A política voltou a ser, como dizia Valery, «a arte de nos esconder aquilo que nos interessa».
Anda, toda a gente, literalmente a mentir.
A primeira grande mentira é a de que só há meses se descobriram indícios da crise.
Há mais de um ano que há fortíssimos indícios de que tudo aquilo que estamos a viver iria ocorrer.
Todos os governos sabiam que boa parte dos PIB se jogavam na roleta da bolsa e que os relatórios dos auditores não merecem a mínima credibilidade, na generalidade dos casos.
A melhor prova disso está no facto de não terem previsto a crise e de, bem pelo contrário, a terem oculto.
Como na natureza nada de se perde, nada se cria e nada se transforma, é por demais evidente que o buraco existe mas o dinheiro está nalguma parte. Pela mecânica do processo se vê, desde logo, que está no bolso dos especuladores.
É evidente que há especuladores que ganharam e especuladores que perderam ou estão a perder.
O que não se alcança com facilidade é a explicação dos governos para políticas concertadas no sentido de hipotecar o futuro dos paises à protecção dos especuladores, por via da «tapagem» do buraco, em termos que protejam os «desgraçados» que perderam na bolsa.
George Soros foi peremptório em Davos, ao sugerir que se faça um «bad bank» onde se coloquem todos os tóxicos, que é o mesmo que apelar ao financiamento público de quem perdeu nas bolsas e tem papeis que nada valem e cuja nacionalização se sugere.
O que é que temos nós a ver com a má gestão dos bancos e com o facto de terem emprestado sem garantias ou sobre valores irreais? Se estão falidos, que vão mesmo para a falência; o que é inaceitável é que o Estado garanta use recursos públicos para tapar o buraco, quando todos os dias há empresas que vão á falência por falta de recursos.
Mas, mais grave ainda, é que se lance um apelo mundial à poupança, como se a crise decorresse do excesso de consumo das pessoas e das empresas.
Esse é um expediente que visa apenas convencer as pessoas a manter os seus recursos nos bancos, branqueando a sua falta de liquidez.
O que é preciso é que as pessoas consumam o máximo possivel, sob pena de a economia parar; e de, parando as economias internas, o mercado internacional ir ao fundo, colocando-nos a todos num nivel de miséria insustentável.
O negócio bancário tem regras que foram violadas. É bem preferivel que os bancos que as violaram vão ao fundo, nascendo outros, do que se comprometa o futuro procurando tapar um buraco cujo fundo não se vê.
O grande erro dos governos ocidentais - que poderá levar a experiência europeia para o fundo e arrastar a Europa para niveis de miséria semelhantes ao pior do terceiro mundo - está na falta de visão e na falta de coragem, que os leva a subalternizar completamente os direitos e os interesses das pessoas, a benefício dos especuladores financeiros e dos bancos.
As nossas sociedades são marcadas por uma intolerável falta de transparência.
Anunciam-se todos os dias alocações de milhões a isto e aquilo, que não se sabe de onde podem sair.
Medidas há que são paradoxais, como esta que foi anunciada hoje, no sentido de criar 400 gabinetes para ajudar as pessoas a reencontrar emprego. Se não há empregos, se as empresas estão a fechar, para que são esses gabinetes, senão para encaixar os amigos, os compadres e um rol de desempregados privilegiados a quem o Estado vai favorecer, em desprimor dos demais cidadãos?
Começamos a entrar no mundo do surreal...
Os nossos governantes são, de facto, de péssima qualidade. em toda a Europa.