A questão dos impostos é, talvez,
a questão mais delicada que hoje se
suscita em Portugal.
O
maior problema do País não está na carga fiscal enormíssima, que destrói a
competitividade das pessoas e das empresas; está na tolerância e no favorecimento da sonegação
fiscal, por via de práticas adequadas a proteger a corrupção dos aparelhos
burocráticos.
Com
taxas tão elevadas como as que, em Portugal se aplicam à matéria
coletável, a sonegação fiscal é
absolutamente perturbadora da concorrência.
O
governo faz um imenso folclore, perseguindo restaurantes e cabeleireiros, tudo
o que é gente pobre, mas permite a sonegação fiscal aos profissionais liberais,
aos prestadores de serviços de maior valor acrescentado, e a todo o tipo de
consultores.
Por
pressão da troika, destruíram-se, em boa medida, alguns marcos
regulatórios e transformaram-se outros em letra morta, de forma a favorecer o
sucateamento, adequado a equilibrar a nossa economia com as economias
emergentes do terceiro mundo.
A
corrupção larvar das entidades fiscalizadoras, tantos dos dos municípios
como do Estado destruiu todos os
catálogos procedimentais em que assentava a transparência da formação dos
preços, que é elemento essencial da concorrência.
É
óbvio que não pode ser competitivo o estabelecimento cujos donos respeitam as
obrigações legais, nomeadamente no que se refere aos direitos dos
trabalhadores, aos horários e aos seguros, quando, na porta do lado, o
concorrente não tem horários, não tem seguros e foge aos impostos.
Equipas
que foram preparadas para prestar serviços de qualidade, desmantelam-se, quando
os seus elementos atingem os mais altos escalões. E a administração, parecendo assumir uma postura de entidade
estúpida, não se questiona.
O
crime compensa.
Quem
ganhava 10.000 euros por mês pode ganhar o mesmo e fugir ao fisco, se trabalhar
em casa, fora de uma organização e não passar faturas, com a quase certeza de
que ninguém lhe vai perguntar porque é que o seu rendimento baixou 80%.
Tudo
parece ter sido moldado, nos últimos anos, para premiar quem foge ao fisco e,
sobretudo, para penalizar quem respeite escrupulosamente as obrigações fiscais.
Na
advocacia verifica-se uma outra realidade assaz curiosa.
Porque
os advogados e as sociedades de advogados são cadastrados como tal na
administração tributária – como acontece também com os solicitadores – e só
estas duas profissões podem praticar atos de procuradoria profissional,
facilita-se a vida aos procuradores ilícitos (particulares e empresas) porque
esses, não podendo emitir faturas por atividades que não podem praticar, podem,
porém, receber dinheiro e gratificar.
As
normas do procedimento administrativo em
geral e as normas aplicáveis aos diversos serviços, em especial, são geralmente claras quanto a legitimidade
para requerer e para representar terceiros.
Há
uma velha regra de direito administrativo que manda que as pretensões sejam
objeto de requerimento assinado por quem tenha legitimidade para tanto.
A
apresentação da pretensão por via de requerimento devidamente instruído tem,
nomeadamente, o mérito de responsabilizar o apresentante, máxime no que se
refere à qualidade dos documentos apresentados.
O
que hoje constatamos, em diversos serviços públicos, nomeadamente nos serviços
de registo é a não exigência da apresentação de requerimentos aos procuradores
ilícitos, o que, desde logo, é perturbador da concorrência e induz factores de
corrupção.
Vivemos,
como nunca, no império da cunha e da facilitação.
Parece
legitimo suspeitar dos funcionários que deem andamento a processos em que nada
é requerido, transferindo-se as suspeitas para os seus superiores, se
eventualmente, estes lhes derem instruções para realizar os processamentos.
No
tempo da saudosa Direção Geral dos Registos e do Notariado, havia uma instrução
precisa, no sentido do combate à procuradoria ilícita, que ainda se pode consultar no nosso site,
em que está reproduzido.
Todas
estas regras foram sepultadas e destruídas por uma prática que, a um
tempo, favorece a procuradoria ilícita,
que é crime, prejudicando o Estado pela elementar razão de que os procuradores
ilegais não pagam impostos.
Não
há almoços gratuitos .
Todos
temos consciência de que Portugal se transformou num país de “facilitadores”,
mas só os ingénuos acreditam que as facilidades sejam simples exercício de
simpatia.
Claro que não são.
As
facilidades indiciam corrupção e sonegação fiscal, justificando-se que sejam investigadas como
tal.
Uma
das áreas mais sensíveis (até porque afeta toda a nossa comunidade em diáspora)
é a do registo civil, a que hoje estão afetos os registos da nacionalidade e a
identificação civil.
É
uma área muito vulnerável, porque toca na identidade das pessoas e na credibilidade do sistema de
documentação.
A
falsificação do registo civil e da identificação e a apropriação da identidade
podem por em causa a credibilidade internacional da documentação portuguesa,
pelo que é exigível que todos os operadores sejam profissionais habilitados e
que o rigor processual os responsabilize, de forma inequívoca.
É
absolutamente inaceitável que, tendo-se verificado que a identidade de alguém
foi apropriada indevidamente por outra pessoa, nada se faça para apreender os
documentos e devolver a identidade a quem de direito.
Por
tudo isso me parece essencial que se adotem medidas de proibição inequívoca da
procuradoria ilícita e que, sobretudo, se fiscalize o cumprimento das
obrigações fiscais de todos os operadores, sob pena de se estar a favorecer a
corrupção e a sonegação fiscal.
É
extremamente simples.
Em
primeiro lugar, é indispensável
verificar quem são os procuradores e quais as suas credenciais para o exercício
da procuradoria profissional.
Tendo
praticado atos sujeitos a impostos, devem ser perseguidos pela administração,
no caso de não terem emitido faturas,
mesmo que sejam procuradores ilegais.
Em
segundo lugar, por maioria de razão, é indispensável verificar se os advogados
e os solicitadores que agiram em representação de terceiros cumpriram as
obrigações fiscais, caso a caso.
O
que não pode continuar é esta situação, brutalmente injusta, de uns fugirem aos
impostos, quando outros cumprem, rigorosamente as suas obrigações.
A
fraude e a sonegação fiscais são a coisa mais horrível que há nas sociedades
modernas; porque é muito difícil resistir, quando vemos, mesmo ao nosso lado, o
crescimento dos que violam as boas regras.
São
Paulo, 2014-11-21
Miguel Reis