Começo a compreender melhor porque é que a AMELP fez tudo para impedir a minha participação na reunião realizada em Gentilly no passado dia 2.
As noticias publicadas no Público, no Económico e no Observador não trazem nenhuma novidade constituindo apenas a revelação pública do cambalacho montado pelo governo, por algumas associações e por alguns advogados para encontrar uma solução que prejudica, de forma gravíssima as pessoas e as empresas que foram enganadas pelos funcionários do BES/Novo Banco.
A Helena Esteves, com quem falava assiduamente antes da reunião de Paris sabia perfeitamente que, se eu pudesse participar na reunião iria denunciar o erro que, do meu ponto de vista, constitui o envolvimento dos advogados nas negociações promovidas, de forma que me parece absolutamente viciada, pelo governo.
Do mesmo modo que defendi que não deveriam os lesados do BES aceitar a solução proposta pelo Novo Banco – a chamada solução comercial – para os produtos estruturados do BES, haveria de defender, agora, que a proposta do governo de António Costa é ainda mais gravosa – tem como teleologia essencial o branqueamento da relação dos nossos clientes com o Novo Banco, de forma adequada a iludir os candidatos à compra – a não aceitação de qualquer acordo que não ressarcisse integralmente os prejuízos causados.
Os lesados do papel comercial estão, do nosso ponto de vista, protegidos por provisões constituídas para garantir os seus investimentos.
Os emigrantes e os demais adquirentes de títulos a que os mesmos funcionários chamaram de depósitos garantidos, foram, literalmente burlados por uma entidade que girava sob a marca do BES e que continua a existir sob a marca de Novo Banco.
Um Estado sério, um banco central sério, não podem assumir a vigarice de mudar o nome às coisas e alijar as instituições da responsabilidade.
O Novo Banco é o mesmo banco que era o Banco Espírito Santo.
O essencial das relações jurídicas do BES passou para o Novo Banco, para quem passou, também, o essencial do património.
É, por isso, chocante que o governo tenha excluído o Novo Banco das negociações que promoveu.
Digamos mesmo que estamos perante uma refinada vigarice, em homenagem ao António Vigário do conto de Fernando Pessoa.
O destino natural do BES – destino que já deveria ter sido avançado – é o da liquidação, a que se aplicarão as regras do processo de insolvência, pelo que qualquer “acordo” que venha a ser estabelecido não será cumprido, pois que esbarrará com as regras que impedem o privilégio de credores e que, por outro lado, o BES foi desnatado e não tem dinheiro para pagar a ninguém.
Os prejuízos do BES, que eram de 3.500 milhões de euros em 3 de agosto de 2014, cresceram para a casa dos 9.000 milhões.
Quando lhe for retirada a autorização bancária, o BES estará ultrafalido.
A “solução” apontada pelas negociações, que se desenvolvem com o maior secretíssimo, nas costas dos lesados do BES/Novo Banco é muito pior do que a “solução” comercial apresentada pelo Novo Banco e que as associações e aos seus dirigentes, justamente, rejeitaram.
Oferecerão aos investidores cerca de 50% do valor que eles investiram, sem nenhuma garantia, e encostá-los-ão à parede, porque, entretanto, não terão tempo para recorrer aos meios judiciais adequados.
Na maioria dos casos estamos perante negócios relativos a valores mobiliários, cujas ações prescrevem em 3 de agosto do corrente ano.
Para já, há um efeito direto, para o qual avisei.
Os juízes estão a adiar as audiências prévias que foram marcadas, com o argumento de que há negociações em curso para resolver o problemas dos lesados do BES/Novo Banco.
Tal como era previsível.
Sustentei – e queria dizê-lo na cara dos meus colegas e dos dirigentes associativos – que os advogados não deveriam envolver-se nestas negociações, sob pena de prejudicarem os processos judiciais.
Fui a Paris para dizer isso, num dia em que a Helena Esteves sabia perfeitamente que eu tinha que fazer diálise.
Ficou combinado que eu estaria presente na ponta final da reunião.
Para além de mentir ao auditório, informando as pessoas que eu me tinha sentido mal e tinha ido ao hospital, encerrou a reunião, para que eu não pudesse falar. E eliminou os meus comentários no site da AMELP, proibindo-me, outrossim de escrever no mesmo.
Sempre defendemos que as associações tinham um papel muito importante nesta luta pela defesa dos interesses dos lesados do BES/Novo Banco.
Mas não podemos deixar de entender outrossim, que elas podem ter um papel nocivo, quando prejudicam ou põem em causa, a pretexto de interesses próprios ou de interesses obscuros, o andamento dos processos judiciais, que não se movem nem por favores nem por via do tráfico de influências.
As noticias de hoje apontam para a preparação, com o apoio das associações e de alguns advogados, de uma proposta de ressarcimento de 50% dos valores investidos, a prazo e sem nenhuma garantia de efetivo pagamento.
Já se sabia a 2 de abril que isto estava a ser cozinhado. E até houve quem dissesse que eu tinha ido a Paris para apoiar esta negociação.
Fui, justamente, com a intenção de dizer o contrário.
Eu tenho as mãos limpas…
Lisboa, 16 de abril de 2016
Miguel Reis
PS – Irei a Paris e a Genève, muito proximamente, para explicar a nosso posição nesta matéria.