Resolvi responder-lhe nestes termos:
"Estimado André Veríssimo
-->
Distinto Subdiretor do Negócios
Leio muito atentamente o
que escreve, normalmente sem comentários e com um prudente silêncio, como é
próprio de que defende interesses de terceiros.
Não posso, porém,
deixar de comentar o que escreveu na edição de 7 de abril, sob o título de “Lesados
do Novo Banco”, talvez porque isso me diz respeito a mim próprio, como
contribuinte.
Parece que todo este
País está com Alzheimar e que os jornalistas estão especialmente afetados.
Já ninguém se lembra da
medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco Espírito Santo.
Foi constituído um
banco de transição denominado Novo Banco – e “banco bom” – onde foi colocado o filet mignon do BES, ficando os ativos
tóxicos no próprio BES, denominado “banco mau”.
Quando comunicou a
medida de resolução, o Banco de Portugal anunciou que “o Novo Banco, SA, é um banco constituído nos termos do nº 3
do artigo 145-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades
Financeiras”.
O artº 145º-G, nº 1 determinava, à data da resolução que “o Banco de Portugal pode determinar a transferência,
parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob
gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o
efeito constituídos, com o objetivo de
permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver
a atividade em causa.”
De forma clara e inequívoca,
em cumprimento dessa determinação legal, o Banco de Portugal escreveu o
seguinte, nos estatutos do Novo Banco:
“Artº 4º,1: O Novo Banco, SA, tem por objeto a administração dos ativos,
passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco
Espirito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades
transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do
RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos
ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou
outras instituições de crédito.”
Não
se conhece nenhuma deliberação do Banco de Portugal que tenha determinado a alteração
do estatutos do Novo Banco, parecendo-nos indiscutível que o Fundo de
Resolução, como acionista único do banco de transição, não o podia fazer, na
medida em que isso implicava uma derrogação da medida de resolução.
A
verdade é que consta do registo comercial do Novo Banco que foi alterado esse
artº 4º dos estatutos, por iniciativa do acionista único, o que se reputa
inaceitável, por ser gravemente lesivo dos interesses dos acionistas e dos
demais investidores do BES.
A
resolução bancária não pode ser um assalto ou um confisco. E por isso se afigura
absolutamente inadmissível a doação não só do espólio do assalto como, também,
do capital de giro alocado pelo Estado.
No
dia 4 de agosto de 2014, a Comissão Europeia emitiu um comunicado em que
afirmava o seguinte:
“O
Banco Espírito Santo S.A. é o terceiro maior grupo bancário português, com 80,2
mil milhões de euros de ativos, 36,7 mil milhões de euros em depósitos de
clientes e 5,8 mil milhões de euros em recursos de outras instituições de
crédito, segundo dados de 30 de junho de 2014. Estando presente em quatro
continentes e em 25 países e empregando quase 10 000 pessoas, o grupo do
Banco Espírito Santo é atualmente o segundo maior grupo bancário privado português
em termos do total dos ativos líquidos reportados.
O Banco Espírito Santo S.A. é um
banco universal constituído e domiciliado na República Portuguesa. O Banco
Espírito Santo S.A. serve todos os segmentos de clientes: retalho, empresas e
clientes institucionais, oferecendo uma vasta gama de produtos e de serviços
financeiros através de uma rede diversificada.”
E
logo a seguir:
“As regras comuns da
UE em matéria de auxílios estatais a favor dos bancos no contexto da crise
financeira incentivam a saída dos operadores inviáveis, permitindo ao
mesmo tempo que o processo de saída se realize de forma ordenada, a fim de
preservar a estabilidade financeira. Além disso, as regras devem garantir que o
auxílio se limita ao mínimo necessário e que as distorções da concorrência causadas
pelos subsídios, que dão aos bancos beneficiários uma vantagem em relação aos
seus concorrentes, são atenuadas.”
Ficou
a saber-se que a Comissão Europeia havia autorizado uma ajuda de Estado de
3.900 milhões de euros, por ter considerado que o Banco Espírito Santo era um “operador
inviável”.
Toda
a gente - a começar pelos acionistas e pelos demais investidores – acreditou no
que foi anunciado e que, no essencial, foi que aquele filet mignon do negócio
bancário do BES seria vendido a outra ou outras instituições de crédito,
autorizadas a desenvolver a sua atividade no espaço da União Europeia.
Era
isso que decorria, de forma expressa e clara, do artº 145º-G, nº 1 do RGICSF.
É
preciso que se entenda de vez que o Novo Banco, enquanto banco de transição não
é nem nunca foi dono dos ativos, passivos e elementos extrapatrimonais que para
ele foram transferidos “com o objetivo de permitir a sua posterior
alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa”.
O
Novo Banco nunca pagou nada como contrapartida de tal transferência e a lei não
permitia ao Banco de Portugal proceder a uma alienação de bens alheios.
O
Novo Banco, enquanto banco de transição, não é mais do que um veiculo de
concentração dos ativos não tóxicos do BES para proceder à sua posterior alienação a outra
instituição.
A
tentativa de vender o Novo Banco com ativos que não são seus é mais do que
ilegal. É uma verdadeira vigarice, naquele sentido que a palavra tem no conto
de Fernando Pessoa.
Não
se falsificaram notas de 100 mil reis mas falsificaram-se os estatutos do Novo
Banco, mudando-lhe o objeto social, sendo que isso não podia ser feito, por
contradizer a medida de resolução, tal como ela foi configurada pelo Banco de
Portugal.
A
trapalhada que estamos a viver é gravíssima, porque afirma uma dimensão
totalitária da política e uma vocação de destruição do direito.
Alguém
acredita que se dá um banco desta dimensão sem contrapartidas?
Eu –
digo claramente – que não acredito. E fico chocado quando na base de
pressupostos idênticos mas por muito menos dinheiro vejo crucificados outros
dirigentes políticos e gestores de grandes empresas.
Aqui
não estão em causa nem 15, nem 20, nem 30 milhões de euros. Estão em causa 82.000
milhões de ativos e 36.000 milhões de depósitos e 5.800 milhões de recursos em
outras instituições financeiras.
Ora,
os prejuízos que motivaram a resolução foram de apenas 3.577 milhões de euros e
tinham como contrapartida um capital de mais de 6.000 milhões.
Mesmo
considerando que a lei, no que toca à liquidação tem um sentido manifestamente
usurário e perverso, não havia razão para que os acionistas e os demais
investidores reagissem à medida de resolução, tal como ela foi anunciada.
Não
se acreditava que os responsáveis do Banco de Portugal fossem tão imprudentes
que destruíssem, com má gestão, o capital do Novo Banco. E, por isso, não se
afigurava chocante, atenta a enorme margem de manobra, que o Fundo de Resolução
se reembolsasse a si próprio com os montantes recebidos da alienação dos ativos
recebidos do BES.
E
isso porque, afinal, seria ele próprio liquidado, revertendo o valor da
liquidação para a massa insolvente do BES, de onde sairão os valores que hão-de
servir para indemnizar investidores e, em último grau, os próprios acionistas.
Na
mesma edição do dia 7 de abril, anuncia o Negócios que os bancos devem “vir a
intervir na gestão de ativos problemáticos do BES”. É uma nova achega, que
tampouco se entende, pela simples razão de que o Novo Banco não é um banco e
não pode ser tratado como tal, para além de que não faz sentido tratar de
ativos problemáticos, pois que todos esses ficaram no BES, como foi reconhecido
pelo Banco de Portugal.
Compreendemos
as boas intenções das esquerdas, no que se refere à nacionalização. Já
escrevi sobre essa matéria em janeiro último.
A
nacionalização não é admissível – a menos que se alterasse a lei – Lei nº
62-A/2008 de 11 de novembro, pois que, sendo a totalidade do capital detida por
uma pessoa coletiva de direito público, não há no Novo Banco “participações sociais de
pessoas coletivas privadas” e só essas podem ser nacionalizadas.
O negócio da venda ou doação das ações do Novo Banco a um fundo abutre
americano é, por enquanto o que, com toda a propriedade, se chama um “negócio
escuro”, pois que se não conhece o seu conteúdo.
Qualquer alvitre sobre o mesmo é inadmissível, razão
pela qual já pedimos as devidas certidões para, se for o caso, o impugnar nos
tribunais.
Uma coisa é aceitar, como aceitaram todos os
investidores, que o tal filet mignon
do BES fosse entregue a um banco de transição, a quem a lei impõe especiais obrigações
no que toca à preservação dos valores e à prudência na gestão.
Outra coisa é “vender” ou “doar” o capital desse
administrador de bens alheios e permitir-lhe que o mesmo passe a administrar em
nome próprio o que não comprou nem lhe pode ser doado.
Não sei onde é que viu que “a venda do Novo Banco”
pressupõe uma injeção de 1.500 milhões de euros em capital, sendo 1.000 milhões
pelo fundo e 500 mil por troca de obrigações.
Tanto quanto sei, a Lone Star não está disposta a
comprar nada.
Mesmo que tenha sucesso a ameaça feita aos
obrigacionistas para que reduzam o valor a receber em 500 milhões, isso não
corresponderá nem a uma compra nem a um participação em aumento de capital.
E se as ações forem entregues ao Lone Star sem nenhum
pagamento também não haverá compra de nada. Haverá sim empobrecimento do país,
na medida em que aliena ativos sem nada receber, criando um buraco enorme na
balança de capitais, pois que aliena a um fundo americano títulos com um valor
nominal de 3.675 milhões em nenhuma
contrapartida.
Fala-se de um aumento de capital de 1.000 milhões de
euros.
Se isso acontecesse e ser o Fundo de Resolução ficasse
com 25% do capital teríamos o Lone Star com ações representativas de 4.425
milhões de euros e o Fundo de Resolução com ações representativas de 1.475
milhões de euros.
O Fundo de Resolução perderia 3.425 milhões de euros,
o que é absolutamente inaceitável.
Mas mais do que isso perderiam os Lesados do Novo
Banco, que acreditaram nos sucessivos governos e no conteúdo das leis e estão
agora ameaçados de tudo perderem, graças
a uma vigarice muito mais grave que a do Manuel Peres Vigário do poeta.
A falsificação não é de notas de 100 mil reis.
É dos estatutos do Novo Banco e consiste em pretender,
por essa via, alterar a medida de resolução, de forma a que o banco de
transição se possa apropriar do património do BES bom.
Desculpe o tempo e o espaço que lhe
ocupei
Os meus melhores cumprimentos
Miguel Reis