domingo, março 24, 2013

Em Portugal os dirigentes estão loucos


Tenho 61 anos, nasci no tempo da Ditadura e assisti, como jornalista, aos tempos áureos da Revolução de 1974/75, em Portugal.
Vi as mudanças todas: as positivas e as negativas.
Brindei à descolonização e ao nascimento de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor.
Acompanhei a devolução de Macau à China e a entrada numa Europa a que nunca pertencemos, porque sempre tivemos, durante 800 anos, um inimigo aqui ao lado, que não nos deixava passar para o lado de lá.
Sempre defendi o favorecimento das relações com o Brasil e a África, de forma independente, em homenagem a Tordesilhas e àquele ditado que nos diz que “de Espanha não vem bom vento, nem bom tempo, nem bom casamento.”
Apostar na Espanha como principal parceiro comercial é uma asneira quase tão grande como foi a entrega do mar à União Europeia ou a venda da agricultura por meia dúzia de patacos, a troco de um política agrícola comum que nos partiu a espinha.
O euro foi a última das desgraças, exclusivamente motivada para ajudar a tapar o “buraco” alemão. Todos temos saudades do velho escudo, que nos permitia vender os nossos produtos bem vendidos, crescer todos os anos e não ter desemprego.
Éramos pobres mas vivíamos no melhor país da Europa, como o melhor sol da Europa e a melhor gastronomia da Europa.
Portugal era fantástico, antes da maldição do euro, com o qual nada ganhamos e só empobrecemos.
O confisco de Chipre é um aviso e uma esperança.
Devemos interpretá-lo como um teste, para ver a reação da Europa ao primeiro confisco de depósitos bancários feito na zona euro.
A lição do confisco de Chipre resume-se desta forma singela: quem tem dinheiro nos bancos é confiscado, de nada sofrendo, obviamente, quem  tiver os seus recursos guardados em moeda.
É a  velha lógica da preferência pela liquidez que, nos períodos de bancarrota, marca a diferença.
Por natureza não há bancarrota dos países. Há bancarrota dos bancos, quando eles não conseguem cumprir as suas obrigações para com os depositantes.
Os euros dos cipriotas, como os dos portugueses, dos espanhóis ou dos italianos, têm o mesmo valor dos euros dos alemães, com uma única condição: a de se encontrarem na sua disponibilidade, fora do sistema bancário.
Não há nenhum banco que pague juros do montante de 6,75% ao ano, o mínimo que seria necessário para compensar um confisco do tipo do anunciado em Chipre.
É certo que o governador do Banco de Portugal veio amansar os portugueses, aconselhando-os a não alimentar receios; mas ele não tem nenhuma competência nesse matéria, razão por que a sua intervenção deve ser apreciada pela negativa.
O silêncio do governo português,  relativamente a um pedido de esclarecimento da RTP, é simplesmente preocupante.
O blackout bancário em Chipre já começou e está programado até 5ª feira, o que só se justifica como medida para assegurar o efetivo confisco das contas.
Ninguém acreditava que uma tal medida fosse possível. Mas ela aí está no terreno, lançando a completa desconfiança no sistema financeiro do euro, que, afinal, não garante os depósitos até 100.000,00 €.
Não estamos perante um imposto, até porque não há lei que o preveja.
Estamos perante um confisco.
Com a mesmo prudência com que aconselhamos muitos portugueses e muitos estrangeiros a depositar os seus recursos em bancos portugueses – assumindo, naturalmente, a responsabilidade desse conselho – penso que é prudente levantar esse dinheiro e guardá-lo em espécie ou transferi-lo para outros territórios, em que não haja o risco de um confisco do tipo cipriota.
Parece-me, todavia, errado escolher a Alemanha como país de refúgio. Se  os bancos da Europa do Sul falirem, os bancos da Alemanha não ficarão em boa situação, até porque a dívida per capita dos alemães é muito maior do que a dos países do sul.
Parece-me que o melhor refúgio, nesta fase do campeonato, ainda é a moeda, ela mesma.
Levantar o dinheiro dos bancos, guardar os documentos que provam a sua legalidade... E esperar.
Amanhã pode ser tarde.


Miguel Reis

Lisboa, 18 de março de 2013


PS – Sou obrigado a escrever esta nota, que comuniquei a todos aqueles a quem aconselhei depósitos em Portugal, para que não possam acusar-me de qualquer deslealdade

Este texto tinha sido escrito antes do que se encontra abaixo publicado