A
expressão bancarrota aparece associada à expressão banca
rotta, dos italianos, e à palavra bankruptcy dos anglo-saxónicos.
Na
generalidade dos dicionários, aparece como significando falência ou
insolvência, palavras que significam, ambas, a impossibilidade de solver os
compromissos assumidos.
Os
estados não podem, por natureza, entrar em bancarrota. As dívidas pagam-se
em moeda com curso legal. E a emissão de
moeda legal é uma prerrogativa dos estados.
Por
isso mesmo, quando se fala de bancarrota de um estado, há que suspeitar de que
alguma coisa está a ser oculta aos cidadãos.
A
situação de Chipre lançou a confusão na opinião pública.
Mas
é, na sua essência, extremamente clarificadora.
É
preciso saber ler nas entrelinhas e descodificar as montagens feitas por toda a
comunicação social.
O
que aconteceu em Chipre foi o princípio do fim do sistema financeiro europeu,
que nem daqui a 20 anos voltará a ter credibilidade.
A
pequena ilha era um paraíso confiante, onde,
desde britânicos a russos depositaram biliões, recebendo, naturalmente,
os respetivos juros.
As
pessoas e as empresas só procederam aos depósitos porque acreditaram que os
bancos eram seguros e lhes devolveriam os seus recursos, como fazem os bancos
que merecem crédito.
O
que aconteceu foi que, com a aprovação da União Europeia, os depositantes não
vão receber os seus depósitos, porque, literalmente, uma parte substancial dos
mesmos foi confiscada, pelos próprios bancos à ordem da dita União.
É
isto que, literalmente, se chama bancarrota.
A
banca cipriota quebrou, assumindo os dirigentes da União Europeia o ónus da
aprovação do não pagamento aos depositantes e do encobrimento do que está
subjacente à crise.
O
que foi revelado aos europeus foi que as instituições internacionais vão
injetar 10.000 milhões de euros na banca cipriota e que, mesmo assim, é
necessário que os depositantes de valores superiores a 100 mil euros percam
entre 30% e 40% dos seus depósitos.
Não
se trata de nenhuma taxa e foi afastada a ideia de concretização de um
confisco direto, em que consistiria a apropriação de uma parte dos depósitos pelo
Estado. O confisco aparece embrulhado nas imprecisas figuras da "ajuda" e do "resgate", que são meros fatores de encobrimento do que efetivamente aconteceu - um roubo.
Do
que se trata é, pura e simplesmente, da aprovação, por todos os países da União
Europeia, de uma regra que exceciona a obrigação de devolver uma parte do
dinheiro depositado aos legítimos depositantes.
A
questão é especialmente grave no concreto contexto de Chipre, uma pequena ilha,
cujos bancos detinham depósitos de estrangeiros que, na totalidade, representam
quase 9 vezes o produto interno bruto do país.
O
excesso de depósitos em dinheiro é, obviamente, um valor positivo, apetecendo
perguntar o que aconteceria se esses
depósitos não existissem. Consta que só os russos tinham em Chipre cerca de
70.000 milhões de euros, pelo que vão perder 21.000 milhões de euros.
Os
suíços e os luxemburgueses sempre tiveram excessos de depósitos por relação ao
produto interno bruto e nunca ninguém os acusou de terem um sistema financeiro
desequilibrado, por excesso de depósitos, ou seja, por excesso de liquidez.
De
duas uma: ou alguém desviou o dinheiro dos depósitos, inviabilizando a devolução
dos recursos aos depositantes, ou estão todos os dirigentes europeus apostados
num assalto ao sistema financeiro de um pequeno país, como teste para branquear
os desequilíbrios gerados no sistema financeiro.
Vergonhoso
é que se invoque a qualidade de “dinheiro sujo” para, literalmente, o roubar,
como está a ser feito em Chipre.
Boa
parte dos depósitos russos estão manchados pelo sangue dos mártires da União
Soviética, que permitiram a sua acumulação e a apropriação pelos oligarcas
russos, depois da queda do império.
Estão a roubar o roubado – como salientou o primeiro ministro russo, Dmitry Medvedev – como se
vigorasse na Europa o velho aforismo que diz que ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão.
O que, verdadeiramente, é
dramático não é a bancarrota de dois bancos cipriotas, que vai custar uns
10.000 milhões de euros aos cidadãos da União Europeia e uns 21.000 milhões aos
depositantes russos.
O que é grave é a bancarrota
dos princípios, anunciada, de forma sublime, pelo presidente do Eurogrupo, Sr. Jeroen
Dijsselbloem, que considera o modelo cipriota exemplar e suscetível de ser
aplicado em outros países.
Passamos a saber que a União
Europeia desvaloriza completamente a regulação bancária e a responsabilização
dos que abusaram do sistema financeiro, deixando aberta a possibilidade de responsabilizar os depositantes pelos
fracassos dos bancos.
Outrora, os estados
investiam nos exércitos e na armadas para assaltarem os cobiçados tesouros dos
outros. Agora, basta-lhes roubar o que é, ingenuamente, depositado nos bancos.
Fica, por esta via, destruída
a (quase) única vantagem dos depósitos bancários: a segurança.
Apesar de venderem os
dinheiro dos cidadãos com grandes margens de lucro, apesar de os estados
tributarem, de forma violenta, os juros dos depósitos, muita gente há que deposita
as suas poupanças porque tem medo de que lhe roubem o dinheiro guardado nos
colchões.
As notícias dos últimos dias
destruíram essa única vantagem.
Passou a ser mais arriscado
ser roubado no banco do que no metropolitano.
É, tudo indica, o princípio
da bancarrota da Europa.
Ou os cidadãos reagem ou será
a própria Europa a soçobrar.
Lisboa, 2013-03-25