A doação do
BES/Novo Banco aos abutres americanos (II)
Não se
sabe se alguma vez entrou nalguma conta o valor do empréstimo do Estado ao
Fundo de Resolução.
Trata-se
de um empréstimo estranho, do qual não se conhecem quaisquer documentos.
Pode
até acontecer que não exista nenhum empréstimo.
As
contas podem ver-se no sítio do Fundo de Resolução, mas são tão abstratas que não
se consegue ver nelas
No
final do exercício de 2015 o Fundo apresentou um resultado líquido negativo de
mais de 158 milhões de euros, em boa parte justificado por juros dos
empréstimos contraídos e pela insuficiência das contribuições pagas pelos
bancos.
O
balanço apresentava recursos próprios
negativos de 111 milhões de euros, calculados no pressuposto de que o capital
de 4.900 millhões aplicado em ações do Novo Banco valeria esse valor.
O total
do passivo evoluiu de 4.947 milhões em 31/12/2014 para 5.173 milhões em
31/12/2015.
Em princípios
de abril de 2017, ainda não se conhecem as contas de 2017.
De
qualquer modo, é bom que se diga que o relatório de 2015 é claríssimo no
sentido da afirmação de que os recursos das contribuições dos bancos terão que
ser enviados para Bruxelas.
Citamos:
“Ainda em 2015,
registaram-se importantes alterações no regime jurídico do Fundo de Resolução.
Por um lado, com a entrada em vigor da Lei nº 23-A/2015, de 26 de março, foi
transposta para o direito interno a Diretiva 2014/59/ UE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 15 de maio, relativa à recuperação e resolução de
instituições de crédito e de empresas de investimento (BRRD). Por outro lado,
foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 129/2015, de 22 de
julho, o acordo
intergovernamental relativo à
transferência e mutualização das contribuições para o Fundo Único de Resolução
(FUR), assinado em Bruxelas, em maio de 2014, pelos Estados-Membros que
participam na União Bancária. Nos termos desse acordo, os Estados-Membros
vincularam-se a transferir para o FUR, irrevogavelmente, as contribuições a
cobrar a nível nacional, nos termos da BRRD. Assinala-se que, com efeitos a 1
de janeiro de 2016, e nos termos do disposto no Regulamento (UE) n.º 806/2014,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014 (Regulamento MUR),
o Conselho Único de Resolução (CUR) passou a ser responsável por dirigir a ação
de resolução no espaço da União Bancária, competindo-lhe assegurar o
funcionamento consistente de todo o sistema e exercer, diretamente, a função de
resolução relativamente a todas as instituições ou grupos sujeitos à supervisão
direta do BCE, bem como todos os grupos com filiais em outros Estados-Membros
que participam na União Bancária, ainda que não sejam sujeitos a supervisão
direta. Assim, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, para as instituições
abrangidas no âmbito do Regulamento MUR, deixa de ser possível o recurso ao
Fundo de Resolução para efeitos de financiamento de eventuais medidas de
resolução. Embora o Fundo de Resolução continue a ter por objeto o
financiamento de medidas de resolução aplicadas pelo Banco de Portugal nos
termos do RGICSF, o âmbito das instituições potencialmente abrangidas por essas
medidas foi reduzido muito significativamente por efeito da entrada em vigor do
Regulamento MUR, ficando na prática circunscrito às sociedades financeiras de
corretagem que não se encontrem sujeitas a supervisão em base consolidada da
empresa–mãe realizada pelo BCE, às instituições financeiras e companhias
financeiras previstas no n.º 1 do artigo 152.º do RGICSF também quando não se
encontrem sujeitas a supervisão em base consolidada da empresa–mãe realizada
pelo BCE e às sucursais de instituições não comunitárias estabelecidas em
Portugal, nos termos do disposto no artigo 153.º do RGICSF. No âmbito do
funcionamento regular do Fundo de Resolução, merecem destaque, entre as
atividades correntes desenvolvidas em 2015, o apuramento e subsequente cobrança
das contribuições devidas pelas instituições participantes, a colaboração com o
Banco de Portugal no processo de determinação dos níveis contributivos para o
ano de 2016 e a gestão dos recursos financeiros do Fundo. Conforme descrito no
capítulo 3, no final do exercício de 2015, os recursos próprios do Fundo de
Resolução apresentavam um saldo negativo de 111,8 milhões de euros, o que
representa uma redução de 433,7 milhões de euros face ao nível de recursos
próprios observado no ano anterior. Esta variação é justificada,
essencialmente, pela perda reconhecida na decorrência do apoio financeiro
prestado pelo Fundo de Resolução às medidas de resolução aplicadas ao BANIF
(-489 milhões de euros) e pela incorporação dos resultados negativos gerados no
exercício (-158,5 milhões de euros), valores que foram apenas parcialmente
compensados pelo recebimento de contribuições diretas periódicas
(31,6 milhões de euros) e pela receita proveniente da contribuição sobre o
setor bancário relativa ao ano de 2015 (182,2 milhões de euros). A análise da
situação financeira do Fundo de Resolução no final do exercício (de 2015) é apresentada no capítulo 3, em
complemento das demonstrações financeiras e das respetivas notas apresentadas
na secção II.”
É bom
que se diga, de uma vez por todas, que o Fundo de Resolução não é
participado pelos bancos.
Trata-se
– essa – da maior patranha impingida aos portugueses desde que se começou a
falar de resolução bancária.
O Fundo
de Resolução é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia
administrativa e financeira, criada pelo Decreto-Lei
n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro e regulada pelos artºs 153º e seguintes do
Regime Geral das Instituições de Crédito e Socieades Financeiras (RGICSF).
O Fundo – diz o artº 153º-C “tem por objeto
prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo
Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam
conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas.”
Os bancos pagam um imposto anual, que era regulado pelo
Decreto-lei nº 24/2013, de 19 de fevereiro.
O artº
153º-F,2 do RGICSF, na redação introduzida pela Lei nº
23-A/2015, de 26 de março diz o seguinte:
“Os recursos financeiros do Fundo devem ter como nível mínimo o
montante correspondente a 1 % do valor resultante da soma do montante dos
depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, dentro do limite
previsto no artigo 166.º, de todas as instituições de crédito autorizadas em
Portugal e do montante dos depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia do
Crédito Agrícola Mútuo, dentro do limite previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei
n.o 345/98, de 9 de
novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 126/2008, de 21 de julho, 211-A/2008, de 3 de novembro, 162/2009, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, e 31-A/2012, de 10 de fevereiro.”
Porém,
o nível mínimo de recursos financeiros do Fundo de Resolução
previsto no n.o 2 do artigo 153.º-F do Regime Geral,
com a redação dada pela presente lei apenas tem de ser atingido em 31 de
dezembro de 2024.
A doação do Novo Banco ao Lone Star é uma
atitude que carece de explicações.
Disse, timidamente, o governador
do Banco de Portugal:
“O Banco de Portugal selecionou hoje a LONE STAR para concluir a
operação de venda do Novo Banco. A assinatura do contrato pelo Fundo de
Resolução permite que seja cumprido o prazo de venda fixado nos compromissos
assumidos pelo Estado junto da Comissão Europeia, que era até 3 de agosto de
2017.
A operação de venda do Novo Banco concretizou-se após uma recomendação do Banco de Portugal ao Governo e do trabalho conjunto que se seguiu e que envolveu igualmente contactos com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Após a conclusão da venda, teremos um reforço importante do capital do Novo Banco e a entrada de um acionista que assume um compromisso de médio prazo com o banco, dotado dos meios para concretizar um plano de desenvolvimento do Novo Banco.
Face às alternativas, a venda é um passo importante na estabilização do setor bancário nacional, uma vez que garante a diversificação de investidores e reforça a credibilidade do setor por via do desfecho bem-sucedido de um processo de venda aberto, transparente, concorrencial e de alcance internacional.”
A operação de venda do Novo Banco concretizou-se após uma recomendação do Banco de Portugal ao Governo e do trabalho conjunto que se seguiu e que envolveu igualmente contactos com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Após a conclusão da venda, teremos um reforço importante do capital do Novo Banco e a entrada de um acionista que assume um compromisso de médio prazo com o banco, dotado dos meios para concretizar um plano de desenvolvimento do Novo Banco.
Face às alternativas, a venda é um passo importante na estabilização do setor bancário nacional, uma vez que garante a diversificação de investidores e reforça a credibilidade do setor por via do desfecho bem-sucedido de um processo de venda aberto, transparente, concorrencial e de alcance internacional.”
O Banco de Portugal, por seu lado, emitiu um comunicado em que afirma o seguinte:
“O Banco de Portugal selecionou hoje a LONE STAR para concluir a operação de venda do Novo Banco tendo o Fundo de Resolução assinado os documentos contratuais da operação. A assinatura do contrato permite que seja cumprido o prazo de venda fixado nos compromissos assumidos pelo Estado junto da Comissão Europeia. Após a conclusão da operação, cessará a aplicação do regime das instituições de transição ao Novo Banco.
“O Banco de Portugal selecionou hoje a LONE STAR para concluir a operação de venda do Novo Banco tendo o Fundo de Resolução assinado os documentos contratuais da operação. A assinatura do contrato permite que seja cumprido o prazo de venda fixado nos compromissos assumidos pelo Estado junto da Comissão Europeia. Após a conclusão da operação, cessará a aplicação do regime das instituições de transição ao Novo Banco.
Nos termos do acordo, a
LONE STAR irá realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de
1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da conclusão
da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos.
Por via da injeção de
capital a realizar, a LONE STAR passará a deter 75% do capital social do Novo
Banco e o Fundo de Resolução manterá 25% do capital.
As condições acordadas
incluem ainda a existência de um mecanismo de capitalização contingente, nos
termos do qual o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a
realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições
cumulativas, relacionadas com: i) o desempenho de um conjunto delimitado de
ativos do Novo Banco e ii) com a evolução dos níveis de capitalização do
banco.
As eventuais injeções
de capital a realizar nos termos deste mecanismo contingente beneficiam de uma
almofada de capital resultante da injeção a realizar nos termos da operação e
estão sujeitas a um limite máximo absoluto.
As condições acordadas
preveem também mecanismos de salvaguarda dos interesses do Fundo de Resolução,
de alinhamento de incentivos e de fiscalização, não obstante as limitações
decorrentes da aplicação das regras de auxílios de Estado.
A conclusão da operação
de venda encontra-se dependente da obtenção das usuais autorizações
regulatórias (incluindo por parte do Banco Central Europeu e da Comissão
Europeia) e ainda da realização de um exercício de gestão de passivos, sujeito
a adesão dos obrigacionistas, que irá abranger as obrigações não subordinadas do
Novo Banco e que, através da oferta de novas obrigações, permita gerar pelo
menos 500 milhões de euros de fundos próprios elegíveis para o cômputo do rácio
CET1.
A venda, uma vez
concluída, permite um significativo reforço do capital do Novo Banco e a entrada
de um acionista que assume um compromisso de médio e longo prazo com o banco,
dotado dos meios necessários à execução de um plano que garanta, em definitivo,
a plena recuperação em termos compatíveis com o papel determinante que o mesmo
tem no financiamento da economia nacional.
Este é mais um passo
na estabilização do setor bancário nacional, para a qual é vantajosa a
diversificação das fontes de financiamento permitida pela entrada de novos
investidores. Este desenvolvimento permite também o reforço da credibilidade do
setor bancário por via do desfecho bem-sucedido de um processo de venda aberto,
transparente, concorrencial e de alcance internacional.”
Estes documentos são ininteligíveis.
Vamos pedir imediatamente certidões para impugnar o negócio, porque nos sentimos (como representantes dos nossos clientes) literalmente enganados.
Depois de agosto de 2014, acalmamos muitos dos lesados do BES
sugerindo-lhes que acreditassem na Justiça.
Nunca imaginamos que o governo, o Banco de Portugal e a
União Europeia tivessem um desprezo tão grotesco pelos tribunais, tratando-os
como se eles não existissem.
Nunca imaginamos que a Direção Geral da Concorrência pudesse
considerar que a doação do segundo maior banco português não é ofensiva das
regras do mercado interno e, muito
menos, que a venda, sem a mínima transparência, a um único acionista do que era
de milhões não seja perturbador de tais regras.
Mas, sobretudo, nunca imaginamos que se perdessa a noção do
que é a resolução como ato administrativo.
Ora, o que foi decidido pelo Banco de Portugal em 3 de
agosto de 2014, foi que os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais
colocados sobe gestão do Novo Banco seriam “alienados
(...) a outra ou outras instituições de crédito.”
A medida de resolução nunca teve como previsão a manutenção
do Novo Banco.
-->
(Continua)