O novo governador do Banco de Portugal, um senhor de que ainda nem decorei o nome, acaba de lançar a mais terrível suspeita que um dirigente poderia ter lançado sobre o sistema bancário português.
Disse ele aos jornais que a lei não proíbe aos bancos a alteração dos spreads mesmo sem o consentimento dos devedores, desde que as condições do mercado o justifiquem.
Trata-se de uma afirmação de extrema gravidade que, por si só, abala toda a credibilidade do sistema bancário.
O spread é uma comissão, fixada no percentual que se adiciona à taxa de juro de referência contratada com o banco. A fixação, por exemplo, de Euribor mais dois de spread, significa que o devedor pagará juros a uma taxa correspondente à Euribor mais dois por cento.
A alteração das condições do mercado já se reflete na alteração da taxa básica contratada, que, normalmente, é bem mais alta que aquelas que o banco pratica na aquisição de fundos. Sobre tais taxas, de que releva a Euribor, como taxa mais comum, os bancos negoceiam com os seus clientes o pagamento de spreads de valor percentual fixo.
Isto sempre foi respeitado, nunca tendo sido posto em causa por ninguém. Pretender-se agora que o banco pode alterar, para além da taxa de referência contratada, o próprio spread que se contratou como fixo, tem vários efeitos negativos.
Em primeiro lugar, pela primeira vez em muitas dezenas de anos, a simples admissibilidade de tal postura põe em causa a seriedade das instituições bancárias. Quem negociou com um banco na convicção de que o spread era fixo e nunca variaria, tem toda a razão para considerar qualquer mudança do dito spread como uma refinada vigarice.
Em segundo lugar, uma tal hipótese, suscita a suspeita de que o sistema bancário está numa situação muito difícil, porque, de outro modo, respeitariam os compromissos assumidos, o que legitima a corrida aos depósitos como consequência natural do alarme lançado pelo governador.
Os bancos portugueses cresceram e credibilizaram-se remunerando os depósitos, nomeadamente os depósitos à ordem.
Hoje não só não o fazem, como cobram elevadas comissões pelos serviços que prestam. Na realidade, os particulares e as empresas pagam aos bancos para neles poderem depositar os fundos que os bancos emprestam a taxas muito elevadas, gerando com isso elevados lucros.
Se, contra tudo o que foi garantido pelos bancos durante anos, o próprio regulador vem dizer que as entidades bancárias podem alterar os spreads sem consulta e sem assentimento dos devedores, então é porque a situação é muito má.
E nesse caso, levantando-se suspeitas implícitas acerca da segurança dos depósitos, desaparece o único interesse que justifica que os particulares e as empresas guardem os seus recursos nos bancos: o interesse da segurança.
Já existiam múltiplas razões a justificar a substituição dos cheques e das ordens de pagamento por dinheiro fresco.
As empresas que se tenham atrasado no pagamento de impostos ou que não consigam solver todos os seus compromissos já hoje se refugiam na liquidez, não procedendo a depósitos nos bancos, para evitar o risco de os seus recursos serem penhorados.
Isso justifica que haja hoje muitos milhões de euros fora do sistema bancário.
Se os bancos, por causa disso ou por outras razões, ameaçam retaliar nos termos sugeridos pelo governador do Banco de Portugal, o resultado será que todos nós teremos receio de guardar o dinheiro nos bancos, que havíamos como entidades sérias e que agora são colocados sob suspeita.
Acreditamos que os tribunais, por mais grave que seja a crise da justiça, não deixarão passar uma barbaridade como essa que o governador do Banco de Portugal sugere.
Mas até lá, porque essa barbaridade é sintomática de uma enorme insegurança, talvez haja muita gente que entenda ser mais prudente guardar o seu dinheiro em casa, evitando aos bancos o trabalho de o guardar.
Até porque é mais barato… e hoje temos que fazer contas à nossa vida.
Guardar o dinheiro em casa implica uma razoável poupança, por relação da guardá-lo no banco, coisa que cada vez tem mais o sabor de serviço de luxo, num tempo em que é preciso poupar.
O governador do Banco de Portugal acabou por mexer com isso tudo.
PS – Em nossa opinião não é lícito aos bancos alterarem os spreads nas operações contratadas com spread fixo. A própria literatura de propaganda das instituições financeiras, publicada nos últimos anos, garante isso. Vale a pena recorrer aos tribunais.