Conheço mal Carolina Almeida, a candidata do Partido Socialista para o circulo «Fora da Europa». Aliás, nem sequer consegui associar o nome a uma pessoa, antes de ver a sua fotografia.
O simples facto de se tratar de um candidato que vem de uma das mais importantes comunidades da Diáspora, é positivo, porque é a primeira vez, em quase 40 anos, que o Partido Socialista arrisca uma posição de cabeça de lista nos círculos da emigração, oferecendo-o a alguém que seja originário ou tenha vivido a maior parte da vida no país estrangeiro.
O próprio PSD – que em matéria de emigração sempre teve posições mais avançadas que o PS – só arriscou isso uma vez, com a candidatura de Eduardo Moreira, do Rio de Janeiro.
Há anos que defendo o alargamento da representação parlamentar dos portugueses residentes no estrangeiro e a «descolonização» das comunidades portuguesas da Diáspora.
Infelizmente, muito pouco se fez nesse sentido, durante os 37 anos no regime democrático.
Toda a conceção das políticas da emigração (a que agora se chama, retirando o nome aos bois, política das comunidades) tem assentado em princípios que são marcadamente colonialistas e xenófobos, absolutamente ofensivos da universalidade que sempre marcou a nossa cultura e a nossa presença no Mundo.
Daí que elas se tenham centrado, por regra, em torno dos consulados, que são o braço avançado do Estado, desvalorizando tudo o que é a atividade da sociedade civil, nomeadamente no que se refere às experiências associativas.
Essa perspetiva dirigista é, na minha opinião, a principal causa da opção que os partidos sempre adotaram no sentido de oferecer aos emigrantes candidatos a deputados que nada têm a ver com eles, porque nada têm a ver com a própria experiência da Diáspora.
Quem representa Portugal nos países de acolhimento são os próprios portugueses e não as estruturas administrativas do Estado, que são meras repartições destinadas a servi-los.
Cada comunidade tem os seus próprios problemas, que são os que emergem da complexidade da intersecção de duas culturas e de dois tipos de sociedade, não me parecendo legítimo, até à luz dos princípios informadores da nossa Constituição, que se pretenda manter uma vinculação das comunidades da Diáspora ao Portugal do Continente e das Ilhas, quase fundamentalista e ignorante do próprio meio social e cultural dos países de acolhimento.
É bom que se recordem as condições em que muitos portugueses emigraram para o estrangeiro, sobretudo depois de 1962, ano em que foi publicada legislação muito restritiva sobre a matéria.
Só teoricamente era livre a emigração, pois que ela dependia, por regra de uma autorização da Junta de Emigração e o Estado assumida, por via dela e dos consulados e embaixadas uma ação tutelar.
Por isso mesmo, as maiores vagas de emigração que se registaram nas décadas de 60 e 70 foram de emigração clandestina, que importaram uma muito compreensível euforia na assimilação cultural dos eldorados de destino.
A isto, que não tem nada de mau nem de perverso, reagiram os sucessivos regimes com uma propaganda xenófoba, enfatizando os valores da raça, por relação aos dos países de acolhimento, o que constitui a maior perversão a que jamais assistimos, da secular cultura universalista dos portugueses.
Em Portugal parece que se perdeu a noção do tempo e cultivou-se durante décadas, mesmo depois do 25 de Abril, a ideia de que os emigrantes sai figuras copiadas daqueles estereótipos do filme «O Salto», mais ou menos feios, porco e maus, em suma, portugueses de segunda.
Trata-se de um tremendo erro, porque essa é a imagem da parte mais avançada do país, daquela que, por insatisfação, resolveu derrubar fronteiras e partir. E se em Portugal houve uma evolução, essas comunidades, que encontraram refúgio em países geralmente mais evoluídos, evoluíram ainda mais.
Não há, por isso, nenhuma razão para que os emigrantes – ou, como agora se diz, os portugueses residentes no estrangeiro – sejam tratados como portugueses de segunda, negando-se-lhes direitos que são, de forma universal, garantidos aos residentes no retângulo continental e nas Ilhas.
Portugal sempre foi e continua a ser uma país de emigração, porque é um país pequeno e pobre de recursos, onde não cabemos todos. Portugal é, verdadeiramente, um «país de restos», onde em momentos de crise só fica quem não tem condições para partir.
Foi assim quando o rei D. João VI fugiu para o Brasil, despovoando o país das suas elites.
Voltou a sê-lo no tempo da ditadura. E acontece, de novo agora, quando os nossos melhores quadros, os jovens formados nas nossas universidades, partem de novo à procura de destino, em paisagens tão dispares como as da Alemanha, do Brasil, da Índia ou da China.
É simplesmente chocante que não se atente nesta realidade e que, bem pelo contrário, tudo se faça para a ocultar, falsificando as realidades com números que todos sabemos serem falsos.
Não se sabem quantos são os portugueses e os luso-descendentes até á segunda geração, espalhados pelo Mundo, porque Portugal, sobretudo depois da onda de novo riquismo que marcou a nossa entrada na União Europeia, sempre o procurou ocultar.
Só para dar um exemplo, os números oficiais dizem-nos que há 700 mil portugueses no Brasil, contra 31 milhões de italianos anunciados pelas autoridades da Itália.
Segundo o mesmo método usado pelos italianos (projeção dos dados migratórios), devidamente corrigido pelos índices da composição média das famílias, os portugueses serão 21 milhões contra 20 milhões de italianos.
Adotando o mesmo método chegamos à conclusão de que os portugueses e os luso descendentes até à segunda geração residentes no estrangeiro totalizam entre 30 e 40 milhões, ou seja 3 a 4 vezes mais do que os residentes no continente e nas ilhas.
O melhor que Portugal tem – tudo com rating AAA – são os portugueses, espalhados por todo o Mundo.
Alguns nem sequer falam português, porque não têm oportunidade de aprender a língua, fazendo cair o sonho de Pessoa, para quem «a minha Pátria é a língua portuguesa», apenas porque os sucessivos governos têm adotado políticas imbecis para a difusão da língua e desvalorizado o uso dos novos meios de comunicação, que permitiriam mantê-la. Mas muitos desses portugueses são mais portugueses do que eu, fazendo um culto do relacionamento humano, da maneira portuguesa de estar no Mundo, da individualidade portuguesa, melhor que o meu.
Portugal não é um mito para esses nossos compatriotas. É um mundo, uma maneira de estar, um modo de viver, uma paixão. E é muito triste que ninguém dê conta disso.
Choca-me, especialmente, a insensibilidade e a ignorância com que é encarado o fenómeno dos portugueses do Oriente, desde os oriundos do antigo Estado da India até aos oriundos de Macau. Uns e outros, para o serem, renunciam à nacionalidade da India ou da China, para escolher ser portugueses. E há quem tenha a desvergonha de considerar que o fazem para ter um passaporte de um país da União Europeia, como se fosse uma honra ter um passaporte de um país falido.
Esses cidadãos escolhem ser portugueses por é a sua condição. Porque acreditam que é preferível ser português de primeira do que indiano ou chinês de segunda. E porque em termos de idiossincrasia são portugueses, nada tendo a ver com a maneira indiana ou chinesa de estar no Mundo.
O mesmo podemos dizer, mutatis mutandis, relativamente aos portugueses do Brasil, da Venezuela, dos Estados Unidos, do Luxemburgo, da França ou da Suissa, mesmo que tenham nascido nesses países.
A dupla nacionalidade, nos países que a admitem, é uma coisa boa essencialmente porque ela permite conferir aos filhos dos estrangeiros um estatuto dignidade plena no que se refere à nacionalidade dos ascendentes. Um filho de um português, nascido na América, será sempre um americano de segunda, mas pode ser (deveria ser) um português de primeira. E é isso que ninguém parece entender.
Por tudo isto vejo com bons olhos o facto de o PS ter escolhido uma mulher que vive no Brasil desde os 3 anos de idade para liderar a lista de candidatos a deputado pelo circulo de Fora da Europa.
Acredito que ela poderá explicar aos seus pares uma série de coisas que só se compreendem pela vivência.
Acredito que ela conseguirá explicar que a afirmação da cultura portuguesa na Diáspora só é viável no quadro de um diálogo intercultural, que faz parte da nossa própria cultura, da nossa tradição e do nosso destino.
Acredito que ela conseguirá explicar o que são as famílias portuguesas. E que é uma ofensa a política de segregação cultural que o Estado português está a desenvolver relativamente aos cônjuges estrangeiros e aos filhos menores de cidadãos portugueses, impedindo o seu acesso à nacionalidade se não fizerem prova de ter assimilado os usos e costumes de Portugal.
Acredito que, vivendo no Brasil desde os 3 anos, ela consiga explicar o que é a paixão de ser português no estrangeiro.
É nisso que reside o (eventual) sucesso desta candidatura. E por isso lhe desejo o maior sucesso.
Oxalá que não me arrependa, por ter escrito isto.