terça-feira, fevereiro 28, 2006

Notícia preocupante

Leio no «Público»:


O jornal “24 Horas” vai recorrer da decisão do Tribunal de Instrução Criminal que autorizou o acesso aos computadores dos jornalistas que noticiaram o caso do chamado “envelope 9”, um documento com registos de chamadas telefónicas de altas figuras do Estado, anexo ao processo Casa Pia.
"Vamos recorrer para a Relação e utilizar todos os meios jurídicos que possam impedir a violação do segredo profissional dos jornalistas", confirmou Pedro Tadeu, director do “24 Horas”.
Segundo a edição de hoje do PÚBLICO, o juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa que está incumbido de investigar a alegada divulgação indevida do “envelope 9”, considerou que o acesso aos computadores dos jornalistas, com eventual devassa do sigilo profissional, é uma violação inferior ao crime que está em discussão.
Para o Ministério Público, o facto de terem sido os jornalistas a descodificar a lista de chamadas (acedendo a outros números que não apenas o de Paulo Pedroso) transforma-os nos autores do crime, o que é considerado mais grave do que os segredos que os jornalistas pretendem guardar – uma tese que foi validada pelo magistrado, ao autorizar o acesso aos computadores, selados desde que foram apreendidos pela Polícia Judiciária.
Em declarações à Lusa, Pedro Tadeu garantiu que o “24 Horas” não se conforma com a decisão, pelo que os advogados do jornal e do Sindicato de Jornalistas estão a estudar formas de impedir que seja violado o segredo profissional.
Contudo, não é garantido que o recurso para a Relação tenha efeitos suspensivos e que, até à decisão dos juízes desembargadores, os computadores dos jornalistas não possam ser vasculhados, adianta o PÚBLICO.
O caso do "envelope 9"O “envelope 9”, apenso ao processo Casa Pia, continha várias disquetes com a facturação detalhada do telefone do deputado Paulo Pedroso, arguido no caso, mas contra quem não chegou a ser deduzida acusação.
No entanto, o “24 Horas”, que teve acesso ao documento, noticiou no passado mês de Janeiro que a listagem, em suporte informático, continha milhares de registos de chamadas efectuados por outros 208 números de telefone, ocultados por um filtro de fácil remoção.
Entre os números de telefone listados figuravam o do Presidente da República e de várias outras altas individualidades do Estado, como o próprio Procurador-Geral da República.Segundo explicações da Portugal Telecom, todos os telefones da lista pertenciam a uma das contas do cliente Estado, pelo que quando foi a procuradoria solicitou a facturação de Pedroso, à época ministro, foi enviada a lista com todos os números pertencentes à mesma conta, ainda que ocultados pelo filtro informático.
No âmbito da investigação ordenada pelo Procurador-Geral a este caso, a PJ efectuou no passado dia 16 uma busca à redacção do “24 Horas”, apreendendo o computador do jornalista Joaquim Eduardo Oliveira, um dos autores da notícia. Também o computador do jornalista “free-lance” Jorge Van Krieken, que participou na investigação, foi apreendido durante uma busca à sua residência.
Os dois jornalistas e o director do “24 Horas”, igualmente constituído arguido neste caso, negam, no entanto, ter acedido de forma indevida aos dados, alegando que “informação não está em segredo de justiça desde Janeiro de 2004”."Não fomos nós que tivemos acesso à informação. Nós limitámo-nos a denunciar a situação", declarou Van Krieken, na semana passada, em declarações à Lusa.
Os advogados do jornal “24 horas” requereram também já a nulidade das diligências de busca e apreensão feitas às casas de Jorge Van Krieken e à redacção do jornal.
O requerimento foi apresentado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa no dia 20 de Fevereiro, dia em que o jornalista Joaquim Eduardo Oliveira foi interrogado e constituído arguido.
O processo criminal em Portugal vem sendo marcado, nos últimos tempos, por uma completa inversão de valores e por uma intolerável prepotência das instituições policiais e do Ministério Público. Mas este caso importa muito mais do que isso: ele marca, se nada se fizer, o fim da liberdade de imprensa com a dimensão e aquele conteúdo que pareciam estabilizados em trinta anos de democracia.
Os diversos reguladores - desde o Conselho de Imprensa à Alta Autoridade para a Comunicação Social, passando pelo Conselho da Comunicação Social - sempre entenderam que a investigação jornalística tem carácter absolutamente autónomo por relação à investigação judiciária e que é lícito ao jornalista investigar os mesmos factos de forma independente, sem que possa ser forçado a denunciar as suas fontes.
A devassa de um computador de um jornalista é a maior devassa que se pode fazer à liberdade de imprensa. E nada - mesmo nada - a justifica, a não ser que se considere que ela não tem nenhuma importância e que o que é mesmo importante é descobrir os métodos que levaram a que o jornalista descobrisse uma prática manifestamente ilegal de alguém que levou ao processo dados sobre a privacidade de pessoas que nada têm a ver com ele.
As instituições policiais e judiciárias parecem estar a fazer um uso indevido do processo, a benefício dos seus próprios interesses. E o dramático de tudo isso está em que põem em causa um pilar essencial ao bom funcionamento do sistema democrático.
Se for possivel violar os computadores dos jornalistas não se poderá falar mais de liberdade de imprensa em Portugal.
É bom que os jornais comecem a pensar em colocar a sua informação no estrangeiro, em local seguro e inacessivel e que os jornalistas coloquem nos seus computadores dispositivos de segurança que os limpem completamente à minima tentativa de intrusão.