sexta-feira, outubro 27, 2006

Comerciante deportada de Dublin denuncia espancamento na Europa

Uma vergonha...

Luzia Procópio foi confundida com prostituta e foi presa na Irlanda



Mariana Rios

Em sete dias, a comerciante paulista Luzia Procópio, 34 anos, conheceu o inferno na Europa. Detida no aeroporto de Dublin, de onde foi deportada pelo serviço de imigração irlandês, ela desembarcou ontem à noite no Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães. Abatida, prestou depoimento no posto da Polícia Federal e relatou o preconceito, as agressões e humilhações pelas quais passou em território europeu. Casada, mãe de dois filhos, Luzia, bastante emocionada, conversou com jornalistas sobre o sonho transformado no pior pesadelo de sua vida.
Foram dois dias, em uma solitária em Dublin, interrogatórios, as roupas jogadas no chão, a mala remexida, a agenda vasculhada. Os agentes de imigração procuravam o contato de Luzia numa possível rede de prostituição na Irlanda. Com os lábios trêmulos, contou sobre os socos que levou de duas policiais femininas, na altura do estômago, no lado direito, e dos pontapés, quando colocaram-na numa pequena cela, que chamou de solitária. Intérprete, através de um telefone, só no segundo dia.
De volta a Lisboa, aguardou por cinco dias numa sala, alimentando-se, conforme relatou, com sobras de alimentos servidos em aviões. Queixando-se de dores, recebeu um analgésico. Dividiu em 12 parcelas de R$295 o desejo de conhecer capitais européias e mesmo com a passagem de volta em mãos foi tratada como uma intrusa. “Quero justiça. Vou encaminhar o meu protesto ao Consulado em Brasília. Se não queriam minha presença lá, não precisavam agredir. Nunca me senti tão humilhada”, afirmou, explicando que por uma questão de saúde, perda progressiva da visão, o marido não pôde acompanhá-la.
A brasileira não seguiu para São Paulo porque não tinha 248 euros. Desembolsou cem euros para comprar a passagem de volta para Salvador. Ela seguiu para Lisboa no dia 16 de outubro, chegou em Dublin no dia 18, e pretendia seguir para Madri e Paris, e retornar para a capital portuguesa. Desembarcaria no Brasil, no próximo dia 16. “Não volto nunca mais”, disse Luzia antes de prestar depoimento ao coordenador da Polícia Federal no aeroporto, Francisco Gonçalves, informado sobre o caso pelo adido do órgão na Europa.
Após o pouso da aeronave da TAP Air Portugal, cujo vôo durou cerca de oito horas até o Brasil, mais quase três horas de atraso para o desembarque, em razão das condições climáticas, Luzia contou sua saga. Nas mãos, o passaporte, que apresentou ao coordenador, com o carimbo da imigração irlandesa, que traz uma cruz, símbolo de que não foi aceita, e outro da imigração portuguesa. Ela entregou ainda uma carta do serviço irlandês de que não foi aceita e notificação da polícia portuguesa, obrigada, por um acordo internacional a cumprir as deportações dos países signatários.
Segundo Gonçalves, o depoimento e toda a documentação seguem para a Divisão de Controle de Imigração da Polícia Federal, em Brasília. Então, será encaminhada para o Ministério de Justiça e para a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). “O governo brasileiro cobrará uma posição sobre o que aconteceu”, declarou. Somente essa semana, pontuou, foram 15 brasileiros deportados que desembarcaram em Salvador. “As mulheres são mais discriminadas na Europa. Brasileira, sozinha, na Europa é taxada de prostituta”, concluiu Gonçalves.
Perguntado sobre como a atitude de Luzia mudaria tal situação, pontuou que a denúncia é uma forma de protesto. “São poucos os deportados que nos procuram”. Até as 21h de ontem, o dia de Luzia não tinha terminado. Ela continuava depondo na Polícia Federal.

http://www.correiodabahia.com.br/

segunda-feira, outubro 23, 2006

Luso-descendências...

Não resisto a publicar esta mensagem enviada por uma luso-descendente ao PortugalClub.
Sem comentários. Vale para memória futura.


Prezados Amigos,

Agradeço por vocês por me aceitarem no grupo, mas antes quero esclarecê-los do porque sobre a minha decisão. Eu estou no Brasil e sou filha de português e bisneta de espanhois e alemão, logo o passaporte português ficou "mais fácil" para eu tirar, então, esperei muito tempo (desde 2004) a boa bontade do Consulado Geral de São Paulo para que isto finalmente acontecesse em Maio deste mesmo ano. Logo, eu começei a acessar muitos sites sobre Londres e achei bastante coisas interessantes. Como eu sei que ficar longe da pátria é difícil, já tem um bom tempo que procuro me enturmar com pessoas de minha língua para trocar informações sobre a cultura britânica, emprego, etc., antes de embarcar.
Como sei um pouco de inglês, localizei algumas agências em Londres e já saio do Brasil empregada em Outubro de 2006, graças a Deus! Estou nos preparativos.
Mas enfim, procurei contatos interessantes e lamentavelmente no msn achei um grupo de pessoas brasileiras falsificando passaportes na maior cara de pau e oferecendo para quem ainda está no Brasil. E infelizmente o nosso, é o que tem maior giro!
Eu estou envergonhada da palhaçada que infelizmente alguns brasileiros estão fazendo descaradamente e ainda humilhar as pessoas decentes que debatem contra este tipo de coisa.Eu coloquei este e-mail
critico69@servidor.com.br , porque o outro e-mail pessoal que havia cadastrado anteriormente, recebi insultos de uma tal de Darlene da Silva me chamando de ignorante e que as pessoas no Brasil morrem de fome, por isto fazem este tipo de coisa.
Que eu saiba, apenas no Norte e Nordeste isto acontece, porque no Sul o padrão de vida é muito bom e parece um pedaço da Europa e as cidades são limpas e organizadas. Gramado é um verdadeiro sonho! Em São Paulo, tem muita pobreza e crimes organizados, pessoas perambulando pelas ruas, mas no final de feira é um pecado tantas frutas e legumes que sobram e ficam pelo chão! Então, eu tenho 36 anos de SP e nunca vi ninguém morrer de fome e sim de frio , mendigos de rua que não suportam nosso inverno. O programa que nosso presidente tanto fala da fome zero é para pessoas do Norte, Nordeste, daí sim isto acontece!
Mas elas são tão miseráveis que vivem em meio rural e não sabem nem o que é um automóvel! Acho improvável que saibam o que é uma viagem internacional e como penetrar em países de 1º mundo. É lógico, que no Nordeste, devido ao turismo tem muitas prostitutas que acabam tendo este acesso e querem uma vida melhor em troca de "serviços" e também temos problemas de conjuntura em todo país com nossa economia instável, taxas e impostos que lamentavelmente nossos governantes não param de aumentar a cada dia, mas é um absurdo usar estes argumentos como desculpas esfarrapadas para pessoas se venderem e conquistar dinheiro!
Uma passagem custa mais de R$ 2500,00 e documento falso também não é barato!
O pior foi receber o e-mail em letras maiúsculas, o que denota total falta de educação me chamando de filinha de papai e ignorante.
Ainda com erro grosseiro de português! Quem sabe foi um erro de digitação, mas é vergonhoso que até o termo nóis é usado frequentemente por algumas destas pessoas. Então, infelizmente vou ter que procurar outros grupos para conversarmos coisas que me enriquecem culturalmente e me trazem paz de espírito. Porque eu posso até concordar com a mesma que realmente sou "ignorante" e nunca saí de minha pátria, então eu admito que tenho muito para aprender... Mas aqui no Brasil eu cursei 3 Universidades e tenho ótima formação e não sou filhinha de papai como a mesma citou em suas ofensas. Meu pai veio para o Brasil em 1951 e trabalhou duro para deixar 3 filhas com diploma superior. Deixo saudações para os que estão longe de suas famílias, porque só estando fora para sentir o gosto desta experiência que vou sentir a partir de Outubro.
Eu pretendo contribuir com este espaço com boas informações e peço desculpas pelo meu desabafo e minha indignação.
Magali Parreira

quinta-feira, outubro 12, 2006

Comunicado do Consulado de Portugal em S. Paulo

Tinha decidido evitar, tanto quanto possível, voltar a referir nest blog os acontecimentos do Consulado Geral de Portugal em S. Paulo.
Publiquei a carta dos funcionários, que é por si sintomática.
Não posso deixar de publicar a resposta do Cônsul, agora conhecida através de comunicado:
Comunicado


Não posso deixar de manifestar publicamente a minha enorme indignação com mais uma peça de finíssima manipulação lançada para o caldeirão dos azedumes, infâmias e mentiras que um pequeno grupo de pessoas vêm enchendo e remexendo desde que acabaram as filas de espera no Consulado-geral em São Paulo, há dois anos atrás.

Trata-se de uma carta enviada ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, datada de 28 de Setembro mas tornada hoje pública, cujos 15 subscritores, “funcionários dos quadros” que são também membros do sindicato STCDE, ou, como a si próprios se classificam, os “donos da casa”, se queixam de estar a ser “moralmente assediados”, não só por mim, o que não seria novo, como por uma coligação de “coniventes”, composta afinal por todos os outros, desde os restantes 15 trabalhadores administrativos, dos quais 12 são depreciativamente chamados de “visitas”, isto é, “prestadores de serviço” e “contratados”, até aos agentes de segurança e às empregadas da limpeza, acusados unanimemente de terem “arrogância”.

Ao meu escândalo incontido com esta desconsideração inqualificável pelos que hoje em dia mais contribuem para os níveis elevadíssimos de serviço do Consulado, e cujo comportamento pessoal se caracteriza justamente pela discrição e humildade, soma-se também a perplexidade com o que poderia eventualmente substanciar tais queixas de perseguição:

Perseguidos porque a sua correspondência privada é violada? Não, certamente, pois não se compreenderia que o endereço do Consulado-geral de Portugal em São Paulo continuasse a ser usado para fins privativos.

Porque são deliberadamente filmados? Mas para quê e como, pois se, das dez câmaras que são usadas no Consulado, sete estão no exterior, uma na Sala de Espera dos utentes, e duas no Centro Emissor de BI, das quais uma por dentro e outra por cima da respectiva porta de acesso ?

Porque não podem comunicar-se com o exterior ? Também não, pois cada um dos subscritores da carta tem um número externo próprio de telefone e acesso irrestrito às máquinas de fax e à net.

Porque são más as instalações onde trabalham ? Não, certamente, pois todos os que as conhecem são unânimes em considerá-las muito, muito acima da média da rede consular portuguesa, em todos os aspectos.

Porque têm que lidar directamente com utentes enfurecidos pelos atrasos no processamento dos seus requerimentos ? Não, pois há mais de dois anos que acabaram as filas de espera físicas e administrativas no Consulado de São Paulo.

Porque têm que responder a centenas de perguntas? Ainda menos, pois desde 2001 que uma Central de Atendimento Telefónico as processa, mais de 600 por dia.

Porque são obrigados a trabalhar muito? Não, pois nunca nenhum membro da “gerência” pediu que trabalhassem mais do que as 5,30 horas que a lei estipula, e que são escrupulosamente respeitadas pela maioria dos signatários.

Porque ganham pouco ? Também não, pois, até mesmo em Portugal, é muito robusto o vencimento médio que os 15 subscritores auferem, de 3130 dólares por mês, líquidos de impostos, 14 vezes por ano.

Porquê então ?

Será que a “perseguição moral” de que se queixam advém de ser intolerável conviver na mesma sala com as 12 “visitas”, pessoas esforçadas e motivadas que trabalham voluntariamente mais de dez horas por dia, e amiúde durante o fim-de-semana, para evitar qualquer atraso no processamento dos requerimentos dos utentes, apesar de auferirem remunerações bem menores ?

Ou será que resulta de ser moralmente inaceitável verificar todos os dias a contradição entre a propalada insatisfação dos utentes com o Consulado e o verdadeiro contentamento que a esmagadora maioria teima testemunhar a quem estiver genuinamente interessado em saber ?

Será que se deve a não termos ainda conseguido encontrar o paradeiro da maioria dos mais de 7000 utentes cujos Bilhetes de Identidade e Passaportes válidos estavam no Consulado à espera de serem levantados, porque nunca ninguém se preocupou em perguntar-lhes se queriam recebê-los em casa ?

Ou será por fim que a percepção de “assédio moral” resulta de o número de portugueses que se inscreveram nos Cadernos Eleitorais desde Setembro de 2004 já ter ultrapassado os 6000, depois de 20 nos 4 anos precedentes, tornando cada mais (in)compreensível a “manifestação” de 10 adultos e 5 meninos que teve lugar em frente do Consulado dia 10 de Janeiro, contra o “fecho das portas” e consequentes “dificuldades de recenseamento” ?

Só os próprios poderão responder.

Espero no entanto que a opinião pública portuguesa de São Paulo ajuíze com serenidade, sobretudo aqueles que têm suficiente experiência de vida para poder comparar o que foi com o que é, e concluir se agora o Consulado-geral está ou não mais perto dos utentes ─ os que fomos educados a acreditar serem os únicos “donos da casa”, na qual quem trabalha não passariam de meros servidores, que só se deveriam distinguir entre si pela intensidade do “serviço” que todos foram “contratados” para prestar, com a máxima isenção.

O Cônsul-geral
Em 10 de Outubro de 2006

quarta-feira, outubro 11, 2006

Grande diplomata...

Depois de nos ter surpreendido recentemente com um livro excelente - porque são cada vez mais raras as manifestações de frontalidade - eis que Francisco Seixas da Costa nos trouxe ontem um novo contributo para a reflexão sobre as relações internacionais.
Homenageado pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, como personalidade do Ano 2005, Seixas da Costa proferiu um importante discurso, que não resisto a reproduzir:
«Permitam-me que comece por agradecer à Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, na pessoa do seu Presidente, Dr. António Bustorff, o facto de ter escolhido o meu nome para receber esta prestigiosa distinção.

Fico muito grato por se terem lembrado de mim e só espero que o meu trabalho futuro continue a não desiludi-los.

A circunstância de ter recebido este prémio das mãos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é uma figura que há muitos anos me habituei a ler e a apreciar, bem antes de ele próprio vir a ter elevadas funções políticas, acresce ainda mais à honra que sinto neste momento.

E gostava também de dizer que estou feliz pelo facto de ter, como parceiro neste dia, o empresário André Jordan, uma personalidade que faz hoje parte da história do desenvolvimento do turismo de elevada qualidade em Portugal.

Quero também felicitá-lo, pessoalmente, neste momento.

E se agradeço a presença de todos, julgo que me perdoarão se sublinhar o facto de termos hoje connosco nesta mesa o meu querido amigo Dr.Jorge Sampaio.

Confesso que, quando fui informado da ideia de me destinarem este prémio, fiquei um pouco perplexo, como o Dr. António Bustorff se lembrará.

É que, pela primeira vez na minha vida, estava a ser distinguido, muito simplesmente, por ter cumprido o meu dever.

E nós, portugueses, não estamos muito habituados a isso...

O acompanhamento e o apoio à acção empresarial portuguesa no exterior foi sempre, historicamente, uma função típica da diplomacia.

Ao longo das mais de três décadas que levo na carreira diplomática, sempre observei colegas meus muito empenhados no trabalho de suporte às empresas na sua actividade internacional.

Tenho hoje aqui, como meu convidado, o meu amigo Embaixador Paulo Ennes, o qual, precisamente há 30 anos, e então como sub-director geral dos Negócios Económicos, me deu as primeiras directrizes sobre o modo como um diplomata deve trabalhar, no apoio às movimentações internacionais dos nossos empreendedores.

O novo Secretário-Geral do Ministério, Embaixador Fernando Neves, que entrou comigo no mesmo dia para as Necessidades, é testemunha privilegiada do que acabo de dizer.

Recordo, desse interessante trabalho que então fizémos sob a sua direcção, o reforço das relação aos mercados árabes, onde, por exemplo, abrimos caminhos para empresas portuguesas construírem alguns palácios, num país do Médio Oriente cujo nome agora me escapa, palácios esses que hoje, ao que se sabe, parece estarem outra vez a necessitar de obras...

Nessa altura, aprendi como o MNE sabia articular-se com o então Fundo de Fomento de Exportação, com a velha Direcção-Geral do Comércio Externo, bem como com os sectores de relações internacionais dos ministérios económicos.

Desde esse tempo, todos adaptámos a nossa maneira de trabalhar, os organismos interlocutores foram evoluindo, uma maior exigência e até uma maior tecnicidade foi necessária.

O próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros alterou as suas estruturas, eliminou estranhamente a sua Direcção-Geral dos Negócios Económicos e, bem mais tarde, veio a ter de criar, para corrigir aquela decisão, um Gabinete de Assuntos Económicos.

Mas, no que pessoalmente me toca, tenho a sensação de que, não obstante essas mutações formais, me fui sempre comportando de forma basicamente similar em todos os postos onde servi, quer em relação aos agentes económicos privados, quer na articulação com os restantes ministérios.

E vi sempre os meus colegas fazê-lo, naturalmente cada um a seu modo, alguns com mais vocação que outros, mas, na esmagadora maioria dos casos, com um elevado sentido de responsabilidade e de empenhamento.

Por essa razão, quando, aqui há poucos anos, apareceram por aí uns “descobridores da pólvora” a dar-se ares de que estavam a criar uma coisa nova chamada “diplomacia económica”, só me não ri porque estas coisas do serviço público são muito sérias e não tem nenhuma graça vê-las tratadas de forma leviana.

As estruturas diplomáticas e consulares portuguesas, que são órgãos de apoio a toda a acção económica externa, sempre estiveram, e devem continuar a estar, ao serviço dos empresários nacionais que actuam no exterior.

Repito aquilo que tenho dito e redito no Brasil, aos nossos empresários, em todos os contextos: usem a nossa embaixada, usem os nossos consulados, peçam-nos para os apoiarmos nas vossas diligências, utilizem os nossos serviços.

As vossas empresas pagam impostos para terem, ao dispor, uma rede de acompanhamento e apoio oficial no exterior.

Se não funcionarmos eficazmente, se não satisfizermos os vossos interesses – os interesses legítimos e razoáveis, naturalmente – peço que reclamem.

Se a culpa não for nossa, ou se não dispusermos de meios para corresponder aos vossos pedidos, lá estarão o embaixador ou os cônsules para dizerem isso mesmo à respectiva tutela.

Nós somos servidores públicos – e eu quero dizer, neste que é um ambiente onde prevalece uma cultura de economia privada, que tenho um grande orgulho pelo facto de, há mais de 35 anos, ser servidor do Estado português.

Digo-o bem alto num tempo em que se assiste a alguma diabolização do serviço público.

Também eu me queixo do mau serviço público, da burocracia, do deixa-andar, da indiferença, da incompetência, da arrogância de quem tem um balcão ou um carimbo como fonte medíocre de poder.

Mas o que a administração publica portuguesa necessita, mais do que soluções simplistas e caricaturais, de quem parece que vê o Estado como um eterno inimigo, ou um mero intermediador de subsídios europeus, é de uma cultura de transparência e de responsabilização.

A nossa administração deve ser sujeita a um escrutínio constante de funcionalidade, de saber abrir-se a um juízo sério de “accountability”.

É que, também no serviço público, quem não deve não teme.

E quero poder interpretar, na distinção que hoje me é atribuída – e que eu desejo partilhar com todos os meus colaboradores no Brasil –, que ela representa a vossa apreciação de que, afinal, há sectores do serviço do Estado que merecem um juízo e uma avaliação positiva da vossa parte.

E isso, naquilo que me toca, deixa-me imensamente satisfeito.

Permitam-me ainda algumas palavras, mais directamente voltadas para a minha actividade no Brasil.

Nestes quase dois anos que levo no país, pude concluir que, para um diplomata português, servir no Brasil é um raro privilégio.

Digo-o com a maior sinceridade, até porque nem sempre tive exactamente essa ideia.

Há, no relacionamento entre Portugal e o Brasil, algo de atípico, de muito diferente, difícil de definir, nos encontros e nos desencontros, que nos estimula a procurar trabalhar mais e a perceber melhor.

Sem retóricas, e deixando por uma vez as caravelas de lado, aprendi que há cada vez mais, no Brasil de hoje, um espaço muito interessante para a actividade dos agentes económicos portugueses.

Mas também aprendi que, no campo específico do comércio, não vale a pena sermos megalómanos nas nossas ambições, nem ficar iludidos pelo fenómeno do crescimento anual a dois dígitos das nossas trocas bilaterais.

Os números do nosso comércio são o que são, podem crescer imenso mas, por muito tempo, atendendo ao seu ponto de partida, serão um pouco mais que irrelevantes, no contexto geral do comércio externo dos nossos dois países.

Se não conseguirmos mudar o paradigma dos nossos produtos de exportação, as coisas podem continuar a evoluir, mas o seu ritmo nunca será significativo.

Além disso, permanece no Brasil uma ideosincrasia proteccionista que, ainda hoje, nos cria grandes dificuldades na área comercial e que só um acordo entre a União Europeia e o Mercosul permitiria ajudar a superar.

Pode parecer politicamente incorrecto estar a dizer isto, de forma tão frontal, mas a mim pagam-me para trabalhar com a verdade.

Já no que toca aos investimentos, as coisas têm outra dimensão.

Se alguns parâmetros essenciais se mantiverem no Brasil, nomeadamente nos equilíbrios macro-económicos a médio prazo – e creio que, no essencial, devem manter-se, se dependerem apenas da vontade interna brasileira -, o Brasil continuará a ser um mercado muito interessante para os investidores portugueses.

Alguns deles, porém, talvez tenham de aprender a trabalhar mais em articulação com outros parceiros, europeus ou doutras origens, para poderem ganhar uma escala competitiva, num mercado que tende a tornar-se mais exigente.

E estou a falar de empresas de maior dimensão: no caso das PME’s, o panorama não é exactamente o mesmo e haverá que ter uma atenção bastante maior, em especial em certos sectores.

É que há importantes diferenças entre o ambiente empresarial brasileiro e a cultura de inserção - normativa administrativa e de crédito - em que as empresas portuguesas dessa dimensão estão habituadas a actuar na Europa, ou mesmo em outros mercados, tidos como de recuperação rápida dos investimentos.

Esta é uma mensagem que pretendo de cautela, embora não deva ser lida como desmotivadora.

É neste trabalho com as PME’s que me parece da maior relevância o papel das Câmaras de Comércio portuguesas no Brasil, cuja articulação em rede tenho vindo a estimular, desde que cheguei ao país.

Temos actualmente 10 Câmaras de Comércio portuguesas no Brasil, uma das quais criada há poucos meses, e conto podermos anunciar a criação de uma outra, muito em breve.

Mas, no trabalho da nossa promoção no Brasil, em que muitos têm feito esforços louváveis e meritórios, temos de nos convencer a mudar radicalmente o perfil de algumas iniciativas.

Os eventos não podem, como muitas vezes acontece, continuar a ser meros “talking shops”, intermináveis seminários, colóquios, simpósios e quejandos, uma espécie de conversas quase só luso-portuguesas, com meia dúzia de “habitués” brasileiros, e que ficariam bem mais baratas se fossem feitas “off season” na Costa da Caparica.

Temos de habituar-nos a trabalhar melhor a montante desses eventos, despertar e assegurar o interesse dos potenciais contrapartes brasileiros e, só então, avançar com realizações de eventos concretos.

Organizar reuniões só para inventariar ou actualizar os números do passado e expressar intenções para o futuro, pode sossegar as almas, mas, há que reconhecer, acaba por transformar-se em momentos de clamorosa inutilidade.

E as pessoas têm cada vez menos tempo para ouvir sempre as mesmas coisas.

Uma última palavra – e prometo que com isto termino: é importante que saibamos ser muito mais agressivos na captação do investimento directo brasileiro.

Temos de saber explicar melhor aos nossos amigos brasileiros que uma qualquer empresa criada em Portugal passa a ser uma empresa europeia, com tudo o que isso significa de oportunidades num imenso mercado.

O Brasil, pela dimensão do seu próprio mercado interno e pela habituação de trabalho com a sua vizinhança próxima, tem uma experiência pouco diversificada, embora já bastante rica, em termos de investimento nos mercados externos.

Tenho a sensação de que a percepção dos responsáveis económicos brasileiros para as novas oportunidades, numa economia global onde o Brasil tende a estar cada vez mais presente, está a mudar muito rapidamente.

Acho que Portugal pode ajudar a reforçar esta percepção e sugerir-se como um óptimo terreno, com vantagens comparativas ímpares, para concretização de interesses dos nossos parceiros brasileiros.

Sinto que, também aqui, as coisas estão a mudar. »

Como já um dia disse, e contrariamente ao que cantava Chico Buarque, sinto que agora já não há “tanto mar” a nos separar.


Sem deixar de ser fiel à sua gente, Seixas da Costa pôs o dedo nalgumas feridas e afirmou princípios que deveriam ser melhor ouvidos.
Gostei especialmente desta tirada:
«Mas, no trabalho da nossa promoção no Brasil, em que muitos têm feito esforços louváveis e meritórios, temos de nos convencer a mudar radicalmente o perfil de algumas iniciativas.
Os eventos não podem, como muitas vezes acontece, continuar a ser meros “talking shops”, intermináveis seminários, colóquios, simpósios e quejandos, uma espécie de conversas quase só luso-portuguesas, com meia dúzia de “habitués” brasileiros, e que ficariam bem mais baratas se fossem feitas “off season” na Costa da Caparica.»
Parabéns... E vamos ver se alguém o ouve...

segunda-feira, outubro 02, 2006

Gerir silêncios...

Às vezes é preferível gerir silêncios do que dizer o que temos atravessado na garganta. É o que tenho feito, nos últimos tempos, sobretudo para não melindrar amigos nem chocar pessoas com quem tenho excelentes relações.
Fiz 55 anos no dia 7 de Setembro e sinto, cada vez mais, uma grande necessidade de medir as palavras e de reduzir o sentido cáustico da escrita.
Talvez sejam sinais do meu tempo e dos tempos que vivemos.
Respondo com isto a várias mensagens que questionam o meu silêncio. Podem ter os meus amigos a certeza de que não me calei... Tenho, aliás, escrito sobre outras coisas. Veja-se, por exemplo A Falência da Justiça...