I
De
um ponto de vista jurídico, a Constituição da República Portuguesa distingue os
cidadãos portugueses dos estrangeiros, sem fazer qualquer menção
a essa nova espécie, que os políticos apelidaram e luso-descendentes, na base de uma construção racial, muito
semelhante à do arianismo nazi ou do racismo assumido (maxime por via do Dia da Raça) pelo fascismo português.
Dispõe a constituição portuguesa de
1976 que “são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam
considerados pela lei ou por convenção internacional” (artº 4º).
“Os cidadãos portugueses que se
encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o
exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência do país” (artº 14º).
“Os estrangeiros
e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e
estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, com exceção dos direitos
políticos, do exercício das funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico e dos direitos e deveres reservados pela Constituição
e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
A expressão luso-descendente não existe, uma vez que seja, na Constituição da República Portuguesa.
A expressão luso-descendente não existe, uma vez que seja, na Constituição da República Portuguesa.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece, no
seu artº 15º, que todo
o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
O artº 2º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade define nacionalidade estabelecendo que o conceito “designa o vínculo jurídico entre um
indivíduo e um Estado, não indicando, contudo, a origem étnica desse
indivíduo.”
A Lei n.º 66-A/2007, de 11 de
dezembro, que define as competências,
modo de organização e funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas, é
inequivoca no sentido de que só são eleitores e elegíveis para essa conselho os
nacionais portugueses, matriculados como tal nos consulados de Portugal.
São muito reduzidas as referências aos
luso-descendentes na nossa literatura normativa, surgindo algumas referências
na sucessivas Opções do Plano, para o identificar com os estrangeiros que têm
portugueses como ascendentes.
O Regulamento Consular de 1997 faz-lhes
uma concreta referência ao estabelecer que constitui atribuição dos consulados
“a incentivação à participação dos luso-descendentes na cultura portuguesa.”
Apesar de, os reconhecer, expressa e
implicitamente como estrangeiros, Portugal parece manter, relativamente aos
luso-descendentes uma vocação colonial, não escondendo a sua pretensão de que
participem na cultura portuguesa, para o que devem ser incentivados pelos
funcionários consulares.
Os luso-descendentes são,
inequivocamente, tratados como não portugueses (ou seja estrangeiros). Todavia,
embora, aparentemente, sejam alvo de uma
discriminação positiva, eles acabam por ser tratados como estrangeiros de
segunda, que se pretendem vulneráveis a uma espécie de colonização cultural à
outrance.
Devem, por isso, proceder os consulados
à referida “incentivação”, nomeadamente porque (embora sejam estrangeiros) podem
eles ser usados pelos interesses portugueses como instrumentos do lobbying económico.
Esta contrução envolve uma conceção
retrógrada da nacionalidade, das qualidades do status de nacional et pour
cause também do estatuto de estrangeiro.
A nacionalidade
é “o vínculo jurídico entre um
indivíduo e um Estado, não indicando, contudo, a origem étnica desse
indivíduo”, como se encontra definido na já citada Convenção Europeia sobre a
Nacionalidade, de que Portugal é parte.
Importa questionar, desde logo, até que
ponto é admissível a invocação da origem ética, em termos tão disctiminatórios
como ela se perfila no conceito de luso-descente,
que é um conceito assente na origem étnica, como é o de ariano no cenário do nazismo, sem prejuizo de o mesmo não nos surgir
como ligado à nacionalidade, mas, ao contrário, à omissão da nacionalidade
portuguesa ou – mais grave do que isso – à descaraterização da nacionalidade
estrangeira.
O conceito de luso-descendente não tem
nenhum utilidade para os portugueses nascidos
no estrangeiro, sejam eles nacionais originários (porque filhos de
portugueses de origem), tenham adquirido a nacionalidade de forma derivada, por efeito da vontade (por
serem filhos menores de quem adquiriu a nacionalidade portuguesa, por casamento
ou por adoção) ou por naturalização.
Esses são tão portugueses como os
nascidos e residentes em Portugal.
Tal conceito só tem utilidade para a
descaraterização da qualidade de estrangeiros dos que, sendo estrangeiros mas
descendentes de portugueses, não querem ser portugueses mas pretendem, de forma
oportunística, beneficiar de um estatuto que deriva, exclusivamente, da sua
origem étnica.
É claro e inequivoco que todo o
indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade, como proclama a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, no seu artº 15º.
Até pode ter mais do que uma nacionalidade, se isso for
admitido pelas leis dos Estados de que é nacional.
O que se nos afigura inaceitável é que um Estado mine a
confiança que os outros Estados têm nos seus nacionais, sem consideração da
respetiva origem étnica, por via de uma descaraterização de base base racial,
como é essa em que assenta o conceito de luso-descendente.
Lembra-nos tudo isto um velho ditado, de origem lusitana,
que diz que Roma não paga a traidores... É,
provavelvente, a primeira história de luso-descendentes.