«O director de um periódico muito activo na exploração do caso Freeport dizia ontem na TV que os media se têm limitado a "reportar factos", não podendo ser acusados de nenhuma campanha contra Sócrates.
É puro farisaísmo.
Por um lado, quanto aos "factos", a generalidade dos média tem-se limitado a servir de "barriga de aluguer" de alegadas informações selectivamente filtradas por alguém de dentro do processo. Por outro lado, só por desfaçatez é que se podem negar todas as suspeitas, ilações e imputações abusivamente feitas a partir dessa infromação inquinada, tendente à condenação sumária do visado, num "julgamento" populista, sem provas e sem defesa.»
Gosto da expressão de «barriga de aluguer». É perfeita para este e para muitos outros casos similares.
Não tenho dúvidas de que está montada uma operação de chacina do prrimeiro ministro José Sócrates. Mas a culpa disso não está na comunicação social, mas num sistema que permite este estado de coisas e que já liquidou milhares de cidadãos e alguns políticos.
É muito positivo que, ao menos de vez em quando, esta realidade atinja um responsável político, para que se tenha a noção de que é necessário mudar as leis.
Escrevi alguma coisa sobre isso na Falência da Justiça. Adito aqui mais alguns comentários.
O registo mais importante é o de que a justiça não resolverá nada, porque o processo de comunicação, partindo embora de factos que vêm da justiça, tem uma vocação e um trajecto próprio, que não se compadece nem com a morosidade nem com o formalismo da prática judiciária.
Os processos comunicacionais não se compadecem com o puzzling que marca, por sistema, as investigações judiciárias. E tanto o agenda setting do jornalismo como a selecção dos factos relevantes para a qualificação das notícias estão sujeitos a uma diferente lógica de interesse social.
O drama está, neste caso, no facto de haver alguém que está a manipular a informação em termos que são, mais ou menos, incontornáveis, tanto para a acção dos jornalistas como para a defesa de José Sócrates.
Quem tem o poder é quem tem a informação e quem a pode administrar. E não valerá de nada a José Sócrates remeter para as respostas da justiça, porque, em primeiro lugar ninguém acredita nela e, sem segundo lugar, o seu problema não se situa lá mas na comunicação social e na opinião pública.
Num sistema de comunicação pluralista e concorrencial é impensável que algum jornal omita a difusão de informação relevante a que tem acesso. O problema não está aí, mas na impossibilidade de os jornalistas acederem a toda a informação.
O monstro é o segredo de justiça. E só se vê o monstro nestes casos de maior impacto mediático.
Neste caso, José Sócrates poderia defender-se se tivesse acesso a todos os dados e se a própria comunicação social pudesse substituir todas as dúvidas por respostas claras, só viáveis pelo acesso aos processos.
Não sendo isso possivel, ele será massacrado até ao limite em lume brando, num processo que o descredibilizará e que arrastará o próprio partido.
Ainda ontem um jornal (Correio da Manhã) referia que a mãe de Sócrates tinha comprado um apartamento no edifício Heron Castillo a uma offshore, sem empréstimo, para referir na mesma notícia que o primeiro ministro tinha comprado outro, idêntico, com um empréstimo de 22 mil euros.
O Público refere-se ao mesmo assunto, insinuando que a mãe do primeiro ministro fez a escritura por valor inferior ao da compra. É evidente que, tendo os factos ocorrido em 1998, nada têm eles a ver com os eventuais negócios da Free Port, mas com o processo de descredibilização de Sócrates e da sua família.
De forma íngénua, o meu amigo Vital Moreira pretende que toda a gente acredite no comunicado de Manuel Pedro, que afirma que não subornou ninguém (Causa Nostra). O que é que o homem podia dizer? Acha que poderia afirmar que subornou alguém, quando é certo que isso é crime?
A corrupção só pode combater-se pela via da transparência.
Para isso é indispensável descriminalizar a conduta, sem prejuizo da obrigação de indemnizar os lesados e de se criar um quadro que permita a descoberta da verdade no quadro do processo civil e dos procedimentos administrativos.
Na hora em que escrevo surge mais uma bomba e ainda há pouco um amigo me dizia que há munições para todos os dias.
Segundo o Correio da Manhã, Manuel Pedro foi nomeado por Guterres, em 2000, para assessor principal da Equipa da Missão para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco. Alguém acredita que José Sócrates, que então era ministro do Ambiente, o não conhecia?
Tudo indica que estamos perante um processo de desqualificação imparável, que não deixará de ter repercussões, a muito breve prazo, no próprio Partido Socialista.
E isto está a acontecer um mês antes do congresso...
O grande enigma reside na questão de saber quem está por detrás de tudo isto. Por mim não tenho dúvidas de que é alguém (ou algum grupo) que quer liquidar José Sócrates.
Mas isso não resolve, de modo nenhum, a questão essencial que é a de saber se ele é um político impoluto ou se é um político corrupto.
Para já, é um politico acerca do qual se multiplicaram as dúvidas.