sexta-feira, dezembro 30, 2022

A questão da indemnização de 500 mil euros a uma administradora da TAP

 

A perversão dos meios de comunicação, do jornalismo e da política e, quiçá, do direito

 

Assistimos, no final do ano de 2022, a uma perversão dos meios de comunicação, do jornalismo e da política.

Tudo começou com uma notícia do “Correio da Manhã” informando que Alexandra Reis, atual secretária de estado do Tesouro, recebera 500 mil euros de indemnização pela renúncia negociada a um cargo de administradora de uma empresa do grupo TAP.

O modelo de governo societário da TAP pode encontrar-se neste endereço.

A notícia do pagamento de uma indemnização à administradora Alexandra Reis foi publicada pelo CM e, imediatamente após, começou uma onda de especulações, de inverdades e de comentários imbecis, porque sem nenhum fundamento fáctico.

Menos de uma semana depois, pretendem os líderes dos partidos da oposição, os jornais e os comentadores das televisões que está aberta uma crise politica, justamente porque o ministro das Finanças, Fernando Medina sugeriu a Alexandra Reis que pedisse a demissão e porque, na sequência disso, o próprio ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, entendeu seguir-lhe o rasto.

É a democracia a funcionar e, perante isso, os comentadores e os políticos da oposição entendem que estamos perante uma crise política, chegando ao ponto de pedir a dissolução do parlamento e a convocação de eleições.

Os jornais, as estações de rádio, as televisões e políticos têm multiplicado os disparates, de uma forma grosseira.

Releva, em primeiro lugar que, aparentemente houve uma divergência de opiniões no interior dos conselhos de Administração da TAP, tendo sido a administradora Alexandra Reis forçada a pedir a exoneração do seu cargo.

Ao que para parece, a administradora apresentou tal pedido ao conselho de administração, que, em princípio, é incompetente para o aceitar ou rejeitar, bem como para nomear outro administrador.

A competência para a nomeação de administradores é dos sócios e exerce-se por via das assembleias gerais.

O mesmo é válido para a apresentação de pedidos de exoneração ou demissão de administradores, que devem ser dirigidos ao presidente da mesa da assembleia geral, no caso ao

Os administradores  das sociedades não são trabalhadores por conta de outrem; não estão vinculados por contrato de trabalho e, em princípio, podem ser livremente demitidos pela Assembleia geral, sem direito a qualquer indemnização.

No que respeita aos gestores públicos, rege o disposto no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei nº n.º 71/2007, de 27 de Março (novo estatuto do gestor público).

Dispõe o artº 26º desse Estatuto:

1 - O gestor público pode ser demitido quando lhe seja individualmente imputável uma das seguintes situações:

a) A avaliação de desempenho seja negativa, designadamente por incumprimento dos objetivos referidos nas orientações fixadas ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, ou no contrato de gestão;

b) A violação grave, por ação ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa;

c) A violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos;

d) A violação do dever de sigilo profissional.

2 - A demissão compete ao órgão de eleição ou nomeação, requer audiência prévia do gestor e é devidamente fundamentada.

3 - A demissão implica a cessação do mandato, não havendo lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções.

É especialmente relevante o disposto no nº 4, que expressamente exclui a possibilidade de pagamento de qualquer compensação pela cessação de funções-

 

O artigo 26º refere-se à  Dissolução e demissão por mera conveniênciaVer jurisprudência e dispõe o seguinte:

1 - O conselho de administração, a comissão executiva, o conselho de administração executivo ou o conselho geral e de supervisão podem ser livremente dissolvidos, ou o gestor público livremente demitido, conforme os casos, independentemente dos fundamentos constantes dos artigos anteriores. Ver jurisprudência

2 - A cessação de funções nos termos do número anterior pode ter lugar a qualquer tempo e compete ao órgão de eleição ou nomeação. Ver jurisprudência

3 - Nos casos previstos no presente artigo e desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses. Ver jurisprudênciaVer diploma

4 - Nos casos de regresso ao exercício de funções ou de aceitação, no prazo a que se refere o número anterior, de função ou cargo no âmbito do sector público administrativo ou empresarial, ou no caso de regresso às funções anteriormente desempenhadas pelos gestores nomeados em regime de comissão de serviço ou de cedência especial ou ocasional, a indemnização eventualmente devida é reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga.

            Não se alcança em nenhum destes normativos a fundamentação para o pagamento da indemnixação de 500.000,00 €.

O artº 280º do Código Civil dispõe o seguinte:

Artigo 280.º Requisitos do objeto  negocialVer jurisprudênciaVer doutrinaVer formulários

1 - É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.Ver jurisprudência

2 - É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.Ver jurisprudência

É essencial analisar o que aconteceu, efetivamente, pondo, desde logo, termo ao acordo de confidencialidade, que entendemos ser nulo à luz do artº 280º do Código Civil.

Se o acordo for nulo, Alexandra Reis fica obrigada a devolver os 500.000,00 €, por força do disposto no artº 289º,1 do Código Civil, em que se lê que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

Para pôr termo a esta embrulhada, é indispensável  que se publiquem os pertinentes documentos.

 

Lisboas, 30 de dezembro de 2022

Miguel Reis