A perversão dos meios de comunicação, do
jornalismo e da política e, quiçá, do direito
Assistimos,
no final do ano de 2022, a uma perversão dos meios de comunicação, do
jornalismo e da política.
Tudo
começou com uma notícia do “Correio da Manhã” informando que Alexandra Reis,
atual secretária de estado do Tesouro, recebera 500 mil euros de indemnização
pela renúncia negociada a um cargo de administradora de uma empresa do grupo
TAP.
O
modelo de governo societário da TAP pode encontrar-se neste
endereço.
A
notícia do pagamento de uma indemnização à administradora Alexandra Reis foi
publicada pelo CM e, imediatamente após, começou uma onda de especulações, de
inverdades e de comentários imbecis, porque sem nenhum fundamento fáctico.
Menos
de uma semana depois, pretendem os líderes dos partidos da oposição, os jornais
e os comentadores das televisões que está aberta uma crise politica, justamente
porque o ministro das Finanças, Fernando Medina sugeriu a Alexandra Reis que
pedisse a demissão e porque, na sequência disso, o próprio ministro das
Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, entendeu seguir-lhe o rasto.
É a
democracia a funcionar e, perante isso, os comentadores e os políticos da
oposição entendem que estamos perante uma crise política, chegando ao ponto de
pedir a dissolução do parlamento e a convocação de eleições.
Os
jornais, as estações de rádio, as televisões e políticos têm multiplicado os
disparates, de uma forma grosseira.
Releva,
em primeiro lugar que, aparentemente houve uma divergência de opiniões no interior
dos conselhos de Administração da TAP, tendo sido a administradora Alexandra Reis
forçada a pedir a exoneração do seu cargo.
Ao
que para parece, a administradora apresentou tal pedido ao conselho de administração,
que, em princípio, é incompetente para o aceitar ou rejeitar, bem como para nomear
outro administrador.
A
competência para a nomeação de administradores é dos sócios e exerce-se por via
das assembleias gerais.
O
mesmo é válido para a apresentação de pedidos de exoneração ou demissão de administradores,
que devem ser dirigidos ao presidente da mesa da assembleia geral, no caso ao
Os
administradores das sociedades não são trabalhadores
por conta de outrem; não estão vinculados por contrato de trabalho e, em
princípio, podem ser livremente demitidos pela Assembleia geral, sem direito a
qualquer indemnização.
No
que respeita aos gestores públicos, rege o disposto no Estatuto do Gestor Público,
aprovado pelo Decreto-Lei nº n.º 71/2007, de 27 de Março (novo estatuto do
gestor público).
Dispõe
o artº 26º desse Estatuto:
1 - O gestor público pode
ser demitido quando lhe seja individualmente imputável uma das seguintes
situações:
a) A avaliação
de desempenho seja negativa, designadamente por incumprimento dos objetivos
referidos nas orientações fixadas ao abrigo do artigo
11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, ou no contrato de
gestão;
b) A violação
grave, por ação ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa;
c) A violação
das regras sobre incompatibilidades e impedimentos;
d) A violação do dever de sigilo profissional.
2 - A demissão
compete ao órgão de eleição ou nomeação, requer audiência prévia do gestor e
é devidamente fundamentada.
3 - A demissão
implica a cessação do mandato, não havendo lugar a qualquer subvenção ou
compensação pela cessação de funções.
É
especialmente relevante o disposto no nº 4, que expressamente exclui a possibilidade
de pagamento de qualquer compensação pela cessação de funções-
O
artigo 26º refere-se à Dissolução e demissão por mera conveniência e dispõe o seguinte:
1 - O
conselho de administração, a comissão executiva, o conselho de administração
executivo ou o conselho geral e de supervisão podem ser livremente dissolvidos,
ou o gestor público livremente demitido, conforme os casos,
independentemente dos fundamentos constantes dos artigos anteriores.
2 - A
cessação de funções nos termos do número anterior pode ter lugar a qualquer
tempo e compete ao órgão de eleição ou nomeação.
3 - Nos
casos previstos no presente artigo e desde que conte, pelo menos, 12 meses
seguidos de exercício de funções, o gestor público tem direito a
uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao
final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses.
4 - Nos
casos de regresso ao exercício de funções ou de aceitação, no prazo a que se
refere o número anterior, de função ou cargo no âmbito do sector público administrativo
ou empresarial, ou no caso de regresso às funções anteriormente desempenhadas
pelos gestores nomeados em regime de comissão de serviço ou de
cedência especial ou ocasional, a indemnização eventualmente devida é reduzida
ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o
vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou
o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que
eventualmente haja sido paga.
Não se alcança em nenhum destes
normativos a fundamentação para o pagamento da indemnixação de 500.000,00 €.
O
artº 280º do Código Civil dispõe o seguinte:
Artigo 280.º Requisitos
do objeto negocial
1 - É nulo o negócio
jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou
indeterminável.
2 - É nulo o negócio
contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
É essencial analisar o que
aconteceu, efetivamente, pondo, desde logo, termo ao acordo de
confidencialidade, que entendemos ser nulo à luz do artº 280º do Código Civil.
Se o
acordo for nulo, Alexandra Reis fica obrigada a devolver os 500.000,00 €, por
força do disposto no artº 289º,1 do Código Civil, em que se lê que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio
têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado
ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Para pôr termo a esta embrulhada, é indispensável que se publiquem os pertinentes documentos.
Lisboas, 30 de dezembro de 2022
Miguel Reis