Há
conceitos que se encontram há muito estabilizados, sendo preocupante que se
instabilizem na atualidade.
Taxa é, provavelmente, o mais conceito
mais ambíguo, pelo menos em Portugal.
Tanto significa o tributo destinado a pagar um serviço oferecido por
entidade pública (taxa de radiodifusão, taxa de urgência, taxa de esgotos) como
o percentual aplicado a determinado valor para determinação de uma coleta (a
taxa de 48% sobre o rendimentos do trabalho).
Os
brasileiros substituíram a expressão, quando ela é aplicada no segundo sentido,
o que não só beneficiou a língua portuguesa, mas também beneficiou o rigor e a
precisão. A alíquota, no português do
Brasil, é
o percentual ou valor fixo que será aplicado sobre a base de cálculo para o
cálculo do valor de um tributo.
Obviamente que ninguém confunde alíquota com taxa.
O imposto
é a exigência de um pagamento a um particular ou a uma empresa por parte de um
Estado, em razão da verificação de um facto e de uma previsão de cobrança nesse
quadro fáctico.
Não deve haver, no plano dos princípios, impostos retroativos nem impostos
imprevisíveis, adotando-se nos países civilizados, relativamente a esta
matéria, o princípio da tipicidade.
Só são tributáveis os factos que tenham sido
previsto na lei, nos precisos termos da previsão.
O confisco é uma espécie de roubo, que consiste
em “juntar ao tesouro” o que é apropriado pelo Estado, em condições
(geralmente) não previstas na lei.
Muito usado no ancien régime, como arma do poder dominante, o confisco foi
recuperado no último quartel do século XX como sanção de natureza penal.
Em Portugal, o
decreto-lei n.º 383/88, de
25 de Outubro, estabelece a disciplina jurídica de bens pertencentes a
entidades estrangeiras cujo património haja sido objecto de confisco nos
respectivos países.
As
leis penais preveem, na generalidade dos países da União Europeia, o confisco
dos objetos usados para práticas criminosas, a favor do Estado.
O
confisco está, também, previsto da generalidade das legislações relativamente às mercadorias introduzidas no mercado com
violação das normas aduaneiras.
As
nacionalizações são uma forma moderada de confisco, por via das quais os bens e
direitos nacionalizados se juntam ao tesouro, porém a obrigação de indemnizar,
por parte do Estado expropriante.
Em
Portugal, o Estado procedeu à nacionalização muitas empresas, nomeadamente do
setor financeiro, dos transportes e das telecomunicações, em 1974 e 1975.
Procedeu, também, à nacionalização de grandes propriedades rurais, para fazer a
reforma agrária.
Ou
pagou indemnizações (gerando para isso
dívida pública) ou privatizou as empresas e as terras, nomeadamente por via da
sua devolução às pessoas que eram titulares de direitos a indemnização.
A
“taxa” sobre os depósitos bancários anunciada no quadro do resgate da República
de Chipre não é uma taxa mas um
confisco; melhor traduzido, um autêntico roubo, por parte de um Estado.
Os
russos, que depositaram milhares de milhões de euros nos bancos de Chipre, não
o teriam feito se tivessem imaginado que o governo cipriotas, com o apoio
unânime de todos os ministros das finanças da União Europeia, se apropriariam
de uma parte dos depósitos.
Seria,
indiscutivelmente, lícito um aumento dos
impostos sobre os juros pagos como contrapartida de tais depósitos, como
aconteceu, recentemente, em Portugal, em que os juros passaram a ser tributados
á taxa de 28%.
Uma
coisa é cobrar um imposto de 28% sobre juros, calculados à taxa de 3% ou 4%
sobre o capital. Outra, completamente diferente, é cobrar uma “taxa” de 20%
sobre os depósitos.
No
primeiro quadro, o depositante mantém o capital e ainda recebe 72% dos juros.
No segundo quadro, perde 20% do capital.
Ora,
o que vimos relativamente a Chipre foi que os ministros das Finanças da União
Europeia concordaram, de forma unânime, com o confisco.
Mesmo
que eles afirmem que o modelo não vai ser aplicado em mais nenhum país, é óbvio
que uma tal declaração não merece nenhum
crédito, porque o que está em causa não é o concreto circunstancialismo de
Chipre mas uma rotura com os princípios, que põe em causa a fiabilidade dos
sistema financeiro da União Europeia.
Sendo
a “taxa” (expressão por que é tratado o confisco) aplicável aos depósitos
bancários, em termos que destroem a própria ideia do depósito de dinheiro em bancos,
parece-nos que a única via segura para preservar os valores monetários consiste em os guardar em espécie.
Como
é sabido, o depósito bancário é qualificado como um depósito irregular, ou
seja, um depósito em que o depositário está obrigado a entregar não a própria
coisa mas coisa de igual espécie e quantidade.
O
dinheiro depositado em bancos passa a ser, a partir do momento do depósito,
propriedade do banco, pelo que, se o banco o perder ou se o governo o
confiscar, são recursos do próprio banco que são perdidos ou confiscados.
Sempre
foi assim, há pelo menos 200 anos.
Mas
a questão cipriota promete alterar tudo. O Estado retira aos bancos 20% dos
recursos depositados (que são propriedade dos bancos) e desobriga-os de pagar o
que se comprometeram a pagar aos particulares.
Toda
a lógica se agrava na sua perversão quanto é certo que o confisco se destina a
tapar os buracos dos bancos.
O
Estado rouba aos particulares o que os bancos precisavam de roubar para
resolver os seus próprios problemas, limpando, por essa via, a própria imagem
dos bancos e onerando, de forma intolerável, a responsabilidade dos
particulares.
Feita
esta operação em Chipre, tal como está previsto, passa o modelo a ser possível
em qualquer outro país da União Europeia.
A
única forma que permite, às pessoas e às empresas, evitar o risco a que foram
sujeitos os cipriotas reside na preferência absoluta pela liquidez, ou seja:
guardar o dinheiro em espécie, em vez de o guardar nos bancos.
É
por isso que, convictamente, aconselho todos os meus amigos e clientes a
retirar a totalidade dos seus recursos dos bancos.
Antes
que seja tarde.
23/3/2012