Um dos mais delicados
problemas das sociedades anónimas é o do totalitarismo das das maiorias.
Esse problema é
especialmente acutilante nas sociedades abertas.
Um pequeno grupo pode,
com alguma facilidade, tomar o poder de uma grande sociedade que se encontre em
crise, lançando uma oferta de aquisição de ações que lhe permita o seu
controlo, se não houver limitações aos direitos de voto.
Por isso mesmo, o
mecanismos a que, tradicionalmente se recorre para evitar esse tipo de “golpes”
é o da limitação dos direitos de voto.
A lei portuguesa
permite que sejam emitidas ações preferenciais sem voto e que os direitos de
voto dos acionistas sejam limitados, por via estatutária.
É muito controversa a
questão de saber se é legalmente admissível alterar os estatutos num quadro em
que se ultrapassem as limitações do direito de voto.
Imagine-se que uma
determinada sociedade garantiu nos seus estatutos originários que nenhum
acionista teria direito a mais de 15% dos direitos de voto, ainda que fosse
titular de ações representativas de percentual superior.
Para alterar os estatutos,
segundo a interpretação que perfilhamos seriam necessários os votos
representativos de pelo menos 51% das ações, considerando as limitações emergentes
de tal norma estatutária.
Esses 51% poderiam
corresponder a 90% ou mesmo 99% do capital social, desde que nenhum dos
acionistas e apresentasse a representar mais do que
Porém tal alteração
seria impossível se fosse votada por dois acionistas, um com 20% das ações e
outro com 70%, pois que a soma dos votos, havendo limite, não seria superior a
30%.
O que o Decreto-Lei nº
20/2016, de 20 abril vem pôr termo a estas cautelas estatutárias, no que se
refere às instituições de crédito e sociedades financeiras.
A partir de agora, mas com efeitos
retroativos, as instituições de crédito podem revogar as cláusulas estatutárias
limitadoras do direito de voto, chacinando os acionistas qualificados
protegidos por essas cláusulas.
Para além do uso de direitos próprios sem limites,
fica aberta a porta às coligações de acionistas ou mesmo aos alugueres de ações.
Ao contrário do que se afirma no preâmbulo do
diploma, a alteração reduzir o interesse pelo
investimento em bancos e sociedades financeiras portuguesas.
Um investidor que tenha dinheiro para
adquirir ações representativas de 20% ou 25% do capital tem muito mais
interesse em investir se tiver a garantia do limite dos direitos de voto por
acionista do que se não houver não houver nenhum limite.
No caso BPI, para o qual o Decreto-Lei nº
20/2016, de 20 abril fez uma solução por medida, o Caixabank tem 44% do capital
mas tinha o seu direito de voto limitado a 20%.
A Santoro, de Isabel dos Santos, tem ações
correspondentes a 18,6%, o que lhe confere direitos de peso muito idêntico aos
do maior acionista.
O diploma agora publicado permite ao
acionista maioritário eliminar as limitação ao direito de voto, bastando para
isso, que convoquem e façam aprovar, por maioria simples e sem limitação uma alteração
que ponha termo a tais limites ou diligenciar no sentido de a assembleia geral
não reunir com esse tema na ordem de trabalhos, pois que, nesse caso, caducam as restrições ao direito
de voto.
Não podia imaginar-se melhor demonstração da
proteção do totalitarismo das maiorias.
Imaginando-se que não havia outros
acionistas, bastaria ao Caixabank estar quieto e não haver nenhuma assembleia
geral para fazer cair as limitações dos direitos de voto, passado o banco
espanhol a ter 44% e Isabel dos Santos a ter 18,6%, em vez de 20% contra 18,6%.
O maior problema reside no facto de esta
prática não ser honesta.
Isabel dos Santos foi, inequivocamente,
enganada; mais do que isso, sujeita a diversas armadilhas.
Deve estar a dizer que estes portugueses são
uns vigaristas.
E tem razão.
Isto não é sério. Não se faz.
Miguel
Reis