quarta-feira, janeiro 23, 2013

Uma conferência que fiz há muitos anos no Funchal


O Direito de Autor no Jornalismo
Notas para análise de uma questão actual


O tema que me foi proposto é-me especialmente caro por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque fui jornalista durante mais de quinze anos e guardo desses tempos uma extrema saudade, para não dizer uma permanente tentação de regresso; em segundo lugar porque o convite vem de uma associação de jornalistas e é para mim um prazer voltar a este meio e tentar dar à classe de que nunca consegui desligar-me um contributo para a resolução de um dos problemas mais prementes do jornalismo dos nossos dias.
Antes de tocar no direito de autor, importa começar por perguntar o que é o jornalismo nos nossos dias. Procurei a definição numa série de dicionários e não encontrei uma que me satisfaça. 
Apetece-me avançar com uma da minha própria lavra dizendo, de forma singela, que jornalismo é o que fazem os jornalistas, no exercício da sua actividade própria e da liberdade de imprensa. 
Não é uma definição perfeita – e até pode ser acusada de tautológica -  mas parece-me que é actual e suficientemente abrangente para, num discurso comprometido, defender o que aqui importa defender.
E a este propósito importa adiantar que, neste debate, nos dias de hoje, não é admissível uma posição de meias tintas: ou se está do lado dos jornalistas, na defesa do seu património, ou se está do outro lado na defesa do confisco desse património.
A realidade de hoje é uma realidade completamente diversa da de há dez anos, a diversos títulos.
  • A reforma Arons de Carvalho desvertebrou o sistema de comunicação social balizado pela Lei Sousa Franco, que foi uma das mais perfeitas leis de imprensa até hoje publicadas na Europa.
  • Para além do esvaziamento, por via legal, do direito dos cidadãos à informação ainda consagrado na Constituição, a reforma de 1999 pôs termos a dois direitos dos jornalistas que assumiam a maior importância: o da vinculação obrigatória por contrato de trabalho com empresa jornalística nos primeiros quatro anos de exercício da profissão e o direito de divulgação, que permitia ao jornalista exigir a publicação ou a edição do que produzisse.
  • A garantia de medidas antimonopolistas e o princípio da especialização as empresas jornalísticas, que marcaram, como elementos estruturantes, o sistema de comunicação de massas, foram arrasados pela onda liberal da reforma de 99.

Na antevisão do quadro concentracionário – e promíscuo -  que hoje vivemos o legislador de 1999, sentiu, provavelmente, um peso na consciência que o levou a introduzir, como manobra de diversão no novo Estatuto do Jornalista o nº 3 do artº 7º. Ou então agiu mesmo com a intenção fraudulenta de prejudicar os jornalistas, lançando em crise um direito que já tinham antes e que, segundo o entendimento de alguns, lhes foi retirado.
Diz esse artº 7º,3 o seguinte:
“Os jornalistas têm o direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis”.
E a questão é esta: ou o legislador quis dizer pleonasticamente que os jornalistas já gozavam de tal protecção das existentes normas do direito de autor ou, como entendem alguns e é entendimento generalizado dos novos patrões da comunicação social, pretendeu dizer que se não aplica aos jornalistas a lei vigente, carecendo a protecção do direito de autor dos jornalistas de intermediação de uma nova lei.
O que a experiência veio demonstrar é que esta segunda interpretação é a mais consentânea com a realidade, tanto mais que há actualmente dois projectos de lei no Parlamento sobre esta matéria.

Importa atentar no que é hoje o quadro da comunicação de massas em Portugal.
Só para dar alguns exemplos, sem a exaustão do pormenor, constatamos, em primeiro lugar, um grande grupo em que se misturam os interesses da Portugal Telecom, do Banco Espírito Santo, da Caixa Geral de Depósitos e da Olivedesportos, o qual controla o Diário de Noticias, o Jornal de Notícias, o 24 horas, o Tal & Qual, o Jornal do Fundão, o Açoriano Oriental, o Diário de Noticias do Funchal, a revista Grande Reportagem,  a TSF, os portais Sapo, ZipNet, PME_Link, e uma série de revistas especializadas.
Temos o grupo Impresa, que controla  o Expresso, a Visão, a Exame, o Jornal da Região, o Blitz a SIC e  a SIC Noticias, também com negócios cruzados com o Grupo Portugal Telecom, 50% da distribuidora Vasp e ainda diversas revistas.
Temos o grupo Estado, que integra na Portugal Global, a RTP, a RDP e a Lusa.
Temos o grupo Media Capital, que integra a TVI, o Independente, o Diário Económico, o Semanário Económico, uma rede de estações de rádio em que relevam a Rádio Comercial, a Rádio Cidade e a Rádio Nostalgia, o portal www.iol.pt, o jornal electrónico Portugal Diário. O grupo está agora aliado à Oni no concurso para a televisão digital.
Temos o grupo Cofina, detentor do Correio da Manhã, Record, Jornal de Negócios, Canal de Negócios, Automotor, PC Guia e diversas outras revistas,  da F. Ramada, da Vista Alegre, da Atlantis e da Celulose do Caima, agora com um projecto de conteúdos editoriais e de tecnologias da informação.
Temos, finalmente, o grupo Sonae, com o Público e o portal Clix, para além da Optimus, da Novis, dos Continente e das madeiras.

Para qualquer cultor da liberdade de imprensa num sentido clássico da expressão, trata-se obviamente de um quadro promíscuo, mesmo que alguns destes grupos ainda não se dediquem, também, ao negócio da pornografia, em termos condenáveis pelas convenções internacionais e de que já aparecem indícios.
A liberdade de imprensa sai diminuída desta mistura execrável do jornalismo com interesses económicos dos mais diversos e contraditórios.
É o mercado em sentido lato – e foi para esse mercado que foi feita a reforma, na qual não fazia, obviamente, nenhum sentido manter a obrigatoriedade de contrato de trabalho com os jornalistas durante os primeiros quatro anos da profissão e, muito menos, o direito de divulgação garantido pela Lei de 1975.
É óbvio que o que neste quadro interessa é a possibilidade discricionária de determinação do conteúdo da publicação, seja qual for o meio usado e, obviamente, a possibilidade de não edição dos trabalhos jornalísticos que, de algum modo, firam os interesses instalados.
Mas é obvio que interessa muito mais do que isso:  interessa que os conteúdos possam ser livremente usados, se possível sem nenhuma limitação legal à contratação da multiplicidade de utilizações. E é nisto que reside a questão axial da problemática do direito de autor dos jornalistas.
Quando a PT pagou mais de 120 milhões de contos pela Lusomundo, apesar desta empresa ter mais de 57 milhões de passivo acumulado não contou, seguramente apenas nem essencialmente com o valor do edifício da Avenida da Liberdade ou dos títulos dos diversos jornais nem com o negócio das pipocas nos cinemas. O elemento mais relevante do negócio terá sido a capacidade de produção de conteúdos pelos jornalistas dos diversos jornais detidos pelo grupo, sem os quais não seria viável a manutenção dos portais em que o grupo vem apostando.
Não consta que a PT tenha pago ou pense pagar o que quer que seja aos jornalistas pela sua participação nos novos negócios que gerou e que os seus próprios relatórios avaliam em milhões de contos.

Mas falemos do direito de autor.
As criações do espírito, do domínio literário, científico ou artístico, exteriorizadas de qualquer modo, são protegidas nomeadamente no que se refere à protecção dos direitos dos respectivos autores. O direito de autor é um dos direitos do Homem consagrados na Declaração Universal de 1948 e é, entre nós um direito fundamental consagrado no artº 42º da Constituição.
Numa certa  perspectiva da sua natureza é um direito cultural, posto que tem como objecto as criações do espírito. Mas, apesar da afirmação do artº 73º da Constituição, segundo o qual «todos têm direito à educação e à cultura» e do artº 78º, que vai mesmo mais longe ao afirmar um «direito à fruição cultural», não é um direito expropriado ou expropriável  pelo Estado, mantendo a sua natureza de direito individual e privado.
O direito de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial, nos termos do artº 1303º do Código Civil, num capítulo dos direitos reais que tem a epígrafe da «propriedade em geral». São, apesar disso,  profundas as divergências doutrinárias no que se refere à qualificação do direito de autor no quadro clássico do direito civil, havendo quem o qualifique no quadro dos direitos de personalidade, quem o integre no direito das obrigações e quem o considere um direito real.
Relevam no direito de autor elementos pessoais e patrimoniais, a nosso ver ainda não completamente estabilizados, que não permitem integrá-lo com facilidade nas categorias tradicionais. A componente dos direitos morais - quiçá a que maior evolução sofreu no último século, em consequência da progressiva libertação do autor-prestador de serviços - não encontra cobertura no quadro dos direitos reais. A dos direitos patrimoniais, tout court, também não encaixa, ela própria,  de forma perfeita na lógica do direito de propriedade, nem sequer na versão do time-sharing e contém aspectos que, in extremis, se encaixam melhor na problemática da gestão dos direitos de personalidade do que na dos direitos obrigacionais ou reais.
Parece, por isso, que o melhor caminho - posta a relativa autonomia que ganhou o direito de autor - será a de o qualificar como uma categoria autónoma do direito civil.
Definindo direito de autor diz  Luiz Francisco Rebello que é «o conjunto de poderes, faculdades e prerrogativas, de carácter patrimonial e pessoal, que a lei confere ao autor de uma obra literária ou artística, pelo simples facto da sua criação exteriorizada, a fim de livre e exclusivamente utilizar e explorar ou autorizar que terceiros utilizem e explorem essa obra, dentro do respeito pela sua paternidade e integridade, e de se extrair vantagens económicas dessa utilização e exploração».
É hoje pacífico que o acesso à cultura e catalisação da produção cultural passa - ao contrário do que entendia Herculano - por uma protecção eficaz das obras publicadas e é inversamente enfraquecida por uma falta de protecção ou por uma protecção insuficiente. Talvez seja por isso que, apesar de o direito de autor ser direito privado, goza de uma protecção muito especial na generalidade dos estados, designadamente em Portugal. De qualquer modo, o que é relevante, é que este aspecto confere um especial significado ao direito de autor, naquele sentido de que é o mais sagrado dos direitos de propriedade.
Há, por natureza, uma relação estreitíssima entre o direito de autor e o direito de comunicação e informação, dois direitos fundamentais. Daí decorre uma permanente conflitualidade que tem de resolver-se com recurso ao chamado princípio da «concordância prática», por um «critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito».
Embora a protecção da obra intelectual - ou melhor da «criação do espírito», para respeitar a letra do Código do Direito de Autor de 1985 - seja independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, é por demais evidente que o direito de autor ganha um especial relevo no quadro da comunicação de massas.
O fenómeno não é novo. A primeira lei de imprensa portuguesa a provada pelas Cortes Constituintes em 4 de Julho de 1821,  estabelecia no seu artº 1º que «toda a pessoa pode, d'esta lei em diante, imprimir,  publicar, comprar e vender nos estados portugueses quaisquer livros ou escritos sem censura prévia». Mas logo no artº 2º afirmava que «a faculdade de imprimir qualquer livro ou escrito original ou traduzido constitui propriedade vitalícia do seu autor ou tradutor, a qual ainda pertencerá aos seus herdeiros por espaço de dez anos». E o artº 3º determinava que quem imprimisse qualquer livro ou escrito que constituísse propriedade de outrem, perderia todos os exemplares para o proprietário e, se não chegassem ao número de mil, pagaria o valor dos exemplares que faltassem para atingir tal número.
Que justifica e como se analisa esta conflitualidade?
Verifica-se que de um lado, a ideia de direito de autor está intrinsecamente ligada á ideia de compensação do consumo (ou melhor: do gozo) de criação alheia, sendo que uma das funções dos media é precisamente essa de levar á sociedade, para sua fruição, as criações intelectuais de terceiros.
De outro lado, têm os media a obrigação de informar, não deformando nem ocultando informação, obrigação esta que conflitua, por natureza, com essa outra de respeitar o mais sagrado dos direitos de propriedade - o da propriedade intelectual - em vez de o agredir.
Em terceiro lugar alguns dos media, nomeadamente a rádio e a televisão, têm obrigações específicas de difusão de obras de terceiros, sendo que a imposição legal de tais obrigações não pode prejudicar esse direito fundamental que é o direito de autor.
Finalmente, os próprios jornais, as obras televisivas e radiofónicas e  as obras fotográficas, gerados no interior do próprio sistema mediático, são protegidos pelo direito de autor.
Parece-nos que se refere à criação jornalística, o essencial, em matéria de direito de autor,  não está no meio mas na própria mensagem independentemente do meio ou do suporte. E isso porque, independentemente da própria especialidade do género, é regra geral a de que a  obra protegida é, por natureza, incorpórea.
Mas porque razão há-de a criação jornalística ser protegida pelo direito de autor?
É regra a de que as noticias em si mesmas e os relatos de acontecimentos não merecem protecção, como, aliás, bem se compreende. Elas existem por si e não pela forma por que são comunicadas ou pela mensagem que as transporta. Mas não é a isso, à simples reprodução de notícias ou ao simples relato de acontecimentos que se chama jornalismo.
O jornalismo é, em si mesmo, uma actividade de criação intelectual. No quadro da Constituição, a liberdade de imprensa (artº 37º) emerge da liberdade de expressão do pensamento (artº 36º) e assenta na liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários.  E toda a actividade jornalística, por maior que seja o esforço de objectividade e rigor é uma actividade  intelectual e criativa. A própria noticia, no jornalismo moderno já não é a noticia anódina que marcava o noticiário das agências ou as folhas de novas da época do chumbo. Ela tem uma plástica, um ordenamento de elementos, um toque pessoal do autor que a transforma, nas mais das vezes  numa obra no sentido em que o Código do Direito de Autor considera as obras protegidas. E é no plano da notícia que, apesar de tudo, os elementos criativos poderão parecer mais ténues. Porque nas outras espécies jornalísticas, especialmente na crónica e na reportagem, seja qual for o meio, eles são absolutamente marcantes.
Haverá a tentação de desvalorizar, na base do citado preceito, todas as noticias para lhes conferir a qualidade de notícia do dia, para  efeitos da desprotecção do direito de autor. Este é um dos planos em que os jornalistas terão de investir mais em criatividade, de forma a que a mensagem se valorize por ela e pela criatividade que lhe transmitam.
O resultado da criação jornalística, desde que seja criação e não se resuma a mera reprodução de factos ou resumo de acontecimentos, sem nenhuma criatividade que acrescente aos próprios factos uma novidade em termos criativos, é claramente protegido pelo direito de autor.
Da protecção do título à desprotecção da notícia periódica
Dispõe o artº 5º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que «o titulo de jornal ou de qualquer publicação periódica é protegido», enquanto a publicação se processar com regularidade e até que passe um ano sobre a sua suspensão.
O título de jornal não é, obviamente, uma criação intelectual em sentido corrente mas uma «embalagem» de criação intelectual. E as embalagens também são protegidas.
A obra, como já se referiu, tem no quadro do direito de autor uma autonomia própria e uma imagem que a lei protege mesmo no estado de nascituro. Essa imagem é-lhe dada, em primeiro lugar, pelo seu próprio nome e pelo nome do seu autor. A lei autoral protege estes elementos de modo semelhante àquele com que a lei constitucional protege o direito à identidade ou com que a lei civil protege o direito ao nome.
Para além de proteger o titulo, a lei protege o próprio jornal incluindo-o no elenco das criações intelectuais. Mas protege o jornal como um todo que não, como já se escreveu,  as notícias do dia e os «relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados». Estas não são objecto de protecção e é nesse sentido que é hoje pacífico que o noticiário das agências de informação, no sentido tradicional,  não está protegido pelo direito de autor. Mas, ainda assim, há que adoptar especiais cautelas na interpretação do artº 7º, 1, al. a)  do CDA: nem todas as notícias ou relatos de acontecimentos diversos estão desprotegidos.  A noticia ou o relato de acontecimentos que constituam criação do espírito, nomeadamente pelo seu estilo e forma de expressão, esses merecem protecção. Se a noticia ou o relato de acontecimentos não forem peças anódinas mas estiverem marcadas pelo estilo próprio do seu autor, se forem textos assinados ou marcados pela sua criação, então deverá entender-se, aliás em coerência com o conteúdo dos artºs  173º e 174º, que merecem protecção.

O regime das prestações 
Importa abrir um parêntesis e equacionar os quadros típicas das prestações de natureza jornalística ou de colaboração literária.
Há prestações que emergem de relações laborais estabelecidas entre o jornalista e uma empresa jornalística; que são decorrentes de um contrato de trabalho sem prazo ou com prazo certo.
A lei define contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial, nos termos do artº 1153º do Código Civil legislação essa que excepciona em muitos pontos importantes o regime geral da liberdade contratual.
O que, de essencial, marca o regime do contrato de trabalho é, de um lado,  a subordinação hierárquica e do outro a prestação de uma actividade durante um determinado período de tempo, que não a prestação do próprio resultado.  O trabalhador disponibiliza a sua capacidade de desenvolvimento de uma actividade e desenvolve tal actividade sob a orientação da entidade patronal, que gere tal capacidade produtiva. 
No que se refere às prestações laborais no âmbito da actividade jornalística, a capacidade de direcção da entidade patronal – que na imprensa se exerce pelo director ou pelas chefias dele dependentes – sofre um conjunto de limitações.
Releva, neste plano a liberdade de criação e expressão do jornalista, garantida tanto pela Constituição como pelo Estatuto do Jornalista. Ao contrário do que ocorria com o Estatuto de 1979, que afirmava como direito fundamental dos jornalistas “a liberdade de criação, expressão e divulgação” o legislador de 1999 inverteu os termos, colocando em primeiro lugar a liberdade de expressão e em segundo a liberdade de criação, quando é certo que no plano lógico e no plano ontológico a segunda precede a primeira, como bem se compreende.
De qualquer modo, estabelece o artº  7º do Estatuto do Jornalista que “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer forma de censura”, o que, como bem se compreende, introduz limitações de tomo no direito de direcção que à entidade patronal assiste.
De outro lado, determina o artº 12º,1 que “os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir ou subscrever opiniões nem a desempenhar tarefas profissionais contrárias à sua consciência, nem podem ser alvo de medida disciplinar em virtude de tal recusa”.  Ainda no quadro do artº 12º, o nº 4 estabelece que “os jornalistas podem recusar quaisquer ordens ou instruções de serviço com incidência em matéria editorial de pessoa não habilitada com titulo profissional ou equiparado”, o que constitui, outrossim, uma excepção ao regime geral do trabalho.
O artº 7º,2 do Estatuto do Jornalista  garante aos jornalistas, como já se disse, independentemente do regime que os vincule às empresas, o “direito de assinar ou fazer identificar com o respectivo nome profissional registado na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, os trabalhos da sua criação individual ou em que tenham colaborado”.
E estabelece o nº 3 da mesma disposição que “os jornalistas têm direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis”. Entendemos que esta norma não carece de qualquer intermediação de lei nova, porque estamos na área dos direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos. E o regime do artº 18º da Constituição é no sentido da sua imediata aplicabilidade, sem prejuízo dos demais direitos fundamentais estabelecidos. Ora, no momento em que foi publicado o Estatuto do Jonralista já vigoravam os normativos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que enquadram a produção jornalística, não havendo nenhuma razão para sustentar que o Estatuto os veio derrogar.

Outro regime – cada vez mais em uso na área do jornalismo – é o da prestação de serviços. Nos termos do disposto no artº 1154.º  do Código Civil, “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
 O que de mais marcante tem o contrato de prestação de serviços é a independência do prestador e o resultado como objecto contratual.  A grande distinção, por relação ao regime do contrato de trabalho, está na completa independência do prestador, que age segundo os seus próprios critérios e não na dependência hierárquica do patrão.
A prestação de serviços no âmbito do jornalismo foi, durante anos, um expediente de fraude à lei. E continua, em muitas situações a sê-lo. Na maioria dos casos, a adopção de tal regime encobre autênticas relações laborais, não sendo poucos os casos em que há decisões dos tribunais nesse sentido. 
A prestação de serviços na área da informação agendada facilita, porém, o uso deste regime, seja com contraprestações certas (avenças) seja com prestações variáveis, assentes numa contabilização dos trabalhos realizados por encomenda.
Um terceiro regime é o que os franceses chamam de pige. O jornalista (pigiste) tem um tema, desenvolve-o, produz a peça jornalística e oferece-a a este ou aquele jornal, contra o pagamento de X. Trata-se, no fim de contas, de produzir autonomamente um produto e de o vender no mercado por determinado preço, convencionado com o comprador.
Para além destes quadros, a peça jornalística pode ser originária de uma agência que contratou com o jornal o fornecimento de um serviço de informação regular, com textos e imagens que ou são utilizados ou arquivados para reciclagem futura.
Em todos os quadros atrás referidos há direito de autor do jornalista desde que haja criação, ou seja desde que ele ultrapasse o simples relato de acontecimentos, a notícia singela, que, por definição não é protegida. O drama está em destrinçar a medida em que o jornalista cedeu esse seu direito de autor ao jornal e quais os limites da utilização da obra por este.
O jornal como obra colectiva
O jornal é o exemplo clássico de obra colectiva ou seja «obra organizada por uma entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome». Dispõe o artº 17º, 3 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que «os jornais e outras publicações periódicas se presumem obras colectivas, pertencendo às respectivas empresas o direito de autor sobre as mesmas». Trata-se de uma presunção legal, como todas ilidível por prova em contrário: por exemplo, se um grupo de pessoas se associar para produzir uma revista literária e acordar que o lucro da exploração de tal revista será distribuído por todos, a titulo de retribuição de direito de autor,  à razão de X por página impressa pode afastar-se a presunção, hipoteticamente invocada pela empresa editora da revista.
  A regra geral em matéria de direito de  autor sobre a obra colectiva é a de que é titular do direito a entidade que tiver organizado e dirigido a sua criação e em nome de quem tiver sido divulgada ou publicada. Todavia, se do conjunto da obra for possível discriminar a produção pessoal de algum ou de alguns dos colaboradores aplicar-se-à  sua produção pessoal o que a lei determina no que se refere às obras feitas em colaboração.
Importa, todavia, introduzir aqui uma distinção entre dois níveis da obra da natureza jornalística. Recorrendo à metáfora dos círculos havemos de considerar o jornal em si mesmo com uma obra vasta, complexa e multifacetada - um todo integrado - correspondendo a um círculo maior. No seu interior (como seu conteúdo) inserem-se múltiplos círculos de menor dimensão, correspondentes a obras dentro da obra. E alguns destes comportam dentro de si ainda círculos menores, correspondentes a prestações exteriores que absorveram.  
A cada um destes círculos há-de  corresponder, como bem se compreende,  um direito de autor autónomo.
Imagine-se que determinado colaborador de um determinado jornal diário tem nele uma coluna certa e que determinado editor resolve coligir um grupo desses artigos e publicar com eles um livro. A antologia seria constituída por «bocados de jornal» e nesse sentido há que questionar, em primeiro lugar se ela constitui ou não uma agressão ao direito que protege o jornal em si mesmo como obra do espírito.
Do que atrás ficou escrito resulta evidente que um tal facto provocaria lesões tanto no que se refere ao jornal de que os recortes são parte como no que se refere ao autor dos escritos que, sendo-o, é pelo menos, o titular de direitos morais sobre eles. Há que tomar aqui em consideração duas vertentes do direito de autor: a dos direitos patrimoniais e a dos direitos morais.
No preço de venda do jornal ao público há, evidentemente, uma componente que constitui  prestação devida pela fruição do periódico, compensando-se com tal prestação o direito patrimonial autoral de que a empresa jornalística é titular e os direitos de autor implícitos, correspondentes ao somatórios dos titulares dos pequenos círculos que compõem o jornal.  Mas essas prestações esgotam-se no uso normal (na leitura) do periódico, não retribuindo, obviamente outros tipos de fruição.
De outro lado, salvo convenção em contrário,  ao pagar ao seu colaborador uma verba certa para que ele escreva os referidos artigos, o jornal compensa apenas a fruição de que beneficia com a publicação no próprio jornal. Não compra o artigo enquanto obra autónoma nem se apossa dele, ficando apenas com o direito de o reproduzir na própria publicação.

O direito de autor sobre «obra publicada, ainda que sem assinatura, em jornal ou publicação periódica pertence ao respectivo titular e só ele pode fazer ou autorizar a reprodução em separado ou em publicação congénere, salvo convenção escrita em contrário».
Permitimo-nos discordar da opinião de Luiz Francisco Rebelo, segundo o qual «o artº 173º só é aplicável às obras cujos autores não estejam vinculados por um contrato de trabalho jornalístico, ou seja, aos colaboradores eventuais e independentes de jornais e outras publicações periódicas».  Entende esse reputado Mestre  que o direito de autor sobre as obras contidas em jornais ou publicações periódicas pertence às respectivas empresas, com excepção do que se refere «à produção pessoal dos vários colaboradores, quando esta possa discriminar-se, independentemente de ser ou não assinada».
Em nosso entendimento, a lei não permite tal interpretação, que colocaria o jornalista autor numa situação esclavagista, no caso de estar vinculado por contrato de trabalho a uma empresa jornalística. Parece-nos, aliás, que essa interpretação do princípio geral do artº 173º, 1 colide com o sentido do nº 1 do artº 174º. Afirma-se neste que «o direito de autor sobre trabalho jornalístico produzido em cumprimento de um contrato de trabalho que comporte identificação de autoria, por assinatura ou outro meio, pertence ao autor». Esta norma é, na interpretação que fazemos, pleonástica e não redutora do sentido do artº 173º, 1.

Na base da tradicional distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços e, com uma interpretação tradicionalista do primeiro conceito, concluiríamos que, havendo contrato de trabalho, a regra seria a da apropriação do resultado da actividade intelectual do empregado pela entidade patronal. O que, salvo melhor opinião,  o artº 174º,1 vêm fazer é excepcionar o que, segundo tal interpretação, seria a regra, fazendo-o em respeito tanto de uma nova concepção de contrato de trabalho, redutora da dimensão expropriante da actividade, como da concepção de direito de autor imanente ao Código.
Dir-se-à, ainda assim,  que o colaborador presta um resultado (a obra a integrar no jornal) enquanto o jornalista sujeito a contrato de trabalho presta uma actividade (participando na própria feitura da obra que o jornal constitui) e diluindo-se tal actividade na obra que o jornal constitui. E ainda que a actividade intelectual do jornalista já fica paga com o salário que recebe. A isto há que responder com a realidade: há trabalhos de colaboradores externos que se diluem no jornal e outros que se distinguem pela marca que lhes imprime ou seu autor, mesmo que não sejam assinados. Há trabalhos de jornalistas sujeitos ao regime de contrato de trabalho que se diluem no jornal e outros que se distinguem pela marca que lhes imprime ou seu autor, mesmo que não sejam assinados. Nada distingue, na sua natureza, os trabalhos de jornalistas sujeitos a contrato de trabalho dos trabalhos idênticos que sejam produzidos por colaboradores externos. Mesmo no que toca à compensação pecuniária - alegadamente compensatória do direito de autor relativo à primeira publicação - não há distinção de fundo. Os jornalistas sujeitos a contrato de trabalho recebem um salário fixo que confere à empresa o direito de publicar o que produzem; os colaboradores externos recebem uma retribuição pelas peças que produzem, que confere à empresa o mesmo direito.
A natureza da vinculação contratual não afecta, a nosso ver, nem a natureza nem a titularidade do direito de autor, desde que seja identificável a autoria. E se assim não entendêssemos, haveríamos de concluir que a norma do artº 173º, com a interpretação que dela faz Luiz Francisco Rebelo, seria inconstitucional por ofender o princípio da igualdade ao restringir os direitos pessoais dos criadores intelectuais vinculados por contrato de trabalho por relação a outros colocados em posições de facto idênticas . 
Acresce a esta razão a de que, em nossa opinião, o artº 42º da Constituição não permite um tal tipo de discriminação. A liberdade de criação cultural - expressão particular da liberdade de expressão do pensamento - é um direito individual que se projecta em três planos: o da própria criação, o da obra criada e o da sua divulgação. O direito de autor, constitucionalizado pelo artº 42º, não garante a liberdade de expressão cultural no sentido tradicional, ou seja apenas na sua primeira dimensão, mas em todas elas.
«O produto da criação cultural é considerado como propriedade espiritual do autor; a liberdade de criação cultural protege, nas vestes de direito de comunicação fundamental, todas as formas de mediação comunicativa. Daqui não resulta imediatamente uma valorização económica e um direito à publicação do produto da criação cultural, mas é evidente que a sua utilização (para fins comerciais, industriais, publicitários, pedagógicos, etc.) cria um valor económico que cai também no âmbito da protecção do direito à criação cultural».
Entender-se que o artº 173º, nº 1 se não aplica às obras dos jornalistas ou colaboradores literários sujeitos a contrato de trabalho constituiria uma forma de expropriação inconstitucional da obra por eles produzida.
O que acaba de escrever-se não é contraditado com o que vem no nº 4 do artº 174º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Aí se estabelece que «se os trabalhos referidos não estiverem assinados ou não contiverem identificação do autor, o direito de autor será imputado à empresa a que pertencer o jornal ou publicação em que tiverem sido inseridos».
Esta norma contém um artifício de técnica legislativa de natureza semelhante aos das ficções da sucessão do Estado ou da propriedade dos tesouros. Não se diz que a obra não assinada ou sem identificação do autor passa a ser propriedade da empresa jornalística mas que o direito de autor sobre ela lhe é imputado, para que não caia na rua. Excepciona-se a regra da titularidade contida no artº 11º do Código, que confere o  direito de autor ao «criador intelectual da obra», mas não se assimila a própria obra a outra propriedade. 
Parece-nos que o disposto nos artºs 173º e 174º deve ler-se de forma integrada com os princípios que subjazem aos artºs 14º e 15º. Na falta de convenção o direito de autor presume-se do criador intelectual; havendo convenção, a obra apenas pode ser utilizada para os fins previstos na respectiva convenção. Significa isto que, no que se refere, aos jornalistas e colaboradores da imprensa, não havendo convenção que estabeleça formas de utilização alternativas, se deve entender que o direito de exploração das suas obras pelas respectivas empresas jornalísticas se esgota com a primeira publicação, sem prejuízo das reedições a que alude o artº 173º, 2.
Parece-nos, de outro lado,  que o artº 30º do Código e o artº 15º al. 3) da Convenção de Berna poderão ajudar-nos a interpretar a ficção do artº 174º,4 acima referido.
Diz o artº 30º, 1 do Código do Direito de Autor que «aquele que divulgar ou publicar, com o consentimento do autor, uma obra sob nome que não revele a identidade deste ou anonimamente, considera-se representante do autor, incumbindo-lhe o dever de defender, perante terceiros, os respectivos direitos». E acrescenta o nº 2 que «o autor pode a todo o tempo revelar a sua identidade e a autoria da obra, cessando a partir desse momento os poderes de representação».
No mesmo sentido dispõe a Convenção de Berna que o editor de obras anónimas ou publicadas sob pseudónimo «é reputado representar o autor» e pode, em tal qualidade, fazer  valer os seus direitos, cessando tal representação quando o autor revela a sua identidade.
Pensamos que o disposto no artº 174º, 4 deve ler-se à luz destes preceitos e não prejudica a possibilidade de, em qualquer momento, o autor de trabalho não assinado ou o autor não identificado virem declarar a sua identidade e reclamar os direitos relativos à obra. Como não prejudica o direito que, a  nosso ver, lhe assiste de reclamar da empresa, enquanto sua representante, a prestação de contas pela gestão de direito que naturalmente lhe não pertence nos casos de utilização da obra para além dos fins convencionados.
Outro problema, em nossa opinião distinto, tem a ver com limites à utilização próprios da natureza das publicações jornalísticas e das obras nelas insertas. Há uma evidente conflitualidade entre os titulares do direito do círculo maior (o jornal) e os titulares dos direitos dos círculos menores (os jornalistas e colaboradores) que no primeiro se integram.
O jornal X não tem interesse em que o um determinado jornalista ou colaborador, autor de uma reportagem de sucesso, a reproduza noutro. Ou em que uma fotografia famosa, que ele trouxe à luz em primeira página, apareça mais tarde nas páginas de um concorrente. 
É indiscutível a titularidade do direito dos respectivos autores sobre tais obras, à luz do artº 11º do Código do Direito de Autor. Mas pelo facto de ser inserida numa outra obra também sujeita a protecção na sua globalidade (a publicação) a obra parcelar como que sofre uma capitis diminutio. Se o seu autor a quiser publicar em separado só o poderá fazer passados três meses após o início da circulação da publicação, a não ser que obtenha autorização prévia da empresa proprietária do jornal.
O preceito do artº 174º, 2 refere-se apenas a trabalhos jornalísticos realizados «em cumprimento de contrato de trabalho». Atentos os interesses subjacentes, poderia sustentar-se a tese de que essa disposição é aplicável por analogia aos casos em que o trabalho é produzido em regime de prestação de serviços ou, pura e simplesmente «comprado», como se diz na gíria jornalística. É dos usos da imprensa que a «venda» de um artigo ou de uma fotografia a determinado jornal implica a abstenção de venda dos mesmos a um concorrente. Os usos só são, no entanto atendíveis, quando a lei o determinee não é esse o caso.
O legislador do Código do Direito de Autor não estabeleceu qualquer restrição à publicação em outros periódicos ou por qualquer outro meio de trabalhos jornalísticos insertos num determinado periódico desde que os respectivos autores não estejam vinculados por contrato de trabalho.
No que se refere aos «trabalhos não assinados» ou que não contenham identificação do autor, a que se refere o artº 174º,4, dispõe a lei que só poderão ser publicados em separado por aqueles que os subscreveram precedendo autorização da empresa a que pertencer o jornal. A lei remete, por esta via, para as partes a resolução da conflitualidade entre o direito de autor presumido e o direito de autor efectivo. Presumindo-se que o direito de autor das obras não assinadas é da empresa jornalistica, poderia interpretar-se esta autorização de publicação como sendo uma autorização do tipo daquela a que se refere o artº 41º do Código, ou seja  autorização que «não implica transmissão do direito de autor» sobre a obra. Entendemos que não é essa a melhor interpretação. O artº 174º,4 refere-se a autorização «aqueles que os escreveram» ou seja aos próprios autores, o que não significa mais do que reconhecimento dos próprios autores e, por tal via, reposição do direito de autor na sua esfera natural.
Significa isto que a autorização a que se refere o artº 174º,4 tem como efeito o afastamento da presunção de titularidade do direito de autor pela empresa jornalistica e implica, por tal via, não a transmissão a que se refere o  artº 41º mas uma restitutio in integrum do direito ao seu titular.
Problema autónomo a considerar no quadro do direito autoral relativo à imprensa periódica é o que se relaciona com os textos traduzidos. No que se refere a estes - desde que se não trate de noticiário de utilização livre e relativamente ao qual a tradução também não é protegida, por extensão do princípio da liberdade de circulação de informação - registam-se três áreas de incidência do direito de autor - a do próprio jornal, a do autor do escrito e a do tradutor.
Relativamente aos direitos do jornal e do autor do escrito valem as regras já enunciadas. 

As traduções
Dispõe o artº 3º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que as traduções são equiparadas às obras originais. A tradução constitui obra derivada com protecção autónoma, mesmo que a obra originária não esteja protegida ou tenha caído no domínio público. Importa salientar que a tradução, adaptação ou arranjo supõe sempre uma prévia autorização do autor, nos termos dos artºs 68º, 2 al. g) e 169º,1 do Código do Direito de Autor, estando o tradutor obrigado a respeitar o sentido da obra original. Porém tal autorização, sujeita a forma escrita não comporta, por si, concessão de exclusivo, podendo o autor autorizar que da sua obra se façam várias traduções. 
Qualquer dos tradutores é titular de direito de autor sobre a sua tradução e, sendo a tradução usada em publicação periódica tem direito a uma compensação suplementar se a obra traduzida for utilizada para além dos limites convencionados, v.g. se for utilizada para publicação diversa ou para repetição da publicação nos termos enunciados para o regime do direito de autor nos jornais e outras publicações periódicas

 A protecção da obra fotográfica
As «obras fotográficas ou produzidas por quaisquer processos análogos aos da fotografia» são criações protegidas pelo direito de autor, nos termos do artº 2º, 1, al. h). Dispõe o artº 164º do Código do Direito de Autor que «para que a fotografia seja protegida é necessário que pela escolha do seu objecto ou pelas condições da sua execução possa considerar-se como criação artística do seu autor». A lei não protege a reprodução mecânica que por via da fotografia se obtém mas a criação que, por associação à utilização da máquina, o fotógrafo realiza. E nesse sentido se tem de entender que em nada colide esta disposição com a do artº 2º, 1 em que se afirma a protecção do direito de autor independentemente do mérito artístico ou intelectual.
A fotografia para ser digna de protecção tem de reflectir a personalidade do seu autor e revelar um trabalho de envolvimento pessoal dele, uma marca intelectual.
O autor da obra fotográfica tem o direito exclusivo de a reproduzir, difundir e pôr à venda, com as limitações da lei relativamente aos retratos e sem prejuízo do direito de autor sobre a obra reproduzida, no que respeita às fotografias de obras de artes plásticas. Parece que a obra em si mesma não deixa de ser protegida no caso de ela cair no âmbito das limitações referidas no artº  79º do Código Civil. O que o artº 165º limita é algumas vertentes do direito de autor a ela relativos - os de reprodução, difusão e venda.
No que se refere ás fotografia de obras de artes plásticas, elas são consideradas obras derivadas, comportando direitos de autor do titular da obra originária e do fotógrafo. Assim, se um fotógrafo reproduz num álbum fotográfico retratos de quadros de diversos artistas, têm estes o direito de haver prestações compensatórias dos respectivos direitos autorais.
O regime do direito de autor dos fotógrafos constitui, porém, uma excepção por relação ao regime geral que confere a titularidade do direito ao próprio autor.
Dispõe o artº 165º, 2 que «se a fotografia tiver sido feita em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, o direito de «exposição, reprodução e venda» se presume  da entidade patronal ou da pessoa que fez a encomenda.
A presunção foi estabelecida pela redacção da Lei nº 114/91, de 3 de Setembro, pois que a versão anterior do preceito afirmava que «o direito previsto neste artigo pertence à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda». Luiz Francisco Rebello considerava, na vigência da anterior versão da lei que «a titularidade do direito de autor no caso de fotografia executada no âmbito de um contrato de trabalho ou por encomenda pertence à entidade patronal ou a quem faz a encomenda, não se aplicando aqui os nºs 1 e 2 do artº 14º» que estabelecem que a titularidade do direito de autor em tal quadro se determina de harmonia com o que tiver sido convencionado e que na falta de convenção se presume que a titularidade pertence ao criador intelectual. Parece-nos que a disposição do artº 165º não autorizava, em coerência com uma leitura contextual do Código, uma interpretação tão extensiva. 
Os direitos referidos na versão original do artº 165º,1 - reprodução, difusão e venda - não esgotam todo o direito de autor, nomeadamente os direitos morais e mesmo alguns direitos de natureza patrimonial. A sobrevivência de direitos morais do autor na sua própria esfera patrimonial era e é manifesta na exigência que a lei faz de que os exemplares da obra fotográfica reproduzida contenham o nome do fotógrafo e na possibilidade que ele tem de  fazer reprimir como abusiva a reprodução se não se contiver tal menção.
De outro lado, ao estabelecer que «aquele que utilizar para fins comerciais a reprodução fotográfica deve pagar ao autor uma remuneração equitativa», influenciado pelo artº 14º,4, o artº 165º mantém na esfera do autor - mesmo daquele que está sujeito ao regime de contrato de trabalho ou que produziu por encomenda, um direito patrimonial.
Importa referir que a norma do artº 165º,2 do Código já podia, na anterior versão,  ser excepcionada por convenção em contrário. A regra era a de que o direito de reprodução, difusão e venda das fotografias pertencia à entidade patronal do autor. Mas nada obstava que se convencionasse o contrário.
Agora, para além da possibilidade de convenção, tem o autor a possibilidade de ilidir a presunção juris tantum consignada na nova versão do Código.
De qualquer modo, mesmo que nada seja convencionado, desde que a entidade patronal use as fotografias para além do resultado que haveria de ter em decorrência da tarefa normal do contratado, tem o autor direito a uma remuneração suplementar, por aplicação do artº 14º,4, já citado.
O artº 166º estabelece a presunção de que a alienação do negativo de uma obra fotográfica importa a transmissão dos direitos atrás referidos, ou seja dos direitos de reprodução, difusão e venda. Tal presunção é ilidivel mediante prova de convenção em contrário.
No que se refere à protecção dos direitos morais releva a disposição do artº 167º do Código do Direito de Autor, que estabelece que os exemplares da obra fotográfica devem conter o nome do fotógrafo e, em caso fotografia de obras de artes plásticas o nome do autor da obra fotografada. Deve entender-se que este normativo tem aplicação às fotografia reproduzidas na imprensa ou na televisão.
Dispõe o artº 167º,2 que «só pode ser reprimida como abusiva a reprodução irregular das fotografias em que figurem as indicações referidas». Na falta de tais indicações, o autor não pode exigir as retribuições previstas na lei excepto se provar a má fé de quem fez as reproduções.
No que se refere aos retratos feitos por encomenda releva um outro princípio protector do direito moral de autor. A pessoa fotografada ou os seus herdeiros podem mandar publicar, reproduzir ou mandar reproduzir a fotografia. Mas se o nome do fotógrafo constar da fotografia original, ele deverá constar também das reproduções.

As obras radiodifundidas
A obra jornalística criada segundo as condições especiais para utilização pela rádio ou pela televisão ou adaptada para esses meios é uma obra de co-autoria dos autores do texto, da música e da realização ou adaptação (artº 21º do CDA). Dispõe o artº 21º,3 que se lhe aplica o disposto na lei relativamente às obra cinematográfica, com as necessárias adaptações.
Ao direito de autor relativo à parte jornalística da obra  aplica-se tudo  que atrás se expôs, sem prejuízo de o carácter colectivo da obra implicar o respeito pelo disposto no artº 18º do CDA no que respeita a novas utilizações e á modificação da obra.
Importa considerar, porém, que no jornalismo da rádio e da televisão relevam adicionalmente outros direitos, que merecem tratamento especial no quadro da nossa lei autoral. Refiro-me aos direitos conexos emergentes da condição de actor que, no uso da sua imagem e da sua voz, os jornalistas assumem quando as emprestam à difusão. Esses direitos  afirmam-se de forma autónoma e com outros titulares quando outros lhe emprestam a voz e a imagem.


A reprodução em jornais digitais e em bases de dados e o direito a retribuição
Tenho para mim como axiomático que a reutilização de obras jornalísticas na Internet e em bases de dados carece de autorização dos seus autores e está sujeita a retribuição nos termos gerais, à luz da legislação actualmente vigente.
A criação de natureza jornalística goza da protecção do direito de autor nos termos enunciados. Daí decorre, com limiar clareza, que o mais relevante problema que, em concreto, se levanta para a aferição do direito em concreto reside na definição do direito de fruição emergente da contrapartida que, a título de remuneração ou de pagamento por uma prestação de serviço o jornalista recebeu no momento da entrega do trabalho para publicação.
Parece-nos que, salvo convenção em contrário que, os direitos de utilização emergentes do pagamento de um salário ou de um preço de prestação de serviços pela produção por encomenda ou pela entrega da pige  se esgotam com a primeira utilização.
Todas as demais utilizações deverão ser remuneradas de forma autónoma, por se tratar de novas utilizações, ainda que possam ser parciais.
É certo que o artº 75º do CDA permite a utilização livre, sem autorização do autor, de diversas obras e em diversos quadros, nomeadamente quando haja que realizar o direito dos cidadãos à informação (v.g. al. c), d) e f). Mas isso não prejudica a obrigação de retribuição do direito de autor. A livre utilização respeita apenas à desnecessidade de autorização.
Uma excepção com interesse na área do jornalismo é a que se contém no artº 77º,2 do CDA, que confere ao autor de artigos ou textos  de polémica o direito de incluir os textos do adversário em livro ou opúsculo que publique, conferindo-se a este o mesmo direito.
Merece uma palavra especial o problema da utilização dos arquivos de obras jornalísticas. Já vimos que as noticias em si mesmas não são protegidas pelo direito de autor, sendo-o, porém, a obra jornalística qua tale, a obra de criação do jornalista.  Imagine-se, a titulo de mero exemplo, que um jornalista, recorrendo ao arquivo do seu jornal, construiu, com base num conjunto de reportagens de terceiros, a sua própria reportagem sobre a situação em Timor, sendo notória a utilização das reportagens de arquivo como fonte inspiradora da sua. Imaginemos mesmo que uma das reportagens contém factos e situações que eram absolutamente inéditos antes da sua publicação. Estará este jornalista obrigado a retribuir direitos de autor dos demais?
A solução é simples de saltarmos dos jornais para a televisão e imaginarmos este quadro em tal plano, com o recurso a imagens e sons alheios. Estaríamos, nesse caso, perante uma obra compósita, para cuja realização haveria de haver autorização dos autores originários, merecendo estes a protecção do artº 20º, sem prejuízo do direito de autor  da segunda obra, relativamente à parte nova.
No plano do jornalismo de escrita, sem prejuízo dos princípios, não é tão simples, por se afigurar de grande dificuldade a distinção entre a factologia que não merece protecção e a criação intelectual que a molda. Mas, em todo o caso, há-de entender-se como regra a de que o autor originário tem sempre direito a retribuição do direito de autor emergente da utilização da obra no que se refere ao que dela é efectivamente utilizado e se possa qualificar como criação intelectual.

A gestão dos direitos de autor
Uma palavra final sobre a gestão do direito de autor. Os poderes relativos à mesma tanto podem ser exercidos pelo próprio como por intermédio de representante seu, devidamente habilitado. O Código  prevê a possibilidade de as associações constituídas  para a gestão do direito de autor o poderem fazer, agindo civil e criminalmente na defesa dos interesses dos seus associados e resultando a representação da simples qualidade de sócio.
O carácter fragmentário da obra jornalística, a  multiplicidade dos meios e a globalização inviabilizam completamente, na prática, o exercício individual da gestão do direito de autor, pelo que não resta aos jornalistas que pretendam ver protegidos os seus direitos, no plano que vimos focando, outra solução que não seja a de confiarem tal defesa a uma associação do tipo referenciado.
O Governo apresentou na Assembleia da República a Proposta de Lei nº 10/VIII, que prevê o um novo regime para a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos.
Atenta a especialidade da obra jornalística, parece-me elementar que os jornalistas se organizem e criem a sua própria entidade gestora de direitos de autor, constituindo nela uma base referencial dos seus trabalhos, visando evitar a apropriação indevida e, sobretudo, obter a remuneração das reproduções.

Os novos projectos de lei
Dois projectos de lei foram já entregues na Assembleia da República (www.parlamento.pt) visando uma nova regulação do direito de autor dos jornalistas.
O projecto do PCP encontra-se no site do Parlamento.
Do projecto do PS tivemos referência indirecta, apenas pela imprensa, não conhecendo o seu texto, que não conseguimos encontrar em nenhum sítio da net.
Da leitura do projecto do PCP ressalta, indiscutivelmente, uma melhoria da protecção do direito de autor dos jornalistas.
A grande diferença do projecto do PS estará, segundo o que li num artigo de José Magalhães publicado em A Capital, na não imposição de quaisquer balizas, deixando as questões da reutilização e da retribuição ao sabor do princípio da liberdade contratual entre os jornalistas e os utentes dos conteúdos.
Essa é uma péssima solução num quadro de quase oligopólio como aquele em que vivemos. Se a lei não proteger os jornalistas da reutilização forçada eles não terão condições para evitar o confisco que os grandes grupos de comunicação farão dos seus trabalhos, por via da imposição de cláusulas contratuais que os obriguem a liberar a utilização sem contrapartidas.
É por isso que neste debate ou se está do lado dos jornalistas ou dos grandes grupos económicos que projectam – e já fizeram – milhões de contos de lucro à custa dos conteúdos por eles produzidos.

domingo, janeiro 20, 2013

Baixa de Lisboa

 
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domingo, dezembro 23, 2012

Balanço de 2012 e perspetivas para 2013


O ano de 2012 foi, essencialmente, um ano de deceção para os portugueses.
O governo liberal de Passos Coelho aplicou, durante o ano de 2011,  medidas duríssimas, com o argumento da necessidade de equilibrar as contas públicas, que cada vez se encontram mais desequilibradas.
Nenhum resultado positivo foi alcançado na vida das pessoas e das empresas, assistindo-se a uma degradação progressiva da qualidade de vida,  da qualidade dos serviços públicos e, especialmente, da situação económica e financeira do país.
Todas as previsões relativas à redução da dívida pública falharam, nomeadamente porque se incorre no vício de ocultar os verdadeiros números da mesma, para a reduzir a um percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Se o PIB baixa, como vem baixando, cresce o percentual da dívida, por relação ao produto, mesmo que ela e mantenha em termos nominais.
Na sequência do apelo do primeiro-ministro à emigração, têm partido de Portugal para países estrangeiros centenas de milhar de pessoas, tanto operários como técnicos altamente qualificados. A emigração dessas pessoas reduz o potencial de crescimento do país, essencial para o equilíbrio das finanças públicas sem a venda do património do Estado.
Portugal foi transformado num país de velhos e de pessoas sem esperança.
Atualmente, a maior aspiração dos jovens é encontrar um emprego no estrangeiro, o que põe em causa a sobrevivência de universidades muito bem cotadas a nível mundial, especialmente em áreas como as da arquitetura  e das engenharias.
Essa imagem de país de velhos é, de certo modo, maquilhada pela existência de uma classe política muito jovem e agressiva. Eles não emigraram porque, em boa parte, não têm qualificações e nunca tiveram profissão em Portugal.
Essa classe política, jovem e parasitária, porque improdutiva, que é transversal aos partidos do arco do poder, conduziu já à perda efetiva da independência do país  e ameaça  e a sua sobrevivência. É nela que se acultura uma lógica de subserviência aos interesses do sistema financeiro, nacional e internacional e à dependência externa, derivada de contratos ruinosos, a que chamam de "ajuda externa".
Só no exercício de 2012, o Estado assumiu perto de 6.000 milhões de ativos tóxicos veiculados pelo principal "banco político" do país, o BPN, que foi nacionalizado, para ser vendido, depois de "limpo" aos angolanos do BIC.
Há em Portugal um equilíbrio de conluio e tensão dessa classe social com um grupo de políticos reformados, de que o Presidente da República é o mais evidente paradigma.
Cavaco Silva é reformado do Banco de Portugal e da Universidade Técnica de Lisboa, recebendo uma reforma global de 10.000 euros. Assunção Esteves, a presidente da Assembleia da República, também é reformada, porque foi juiz do Tribunal Constitucional durante 10 anos, recebendo, por isso, uma pensão de 7.255 euros.
A par dos jovens políticos há políticos maduros que ocupam posições importantes do aparelho de Estado e das empresas públicas e que são reformados.
O mesmo acontece com alguns dos mais famosos advogados portugueses, que prestam serviços, simultaneamente, ao Estado e às grandes empresas que com ele contratam. Também são reformados, mas não ousam divulgá-lo nem fazer constar o facto dos cartões-de-visita.

 Sem crédito bancário, porque os recursos dos bancos foram canalizados, de forma desequilibrada para o grande casino que é a bolsa global, as empresas definham e morrem, asfixiadas por uma política monetária artificial que tem conduzido a bruscas subidas do euro, por relação às principais moedas.
Só em 2012 média diária das falências - que agora se chamam "insolvências" - subiu de 10 para 58. Essa realidade é gravíssima, pois que o processo de insolvência (tal como o processo de execução) está formatado no direito português para permitir a venda do bens ao desbarato, da forma da mais insensível.
De outro lado, o Estado e a Segurança Social, onde parece não haver pessoas com conhecimentos mínimos de aritmética, opõem-se sistematicamente à recuperação de empresas quando sobre elas têm crédito, mesmo que  não tenham nenhum hipótese de cobrar tais créditos e quando os valores projetados para os subsídios públicos, em caso de insolvência, são exponencialmente superiores.
Portugal transformou-se num cemitério de empresas, muita delas excelentes, tanto no que se refere aos equipamentos como no que se refere ao pessoal.

Há quem ganhe com isso. Mas perdem todos os contribuintes, porque essa realidade gera prejuízos que são por eles suportados.
As vendas de património imobiliário por valores irrisórios conduziram, praticamente, à destruição do mercado imobiliário e ao fim da construção civil.
A insegurança relativamente ao futuro e a subida brutal dos impostos conduziu a que deixasse de ser atrativa a aquisição de empresas instaladas, mesmo que elas sejam muito modernas e evoluídas e disponham de pessoal qualificado, o que aumentou as imparidades dos bancos e vem conduzindo à socialização dos prejuízos emergentes da destruição do capital industrial do país. 
Os bancos não recebem as prestações da locação financeira, tanto mobiliária como imobiliária, acabando as imparidades por ser financiadas pelo Estado, à custa de divida pública.
Mas esse quadro pode mudar a breve prazo.

Só entre 2008 e 2011, o Estado deu aos bancos 47.450 milhões de euros, preparando-se para lhes emprestar mais 12.000 milhões em 2012.
Na União Europeia, os financiamentos aos bancos custaram aos estados, durante esse período, mais de 1.600.000 mil milhões de euros, tudo para tapar parte dos buracos gerados pela especulação.
A falta de crédito às empresas, que multiplicou as falências e aumentou exponencialmente o desemprego, não só tornou inviável a construção de edifícios novos como inviabilizou a recuperação de edifícios antigos para os vender no mercado, pois que nenhuma garantia existe de que eles possam ser comprados por alguém.
Muito interessante é comprar imóveis para uso próprio ou para guardar à espera da mudança da situação, investindo o mínimo em manutenção. Mas, ainda assim, é especialmente importante ponderar a realidade e as perspetivas, nomeadamente as fiscais, onde se anunciam subidas brutais dos impostos, que, todavia, os colocam em patamares comparativamente mais baixos do que os dos Estados Unidos ou do Brasil.

Apesar da crise, o euro tem mantido uma performance de valorização que só pode ser interpretada como especulativa, maxime para a consolidação das dividas contraídas em outras moedas. Quando mais elevada for a cotação do euro,  maior é a divida que for contraída em outras moedas. E, de outro lado, mais difícil é a exportação de produtos e serviços da zona euro.

O ano de 2013 é um ano de impasse na economia portuguesa.
As projeções do governo apontam para uma queda do crescimento da ordem de 1%, mas observadores qualificados calculam que essa queda será de 3%  e que o desemprego crescerá para a faixa dos mais 1,5 a 1,6 milhões de pessoas, numa população ativa de 5,5 milhões.
Apesar disso, o governo alardeia um crescimento das exportações, que não se compreende, tendo em conta a recessão que se instalou, e propagandeia a internacionalização das empresas portuguesas.
Paradoxalmente, o Estado nada beneficia dos resultados da internacionalização pois que não é interessante para as empresas portuguesas que se instalam em países terceiros, o repatriamento dos resultados.

Acreditamos que os preços do imobiliário vão continuar a baixar, apesar de se encontrarem já num limiar muito baixo. Por isso mesmo, se justifica  a maior prudência nos projetos de aquisição de imóveis, pois que os mesmos podem parecer muito baratos, em termos comparativos, mas são caríssimos nas atuais condições do mercado.
Portugal é um dos 27 estados da União Europeia e isso pode representar, quiçá, a mais importante mais valia para quem pretenda investir no país, com vista à entrada nos mercados europeus.
O facto de os impostos serem muito elevados permite, apesar de tudo (especialmente do regime dos preços de transferência) criar modelos que permitam reduzir os valores da matéria coletável em Portugal, desde que o investidor controle a produção a montante.
Acreditamos que 2013 será um ano de crescimento do investimento estrangeiro em Portugal, especialmente no imobiliário para uso familiar e no investimento para reserva de valor. Esse é um os aspetos mais positivos da governação liberal que o país vem suportando.
Logo que a situação - que é insustentável - seja estabilizada - os valores do imobiliário subirão, inevitavelmente, para níveis idênticos aos que tinham antes da crise.
O mesmo se diz relativamente às empresas que fecham todos os dias. Há equipamentos de todos os tipos que são vendidos para a sucata e que poderiam ser adquiridos por preços baixos e exportados para terceiros países,
Mas há, sobretudo, empresas com histórico e com tecnologia, de pequena e de média dimensão, que poderiam ser aproveitadas por industriais de paises que têm capital, para entrar no mercado europeu.
Em 2013, haverá oportunidades únicas para esse tipo de negócios.

A MRA presta serviços jurídicos aos investidores estrangeiros que pretendam fazer aplicações de recursos em Portugal

domingo, dezembro 16, 2012

A QUESTÃO DA TRANSPARÊNCIA DOS NEGÓCIOS PÚBLICOS E O SENTIMENTO ATUAL DE FINIS PATRIAE




   A situação que se vive em Portugal no final do ano de 2012 causa a uma boa parte dos que assistiram, como eu, à queda da ditadura de Marcelo Caetano uma profunda angústia.
   Tinha 22 anos, estava no quarto ano de direito e trabalhava como jornalista profissional na delegação de Coimbra do Jornal de Notícias. Um mês após a queda do antigo regime, integrei o primeiro grupo de jornalistas portugueses que foi enviado para um curso acelerado no Centre de Formation des Journalistes, em Paris.
   Frequentaram esse curso, entre outros, a Maria Elisa, o Pedro Mariano, o Mário Bettencourt Resendes, o Joaquim Vieira, o Pedro Luís de Castro, o João Pacheco de Miranda, o Manuel Bom e o João Vale de Almeida, agora embaixador da União Europeia nos Estados Unidos. Gente que tem hoje entre 55 e 65 anos.
   Penso que todos regressamos de Paris acreditando que a liberdade de imprensa, entendida como instrumental do direitos dos cidadãos à informação era essencial para a consolidação de um sistema democrático e que o esforço de rigor e de objetividade dos jornalistas deveria ser assumido como um dever fundamental.
   Essas ideias influenciaram, de forma especial, a Lei de Imprensa de 1975, que foi, até 1999, uma das mais avançadas do Mundo.
   Penso que, caídos em Portugal pouco antes do 11 de março, todos tivemos alguma dificuldade em nos adaptar à euforia revolucionária, marcados como estávamos por essa fé na objetividade, que só mais tarde, depois do 25 de novembro de 1975,  houve condições para realizar.
   Nas redações perdiam-se horas a discutir detalhes acerca de questões delicadíssimas, sobretudo quando estavam em jogo interesses de poderosos.
   Personalidades políticas com peso no país, como foi a caso de António Vitorino, Miguel Cadilhe ou Jorge Braga de Macedo foram, autenticamente, liquidados por pequenas falhas.
   Os jornalistas profissionais só o podiam ser, até à entrada em vigor do Estatuto do Jornalista de 1999, se estivessem vinculados a empresas jornalísticas por contratos de trabalho, caindo, depois disso na precariedade que colocou na miséria alguns jornalistas notáveis que acreditaram viver num país normal.
Em 1982, o novo Código Penal passou a restringir, de forma brutal, a possibilidade de prova da verdade dos factos, amplamente admitida no Código de 1929. Mas foi sobretudo  depois de 1999 que a perda de qualidade da informação se agravou.
   Passaram a acontecer “coisas esquisitas” depois da entrada em vigor da Lei nº 1/1999, de 13 de janeiro,  por razões que, em minha opinião, têm a ver com a precariedade da profissão de jornalista e com a produção em massa de cursos universitários nessa área. Dez anos depois da queda do Muro de Berlim tinham-se perdido todos os referenciais que faziam a diferença na Europa Ocidental.
Perante um escândalo que liquidou Helmut Kohl como líder da CDU, em 1999, emergiu como candidata à liderança do partido uma obscura física  criada sob a ditadura de Honecker, aquele do famoso beijo na boca a Leonid Brejenev. Chamava-se Angela Merkel, mas ninguém pôs em causa a sua criação.
   Uma das mais profundas alterações que se operou no sistema informativo, na última década do século XX,  consistiu numa redução substancial da capacidade de produção de opinião pelos jornalistas profissionais. Foi a perversão completa do princípio da liberdade de opinião, substituindo-se o mesmo pela objetivação do pluralismo por via de “líderes de opinião” gerados pelo sistema.
   Por essa via, vimos assistindo, sobretudo na última década a um condicionamento da opinião pública muito idêntico, ao menos em termos de mecânica, aos dos sistemas totalitários, sobretudo dos de raiz estalinista e maoista, que encontram nas técnicas de comunicação Lenine e de Mao Tsé Tung as suas raízes.
   Os governos aprenderam, entretanto, a gerir a informação, nomeadamente por via da filtragem de dados para jornalistas a meios da sua confiança, informação essa que, muitas vezes, é falsa mas é validada, na falta de outra, pelos referidos “líderes de opinião”.
   Nem uns nem outros têm culpa. Os primeiros acreditam das suas fontes e não podem perder tempo a investigar, porque as redações são cada vez mais pequenas e amanhã há mais notícias; aos segundos não cumpre, no quadro em que funciona o sistema, investigar se as notícias são falsas ou verdadeiras.
   Nunca se aprofundaram, como deveriam ter sido aprofundadas, as questões suscitadas pela operação do presidente Cavaco Silva sobre ações da SLN. Compreende-se que o Ministério Público não investigue altas figuras públicas. Mas não pode aceitar-se que os jornalistas o não façam, quando há duvidas que permanecem.
Nunca ninguém fez uma investigação jornalística minimamente séria sobre o buraco do BPN e, sobretudo, sobre quem beneficiou com ele, porque o dinheiro, em tanta quantidade, não desaparece assim.
   A venda das primeiras joias da coroa – as ações do Estado na EDP e na REN – foram, objetivamente, negócios escuros, porque nenhum cidadão comum, nem mesmo os mais qualificados, conhecem os seus detalhes. Basta ler os jornais ou ver os debates na televisão para compreender que eles, por regra, não sabem mais do que o que é publicado.
   Poucos cidadãos têm a noção de que o país se afunda com cada loja chinesa que se abre em Portugal, porque se endividam nela, como se houvesse um jogo secreto que transformasse as receitas de todas as lojas em dívida pública e como se os nossos partidos, por mais liberais, não passassem de correias de transmissão do grande Partido Comunista da China.
   Como o país não reagiu perante estas evidências,  agravaram-se os vícios nas privatizações que agora estão em preparação – as da ANA, da TAP e da RTP.
   Há um fosso enorme entre a informação que é filtrada para o sistema de comunicação social e o que é publicado no Diário da República, como se se pretendessem eliminar, à partida todos os candidatos  que pudesses estar interessados nos negócios, com exceção dos que receberam cartas marcadas.
   Para suportar a falta de transparência alguém injeta na comunicação social informações que são objetivamente falsas ou deturpadas, como essa de que a venda da TAP é imperativa porque o Estado não pode capitalizá-la. Então o que é e para que serve a Parpública, SGPS, SA  cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei n.º 209/2000, de 2 de Setembro ?
Começaram por nos lançar areia para os olhos e, como não reagimos, agora tentam meter-nos os dedos pelos olhos dentro.
Perdoem-me a brejeirice, mas não posso deixar de me lembrar daquela história que se contava dos brasileiros e agora se conta ao contrário.
-       Você poderia tirar o anel que está a magoar? – dizia o português...
-       Não é o anel; é a pulseira do relógio... – respondia o brasileiro.
Agora é só substituir o “português” por povo e o “brasileiro” pelos DDT (donos disto tudo) que nos governam e se governam à nossa conta.
Há muito que defendo a venda da TAP ou da maioria do seu capital, reservando o Estado um numero de ações que lhe permita, por via de um acordo parassocial, defender os interesses estratégicos do país, no quadro dos atuais regimes jurídicos do transporte aéreo, em Portugal e na União Europeia e dos tratados celebrados com terceiros estados em matéria de transporte aéreo.
Há um conjunto de direitos cujo titular é o Estado, enquanto signatário de acordos e tratados internacionais  em matéria de transporte aéreo, os quais, por natureza, não são transmissíveis a quem adquirir a companhia, mas que não devem poder ser neutralizados por ela.
Imagine-se quanto perderia a economia portuguesa se o adquirente da TAP resolvesse mudar para Sevilha, Madrid ou Casablanca os voos de e para o Brasil, Angola e Moçambique, que são dos voos mais caros do Mundo.
Defender a venda das ações do Estado na TAP ou na REN não é o mesmo que dizer que se façam doações das mesmas.
Alguns dos mais famosos economistas portugueses vêm defendendo que o valor das empresas depende dos seus resultados, de pouco ou de nada valendo os seus bens. Lembram-me os negociantes de gado, que procuravam comprar os bois de trabalho por metade do preço depois das grandes lavouras.
É a mesma lógica que justifica que se ofereçam Mercedes topo de gama,  quase novos, por valores irrisórios, nos nossos jornais, ou que se liquidem bens de capital que integram o património de empresas industriais, alguns de tecnologia de topo, a preço de sucata, lançando-se os bancos na falência e obrigando-se os contribuintes a pagar as suas loucuras.
O facto de não haver crédito e de não haver dinheiro não justifica que se venda tudo ao desbarato nem permite que se transforme em regra a compra de imóveis por 50 euros, porque ninguém apareceu na praça.
O que se está a passar em Portugal lembra-me práticas daqueles advogados vigaristas que voltaram a aparecer com o modelo usado no fim da I República. Ameaçavam os clientes dizendo-lhes que ou lhes vendiam os bens por uma tuta e meia ou ficariam sem nada. E ficavam-lhes com tudo, menos com a casa de morada da família, exigindo-lhes que os tratassem como caridosos beneméritos e não como ladrões.
Sejam quais forem os critérios,  é chocante a campanha de manipulação feita em torno do negócio da TAP. Tanto quanto se sabe, a companhia vendeu, em 2010, mais de 2.930 mil milhões de euros.
O papão de que é preciso injetar capital do montante de 300 milhões e assumir dívidas de cerca de 1.500 milhões, para justificar a pretensão de pagar ao Estado apenas 30 milhões de euros não passa de um argumento para enganar papalvos.
Isso só é possível porque estamos perante um negócio escuro, como são, atualmente, quase todos os negócios públicos, relativamente aos quais se apagaram todos os princípios da boa governança.
Vive-se em Portugal um sentimento de finis patriae, como se se estivessem a refundar todos os monstros que vimos cair na nossa juventude.