O Partido Socialista não gosta, decididamente, dos emigrantes portugueses espalhados pelo Mundo. Usa-os quando pode, escolhe entre eles os seus comendadores, mas não tem nenhum respeito pelos portugueses da diáspora.
Há coisas que não se dizem em público mas se afirmam em privado: são gente pouco culta, desinteressada, oriunda de classes sociais baixas. Um retrato infeliz e retrógrado, que só pode ser estabelecido por gente que se desloca sem nada para dizer, apenas para ser laureado com os bons costumes e a boa educação que os emigrantes espalharam por todo o Mundo.
Tudo se passa como se os emigrantes da Austrália, do Canadá ou do Brasil fossem mais broncos que muitos aldeões residentes nas nossas aldeias, porém com direito de voto.
E isso não é verdade, nomeadamente porque a taxa de literacia na emigração é maior do que a que existe em Portugal, sobretudo para os maiores de cinquenta anos, muitos dos quais emigraram analfabetos e foram obrigados a aprender a ler nos países de acolhimento.
A participação cívica dos portugueses emigrados nas eleições legislativas é muito baixa, por razões que têm a ver com a pouca atenção que o Estado e os partidos políticos lhes dão. Mas passará a ser ainda mais baixa porque foi agora aprovada uma proposta legislativa que prevê o fim do voto por correspondência, exigindo-se o voto presencial.
Trata-se de um terrível erro. Mas é sobretudo um inaceitável retrocesso e uma acção marcada por uma censurável falta de visão estratégica, que contradiz a propaganda governamental da modernidade.
Nestes tempos do cartão do cidadão o que se justificava seria que os cidadãos residentes no estrangeiro tivessem prioridade no acesso a tal cartão e pudessem votar pela Internet. Não que se lhes retire o direito de votar por corresondência.
A maioria dos cidadãos emigrados moram a centenas ou milhares de quilómetros dos postos consulares e não têm os autocarros dos municípios para os ir buscar a casa.
Para além do vício da representatividade (porque há uma enorme desproporção na representação dos residentes no estrangeiro por relação aos residentes no território nacional) há agora uma manifesta restrição do direito de voto dos residentes no estrangeiro.
Eles já eram portugueses de segunda. Agora passam a ser portugueses de terceira, apesar do peso enorme que as suas remessas continuam a ter no quadro da balança de capitais.
Já fui militante do PS e é ali que estão os meus amigos políticos.
Mas não posso deixar de dar razão ao que disse o PSD na sua declaração de voto, que reproduzo:
«O Partido Socialista conseguiu impor finalmente o fim do voto por correspondência para os portugueses residentes no estrangeiro, aprovando hoje no Parlamento, o Projecto de Lei n.º 562/X, Alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que impõe o voto presencial, obrigando a grandes deslocações por parte desses cidadãos.
Esta situação é altamente gravosa para os emigrantes portugueses e um claro exemplo do que tem sido a política socialista em relação às nossas Comunidades.
É uma decisão que irá ter, com toda a certeza, um impacto muito negativo em termos de participação cívica dos portugueses residentes no estrangeiro e provocar um afastamento ainda maior em relação ao que se passa em Portugal.
O GP PSD apresentou uma Declaração de Voto onde expressa a sua posição de total oposição a esta decisão socialista.
O GP PSD apresentou uma Declaração de Voto onde expressa a sua posição de total oposição a esta decisão socialista.
Declaração de Voto
Projecto de Lei nº 562/X
Alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República
O Projecto-Lei do Partido Socialista que altera a Lei Eleitoral para a Assembleia da República vem restringir de forma clara e inaceitável o direito de voto dos portugueses residentes no estrangeiro.
Esta proposta é apresentada sem qualquer razão válida, dado que não ocorreu qualquer facto que a justifique e, como é do conhecimento público, os portugueses residentes no estrangeiro votam por correspondência desde 1976, não havendo memória de qualquer polémica no que se refere à fiabilidade e transparência deste método de votação.
A obrigatoriedade do voto presencial para as nossas comunidades elimina, na prática, o direito de voto da larga maioria dos portugueses residentes no estrangeiro que, para votar, vão precisar de fazer deslocações de centenas e milhares de quilómetros.
Uma característica das nossas comunidades é a sua dispersão resultado de uma capacidade de integração notável mas que deixa muitos portugueses ou núcleos de portugueses longe das grandes capitais e, sobretudo, longe da nossa rede consular. Estes portugueses vão ficar mais isolados, mais esquecidos pelos políticos e pelo Estado e, sobretudo, com menos razões de se manterem ligados a Portugal.
Acresce, que esta proposta ocorre no preciso momento em que o Governo socialista promove um forte desinvestimento na rede Consular e que passa pelo encerramento de vários Postos essenciais para as Comunidades Portuguesas.
Este projecto do PS mereceu a crítica unânime das Comunidades Portuguesas que entendem que estas alterações terão como principal consequência diminuir a sua participação e o seu importante contributo no futuro do nosso país, para além das muitas dúvidas que suscitam no que se refere à transparência e à organização do processo eleitoral.
A oposição clara das nossas comunidades ao fim do voto por correspondência está mesmo plasmada no texto de uma Petição que vai ser discutida neste Parlamento no próximo dia 16 de Janeiro de 2009.
Convém também lembrar que as eleições legislativas têm uma característica singular: são as únicas em que os portugueses residentes no estrangeiro (e só eles) podem escolher directamente os seus representantes. Ao contrário das outras eleições, não há um círculo nacional em que o voto das comunidades portuguesas se mistura com os votos dos residentes. Há dois círculos só para os portugueses residentes no estrangeiro, em que só eles votam.
Assim, não é correcto o paralelo que alguns tentam fazer com as eleições presidenciais e europeias. No que concerne às Presidenciais veio dar-se, pela primeira vez, o direito de voto aos portugueses residentes no estrangeiro (que até aí não podiam votar). Quanto às Europeias foi estendido o direito de voto aos portugueses residentes no círculo de Fora da Europa mas, convém referir, que os portugueses residentes na Europa podem votar, sempre que o desejem, no país de acolhimento.
No entanto, há alguns paralelismos que podemos fazer. O primeiro é a comparação entre o nível de participação nas últimas eleições para o Presidente da República, realizada através de votação presencial, que foi três vezes inferior ao das últimas eleições para a Assembleia da República, votação esta realizada através do voto por correspondência.
Outro paralelismo que se evidencia tem a ver com as posições do Partido Socialista em matéria de voto dos portugueses residentes no estrangeiro. É verdade que a Constituição não exige a maioria de dois terços para a alteração que hoje votamos. No entanto, esta matéria deveria obter na Assembleia da República um alargado consenso dado que estamos a falar de uma Lei altamente sensível para o Estado e para as Comunidades Portuguesas. Foi este o entendimento do PS em 2002 que aquando da discussão das alterações da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu “chamava a atenção para o facto de não bastarem os votos da maioria neste caso, uma vez que a jurisprudência presidencial e constitucional irem no sentido de que alterar leis eleitorais obriga à existência de uma maioria alargada”.
O que terá mudado?
Nesta Assembleia da República, sempre que estiveram em discussão matérias relativas a direitos eleitorais, o sentido foi sempre o de alargar esses direitos. Portugal consegue mesmo ser, hoje, um país exemplar no que toca aos direitos eleitorais e cívicos dos estrangeiros residentes em Portugal. Esta inédita proposta do Partido Socialista ao restringir direitos configura precisamente o contrário, o que acontece pela primeira vez em democracia, e que nos leva a votar inequivocamente contra.
Nesta Assembleia da República, sempre que estiveram em discussão matérias relativas a direitos eleitorais, o sentido foi sempre o de alargar esses direitos. Portugal consegue mesmo ser, hoje, um país exemplar no que toca aos direitos eleitorais e cívicos dos estrangeiros residentes em Portugal. Esta inédita proposta do Partido Socialista ao restringir direitos configura precisamente o contrário, o que acontece pela primeira vez em democracia, e que nos leva a votar inequivocamente contra.
Palácio de São Bento, 19 de Dezembro de 2008