domingo, maio 05, 2013

O fatalismo e o conformismo portugueses e a manipulação

Dou comigo, depois de desligar o televisor, a reler o artigo de Vitor Soromenho Marques, no Diário de Notícias (2/5/2013).
O maior malefício de que Portugal tem sido vitima, nos últimos anos, é o da manipulação e o da deformação so sentido das palavras.
Não há nem nunca houve um projeto de "ajustamento" das finanças portuguesas. Como não houve nenhuma "ajuda" a Portugal para resolver os seus problemas orçamentais. 
Falar de "ajuda externa" dos "credores internacionais" de Portugal para qualificar o recurso a mecanismos disponíveis em organizações internacionais de que Portugal é membro (e em que participa com quotas de capital) é, para além do mais, uma terrível asneira.
Portugal - tal como a Grécia e Chipre - são vitimas de um violento processo de especulação, a que os espanhóis e os italianos resistiram heroicamente.
O Banco Central Europeu empresta moeda a 0,5%, mas não faz empréstimos aos Estados. Quem ganha com isso são as entidades financeiras, que multiplicam os recursos monetários por mais de 10 e o emprestam a taxas fabulosas, a que se somam comissões milionários.
A garotada que, por culpa dos Portugueses, tomou conta do poder não tem condições para ir tomar um café no restaurante da esquina. Mas tem a ousadia de escravizar um país, de forma violentissima e adequada a destruir a soberania.
O desequilibrio orçamental português foi gerado, essencialmente, por despesas internas que se desequilibraram, em termos percentuais, por relação ao PIB, porque este baixou, em razão do estrangulamento a que foi sujeito todo os setor produtivo.
Pedirmos dinheiro ao estrangeiro para pagar as despesas internas é como ir  comprar água a Espanha, quando a temos com fartura em Portugal.
Não precisamos de "ajuda" de ninguém para pagar aos nossos funcionários, aos nossos médicos ou aos nossos professores.
Tampouco precisamos de "ajuda" para pagar aos pensionistas e aos desempregados, que todos os dias aumentam.
Precisamos é de uma moeda própria, que possa ser usada para dinamizar a economia, para recuperar as fábricas, para voltar a por a terra a produzir.
A "moeda única" que não é única em coisa nenhuma, serve apenas como instrumento da nossa destruição e anulação completa da nossa competitividade.
É hoje rara a aldeia portuguesa onde não haja uma loja chinesa, dessas que vendem tudo desde o alfinete à tela para pintura. Ainda ontem estive em Odeceixe, onde a principal loja deixou de ser a do Sr. José Duarte (onde também se vendia tudo) para ser um estabelecimento chinês, no largo principal, à frente da Junta de Freguesia.
O euro serve, essencialmente, para catalisar fenómenos como este, que só vivem à custa do crescimento da própria dívida pública. 
O que compramos nessas lojas não vai pagar aos operários que produziram os bens; é transformado em títulos de divida pública, que todos voltaremos a pagar um dia.
As casas estão ao abandono, porque os proprietários não têm dinheiro para a manter. E os prédios rústicos estão completamente abandonados, porque não há o capital mínimo para comprar os adubos e as sementes.
O atual governo já criou uma "bolsa de terras" que tem como objetivo - literalmente - roubar as terras a quem as tiver, para um dia as "privatizar". Nem os comunistas ousaram fazer isso, com tão grande desvergonha e violência, no tempo da reforma agrária.
Se continuarmos a tolerar isto, acordaremos, um dia sem-abrigo.
Já há muitos sem-abrigo, em Portugal.
Esse fenómeno não era conhecido desde o fim da I República e o início da Ditadura.
Faz parte do movimento histórico.
Começa agora a fazer mais sentido o estudo a que se refere o artigo de Vitor Soromenho Marques, que reproduzo abaixo.
Claro que, num dia destes, os alemães se acharão com o direito de nos tomar as casas e as terras.
Claro que, tendo forçado o Estado a emprestar dinheiro aos bancos, se sentirão com o direito de tomar conta dos bancos.
Os chineses seguem-lhe o rasto, com a enorme vantagem de estarem instalados em todo o país, desde a avenida aqui ao lado (visitem a Megastore da Álvares Cabral, em Lisboa, onde era o velho Palhinhas...) até ao mais recôndito vilarejo.
Ou restauramos a soberania monetária, ou  nunca mais nos equilibramos.
Alguém tem dúvidas?


Cito Vitor Soromenho Marques

"O caminho de fatalismo e resignação - subordinando o País às exigências mais bizarras dos nossos incompetentes credores -, a que Cavaco Silva, Passos Coelho e Vítor Gaspar condenam o País, tornará inevitável um segundo resgate. De acordo com os cálculos de Ricardo Cabral, num estudo ainda no prelo, o volume da dívida pública portuguesa obrigará a recorrer, depois de 2014, a refinanciamentos anuais no mercado em montantes de 16 mil milhões de euros, muito mais do que os dez a 12 mil milhões de euros que o Estado era capaz de refinanciar antes do memorando de entendimento, numa altura em que tinha um rating positivo (investment grade). Seria preciso um milagre para que, com um rating de "lixo", Portugal pudesse manter o seu serviço de dívida em condições de normalidade. Na verdade, a única alternativa seria o apoio do BCE através do mecanismo OMT. Contudo, é altamente improvável que Portugal tenha condições para se candidatar a tal apoio quando, como é sabido, o Bundesbank continua a fazer fogo cerrado sobre um mecanismo que, mesmo sem ter ainda saído do papel, tem tido resultados positivos. Aliás, para o influente economista alemão Hans-Werner Sinn é claro que "Portugal necessita de um novo programa de resgate" ("Should Germany exit the euro?", Project Syndicate, 23/4/2013).
As perguntas essenciais são estas: quais são as condições que poderemos antecipar para o novo "apoio" a Portugal, o mais tardar no segundo semestre de 2014? Estará o País em condições de suportar essas condições sem se fraturar internamente?
As condições do Bundesbank
Concordo inteiramente com Ricardo Cabral quando este aponta para duas exigências muito danosas para o País, que, com toda a certeza, serão impostas. A primeira será a reprodução dos requisitos do bail-in, que foram experimentados em Chipre. Os depositantes em bancos nacionais irão aprender à sua custa que, afinal, Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, não se enganou quando, numa conferência em março de 2013, referia que os expedientes aplicados em Chipre seriam aplicados noutros países, quando considerado conveniente e necessário pelos credores. A segunda condição será, com grande probabilidade, a utilização parcial ou integral (eventualmente como garantia ou qualquer outra forma indireta) das reservas de ouro nacionais, para amortizar a dívida. Julgo, contudo, que existirá uma terceira condição, e que será essa que ditará o ponto crítico onde se jogará, duplamente, o destino do segundo resgate e o próprio futuro de Portugal como país que vacila entre a recuperação ou da perda total da soberania.
Para compreendermos qual será essa terceira condição temos de recuar um pouco no tempo, seguindo o fio temático que abordei no meu recente artigo "O Estado social da Europa de Merkel" (DN, 21/4/2013). Em 2006, o BCE e os bancos centrais da Zona Euro iniciaram um estudo sobre o património das famílias nos diferentes países europeus ("Household Finance and Consumption Survey"). O estudo, cujos primeiros resultados foram publicados em abril, causou uma vasta polémica na imprensa, que ainda prossegue. O principal responsável por isso foi Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, que, ainda em março de 2013, não hesitou em lançar para a opinião pública alemã alguns dados - que não são nem rigorosos nem inocentes - visando inocular na opinião pública alemã a ideia tóxica de que as famílias espanholas, italianas e cipriotas têm em média um património muito superior às suas congéneres germânicas. Na imprensa económica mundial séria, como é o caso de um recente artigo de Paul de Grauwe (Expresso, 27/4/2013, as alegações do Bundesbank têm sido acusadas de terrorismo estatístico pela falta de rigor metodológico e pelo tratamento erróneo da informação. Mas a intenção de Weidmann foi atingida. O cidadão alemão comum pensa o seguinte: "Qual é o sentido de estarmos a contribuir com os nossos impostos para fundos de resgate de países cujos cidadãos são mais ricos do que nós?"
A terceira condição
Que impacto terá para Portugal a insistência do Bundesbank, secundada por outras instituições e figuras na Alemanha, incluindo Lars Feld, um académico que integra o célebre Conselho Económico do Governo de Berlim, conhecido por "Conselho dos Cinco Sábios"? Muito provavelmente, o segundo pacote exigirá - como terceira condição a acrescentar às duas acima apontadas - um novo imposto sobre o património imobiliário das famílias. As suas modalidades de aplicação poderão ser variáveis, devendo assumir um carácter temporário. Numa altura em que a "fadiga fiscal" atinge os impostos sobre o rendimento (IRS e IRC), e o IVA já ultrapassou os limites do razoável, como ocorre no sector da restauração, é mais do que provável que a estratégia de empobrecimento, ou, se usarmos a expressão "técnica", de "desvalorização interna", atinja a propriedade das famílias portuguesas, fazendo dos recentes aumentos do IMI uma brincadeira infantil.
Se e quando isto acontecer, a austeridade em Portugal ultrapassará o nível do Rubicão. Muito provavelmente, o País entrará numa entropia política e social em que o sofrimento e o empobrecimento serão os únicos dados que se poderão antecipar com toda a certeza. Os cidadãos preocupados com o futuro de Portugal e as instituições onde ainda resiste um mínimo de consciência patriótica e orgulho nas liberdades e direitos constitucionais terão à sua frente cerca de um ano antes desta catástrofe se tornar realidade. Teremos inteligência e coragem suficientes para a prevenir? Seremos capazes de nos reerguer como nação se o segundo resgate se impuser contra toda a boa racionalidade técnica e o bom senso político? Seremos capazes de defender o interesse superior dos portugueses e a bondade do projeto de uma Europa pacífica, "governada por leis e não por homens"?"