Na senda de intervenções de outros responsáveis políticos, o ministro da Defesa
Nacional veio prestar declarações que espantam por denotarem enorme falta de
consideração para com os portugueses, em geral, ou alguns em particular.
Com efeito, depois das lamentações do Presidente da República, no que concerne
às suas “diminutas” reformas, ele que optara pelas mesmas em detrimento do
vencimento de PR, o que nada dignifica a função; depois dos conselhos do
primeiro ministro, aos jovens desempregados para emigrarem e irem à procura de
emprego noutro país; depois das diversas declarações do ministro da Economia,
onde ressaltou a dos pastéis de nata; vem o ministro da Defesa Nacional sugerir
aos militares que não sintam vocação para isso, a procura de outra carreira.
Até parece que estamos a assistir a um concurso de asneiras e anedotas,
protagonizado por quem nos (des)governa! Que demonstra, em minha opinião, a
enorme falta de respeito e consideração que os seus concidadãos lhes merecem.
Que continua, quando o primeiro ministro não hesita em nos chamar, ainda que de
forma indirecta, piegas e preguiçosos a todos…
Voltemos às declarações de Aguiar Branco, pela enorme gravidade das mesmas.
Não há dinheiro, por isso estas Forças Armadas são insustentáveis!
Não, senhor ministro! O dinheiro existe, está é mal parado, mal distribuído e
em más mãos!
A falta de dinheiro tem sido, aliás, a grande palavra de ordem que os
governantes utilizam para justificar todas as medidas que tomam! Nada mais
errado, como diriam muitos economistas: o dinheiro existe, tem é de ser melhor
distribuído e utilizado.
E, aqui, chegamos já a um dos pontos que mais irritaram o senhor MDN e o levou
a acusar as associações socioprofissionais de militares a estarem a fazer
política partidária. Para ele, salientar o escândalo do BPN e das PPP é um
crime de lesapátria.
Para ele, salientar dois dos exemplos maiores da enorme prática da corrupção em
Portugal, que nos trouxe ao actual estado de coisas é inaceitável, porque feito
por quem deve ouvir, calar e obedecer!
Como é igualmente inaceitável para ele que patriotas, que amam o seu País e
respeitam a sua História, se manifestem contra a descaracterização da mesma, a
insensibilidade, quanto aos valores, demonstradas com a abolição de datas
históricas como feriados nacionais, tudo feito de forma absolutamente
demagógica.
Como também considerou inaceitável, tentando colar às associações
socioprofissionais o carimbo de partidárias, o facto de as mesmas se
pronunciarem
sobre as condições salariais da Função Pública. Oh, senhor ministro, no mínimo
haja honestidade intelectual: então se os governos têm vindo sucessivamente a
destruir a condição militar, se têm vindo a tratar os militares como simples
funcionários públicos – no que aos direitos se refere, pois os deveres
continuaram intocáveis – sim, eu sei que afirmou claramente, “de forma
implacável na objectividade”, nas suas palavras, que um militar não é um
funcionário público!
Pois não, não é, mas é assim que tem vindo a ser tratado, inclusivamente pelo
actual ministro da Defesa Nacional, quando (sem falar noutras alterações) lhe
impõe a tabela remuneratória da Função Pública e chega ao cúmulo de decidir um
retrocesso, sem paralelo no passado, na tabela salarial, só porque a
equiparação à Função Pública não tinha sido efectuada, nos moldes em que
considerava dever ser feita.
Haja decoro! Se as associações socioprofissionais não podem falar disto, de que
podem então falar?
Ao proceder como procedeu, ao procurar atingir os militares através das suas
associações socioprofissionais, o senhor ministro ofendeu-nos profundamente,
demonstrando uma enorme incapacidade e falta de qualidades para exercer o seu
cargo!
Na sua intervenção, teve a lucidez – ou ter-se-á tratado, apenas, de um
deslize? – em assumir alguma ignorância, quando afirmou que “tudo está a ser
reflectido. Em alguns casos chegaremos a conclusões diferentes das que hoje
existem, noutros
perceberemos, pelo menos, o porquê das coisas.”
Pois é, não deveria ter dito o que disse, antes de perceber o porquê das coisas!
Sabemos que nem o serviço militar cumpriu, mas isso não justifica que agrida os
militares como o fez!
O facto é que se dirigiu a militares com uma vida dedicada à carreira, que não
recebem lições de vocação, de verdadeiro sentido de serviço público, de anos de
amor desinteressado à sua Pátria, por quem não tem qualquer autoridade moral
para o fazer!
Dirigiu-se a militares que se honraram numa guerra sem sentido, imposta pelo
poder político, muitos deles agraciados com as mais altas condecorações por
feitos em combate!
Dirigiu-se a militares que, apesar de permanentemente desconsiderados, atacados
nos direitos próprios da sua condição militar, apesar de verem as condições de
actuação cada vez mais difíceis, têm cumprido todas as missões que o poder
político lhes determina, mantendo as Forças Armadas, de há vários anos a esta
parte, como único instrumento válido da nossa política de relações externas!
Dirigiu-se a militares que se honraram, ao derrubar a ditadura e ao criarem as
condições para que Portugal pudesse ser um Estado de direito democrático, com
liberdade e com o poder exercido pelos eleitos pela população! Que o fizeram,
cumprindo todas as promessas, nomeadamente a de se afastarem do exercício do
poder! Numa atitude que, porque inédita em toda a História universal, os enche
de
orgulho e lhes dá o estatuto de, no mínimo, exigirem respeito da parte dos que
usufruíram e usufruem dos resultados da sua acção!
Sabemos que é difícil compreender este posicionamento, este procedimento
desprendido, por quem não compreende o verdadeiro espírito militar. Mais do que
ninguém, os militares, até porque o demonstraram no terreno, de várias
maneiras, sabem que ser militar é uma vocação! Não o descobriram agora, como
parece ser o caso do senhor MDN.
Não se confunda, senhor ministro: o passado e o presente têm demonstrado que os
militares portugueses, apesar de se verem a eles próprios e às Forças Armadas
como instituição, cada vez mais desconsiderados e mal tratados, têm cumprido,
com sucesso, todas as missões recebidas do poder político, mantendo a
Instituição Militar como uma das mais eficientes e prestigiadas de um País que
vem caminhando para o abismo!
Questiona-se o senhor ministro sobre se o papel das Forças Armadas deve ser
apenas o da defesa.
É uma questão que, por várias vezes tem sido levantada e que, de uma vez por
todas, os militares gostariam de ver clarificada. Aliás, o passado tem-nos
demonstrado que são precisamente os militares a procurarem utilizar todas as
suas capacidades para servirem o País, nas mais diversas vertentes.
Só que o contexto em que o senhor ministro proferiu esta afirmação, onde deixou
claro que aos militares está vedado pensarem, pois se devem limitar a ouvir,
calar e cumprir as determinações do poder político, permite-nos levantar as mais
terríveis hipóteses sobre a natureza do seu pensamento e das suas intenções.
Clarificando: com o agudizar da situação social a que a actual política
inevitavelmente nos conduzirá, não estará o senhor ministro a ver as Forças
Armadas como instrumento último para impor as ideias do Governo, mesmo que
através de forte repressão à população?
É que é desejável que nos esclareça sobre o que não quis falar na sua
intervenção de 1 de Fevereiro: continua a não querer falar das intenções?
Seria desejável que nos esclarecesse sobre um facto essencial: considerando as
actuais Forças Armadas insustentáveis, quais as que admite serem sustentáveis?
Não é este o momento para discutir responsabilidades sobre a descaracterização
das Forças Armadas que vem sendo feita e que lhe permite afirmar que estas
Forças Armadas são insustentáveis.
Mas é forçoso que nos esclareça sobre se o seu “novo modelo” de Forças Armadas
visa a solução tipo “menos Forças Armadas, melhores Forças Armadas”, procurando
criar as condições para integrar Portugal no que o actual poder do capital
procura atingir? Isto é, passando pela chamada “democracia musculada”, há que
criar um novo paradigma, onde ao nosso Estado, como a outros Estados nacionais
europeus, caberá a tarefa de “capataz”, de controlo e repressão, de modo a
assegurar a “competitividade”, isto é, a assegurar a “orientalização” das
condições de trabalho e de vida das populações europeias e a mobilização dos
seus recursos para, ao lado do capital financeiro, submeter todo o mundo?
Estaremos dispostos a um destino de servir de “carne para canhão” em futuros
conflitos bélicos globais, a exemplo do que aconteceu com outros, em anteriores
guerras?
Estarão já os actuais responsáveis decididos a uma ruptura completa com a
população portuguesa, integrando-se no projecto cosmopolita da Nova Ordem
Internacional Privada, num perfeito papel de novos “Miguéis de Vasconcelos”?
Quero crer que não!
Mas se assim for, como parece ser, o caminho passará por substituir o actual
modelo de Forças Armadas – constitucionais, democráticas, etc. –, as tais
insustentáveis, por um outro modelo de Forças Armadas viáveis, isto é,
sustentáveis. O mesmo é dizer, substituir as Forças Armadas por uma qualquer
força armada.
Se de facto assim for, não se iluda, mesmo que algum general lhe diga o
contrário: se conhecesse o espírito militar saberia que os militares não
confundem subordinação ao poder político legítimo, que aceitam
disciplinadamente, com submissão ao mesmo poder que, se chegar a tentar impô-la
é sinal inequívoco de que perdeu já essa legitimidade. Como em meu entender, se
passa já, pois mantendo a legalidade, os senhores, ao rasgarem todas as
promessas feitas, perderam já a legitimidadeconquistada nas eleições.
Tenho presente que, para vocês, a Constituição, os direitos adquiridos, os
valores principais, são simples pormenores, simples fait divers, quando está em
jogo o interesse e a vontade dos mercados.
Não nos iludamos, é a própria democracia que não tardará a ser por vós
considerada um pequeno pormenor. O exemplo grego e italiano aí estão para o
provar.
A luta vai ser tremenda e, acredite Sr. ministro, vão ter enormes dificuldades
em atingir os objectivos que se propõem.
Desde já, parafraseando-o a si e ao seu chefe de Governo, dir-lhe-ei: como é
insustentável, procure outra carreira, emigre!
Vasco Lourenço
(Presidente da Direcção da Associação 25 de Abril)
(Presidente do Conselho Deontológico da Associação de Oficiais das Forças
Armadas)
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2012