domingo, dezembro 16, 2012

A QUESTÃO DA TRANSPARÊNCIA DOS NEGÓCIOS PÚBLICOS E O SENTIMENTO ATUAL DE FINIS PATRIAE




   A situação que se vive em Portugal no final do ano de 2012 causa a uma boa parte dos que assistiram, como eu, à queda da ditadura de Marcelo Caetano uma profunda angústia.
   Tinha 22 anos, estava no quarto ano de direito e trabalhava como jornalista profissional na delegação de Coimbra do Jornal de Notícias. Um mês após a queda do antigo regime, integrei o primeiro grupo de jornalistas portugueses que foi enviado para um curso acelerado no Centre de Formation des Journalistes, em Paris.
   Frequentaram esse curso, entre outros, a Maria Elisa, o Pedro Mariano, o Mário Bettencourt Resendes, o Joaquim Vieira, o Pedro Luís de Castro, o João Pacheco de Miranda, o Manuel Bom e o João Vale de Almeida, agora embaixador da União Europeia nos Estados Unidos. Gente que tem hoje entre 55 e 65 anos.
   Penso que todos regressamos de Paris acreditando que a liberdade de imprensa, entendida como instrumental do direitos dos cidadãos à informação era essencial para a consolidação de um sistema democrático e que o esforço de rigor e de objetividade dos jornalistas deveria ser assumido como um dever fundamental.
   Essas ideias influenciaram, de forma especial, a Lei de Imprensa de 1975, que foi, até 1999, uma das mais avançadas do Mundo.
   Penso que, caídos em Portugal pouco antes do 11 de março, todos tivemos alguma dificuldade em nos adaptar à euforia revolucionária, marcados como estávamos por essa fé na objetividade, que só mais tarde, depois do 25 de novembro de 1975,  houve condições para realizar.
   Nas redações perdiam-se horas a discutir detalhes acerca de questões delicadíssimas, sobretudo quando estavam em jogo interesses de poderosos.
   Personalidades políticas com peso no país, como foi a caso de António Vitorino, Miguel Cadilhe ou Jorge Braga de Macedo foram, autenticamente, liquidados por pequenas falhas.
   Os jornalistas profissionais só o podiam ser, até à entrada em vigor do Estatuto do Jornalista de 1999, se estivessem vinculados a empresas jornalísticas por contratos de trabalho, caindo, depois disso na precariedade que colocou na miséria alguns jornalistas notáveis que acreditaram viver num país normal.
Em 1982, o novo Código Penal passou a restringir, de forma brutal, a possibilidade de prova da verdade dos factos, amplamente admitida no Código de 1929. Mas foi sobretudo  depois de 1999 que a perda de qualidade da informação se agravou.
   Passaram a acontecer “coisas esquisitas” depois da entrada em vigor da Lei nº 1/1999, de 13 de janeiro,  por razões que, em minha opinião, têm a ver com a precariedade da profissão de jornalista e com a produção em massa de cursos universitários nessa área. Dez anos depois da queda do Muro de Berlim tinham-se perdido todos os referenciais que faziam a diferença na Europa Ocidental.
Perante um escândalo que liquidou Helmut Kohl como líder da CDU, em 1999, emergiu como candidata à liderança do partido uma obscura física  criada sob a ditadura de Honecker, aquele do famoso beijo na boca a Leonid Brejenev. Chamava-se Angela Merkel, mas ninguém pôs em causa a sua criação.
   Uma das mais profundas alterações que se operou no sistema informativo, na última década do século XX,  consistiu numa redução substancial da capacidade de produção de opinião pelos jornalistas profissionais. Foi a perversão completa do princípio da liberdade de opinião, substituindo-se o mesmo pela objetivação do pluralismo por via de “líderes de opinião” gerados pelo sistema.
   Por essa via, vimos assistindo, sobretudo na última década a um condicionamento da opinião pública muito idêntico, ao menos em termos de mecânica, aos dos sistemas totalitários, sobretudo dos de raiz estalinista e maoista, que encontram nas técnicas de comunicação Lenine e de Mao Tsé Tung as suas raízes.
   Os governos aprenderam, entretanto, a gerir a informação, nomeadamente por via da filtragem de dados para jornalistas a meios da sua confiança, informação essa que, muitas vezes, é falsa mas é validada, na falta de outra, pelos referidos “líderes de opinião”.
   Nem uns nem outros têm culpa. Os primeiros acreditam das suas fontes e não podem perder tempo a investigar, porque as redações são cada vez mais pequenas e amanhã há mais notícias; aos segundos não cumpre, no quadro em que funciona o sistema, investigar se as notícias são falsas ou verdadeiras.
   Nunca se aprofundaram, como deveriam ter sido aprofundadas, as questões suscitadas pela operação do presidente Cavaco Silva sobre ações da SLN. Compreende-se que o Ministério Público não investigue altas figuras públicas. Mas não pode aceitar-se que os jornalistas o não façam, quando há duvidas que permanecem.
Nunca ninguém fez uma investigação jornalística minimamente séria sobre o buraco do BPN e, sobretudo, sobre quem beneficiou com ele, porque o dinheiro, em tanta quantidade, não desaparece assim.
   A venda das primeiras joias da coroa – as ações do Estado na EDP e na REN – foram, objetivamente, negócios escuros, porque nenhum cidadão comum, nem mesmo os mais qualificados, conhecem os seus detalhes. Basta ler os jornais ou ver os debates na televisão para compreender que eles, por regra, não sabem mais do que o que é publicado.
   Poucos cidadãos têm a noção de que o país se afunda com cada loja chinesa que se abre em Portugal, porque se endividam nela, como se houvesse um jogo secreto que transformasse as receitas de todas as lojas em dívida pública e como se os nossos partidos, por mais liberais, não passassem de correias de transmissão do grande Partido Comunista da China.
   Como o país não reagiu perante estas evidências,  agravaram-se os vícios nas privatizações que agora estão em preparação – as da ANA, da TAP e da RTP.
   Há um fosso enorme entre a informação que é filtrada para o sistema de comunicação social e o que é publicado no Diário da República, como se se pretendessem eliminar, à partida todos os candidatos  que pudesses estar interessados nos negócios, com exceção dos que receberam cartas marcadas.
   Para suportar a falta de transparência alguém injeta na comunicação social informações que são objetivamente falsas ou deturpadas, como essa de que a venda da TAP é imperativa porque o Estado não pode capitalizá-la. Então o que é e para que serve a Parpública, SGPS, SA  cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei n.º 209/2000, de 2 de Setembro ?
Começaram por nos lançar areia para os olhos e, como não reagimos, agora tentam meter-nos os dedos pelos olhos dentro.
Perdoem-me a brejeirice, mas não posso deixar de me lembrar daquela história que se contava dos brasileiros e agora se conta ao contrário.
-       Você poderia tirar o anel que está a magoar? – dizia o português...
-       Não é o anel; é a pulseira do relógio... – respondia o brasileiro.
Agora é só substituir o “português” por povo e o “brasileiro” pelos DDT (donos disto tudo) que nos governam e se governam à nossa conta.
Há muito que defendo a venda da TAP ou da maioria do seu capital, reservando o Estado um numero de ações que lhe permita, por via de um acordo parassocial, defender os interesses estratégicos do país, no quadro dos atuais regimes jurídicos do transporte aéreo, em Portugal e na União Europeia e dos tratados celebrados com terceiros estados em matéria de transporte aéreo.
Há um conjunto de direitos cujo titular é o Estado, enquanto signatário de acordos e tratados internacionais  em matéria de transporte aéreo, os quais, por natureza, não são transmissíveis a quem adquirir a companhia, mas que não devem poder ser neutralizados por ela.
Imagine-se quanto perderia a economia portuguesa se o adquirente da TAP resolvesse mudar para Sevilha, Madrid ou Casablanca os voos de e para o Brasil, Angola e Moçambique, que são dos voos mais caros do Mundo.
Defender a venda das ações do Estado na TAP ou na REN não é o mesmo que dizer que se façam doações das mesmas.
Alguns dos mais famosos economistas portugueses vêm defendendo que o valor das empresas depende dos seus resultados, de pouco ou de nada valendo os seus bens. Lembram-me os negociantes de gado, que procuravam comprar os bois de trabalho por metade do preço depois das grandes lavouras.
É a mesma lógica que justifica que se ofereçam Mercedes topo de gama,  quase novos, por valores irrisórios, nos nossos jornais, ou que se liquidem bens de capital que integram o património de empresas industriais, alguns de tecnologia de topo, a preço de sucata, lançando-se os bancos na falência e obrigando-se os contribuintes a pagar as suas loucuras.
O facto de não haver crédito e de não haver dinheiro não justifica que se venda tudo ao desbarato nem permite que se transforme em regra a compra de imóveis por 50 euros, porque ninguém apareceu na praça.
O que se está a passar em Portugal lembra-me práticas daqueles advogados vigaristas que voltaram a aparecer com o modelo usado no fim da I República. Ameaçavam os clientes dizendo-lhes que ou lhes vendiam os bens por uma tuta e meia ou ficariam sem nada. E ficavam-lhes com tudo, menos com a casa de morada da família, exigindo-lhes que os tratassem como caridosos beneméritos e não como ladrões.
Sejam quais forem os critérios,  é chocante a campanha de manipulação feita em torno do negócio da TAP. Tanto quanto se sabe, a companhia vendeu, em 2010, mais de 2.930 mil milhões de euros.
O papão de que é preciso injetar capital do montante de 300 milhões e assumir dívidas de cerca de 1.500 milhões, para justificar a pretensão de pagar ao Estado apenas 30 milhões de euros não passa de um argumento para enganar papalvos.
Isso só é possível porque estamos perante um negócio escuro, como são, atualmente, quase todos os negócios públicos, relativamente aos quais se apagaram todos os princípios da boa governança.
Vive-se em Portugal um sentimento de finis patriae, como se se estivessem a refundar todos os monstros que vimos cair na nossa juventude.