sexta-feira, julho 29, 2011

O NEGÓCIO DA TAP E OS INTERESSES DE PORTUGAL E DO BRASIL

Foi anunciada a privatização da TAP, tendo o governo estabelecido que o respetivo programa a manterá como «companhia de bandeira», com a manutenção das suas principais operações no aeroporto de Lisboa e com a manutenção do serviço de transporte para as ilhas.
Correm nos media os primeiros valores de avaliação da companhia, que não podem deixar de considerar-se miseráveis, atento o potencial das linhas que a companhia portuguesa tem  de Lisboa e Porto para 10 destinos  brasileiros com 75 voos semanais.
As contas da TAP – cujo acionista único é o Estado português – nunca foram claras nem transparentes. Pura e simplesmente não são conhecidas do público.
Sabe-se que dá prejuízo, que tem administradores com retribuições superiores aos da maiorias das companhias de aviação e que tem alguns voos paradoxais, ou porque não se percebe o que é que os justifica (como é o caso da rota de Bamako) ou porque, pura e simplesmente, não existem, como são alguns voos na Amazónia, que aparecem nos placards dos aeroportos sem que existam aviões da companhia para os realizar.
          Uma coisa é certa: a existência de um cartel entre a a TAP e TAM nos voos entre Portugal e o Brasil prejudica portugueses e brasileiros e afeta as relações comerciais entre os dois países.
         A sensação do passageiro, quando ouve a referência aos voos TAP/TAM e compara as tarifas com as de outras companhias aérea é a de que está a pagar dois bilhetes para comprar uma única passagem.
         É mais barato voar de Lisboa para Nova Iorque e daí para São Paulo ou Rio de Janeiro, com retorno pelo mesmo caminho, do que fazer o percurso de Lisboa para qualquer cidade brasileira. Como é mais barato voar de qualquer cidade europeia para uma cidade do Brasil do que fazê-lo a partir de Lisboa. Há épocas do ano em que o custo de um voo para São Paulo ou Rio, via Frankfurt,  custa metade do preço de um bilhete direto de Lisboa para essas cidades.
           E os aviões andam cheios, porque a procura, em razão do cartel, é maior do que a oferta.
          Este estado de coisas prejudica os interesses de Portugal e do Brasil.
        Ambos os países têm interesse em que Lisboa  possa ser, efetivamente, um hub privilegiado nas ligações da Europa para o Brasil.
         Em primeiro lugar porque,  sendo os voos mais curtos, são os voos mais agradáveis e ambos os países têm  interesse em passageiros felizes.
         No que se refere a Portugal, que é um país em que o turismo tem um peso considerável na economia, é muito mais importante o consumo dos viajantes oriundos do Brasil, que não resistem à tentação de ficar uns dias em Portugal antes de partir para destinos da Europa Central, do que o lucro (que nunca foi expressivo) gerado pelos excesso no preço das passagens.
         Milhões e milhões de euros são gastos pelos turistas brasileiros em outros países, que não em Portugal, porque o cartel impõe preços excessivamente mais elevados dos que os que pagam para o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Espanha.
           O contrário também é verdadeiro: perde o turismo brasileiro, porque os preços das passagens aéreas associados a uma alta dos preços da hotelaria no Brasil anularam a competitividade das linhas que partem de Portugal.
         Todo o mal reside no cartel pelo que, antes de tudo, aproveitando o quadro de excelentes relações entre os dois países, as respetivas autoridades deveriam proibi-lo, restabelecendo a concorrência e obrigando as companhias a usar as licenças de voo que lhes foram concedidas, de forma autónoma e concorrência.
           O melhor que poderia a acontecer a Portugal e ao Brasil seria a venda da TAP a uma companhia do Oriente, que viabilizasse  a construção de um hub centrado em Lisboa, com saída para o sudoeste asiático e para o Brasil.
            A relação estratégica de Portugal com o Brasil está de boa saúde.
         Mas tanto um pais como o outro precisam de melhorar as suas comunicações com o Golfo e com a Índia, não só por razões económicas mas também por razões geo-estratégicas e históricas.
          As mangas, que são, talvez, o mais popular fruto brasileiro vieram da Índia, como a pimenta do reino que se usa nas cozinhas de ambos os países.
       Milhares de portugueses e brasileiros continuam a desenvolver atividades naquela região, sem que tenham um caminho cómodo para os seus percursos.
        Neste ano em que se comemora o 50º aniversário da ocupação de Goa pela República da Índia, passados todos os traumas da descolonização que aí, verdadeiramente começou, em 21 de Dezembro de 1951, seria muito interessante que Portugal e o Brasil se envolvessem no interesse comum de retomar a rota da Índia.
           A privatização da TAP é uma privatização mais política do que económica.
         Seria muito interessante que Portugal e o Brasil se unissem para acabar com o cartel e aproveitarem esta oportunidade – que a ambos interessa – de reabrir a rota da Índia, que é, afinal, uma rota de interesse comum.
          Tony Fernandes, de Malaca, filho de uma portuguesa de Goa, comprou há duas semanas 200 Airbus em Le Bourget.
           Onde está a diplomacia económica?

                Miguel Reis
                28/7/2011

terça-feira, julho 19, 2011

Uma reflexão sobre as câmaras de comércio e indústria

Sempre fui um entusiasta das câmaras de comércio e indústria e, num certo sentido, um propagandista das suas virtualidades.
Frequentador, mais ou menos assíduo, dos eventos promovidos por algumas delas, fiz, ao longo de anos, muitos amigos em congressos e conferências da iniciativa de câmaras de comércio e indústria e tive a oportunidade de acompanhar alguns negócios proporcionados pelo encontro de pessoas em tais ocasiões.
O principal potencial das câmaras é esse mesmo: o de difundir oportunidades de negócio e o de criar condições para que, por via do encontro de pessoas, os negócios se desenvolvam, desde a simples ideia até à concretização.
Desde muito cedo me apercebi de algumas perversões; e casos houve em que aconselhei pessoas que se tinham conhecido em encontros das câmaras e que tinham iniciado negócios efetivos, a guardas segredo sobre os mesmos, para evitar o risco de eles serem perturbados.
É que, mais do que fomentar negócios, os dirigentes das câmaras assumem, não raras vezes, a vontade de serem eles próprios sujeitos de concretos protagonismos, no quadro dos mesmos.
Tenho para mim como elementar que os dirigentes das câmaras de comércio e indústria não deveriam aceitar participar em de negócios concretos por elas propiciados sem, no mínimo, informarem os sócios do mesmo ramo de que algum empresário ou alguma empresa procura um parceiro ou um fornecedor de bens ou serviços com determinadas características e sem informar esse alguém do leque de opções de escolha que se lhe oferecem entre os sócios da câmara.
E isso porque a livre concorrência é um elemento essencial do escopo destas instituições, que definham e se tornam até nocivas, quando os seus dirigentes cuidam dos seus próprios interesses, ao invés de proteger esse valor, em benefício de todos.
É urgente iniciar e desenvolver um debate sobre a ética nas câmaras e atalhar caminhos, sob pena de muitas delas acabarem por morrer, após um definhamento, mais do que evidente nos últimos anos.
Há câmaras de comércio e indústria bilaterais que têm menos de 100 associados e só sobrevivem de balões de oxigénio facultados pelas entidades públicas.Isto só acontece porque o valor acrescentado pela participação nas câmaras de comércio se vem degradando, ao ponto de levar os empresários à conclusão de que não vale a pena nem faz sentido pagar a respetiva quota por mera intenção de benemerência.
Uma câmara de comércio não tem a mesma natureza que uma associação de bombeiros voluntários.
Ou é uma entidade pragmática e limpa nos seus usos, que promove iniciativas que possam produzir algum resultado no plano do desenvolvimento dos negócios, ou não vale a pena pertencer-lhe.
As câmaras de comércio e indústria não podem nem devem ser meras correias de transmissão dos interesses pessoais dos seus dirigentes. É absolutamente essencial assumir como valor primeiro do seu funcionamento que as propostas de negócio entradas nas suas secretarias sejam difundidas ao menos no círculo dos respetivos sócios, em vez de serem endereçadas às empresas dos dirigentes, como se eles fossem os donos da câmara e gozassem, por isso, desse especialíssimo privilégio.
As câmaras de comércio e indústria não podem nem devem ser organizações mais ou menos mafiosas que, arvorando, embora, a bandeira da defesa da concorrência, a matem logo nas secretarias por via da exclusão dos interesses dos próprios associados, em que essas práticas comuns redundam.
Num momento especialmente difícil para a vida das empresas, como é o momento atual, as câmaras de comércio e indústria podem ter um papel relevantíssimo se assumirem as suas funções com lisura e com ética.
Mas teremos que as encarar como perniciosas se persistirem nestes e noutros vícios.
O valor acumulado das quotas que muitas empresas pagam para pertencer a um conjunto de câmaras pode ser bem mais útil investido em várias alternativas que a sociedade nos oferece.
É uma ponderação que estamos a fazer, caso a caso.

segunda-feira, julho 04, 2011

Escreve o mu distinto Colega, Dr. Abel Dias Ferreira:

«Acabei de chegar de um evento cultural na Coriscada, lá nos fundos do concelho da Meda.
Emocionei-me ao ver e ouvir os ranchos folclóricos, expressão ainda viva da variegada cultura portuguesa.
O que vi e ouvi é, há muito que o sinto, o derradeiro suspiro de um interior quase completamente deserto; de um Portugal que termina.
Longe vão os tempos dos dizeres de Pedro Homem de Mello que retratavam um país pobre, mas rico na sua identidade cultural de tão arreigadas tradições, fervilhando de gente boa e inteligente entregue, a maioria das vezes, a maus governantes.
Um país que esquece o interior, onde nasceram os grandes navegadores, fenece antes de chegar ao mar.
A União Europeia, tal como a conhecemos, vai acabar. Um monstro burocrático, obeso, que se abaterá sob o seu próprio peso. Escrevi o que vai dito há muito e nem sou vidente.
A Europa caminha a passos largos para a deflagração bélica. É quase uma sina milenar. Sempre nos entretivemos com guerras fundadas em múltiplos rastilhos que detonam os barris de pólvora predispostos sem ninguém se aperceber.
Portugal tem uma solução: voltar ao mar. Abraçar o Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Timor. Com humildade para não perder a sua glória, que é muita.
Nós, na minha opinião, antes de sermos europeus, somos do mar.
Belmonte, aqui ao lado (vivo, ainda, na Serra da Estrela), viu nascer Pedro Álvares Cabral. Que pena, no Brasil de hoje, Belmonte ser uma cidade pequenina quase escondida nos recônditos do Estado da Bahia.
Na Coriscada, levaram-me a visitar o lar de idosos. A única “empresa” com sucesso. Abracei a Senhora Dona Maria. Noventa e três anos! Ao abraçá-la despedi-me, de vez, de Portugal.
Ela disse-me numa voz ainda jovial:
_ Muito obrigada!
Como as minhas lágrimas não deviam ser vertidas ali, verto-as agora com o sal que do mar se reclama.»

Não posso estar maisn de acordo.