quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Fazer de conta

Não resisto à tentação de reproduzir este fabuloso texto de Mário Crespo:

Está bem... façamos de conta
Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?).
Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.
Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês.
Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível.
Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu.
Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média.
Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação.
Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo.
Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva".
Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda).
Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport.
Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal.
Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também.
Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus.
Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores.
açamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República.
Façamos de conta que não há SIS.
Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso.
Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas.
Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja.
Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos.
Mário Crespo

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Duas ou três coisas

Francisco Seixas da Costa não pára.
Depois de ter lançado o melhor blog da diplomacia portuguesa, na Embaixada de Portugal em Brasília, o prestigiado diplomata, agora embaixador de Portugal em França, iniciou um blog pessoal sob o título de Duas ou Três Coisas.
Na abertura escreve FSC:
«Não excluo que possa parecer algo pretencioso, aos olhos de alguns, dar à estampa textos na primeira pessoa, como que assumindo que a visão do embaixador português possa, pelo mero usufruto desse estatuto, ter um mérito que justifique a sua leitura. Mas fico confortado com a ideia de que só me lerá quem quiser e que ninguém será obrigado, por dever oficioso ou outro, a seguir o que aqui se colocar.
Noutras funções, embora também num outro modelo, já utilizei o blogue como forma de comunicação e, confesso, o seu resultado foi muito reconfortante. Agora, neste caso, e ao fim de algum tempo, logo se verá. Se a assiduidade dos leitores o justificar, o exercício continuará. Se não for esse o caso, o blogue terá o destino óbvio.»
É sempre um prazer ler textos por onde perpassa a lucidez que falta muitos.
Pretensiosismo é o que vemos noutros cuja casaca os leva a considerar que o bloguismo é uma forma menor de comunicação.
Parabéns Embaixador. O meu amigo consegue fazer a diferença.
MR

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Valha-lhes o Santo Expedito



Fico espantado quando leio o que escreve o meu amigo Gabriel Cipriano, do Rio de Janeiro, no Portugal Club:
«Quem conhece nossas comunidades sabe que somos o grupo mais desunido, mais hipocrita e invejoso que tem na face da terra.
O cerne dessa desunião não é partidário, não é religioso,tão pouco dogmático. Ele é genético.
Quando há eleições para o Conselho das Comunidades, a lenga, lenga nos almoços de confraternização, corre solta sobre a falta de união, os interesses comuns que devem ser preferidos, o fortalecimento associativo e outras falsidades muito próprias de nossa gente.
Na hora de votar e eleger, assiste-se ao inverso destas intenções, e um verdadeiro caudal de patifarias acontece.
Nas eleições para a AR tem vigorado o VOTO/CORREIO que, como temos denunciado, é um sistema do interesse de uma grande parcela da emigração que, pelos vistos, também agrada a sua excelência o Presidente da Republica.
Concluimos isto, diante de seu VETO à lei que estabelece o VOTO/PRESENCIAL.
O mundo inteiro conhece as falcatruas que a emigração portuguesa pratica nos pleitos eleitorais, quando votam os vivos e votam os mortos e, como os mortos são mais numerosos, os PSDistas, sempre ganham a eleição.
Mas o Senhor Presidente, não sabe disto, nunca deve ter ouvido falar. A tosca prática é tão vulgar que ninguem teria a coragem de menciona-la a sua excelência, sem lhe dar o tom de piada feita.
Milhares de emigrantes não votam, eles oferecem os modelos recebidos do correio aos amigos e compadres que os preencherão e enviarão a Lisboa, consagrando a vitória de seus correligionários.
Apesar de nossas convicções contrárias, apostamos que sua excelência desconhece a história desta roubalheira. Mas se nunca ouviu falar dela e se a emigração lhe é indiferente como se alinha aos corifeus do partido que combate a lei socialista ?
Indignados diante do desaforo lembramos até de queimar nosso voto, pois se o devolvemos ao remetente em sinal de protesto, ele se prestará a mais uma canalhice e será aproveitado para engrossar o lote do partido ganhador.
VOTO/CORREIO é isso, está viciado de ponta a ponta e simboliza a falcatrua mais vergonhosa que se conhece em termos de eleição.
Concluindo, lamentamos que o desprezo de Lisboa para com a emigração e suas dissidias se configure em tão agressivos detalhes que, sendo da responsabilidade do Presidente da Republica, toma ares de algo grave. Muito grave.»
Gabriel Cipriano é um fiel e por isso o respeitamos.
Nunca o ouvimos falar da necessidade descolonizar as «colónias» da emigração, ou criticar as negociatas das listas com as máfias dos bingos.
Tampouco alguma vez lhe ouvimos uma palavra clamando pela efectiva representatividade das comunidades da Diáspora, cujos lugares no parlamento têm sido, literalmente, expropriados por quem nada tem a ver com emigração.
Não lhe ouvimos uma palavra perante a distribuição aos milhares da pagela que aqui se publica e que foi uma das peças de propaganda do Partido Socialista no Rio de Janeiro.
E agora critica Cavaco Silva, que limitou a exercer um direito de veto que, tenho a certeza, Mário Soares também exerceria, se tivesse sido eleito.
Esses tótós que votaram a lei não percebem que, para além de retirar direitos aos emigrantes, o único partido que teria capacidade para acarretar milhares de votantes para as assembleias de voto é o Partido Comunista...
Valha-lhes o dito... Santo Expedito.
Parabéns a Cavaco Silva. Este é um veto decente.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Grande buraco em que nos meteram...

A política voltou a ser, como dizia Valery, «a arte de nos esconder aquilo que nos interessa».
Anda, toda a gente, literalmente a mentir.
A primeira grande mentira é a de que só há meses se descobriram indícios da crise.
Há mais de um ano que há fortíssimos indícios de que tudo aquilo que estamos a viver iria ocorrer.
Todos os governos sabiam que boa parte dos PIB se jogavam na roleta da bolsa e que os relatórios dos auditores não merecem a mínima credibilidade, na generalidade dos casos.
A melhor prova disso está no facto de não terem previsto a crise e de, bem pelo contrário, a terem oculto.
Como na natureza nada de se perde, nada se cria e nada se transforma, é por demais evidente que o buraco existe mas o dinheiro está nalguma parte. Pela mecânica do processo se vê, desde logo, que está no bolso dos especuladores.
É evidente que há especuladores que ganharam e especuladores que perderam ou estão a perder.
O que não se alcança com facilidade é a explicação dos governos para políticas concertadas no sentido de hipotecar o futuro dos paises à protecção dos especuladores, por via da «tapagem» do buraco, em termos que protejam os «desgraçados» que perderam na bolsa.
George Soros foi peremptório em Davos, ao sugerir que se faça um «bad bank» onde se coloquem todos os tóxicos, que é o mesmo que apelar ao financiamento público de quem perdeu nas bolsas e tem papeis que nada valem e cuja nacionalização se sugere.
O que é que temos nós a ver com a má gestão dos bancos e com o facto de terem emprestado sem garantias ou sobre valores irreais? Se estão falidos, que vão mesmo para a falência; o que é inaceitável é que o Estado garanta use recursos públicos para tapar o buraco, quando todos os dias há empresas que vão á falência por falta de recursos.
Mas, mais grave ainda, é que se lance um apelo mundial à poupança, como se a crise decorresse do excesso de consumo das pessoas e das empresas.
Esse é um expediente que visa apenas convencer as pessoas a manter os seus recursos nos bancos, branqueando a sua falta de liquidez.
O que é preciso é que as pessoas consumam o máximo possivel, sob pena de a economia parar; e de, parando as economias internas, o mercado internacional ir ao fundo, colocando-nos a todos num nivel de miséria insustentável.
O negócio bancário tem regras que foram violadas. É bem preferivel que os bancos que as violaram vão ao fundo, nascendo outros, do que se comprometa o futuro procurando tapar um buraco cujo fundo não se vê.
O grande erro dos governos ocidentais - que poderá levar a experiência europeia para o fundo e arrastar a Europa para niveis de miséria semelhantes ao pior do terceiro mundo - está na falta de visão e na falta de coragem, que os leva a subalternizar completamente os direitos e os interesses das pessoas, a benefício dos especuladores financeiros e dos bancos.
As nossas sociedades são marcadas por uma intolerável falta de transparência.
Anunciam-se todos os dias alocações de milhões a isto e aquilo, que não se sabe de onde podem sair.
Medidas há que são paradoxais, como esta que foi anunciada hoje, no sentido de criar 400 gabinetes para ajudar as pessoas a reencontrar emprego. Se não há empregos, se as empresas estão a fechar, para que são esses gabinetes, senão para encaixar os amigos, os compadres e um rol de desempregados privilegiados a quem o Estado vai favorecer, em desprimor dos demais cidadãos?
Começamos a entrar no mundo do surreal...
Os nossos governantes são, de facto, de péssima qualidade. em toda a Europa.

domingo, fevereiro 01, 2009

O estranho caso do massacre de José Sócrates

Escreve Vital Moreira no blog Causa Nostra:

«O director de um periódico muito activo na exploração do caso Freeport dizia ontem na TV que os media se têm limitado a "reportar factos", não podendo ser acusados de nenhuma campanha contra Sócrates.
É puro farisaísmo.
Por um lado, quanto aos "factos", a generalidade dos média tem-se limitado a servir de "barriga de aluguer" de alegadas informações selectivamente filtradas por alguém de dentro do processo. Por outro lado, só por desfaçatez é que se podem negar todas as suspeitas, ilações e imputações abusivamente feitas a partir dessa infromação inquinada, tendente à condenação sumária do visado, num "julgamento" populista, sem provas e sem defesa.»
Gosto da expressão de «barriga de aluguer». É perfeita para este e para muitos outros casos similares.
Não tenho dúvidas de que está montada uma operação de chacina do prrimeiro ministro José Sócrates. Mas a culpa disso não está na comunicação social, mas num sistema que permite este estado de coisas e que já liquidou milhares de cidadãos e alguns políticos.
É muito positivo que, ao menos de vez em quando, esta realidade atinja um responsável político, para que se tenha a noção de que é necessário mudar as leis.
Escrevi alguma coisa sobre isso na Falência da Justiça. Adito aqui mais alguns comentários.
O registo mais importante é o de que a justiça não resolverá nada, porque o processo de comunicação, partindo embora de factos que vêm da justiça, tem uma vocação e um trajecto próprio, que não se compadece nem com a morosidade nem com o formalismo da prática judiciária.
Os processos comunicacionais não se compadecem com o puzzling que marca, por sistema, as investigações judiciárias. E tanto o agenda setting do jornalismo como a selecção dos factos relevantes para a qualificação das notícias estão sujeitos a uma diferente lógica de interesse social.
O drama está, neste caso, no facto de haver alguém que está a manipular a informação em termos que são, mais ou menos, incontornáveis, tanto para a acção dos jornalistas como para a defesa de José Sócrates.
Quem tem o poder é quem tem a informação e quem a pode administrar. E não valerá de nada a José Sócrates remeter para as respostas da justiça, porque, em primeiro lugar ninguém acredita nela e, sem segundo lugar, o seu problema não se situa lá mas na comunicação social e na opinião pública.
Num sistema de comunicação pluralista e concorrencial é impensável que algum jornal omita a difusão de informação relevante a que tem acesso. O problema não está aí, mas na impossibilidade de os jornalistas acederem a toda a informação.
O monstro é o segredo de justiça. E só se vê o monstro nestes casos de maior impacto mediático.
Neste caso, José Sócrates poderia defender-se se tivesse acesso a todos os dados e se a própria comunicação social pudesse substituir todas as dúvidas por respostas claras, só viáveis pelo acesso aos processos.
Não sendo isso possivel, ele será massacrado até ao limite em lume brando, num processo que o descredibilizará e que arrastará o próprio partido.
Ainda ontem um jornal (Correio da Manhã) referia que a mãe de Sócrates tinha comprado um apartamento no edifício Heron Castillo a uma offshore, sem empréstimo, para referir na mesma notícia que o primeiro ministro tinha comprado outro, idêntico, com um empréstimo de 22 mil euros.
O Público refere-se ao mesmo assunto, insinuando que a mãe do primeiro ministro fez a escritura por valor inferior ao da compra. É evidente que, tendo os factos ocorrido em 1998, nada têm eles a ver com os eventuais negócios da Free Port, mas com o processo de descredibilização de Sócrates e da sua família.
De forma íngénua, o meu amigo Vital Moreira pretende que toda a gente acredite no comunicado de Manuel Pedro, que afirma que não subornou ninguém (Causa Nostra). O que é que o homem podia dizer? Acha que poderia afirmar que subornou alguém, quando é certo que isso é crime?
A corrupção só pode combater-se pela via da transparência.
Para isso é indispensável descriminalizar a conduta, sem prejuizo da obrigação de indemnizar os lesados e de se criar um quadro que permita a descoberta da verdade no quadro do processo civil e dos procedimentos administrativos.
Na hora em que escrevo surge mais uma bomba e ainda há pouco um amigo me dizia que há munições para todos os dias.
Segundo o Correio da Manhã, Manuel Pedro foi nomeado por Guterres, em 2000, para assessor principal da Equipa da Missão para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco. Alguém acredita que José Sócrates, que então era ministro do Ambiente, o não conhecia?
Tudo indica que estamos perante um processo de desqualificação imparável, que não deixará de ter repercussões, a muito breve prazo, no próprio Partido Socialista.
E isto está a acontecer um mês antes do congresso...
O grande enigma reside na questão de saber quem está por detrás de tudo isto. Por mim não tenho dúvidas de que é alguém (ou algum grupo) que quer liquidar José Sócrates.
Mas isso não resolve, de modo nenhum, a questão essencial que é a de saber se ele é um político impoluto ou se é um político corrupto.
Para já, é um politico acerca do qual se multiplicaram as dúvidas.