Tenho 61 anos, nasci no tempo da Ditadura e assisti, como
jornalista, aos tempos áureos da Revolução de 1974/75, em Portugal.
Vi as mudanças todas: as positivas e as negativas.
Brindei à descolonização e ao nascimento de Angola,
Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor.
Acompanhei a devolução de Macau à China e a entrada numa
Europa a que nunca pertencemos, porque sempre tivemos, durante 800 anos, um
inimigo aqui ao lado, que não nos deixava passar para o lado de lá.
Sempre defendi o favorecimento das relações com o Brasil e
a África, de forma independente, em homenagem a Tordesilhas e àquele ditado que
nos diz que “de Espanha não vem bom
vento, nem bom tempo, nem bom casamento.”
Apostar na Espanha como principal parceiro comercial é uma
asneira quase tão grande como foi a entrega do mar à União Europeia ou a venda
da agricultura por meia dúzia de patacos, a troco de um política agrícola comum
que nos partiu a espinha.
O euro foi a última das desgraças, exclusivamente motivada
para ajudar a tapar o “buraco” alemão. Todos temos saudades do velho escudo,
que nos permitia vender os nossos produtos bem vendidos, crescer todos os anos
e não ter desemprego.
Éramos pobres mas vivíamos no melhor país da Europa, como o
melhor sol da Europa e a melhor gastronomia da Europa.
Portugal era fantástico, antes da maldição do euro, com o
qual nada ganhamos e só empobrecemos.
O confisco de Chipre é um aviso e uma esperança.
Devemos interpretá-lo como um teste, para ver a reação da
Europa ao primeiro confisco de depósitos bancários feito na zona euro.
A lição do confisco de Chipre resume-se desta forma
singela: quem tem dinheiro nos bancos é confiscado, de nada sofrendo,
obviamente, quem tiver os seus recursos
guardados em moeda.
É a velha lógica da
preferência pela liquidez que, nos períodos de bancarrota, marca a diferença.
Por natureza não há bancarrota dos países. Há bancarrota
dos bancos, quando eles não conseguem cumprir as suas obrigações para com os
depositantes.
Os euros dos cipriotas, como os dos portugueses, dos
espanhóis ou dos italianos, têm o mesmo valor dos euros dos alemães, com uma
única condição: a de se encontrarem na sua disponibilidade, fora do sistema
bancário.
Não há nenhum banco que pague juros do montante de 6,75% ao
ano, o mínimo que seria necessário para compensar um confisco do tipo do
anunciado em Chipre.
É certo que o governador do Banco de Portugal veio amansar
os portugueses, aconselhando-os a não alimentar receios; mas ele não tem
nenhuma competência nesse matéria, razão por que a sua intervenção deve ser
apreciada pela negativa.
O silêncio
do governo português, relativamente
a um pedido de esclarecimento da RTP, é simplesmente preocupante.
O blackout bancário em Chipre já começou e está programado
até 5ª feira, o que só se justifica como medida para assegurar o efetivo
confisco das contas.
Ninguém acreditava que uma tal medida fosse possível. Mas
ela aí está no terreno, lançando a completa desconfiança no sistema financeiro
do euro, que, afinal, não garante os depósitos até 100.000,00 €.
Não estamos perante um imposto, até porque não há lei que o
preveja.
Estamos perante um confisco.
Com a mesmo prudência com que aconselhamos muitos
portugueses e muitos estrangeiros a depositar os seus recursos em bancos
portugueses – assumindo, naturalmente, a responsabilidade desse conselho –
penso que é prudente levantar esse dinheiro e guardá-lo em espécie ou
transferi-lo para outros territórios, em que não haja o risco de um confisco do
tipo cipriota.
Parece-me, todavia, errado escolher a Alemanha como país de
refúgio. Se os bancos da Europa do Sul
falirem, os bancos da Alemanha não ficarão em boa situação, até porque a dívida
per capita dos alemães é muito maior do que a dos países do sul.
Parece-me que o melhor refúgio, nesta fase do campeonato,
ainda é a moeda, ela mesma.
Levantar o dinheiro dos bancos, guardar os documentos que
provam a sua legalidade... E esperar.
Amanhã pode ser tarde.
Miguel Reis
Lisboa, 18 de março de 2013
PS – Sou obrigado a
escrever esta nota, que comuniquei a todos aqueles a quem aconselhei depósitos
em Portugal, para que não possam acusar-me de qualquer deslealdade
Este texto tinha sido escrito antes do que se encontra abaixo publicado
Este texto tinha sido escrito antes do que se encontra abaixo publicado