva de pagamento destes empréstimos, que outra função não têm que não seja a de salvar os credores estrangeiros das instituições financeiras portuguesas. Se tal previsão se cumprir, o valor da dívida disparará exponencialmente.

Para além o autêntico assalto aos bolsos do portugueses que esta ajuda ao sistema financeiro implica, está o Memorando cheio de ratoeiras, que protegem especialmente os bancos, em detrimento das pessoas e das empresas particulares.

Todos os progressos que foram feitos nos últimos anos, no quadro do processo falimentar, visando a aproximação da qualidade dos direitos da generalidade dos credores sem garantia serão anulados, com alterações ao Código da Insolvência, que privilegiarão os depositantes garantidos e os fundos na graduação dos créditos.

Tudo isto foi oculto aos eleitores, de forma mais ou menos habilidosa.

A maioria dos portugueses não sabe que o Estado gastou milhares de milhões de euros para proteger os acionistas e os administradores do BPN e nem sequer imagina – porque isso lhe foi escondido – que foram estabelecidos compromissos internacionais da dimensão atrás enunciada.

Os partidos ganhadores destas eleições foram unânimes na contestação da construção do TGV e do novo aeroporto. Mas, em contrapartida, dispõem-se a entregar aos bancos montantes que dariam para pagar 6 TGV´s ou 8 aeroportos.

Não há argumentos que justifiquem estas medidas. Se os atuais bancos estão falidos, o importante é liquidá-los, como acontece a qualquer outra empresa, permitindo que nasçam outros e sujeitando os novos ao cumprimento de regras prudenciais que evitem a repetição de situação idêntica.

O que é lícito nem legítimo e se afigura como politicamente muito perigoso é ocultar esta realidade aos portugueses, como o fizeram todos os partidos, com pequenas nuances apenas para o PCP e o BE que, ainda assim, participaram na ocultação.

Seria muito interessante organizar um referendo para saber o que o Povo diria sobre a matéria.



5/06/2011

quarta-feira, junho 01, 2011

Manter o dinheiro nos bancos ou levantá-lo

A crise que vem afetando  a Europa e as constantes notícias anunciando a baixa das classificações de rating dos bancos coloca uma série de questões sobre as vantagens e os riscos da manutenção de depósitos nos bancos.
A manutenção de depósitos nas instituições financeiras tem, essencialmente, a vantagem de abrir portas ao crédito.
É muito mais fácil, para uma pessoa ou para um empresa, obter créditos de uma entidade financeira se tiver um histórico de depósitos e de saldos consistentes do que  se tiver as suas contas sempre no limiar do saldo zero.
Acontece, porém, com frequência, que pessoas e empresas com elevados saldos bancários não conseguem crédito ou porque as próprias instituições em que detém os depósitos (e que, por isso, conhecem o seu histórico) lho não concedem, muitas vezes pretextando pequenos incidentes, que elas próprias conhecem ao pormenor.
Neste quadro, parece-nos que é razoável que essas pessoas e essas empresas retaliem, procedendo ao levantamento dos seus recursos.
No quadro de risco em que atualmente vivemos só se justifica ter depósitos bancários se eles potenciarem o recurso ao crédito.
De outro modo, não concedendo o banco qualquer crédito ou não carecendo a pessoa ou a empresa de crédito, é muito mais interessante guardar o dinheiro em espécie, nomeadamente porque o risco segurança se acentuou, como evidenciam as classificações de rating ultimamente divulgadas.
É claro que deter dinheiro em espécie implica riscos, no plano da segurança. Podem as pessoas ou as empresas ser assaltadas, se não adotarem os cuidados adequado, sendo certo que esse risco aumenta à medida que a crise recrudesce.
Mas ter dinheiro depositado nos bancos implica, outrossim, um risco idêntico. Se houver uma perturbação social e toda a gente acorrer a levantar os depósitos só os primeiros o conseguirão.
As dificuldades de financiamento da banca portuguesa nos mercados de capitais levantam outros problemas. Se se verificar uma rotura do crédito, os depositantes não terão a possibilidade de levantar os fundos depositados e poderão passar por privações, que não sofrerão se tiverem dinheiro em caixa.
Por maior que seja a crise, mesmo que Portugal seja afastado do euro,  a atual moeda europeia será, durante longo tempo, a moeda dos países mais ricos da Europa. Por isso nos parece que, por maior que seja a crise, ter euros em espécie será sempre uma defesa.
Parece-nos prudente, no quadro da crise atual, reduzir os depósitos ao mínimo e aumentar os valores de liquidez das contas de caixa, sobretudo nos casos em que as empresas não conseguem recurso ao crédito.
Depositar os cheques numa conta da empresa, permitir uma pequena acumulação e proceder ao levantamento em dinheiro, contabilizando-o corretamente na escrita das empresas, poderá ser, para além de uma defesa, um comportamento adequado a levar  os bancos a alterar a sua posição no tocante ao crédito.
O que não faz nenhum sentido é ter depósitos em bancos que não concedem crédito.