sexta-feira, outubro 27, 2006

Comerciante deportada de Dublin denuncia espancamento na Europa

Uma vergonha...

Luzia Procópio foi confundida com prostituta e foi presa na Irlanda



Mariana Rios

Em sete dias, a comerciante paulista Luzia Procópio, 34 anos, conheceu o inferno na Europa. Detida no aeroporto de Dublin, de onde foi deportada pelo serviço de imigração irlandês, ela desembarcou ontem à noite no Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães. Abatida, prestou depoimento no posto da Polícia Federal e relatou o preconceito, as agressões e humilhações pelas quais passou em território europeu. Casada, mãe de dois filhos, Luzia, bastante emocionada, conversou com jornalistas sobre o sonho transformado no pior pesadelo de sua vida.
Foram dois dias, em uma solitária em Dublin, interrogatórios, as roupas jogadas no chão, a mala remexida, a agenda vasculhada. Os agentes de imigração procuravam o contato de Luzia numa possível rede de prostituição na Irlanda. Com os lábios trêmulos, contou sobre os socos que levou de duas policiais femininas, na altura do estômago, no lado direito, e dos pontapés, quando colocaram-na numa pequena cela, que chamou de solitária. Intérprete, através de um telefone, só no segundo dia.
De volta a Lisboa, aguardou por cinco dias numa sala, alimentando-se, conforme relatou, com sobras de alimentos servidos em aviões. Queixando-se de dores, recebeu um analgésico. Dividiu em 12 parcelas de R$295 o desejo de conhecer capitais européias e mesmo com a passagem de volta em mãos foi tratada como uma intrusa. “Quero justiça. Vou encaminhar o meu protesto ao Consulado em Brasília. Se não queriam minha presença lá, não precisavam agredir. Nunca me senti tão humilhada”, afirmou, explicando que por uma questão de saúde, perda progressiva da visão, o marido não pôde acompanhá-la.
A brasileira não seguiu para São Paulo porque não tinha 248 euros. Desembolsou cem euros para comprar a passagem de volta para Salvador. Ela seguiu para Lisboa no dia 16 de outubro, chegou em Dublin no dia 18, e pretendia seguir para Madri e Paris, e retornar para a capital portuguesa. Desembarcaria no Brasil, no próximo dia 16. “Não volto nunca mais”, disse Luzia antes de prestar depoimento ao coordenador da Polícia Federal no aeroporto, Francisco Gonçalves, informado sobre o caso pelo adido do órgão na Europa.
Após o pouso da aeronave da TAP Air Portugal, cujo vôo durou cerca de oito horas até o Brasil, mais quase três horas de atraso para o desembarque, em razão das condições climáticas, Luzia contou sua saga. Nas mãos, o passaporte, que apresentou ao coordenador, com o carimbo da imigração irlandesa, que traz uma cruz, símbolo de que não foi aceita, e outro da imigração portuguesa. Ela entregou ainda uma carta do serviço irlandês de que não foi aceita e notificação da polícia portuguesa, obrigada, por um acordo internacional a cumprir as deportações dos países signatários.
Segundo Gonçalves, o depoimento e toda a documentação seguem para a Divisão de Controle de Imigração da Polícia Federal, em Brasília. Então, será encaminhada para o Ministério de Justiça e para a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). “O governo brasileiro cobrará uma posição sobre o que aconteceu”, declarou. Somente essa semana, pontuou, foram 15 brasileiros deportados que desembarcaram em Salvador. “As mulheres são mais discriminadas na Europa. Brasileira, sozinha, na Europa é taxada de prostituta”, concluiu Gonçalves.
Perguntado sobre como a atitude de Luzia mudaria tal situação, pontuou que a denúncia é uma forma de protesto. “São poucos os deportados que nos procuram”. Até as 21h de ontem, o dia de Luzia não tinha terminado. Ela continuava depondo na Polícia Federal.

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