Dou comigo, depois de desligar o televisor, a reler o artigo de Vitor Soromenho Marques, no Diário de Notícias (2/5/2013).
O maior malefício de que Portugal tem sido vitima, nos últimos anos, é o da manipulação e o da deformação so sentido das palavras.
Não há nem nunca houve um projeto de "ajustamento" das finanças portuguesas. Como não houve nenhuma "ajuda" a Portugal para resolver os seus problemas orçamentais.
Falar de "ajuda externa" dos "credores internacionais" de Portugal para qualificar o recurso a mecanismos disponíveis em organizações internacionais de que Portugal é membro (e em que participa com quotas de capital) é, para além do mais, uma terrível asneira.
Portugal - tal como a Grécia e Chipre - são vitimas de um violento processo de especulação, a que os espanhóis e os italianos resistiram heroicamente.
O Banco Central Europeu empresta moeda a 0,5%, mas não faz empréstimos aos Estados. Quem ganha com isso são as entidades financeiras, que multiplicam os recursos monetários por mais de 10 e o emprestam a taxas fabulosas, a que se somam comissões milionários.
A garotada que, por culpa dos Portugueses, tomou conta do poder não tem condições para ir tomar um café no restaurante da esquina. Mas tem a ousadia de escravizar um país, de forma violentissima e adequada a destruir a soberania.
O desequilibrio orçamental português foi gerado, essencialmente, por despesas internas que se desequilibraram, em termos percentuais, por relação ao PIB, porque este baixou, em razão do estrangulamento a que foi sujeito todo os setor produtivo.
Pedirmos dinheiro ao estrangeiro para pagar as despesas internas é como ir comprar água a Espanha, quando a temos com fartura em Portugal.
Não precisamos de "ajuda" de ninguém para pagar aos nossos funcionários, aos nossos médicos ou aos nossos professores.
Tampouco precisamos de "ajuda" para pagar aos pensionistas e aos desempregados, que todos os dias aumentam.
Precisamos é de uma moeda própria, que possa ser usada para dinamizar a economia, para recuperar as fábricas, para voltar a por a terra a produzir.
A "moeda única" que não é única em coisa nenhuma, serve apenas como instrumento da nossa destruição e anulação completa da nossa competitividade.
É hoje rara a aldeia portuguesa onde não haja uma loja chinesa, dessas que vendem tudo desde o alfinete à tela para pintura. Ainda ontem estive em Odeceixe, onde a principal loja deixou de ser a do Sr. José Duarte (onde também se vendia tudo) para ser um estabelecimento chinês, no largo principal, à frente da Junta de Freguesia.
O euro serve, essencialmente, para catalisar fenómenos como este, que só vivem à custa do crescimento da própria dívida pública.
O que compramos nessas lojas não vai pagar aos operários que produziram os bens; é transformado em títulos de divida pública, que todos voltaremos a pagar um dia.
As casas estão ao abandono, porque os proprietários não têm dinheiro para a manter. E os prédios rústicos estão completamente abandonados, porque não há o capital mínimo para comprar os adubos e as sementes.
O atual governo já criou uma "bolsa de terras" que tem como objetivo - literalmente - roubar as terras a quem as tiver, para um dia as "privatizar". Nem os comunistas ousaram fazer isso, com tão grande desvergonha e violência, no tempo da reforma agrária.
Se continuarmos a tolerar isto, acordaremos, um dia sem-abrigo.
Já há muitos sem-abrigo, em Portugal.
Esse fenómeno não era conhecido desde o fim da I República e o início da Ditadura.
Faz parte do movimento histórico.
Começa agora a fazer mais sentido o estudo a que se refere o artigo de Vitor Soromenho Marques, que reproduzo abaixo.
Claro que, num dia destes, os alemães se acharão com o direito de nos tomar as casas e as terras.
Claro que, tendo forçado o Estado a emprestar dinheiro aos bancos, se sentirão com o direito de tomar conta dos bancos.
Os chineses seguem-lhe o rasto, com a enorme vantagem de estarem instalados em todo o país, desde a avenida aqui ao lado (visitem a Megastore da Álvares Cabral, em Lisboa, onde era o velho Palhinhas...) até ao mais recôndito vilarejo.
Ou restauramos a soberania monetária, ou nunca mais nos equilibramos.
Alguém tem dúvidas?
Ver também João Ferreira do Amaral no Expresso
Cito Vitor Soromenho Marques
"O caminho de fatalismo e resignação -
subordinando o País às exigências mais bizarras dos nossos incompetentes
credores -, a que Cavaco Silva, Passos Coelho e Vítor Gaspar condenam o País,
tornará inevitável um segundo resgate. De acordo com os cálculos de Ricardo
Cabral, num estudo ainda no prelo, o volume da dívida pública portuguesa
obrigará a recorrer, depois de 2014, a refinanciamentos anuais no mercado em
montantes de 16 mil milhões de euros, muito mais do que os dez a 12 mil milhões
de euros que o Estado era capaz de refinanciar antes do memorando de
entendimento, numa altura em que tinha um rating positivo (investment grade).
Seria preciso um milagre para que, com um rating de "lixo", Portugal
pudesse manter o seu serviço de dívida em condições de normalidade. Na verdade,
a única alternativa seria o apoio do BCE através do mecanismo OMT. Contudo, é
altamente improvável que Portugal tenha condições para se candidatar a tal
apoio quando, como é sabido, o Bundesbank continua a fazer fogo cerrado sobre
um mecanismo que, mesmo sem ter ainda saído do papel, tem tido resultados
positivos. Aliás, para o influente economista alemão Hans-Werner Sinn é claro
que "Portugal necessita de um novo programa de resgate" ("Should
Germany exit the euro?", Project Syndicate, 23/4/2013).
As perguntas essenciais são estas: quais são as
condições que poderemos antecipar para o novo "apoio" a Portugal, o
mais tardar no segundo semestre de 2014? Estará o País em condições de suportar
essas condições sem se fraturar internamente?
As condições do Bundesbank
Concordo inteiramente com Ricardo Cabral quando
este aponta para duas exigências muito danosas para o País, que, com toda a
certeza, serão impostas. A primeira será a reprodução dos requisitos do
bail-in, que foram experimentados em Chipre. Os depositantes em bancos
nacionais irão aprender à sua custa que, afinal, Jeroen Dijsselbloem, o
presidente do Eurogrupo, não se enganou quando, numa conferência em março de
2013, referia que os expedientes aplicados em Chipre seriam aplicados noutros
países, quando considerado conveniente e necessário pelos credores. A segunda
condição será, com grande probabilidade, a utilização parcial ou integral
(eventualmente como garantia ou qualquer outra forma indireta) das reservas de
ouro nacionais, para amortizar a dívida. Julgo, contudo, que existirá uma
terceira condição, e que será essa que ditará o ponto crítico onde se jogará,
duplamente, o destino do segundo resgate e o próprio futuro de Portugal como
país que vacila entre a recuperação ou da perda total da soberania.
Para compreendermos qual será essa terceira
condição temos de recuar um pouco no tempo, seguindo o fio temático que abordei
no meu recente artigo "O Estado social da Europa de Merkel" (DN,
21/4/2013). Em 2006, o BCE e os bancos centrais da Zona Euro iniciaram um
estudo sobre o património das famílias nos diferentes países europeus
("Household Finance and Consumption Survey"). O estudo, cujos
primeiros resultados foram publicados em abril, causou uma vasta polémica na
imprensa, que ainda prossegue. O principal responsável por isso foi Jens
Weidmann, presidente do Bundesbank, que, ainda em março de 2013, não hesitou em
lançar para a opinião pública alemã alguns dados - que não são nem rigorosos
nem inocentes - visando inocular na opinião pública alemã a ideia tóxica de que
as famílias espanholas, italianas e cipriotas têm em média um património muito
superior às suas congéneres germânicas. Na imprensa económica mundial séria,
como é o caso de um recente artigo de Paul de Grauwe (Expresso, 27/4/2013, as
alegações do Bundesbank têm sido acusadas de terrorismo estatístico pela falta
de rigor metodológico e pelo tratamento erróneo da informação. Mas a intenção
de Weidmann foi atingida. O cidadão alemão comum pensa o seguinte: "Qual é
o sentido de estarmos a contribuir com os nossos impostos para fundos de
resgate de países cujos cidadãos são mais ricos do que nós?"
A terceira condição
Que impacto terá para Portugal a insistência do
Bundesbank, secundada por outras instituições e figuras na Alemanha, incluindo
Lars Feld, um académico que integra o célebre Conselho Económico do Governo de
Berlim, conhecido por "Conselho dos Cinco Sábios"? Muito provavelmente,
o segundo pacote exigirá - como terceira condição a acrescentar às duas acima
apontadas - um novo imposto sobre o património imobiliário das famílias. As
suas modalidades de aplicação poderão ser variáveis, devendo assumir um
carácter temporário. Numa altura em que a "fadiga fiscal" atinge os
impostos sobre o rendimento (IRS e IRC), e o IVA já ultrapassou os limites do
razoável, como ocorre no sector da restauração, é mais do que provável que a
estratégia de empobrecimento, ou, se usarmos a expressão "técnica",
de "desvalorização interna", atinja a propriedade das famílias
portuguesas, fazendo dos recentes aumentos do IMI uma brincadeira infantil.
Se e quando isto acontecer, a austeridade em
Portugal ultrapassará o nível do Rubicão. Muito provavelmente, o País entrará
numa entropia política e social em que o sofrimento e o empobrecimento serão os
únicos dados que se poderão antecipar com toda a certeza. Os cidadãos
preocupados com o futuro de Portugal e as instituições onde ainda resiste um
mínimo de consciência patriótica e orgulho nas liberdades e direitos
constitucionais terão à sua frente cerca de um ano antes desta catástrofe se
tornar realidade. Teremos inteligência e coragem suficientes para a prevenir?
Seremos capazes de nos reerguer como nação se o segundo resgate se impuser
contra toda a boa racionalidade técnica e o bom senso político? Seremos capazes
de defender o interesse superior dos portugueses e a bondade do projeto de uma
Europa pacífica, "governada por leis e não por homens"?"