Jardim Gonçalves “Eu estou assustado e não foi para isto que
aconteceu o 25 de Abril”
Por Isabel Tavares
A capitalização
dos bancos pelo Estado é um erro. Vai acabar tudo nacionalizado e vendido a
preços de saldo a estrangeiros
Engenheiro civil de formação, Jorge Jardim
Gonçalves exerceu esta profissão ao longo de dez anos, mas foi ao sector
financeiro que dedicou quatro décadas de vida. Fez do BCP – onde esteve 20 anos
–, o maior banco privado português. Privou com governantes e dirigentes do país
e tem histórias até com Salazar. Diz que se deu bem com todos. Mais
recentemente a regra foi quebrada pelo comportamento “atípico” do ex-governador
do Banco de Portugal e do presidente da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM). Hoje é o rosto principal de um dos processos mais
mediáticos que alguma vez envolveu um banco nacional – e também o mais caro,
com a acusação a pedir uma indemnização total de cinco milhões de euros –,
acusado de prestar falsas informações e de manipulação de mercado. Sobre este
assunto não falámos, por estar em segredo de justiça. Mas falámos de como
Portugal caminha para a pobreza.
A Grécia sai do euro?
Apetece-me mais falar na entrada do que na
saída, porque entendo que o colectivo que foi responsável pela entrada da
Grécia na União Europeia, e depois na União Monetária, não está a ter com a
Grécia a atenção que esta – ou qualquer membro –, merece em altura de
dificuldade.
Que atitude é essa?
A Europa está numa atitude de conflito, de
exigência, desde o primeiro momento. Tratou de exibir, de mediatizar, as
fragilidades da Grécia, em vez de tomar medidas integradoras que resolvessem,
num prazo adequado, os problemas do país, quando, resolver isso, significava
uma percentagem bastante pequena do produto global da União Europeia e assim
não seria o problema europeu que hoje é.
E agora, ainda há solução?
Não estou a fazer um convite à desordem, estou a
fazer um apelo à solidariedade, quando determinada parcela que já é Europa
devia ter tido e não teve. A solução não é a Grécia sair, não é ficar de uma
maneira distorcida, mas ficar de pleno direito e porque a Europa resolveu bem
essa parcela do espaço comunitário europeu.
Ainda acredita na União Europeia?
Foi uma opção para mim, enquanto presidente do
BCP, que o banco fosse europeu e isso ficou escrito, ficou dito. O BCP tem um
mercado de mais de 70 milhões de europeus. Esta ideia é importante porque
traduz a minha preocupação e o meu respeito pelos passos que se deram para que
a Europa se constituísse.
Mas…
Ao lado disto tenho uma experiência com a Europa
numa perspectiva de Banco Português do Atlântico e BCP, através do IIEBS –
Institute Internationale Européenne Bancaires, que reunia entre os 35 e 45
presidentes de bancos europeus mais relevantes. Aí tive plena consciência de
como é difícil poder falar numa linguagem genérica europeia porque, realmente,
somos muito diferentes. Não pode ser um gesto voluntarista a mudar a História
ou a cultura destes povos, que em si mesmos contêm diferenças. A Espanha e a Itália
são dois países com muitas divisões, como a Bélgica e outros.
Mas vamos entender-nos?
Não se pode pensar numa Grécia a ter de dialogar
com uma Alemanha de qualquer modo. E a Europa só faz sentido se estiver
permanentemente, diariamente, minuto a minuto, presente que assenta sobre
grandes diferenças. Tenho dúvidas que as pessoas que hoje lideram os diferentes
países, e que têm obrigação de ter em atenção a construção da Europa, que não
está feita, tenham esse conhecimento, essa cultura, essa informação e,
sobretudo, a disponibilidade para.
É um problema de liderança?
A liderança implica êxito e vencer dificuldades,
mas fundamental é conhecer bem as diferenças para poder gerir de maneira
diferente isso mesmo. Se se quiser tratar os europeus todos de igual modo, não
se consegue, não há líder possível.
Mas foi por isso que se evitaram os referendos...
Para não dar tempo que o europeus simples, com
passaporte, reflectissem sobre todas as consequências dos passos que o seu
governo, democraticamente eleito mas não para esse fim, estava a dar.
Não se fazem perguntas quando não se quer ouvir
a resposta...
Que é um grande trunfo. O ex-primeiro--ministro
grego ficou pobre quando esse activo lhe foi retirado. Queria um refendo e não
o deixaram fazê-lo.
E se a Grécia sair…
Tudo deve ser feito para que a Grécia não saia.
É a minha posição egoísta de europeu.
Que consequências traria para Portugal?
Eu não me coloco como português, falo das
consequências para a Europa. Se sai a Grécia, a seguir sai não sei quem… Não! A
Europa não resolveu um problema que eu diria menor que podia ter resolvido. E
um problema perfeitamente previsível. Eu nunca gostei da expressão, mais ou
menos pintada, de nós não somos gregos. Porque é um erro. Nós somos europeus e,
por isso, o problema dos gregos é também meu.
Publicámos que a saída da Grécia ia custar 3 mil
euros a cada europeu…
Mas o problema da Europa não se pode reduzir ao
problema da economia e do euro.
Mas estamos algemados a ele...
Mas esse é um erro. Como em Portugal não se pode
reduzir o tema a números. São importantes? Claro, mas ser europeu é muito mais
do que ser cumpridor de determinados rácios que estão a ser impostos – ou até
negociados livremente.
Então o que fazer?
A dificuldade do projecto é essa, resolver o
problema macro a nível europeu sem desprezar todas as regras mínimas de cada
território.
Que regras têm sido desprezadas?
Uma manifestação disso foi agora, em Espanha. O
governo espanhol errou quando quis avaliar as necessidades das instituições
financeiras e em vez de pedir ao Banco de Espanha para o fazer nomeou auditores
internacionais. Da mesma maneira que considero o erro do século, ou do milénio,
se quiser, que a dívida grega tenha tido um haircut. Isto nunca devia ter
acontecido, muito menos dentro de uma Europa.
Porquê?
Nunca se pode admitir que uma dívida soberana
não seja paga. Porventura pode--se imaginar que seja paga com determinados
prazos, de maneira diferente, agora haver uma redução da dívida soberana é
lançar uma dúvida sobre a soberania de todas as dívidas do primeiro mundo. Um
erro grave que as instituições financeiras europeias e as internacionais
quiseram cometer.
Mas abria-se um precedente, e depois vinha
Portugal, Espanha, Itália...
Mas porque é que haveriam de vir? É que não
viriam. Não se lançava a dúvida porque se cobria a diferença. É a história do
anúncio de que o sistema financeiro português vai precisar de ser capitalizado.
Passou a necessitar de ser capitalizado, porque a partir desse momento, os
shortsellers trataram de esvaziar de tal maneira o valor da capitalização
bolsista dessas instituições que foi o que aconteceu.
Lançou-se a dúvida e agora não se pode voltar
atrás.
Pode-se rectificar. O lançamento da dúvida foi
perverso, está lançado, é preciso rectificar. Há determinadas coisas que eu não
percebo porque não se questionam… É tudo muito mediático e depois ninguém quer
perder a face.
Que interrogações são essas?
Gostava que me explicassem, e já fiz a pergunta,
a razão de ser dos rácios de capital que estão a ser impostos à banca. Porquê
10% para o Core Tier I no fim de 2012? Porque não 12% ou 7%?
Teve resposta?
Ninguém me sabe dizer. O que eu sei pela
experiência acumulada é que a saúde do sistema financeiro não tem que ver com o
volume do capital dos accionistas. O que garante a saúde de uma instituição
financeira é a qualidade dos activos, a quem se emprestou, com que recursos e
qual o retorno. O capital dos accionistas é aquele que vou utilizar para
desenvolver o projecto, dar-lhe dimensão, infra- -estruturas, capacidade, rede.
Quando se pede, em momentos de crise, que os accionistas ponham mais dinheiro
numa instituição está-se a cometer um erro.
O governo está a cometer um erro?
Todos os governos estão a aceitar uma
determinação de algo que não existia, que é a EBA - European Banking Authority,
que nunca vi em nenhum tratado. E estão a aceitá-lo sem questionar. Há poucos
anos o Core Tier I médio era pouco mais de 2% e mais recentemente 4%. Porque é
que agora, em momento de crise, se exige 10% quando se sabe de antemão que os
accionistas não têm capacidade para acompanhar? Nem têm interesse.
E quais são as consequências?
Não indo esses accionistas de referência, o
mundo de investidores não olha para esse mercado como um mercado atractivo para
fazer investimentos. Portanto, estamos aqui num ciclo perverso, vicioso, não
virtuoso, de destruição de valor. Iremos capitalizar os bancos com falso
capital, porque é dívida do Estado outra vez. O Estado vai entrar nos bancos
para os capitalizar, mas é com dinheiro que acumulou com a cobrança de
impostos, com dinheiro legítimo que tem amealhado, que está nos cofres do Estado?
Não! O Estado vai buscar fundos emprestados e a única garantia que dá é que se
os bancos não pagarem esse capital o transforma em acções. Quando se sabe de
antemão que os bancos não vão gerar resultados, nem vão criar condições para
virem investidores do exterior substituir esse empréstimo.
Está a cometer-se um erro?
Houve aqui um erro quer vem de 2007: os Estados
intervieram na crise financeira. Os Estados quando intervêm na crise financeira
empobrecem. Mais, porque se estabelece um clima de desconfiança dentro das
instituições financeiras, o Estado também tem dificuldade de acesso à liquidez
e a certa altura emite dívida, que criou o problema da dívida soberana. Os
bancos foram acudir aos Estados comprando essa dívida. E neste momento,
descapitalizados que estão, vão ser capitalizados por nova dívida do Estado.
Não é a melhor solução.
Qual seria a melhor solução?
A melhor solução era dar tempo, exigir capitais
mínimos, mas mínimos mesmo, criar toda uma supervisão e todas as melhores
condições para regular o sistema financeiro, deixando-o crescer em recursos e
ganhar resultados.
Não era o que estava a ser feito até aqui? Agora
chegou a ditadura...
Não, chegou o tecnocrático. É o técnico a
prevalecer sobre a prudência de uma gestão.
E estava a haver essa prudência?
Mas o técnico não pode sobrepor-se a isto sem a
experiência da gestão. E neste momento falta-nos a experiência de toda uma
carreira política que pressupõe uma ciência de governação das pessoas e dos
seus povos e falta-nos um limite à capacidade interventiva dos técnicos, no
sentido de dizer: os senhores ficam aí, dão a sua opinião, mas nós, com a nossa
capacidade e sabedoria de governar povos, vamos dizer o quê! O que acontece é
que os técnicos fazem a sua carreira do exterior para o interior, do interior
para o exterior, dos seus países para as grandes instituições internacionais,
estão a ficar de certo modo embriagados pela sua própria carreira pessoal,
estão condicionados pelos seus próprios futuros…
Quer dizer nomes?
Estou a falar globalmente, porque, infelizmente,
o problema não tem a dimensão portuguesa, tem, pelo menos, a dimensão europeia.
Hoje as pessoas não estão a olhar para os interesses que, de facto, devem
defender e estão com piscar de olhos a determinadas instituições porque, depois
de, o que é que vou fazer? Primeiro-ministro?! Não me chega! É a Comissão
Europeia? É a ONU? É o Fundo Monetário Internacional?
Pode concretizar o que diz?
Dou um exemplo que acho interessante. Há uma
grande empresa – que não vou dizer qual é –, francesa, cotada, global, cujo
principal executivo tem um escritório em Bruxelas. E tudo o que ele tem de
tratar em relação ao mundo dessa mesma empresa é sempre a partir de Bruxelas. O
cartão de visita, os emails, etc., é Bruxelas. Ele está lá para dizer eu sou
europeu, eu cumpro as regras, eu sou um de vós. Não ponham a gerir a companhia
um vosso, porque eu sou um vosso. E isto eu entendo, o contrário é que não, que
é Bruxelas querer pôr nos mais diferentes países a sua gente, porque é essa sua
gente que continuará a desenvolver carreira, vai fazer uma comissão de governo
em qualquer parte e um dia voltará à minha cadeia.
Como é que se contraria isso? Porque, como dizia
alguém, pusemo-nos a jeito...
Eu tive um parceiro estrangeiro que a dada
altura estava a querer meter-se um bocadinho na política comercial do Banco
Comercial Português. E eu disse-lhe: deves ficar mais longe. O que quiseres
saber do banco podes saber, mas não com esse detalhe, porque tu não sabes
distinguir o mundo interior do empresário Fernando Guedes do do empresário
Américo Amorim, ou o do empresário Ludgero Marques do do empresário António
Gonçalves ou o de um José de Mello do de um Jorge de Mello. E um estrangeiro
ter este fine tuning em relação a estes empresários é impossível. E este é o
problema entre o banco central de Espanha e os auditores externos: gente que
não governa e não faz esta distinção entre o mundo interior destes diferentes
empresários.
Não se está a ter em conta a unicidade?
O que está a acontecer é que ao estabelecer
determinadas regras cegas, a gestão prudencial de determinadas instituições não
é feita. Os bancos centrais e as troikas e as regras nesta altura não vão saber
distinguir a tolerância de uma instituição, de um determinado risco, porque
esse risco tem determinada gestão por trás. Só olham a números.
Volto a perguntar: podíamos continuar nesta
situação indefinidamente?
Não, tinha de ter havido regulação, supervisão.
Houve vazios de controlo. Mas então, coloquem-se os mecanismos de controlo, não
se desfaça o bom património que existe. Substituam-se as pessoas.
Está-se a diminuir o poder das instituições
nacionais?
Bastaria então aplicar bem o que já existe?
A tudo, em vez de estar a condicionar e a
intervir de maneira brutal e cega em patrimónios que são bons e de grande
qualidade.
E o que acha que vai acontecer com a intervenção
do Estado?
Se a intervenção tiver lugar vai acontecer uma
nacionalização inevitável. E uma nacionalização à custa de países pobres. E
esses países pobres vão vender tudo o que vão nacionalizar.
A quem?
A quem, efectivamente, tiver dinheiro. Portanto,
o país é vendido.
Não agora?
Se calhar os sintomas de fragilização vão ser
rapidamente visíveis e pode ser no fim do período ou a meio do período
estabelecido pelo governo. Repare que esta entrada do Estado nos bancos não é
uma entrada de capital. Entre isto e emprestar dinheiro ao senhor XKO para
comprar acções, do BCP ou outra coisa qualquer, que implica sempre um risco de
cinco ou seis anos, é a mesma coisa! É errado.
Mas o erro vai acontecer…
Estou a dar a entrevista com o objectivo de
alertar. Eu estou assustado e não foi para isto que aconteceu nem o 25 de
Abril, nem, depois, a lei de 84, que permitia a abertura ao sector privado de
determinados sectores da actividade económica. Não foi para isto. E ninguém tem
coragem de dizer que estão a nacionalizar.
Porque é que acha que esta geração que está no
governo e…
Não vou falar na geração que está no governo.
Vou falar na geração que está nas mais diferentes instituições europeias.
Pergunto de outra forma: o governo não tem
autonomia?
Vou ser um bocadinho mais concreto do que
desejava. Neste momento, a governação tem um toque interventivo técnico em
excesso, ponderando aquilo que efectivamente devia ter em termos políticos.
Criou-se uma dinâmica da qual resultou uma rede e determinadas pessoas ganham
estatuto para poder determinar quem é quem para desenvolver determinadas
tarefas. Já não é o primeiro-ministro eleito que com toda a liberdade escolhe,
mas são estas condicionantes. E isto não é o melhor.
Acredita que se não fosse pela equipa de
tecnocratas, Portugal se teria debruçado sobre os seus problemas e tentado
resolvê-los?
Porque é que não havíamos de olhar?
Talvez porque não o fizemos até hoje?
Porque nunca tivemos interesse. O problema é as
instituições funcionarem numa perspectiva plenamente democrática, com total
transparência e com liberdade de ganhar ou perder. E na nossa curta democracia
tivemos exemplos de governantes que souberam que com determinadas medidas iam
perder as eleições e apesar disso tomaram-nas.
Por exemplo?
O Bloco Central. Eu não queria entrar numa
análise de quem está a governar... O que penso é que o diagnóstico tem de ser
muito bem feito e procurar soluções que não façam, por exemplo, acumular
desemprego com dúvidas sobre pensões. É temerário juntar uma crise de emprego
com uma dúvida sobre tudo o que se passa a nível da Segurança Social. O que é
importante é que não se abandonem as decisões possíveis.
Como fazer crescer a economia?
Os bancos portugueses não tiveram os problemas
dos produtos tóxicos como os bancos da Irlanda ou o problema da bolha
imobiliária. O sistema português era sólido. O problema foi a dívida soberana
portuguesa. Agora as imparidades que saltam de todos os lados pelo não
crescimento da economia, que leva à falência das empresas, ao desemprego. Um
desempregado não tem IRS, uma empresa que fecha não paga IRC, uma Cimpor que se
vende vai deixar de pagar IRC ao Estado português.
Não é a favor da venda da Cimpor?
Não sou a favor de nenhuma venda. Toda a vida
estive numa atitude de termos posições relevantes pelo menos no espaço europeu
para a partir daí podermos ser relevantes noutras partes do mundo mas sempre
decidindo a partir de Portugal. Era previsível o que aconteceu a um BPI, a uma
Cimpor, daqui a dias a uma Galp, depois a uma PT. Mas a verdade é que aqui
Portugal perde protagonismo, e não vejo as pessoas a dormirem mal com isso. Mas
deviam.
É contra a entrada de estrangeiros?
Portugal necessita de todos os investidores que
cumpram todas regras e nunca estejam a gerar conflitos de interesse. Mas a
partir de certa hierarquia nestas empresas, infelizmente, não seremos nós a
intervir. E isso é uma pobreza.
Como vê Durão Barroso à frente da Comissão
Europeia?
Tenho pena que Portugal não tenha um comissário
na Europa.
Antes não tivéssemos a presidência?
Sempre disse isso. Portugal não pode ser
beneficiado com isso. Vejamos: o presidente da Comissão Europeia pode
beneficiar Portugal? Não pode. Não é o benefício viciado que queremos, é a
defesa. Eu senti isso no ano 2000 quando houve o problema Santander, Champalimaud,
Guterres primeiro-ministro, presidência europeia em Portugal, e senti o que era
a força espanhola nos corredores e ausência de força portuguesa.
E isso não é uma questão de dimensão?
Não, é uma questão de presença e corredores,
ninguém ignora que isso existe.
Jornal I 2012-05-21