Muito
se tem falado, nos últimos tempos, na figuras das presenças consulares como uma forma de, a um tempo, permitir ao
Estado a poupança de recursos e, de outro lado manter um nível mínimo de
serviços aos emigrantes portugueses.
Estabelece o artº 2º do Regulamento
Consular aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2009, de 31 de Março, que «os
postos e as secções consulares podem, sempre que se justifique e mediante
autorização do Ministro dos Negócios Estrangeiros, instituir presenças
consulares.»
A primeira conclusão a que esta
leitura nos obriga é a de que a iniciativa para as «presenças consulares»
compete aos titulares desses tipos de postos de carreira, carecendo de
autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Não pode haver «presenças
consulares» forçadas, exigindo a lei que elas seja instituídas, por
iniciativa dos postos consulares ou das secções consulares, sempre que se
justifique.
Lendo o Regulamento Consular e a
Convenção de Viena sobre Relações
Consulares, aprovada por adesão pelo Decreto-Lei n.º 183/72, de 30 de
Maio, não nos quedam quaisquer dúvidas de que as «presenças consulares» só
podem se adotadas em quadros de emergência e pelos titulares dos postos de carreira, no quadro
da sua própria jurisdição e com os limites impostos pela convenção e,
naturalmente, pela lei.
As funções consulares são exercidas,
nos termos do artº 3º da Convenção, «por postos consulares» ou por «missões
diplomáticas», sendo o seu conteúdo definido pelo artº 5º da mesma.
Um posto
consular não pode ser estabelecido no território do Estado recetor sem seu
consentimento, devendo a sede, a sua classe e a área da sua jurisdição ser
fixadas pelo Estado representado e
submetidas a aprovação do Estado recetor.
Nos termos do artº 4º «o Estado que envia não poderá modificar
posteriormente a sede do posto consular, a sua classe ou a sua área de
jurisdição consular sem o consentimento do Estado recetor.» E diz, expressamente o nº 4 desse artigo:
«O consentimento do Estado receptor será também necessário se um
consulado-geral ou um consulado desejarem abrir um vice-consulado ou uma
agência consular numa localidade diferente daquela onde se situa o próprio
posto consular.»
O artº 6º do Regulamento Consular
português estabelece que «as presenças consulares são realizadas dentro da
área de jurisdição do posto consular que as institui e visam assegurar o apoio
consular a determinada comunidade que dele objetivamente careça, através da
deslocação periódica de um ou vários funcionários consulares a determinado
local previamente estabelecido.»
Chegados aqui, importa questionar o
que deve entender-se por «apoio consular» e que apoio consular pode ser
integrado no quadro de carência que permite ao responsável do posto pedir
autorização para o estabelecimento de uma «presença consular».
Não temos quais dúvidas de que
se integram nesse quadro todas as situações que justifiquem o apoio aos
portugueses em casos de tragédia ou de cataclismo.
O apoio consular
justificativo de presenças consulares pode justificar-se para os quadros previsto
no Regulamento para a ajuda aos portugueses residentes no estrangeiro,
nomeadamente para (citamos o artº 40º e seguintes do Regulamento):
a) Prestação de apoio a portugueses em
dificuldade, como nos casos de prisão ou de detenção;
b) Prestação
de assistência no caso de sinistro, equivalente ao apoio recebido em Portugal,
procurando assegurar a assistência médica necessária e tomando as demais
providências adequadas à situação;
c) Prestação
de socorros no caso de catástrofe natural ou de graves perturbações de ordem
civil, adotando as medidas apropriadas aos acontecimentos, como a evacuação de
cidadãos portugueses, sempre que tal se justifique;
d) Salvaguarda
de menores e de outros incapazes que se encontrem desprotegidos e se mostrem em
perigo, intervindo na tomada de providências cautelares e na organização da
tutela e da curatela;
e) Prestação
de apoio, quando necessário, aos familiares de portugueses falecidos no
estrangeiro, acompanhando-os nas diligências a realizar, acautelando os
interesses dos presumíveis herdeiros e assegurando as diligências adequadas à
transferência de espólios;
f)
Acompanhamento dos processos de repatriação de portugueses no estrangeiro, em
particular nos casos de expulsão, de forma a prestar o aconselhamento
necessário e a garantir a defesa dos direitos dos cidadãos nacionais;
g) Emissão de
documentos de identificação e de viagem;
h) Apoio
social, jurídico ou administrativo possível e adequado, de modo a garantir a
defesa e a proteção dos direitos dos portugueses;
i) Assistência
a idosos, reformados, desempregados e outros desprotegidos;
j) Diligências
para localização de portugueses desaparecidos no estrangeiro;
l) Assistência
à navegação marítima e à aeronáutica civil. »
Nem sequer para a assistência a
presos no estrangeiro se considera admissível o estabelecimento de presenças
consulares, a não se que houvesse muitos criminosos.
O exercício de funções consulares é regulado pela Convenção de
Viena, que impões aos Estados hospedeiros especiais obrigações no que se refere
à segurança e à proteção dos agentes e dos funcionários consulares.
Tal proteção está associada a um posto concreto, com um preciso
endereço físico, que o Estado que envia o representante não só não pode alterar como a quem não pode
atribuir outra jurisdição sem o consentimento do Estado recetor.
Óbvia e inequívoca é a conclusão de que as «presenças
consulares» sem prejuízo das imunidades pessoais dos funcionários, não
gozam de qualquer imunidade ou proteção, nomeadamente no que se refere a instalações.
Um outro problema, que não é subestimável, é o problema
tributário.
Sendo indiscutível que os postos consulares podem cobrar taxas e
emolumentos nas instalações consulares acreditadas, parece-nos não haver
dúvidas de que não o podem fazer fora delas, sem se sujeitarem aos regimes
tributários locais, na base do pressuposto de que a prestação de serviços
sujeitos a taxas ou emolumentos tem que processar-se nas instalações
acreditadas.
Não temos quaisquer dúvidas de que as comunicações de dados
processadas através das instalações consulares não só são lícitas como são
protegidas. Mas o mesmo já não ocorre no que se refere às comunicações de dados
processadas fora das instalações consulares, sobretudo se envolverem
transmissão de dados pessoais de cidadãos do país hospedeiro para país
estrangeiro, mesmo que esse tenha um
posto consular acreditado.
Os países acreditados gozam de um conjunto de proteções no que se refere aos
postos consulares e diplomáticos acreditados em terceiros Estados. Mas perdem
essas proteções – e podem até os seus agentes incorrer em crimes – se realizarem
actos da mesma natureza fora da repartição consular.
Embora tenha deixado de ter validade plena a velha conceção
segundo a qual o território de um consulado ou de um embaixada é e deve ser tratado como território do país
acreditado, continua válida a regra de que os agentes de um país estrangeiro
não podem ultrapassar os limites impostos por tal conceção, não gozando, de
modo algum, de liberdade plena no território do país hospedeiro. Só para dar um
exemplo: um chefe de posto consular pode lavrar um testamento dentro do
consulado; mas não pode fazê-lo fora do consulado, pois não está autorizado a
praticar atos notariais no território do país recetor.
Afigura-se, desde logo, de legalidade mais do que duvidosa a
possibilidade de se estabelecerem presenças consulares para a recolha de dados
para emissão de cartões de cidadão ou de passaportes foram dos postos consulares.
Não temos dúvidas de que nalguns países o uso de equipamentos
adequados à transmissão de dados pessoais é absolutamente ilegal, desde que os
mesmos sejam processados foram das repartições consulares. Relevam nesse grupo
os países que proíbem a dupla nacionalidade ou que, aliás à semelhança de
Portugal, afirmem o princípio da prevalência da qualidade do nacional por relação
ao país, não relevando as relações com outros Estados.
Mas nem sequer é aí que e encontra o ponto mais fraco do problema
das presenças consulares, tal como ele vem sendo equacionado.
Como se sabe, prestam-se nos consulados serviços de registo
civil. A competência para a prática de atos de registo civil, que por regra
compete aos conservadores de registo civil em Portugal, é exclusiva dos
titulares dos postos consulares, ou seja
dos cônsules gerais, dos cônsules e dos
chefes das repartições consulares e dos cônsules-adjuntos
por eles designados.
É certo que na reforma de 2009 foram introduzidas no Regulamento
Consular duas regras que permitem ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e aos
próprios cônsules nomear funcionários a quem sejam atribuídas competências na
área do registo civil, com exceção do casamento.
Parece-nos óbvio que o Ministro só pode nomear para o exercício
de tais competências funcionários que tenham capacidade técnica para as
desenvolver. Não conhecemos até agora nenhuma despacho exercendo essa
competência.
As funções de registo civil são daquelas que cabem no núcleo
essencial da representação consular, até porque podem suscitar uma complexa
conflitualidade, nas mais variadas áreas.
Parece-nos, em síntese, que as «presenças consulares», a
respeitar-se o espírito e a letra do Regulamento Consular, só poderão ser
estabelecidas por iniciativa dos titulares dos postos e que são de duvidosa
legalidade se implicarem a prática de atos notariais ou de registo civil fora
do posto consular.
A nosso ver – e é nesse sentido toda a doutrina – a função de «agir na qualidade de
notário e de conservador do registo civil e exercer funções similares, assim
como certas funções de carácter administrativo, desde que não contrariem as
leis e os regulamentos do Estado recetor» a que se refere o artº 5º, al. i)
da Convenção de Viena é uma função inerente ao posto, nessa perspetiva de
repartição do Estado emissor, que não pode desenvolver-se numa espécie de offshore,
em concorrência, no mesmo mercado, com o Estado recetor.
Daí que me pareça que a grande utilidade das presenças
consulares é de natureza social e informativa e que a mesma se deve desenvolver
em cooperação com a sociedade civil.
Ultrapassar essas barreiras será abrir portas, pela certa,
a conflitos indesejáveis.
Ou alguém tem dúvidas de que as maquinazinhas de recolha de
dados biométricos poderão ser apreendidas, se forem usadas fora dos consulados,
nos países em que tais dados são especialmente protegidos?