Este texto é de 2009 e chegou-me agora pela mão de uma amigo.
O seu autor é Henrique Neto, um empresário já maduro, que, ontem proferiu uma interessante conferência a propósito da falta de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável.
Segundo Henrique Neto , "o poder não tem pensamento e quem pensa não tem poder." Esse é, talvez, o maior drama português do nosso tempo.
Cito-o:
Os Erros e os Desmandos da Economia Portuguesa
A economia portuguesa está
mergulhada numa crise profunda, da qual não sairá tão cedo. Desde logo porque
não se trata de uma situação conjuntural provocada pela crise financeira internacional,
como muita boa gente, a começar pelo Banco de Portugal, quer fazer crer. A
crise é estrutural, começou muito antes do fenómeno do “subprime” ter surgido e manter-se-á até muito depois dos outros países terem
resolvido os seus problemas. As causas
são conhecidas: atraso histórico; um país essencialmente pobre e
ignorante; politicas erradas de sucessivos governos; despesa pública excessiva;
endividamento do Estado e das famílias.
Em 5 de Maio de 2001, há oito
anos portanto, publiquei um artigo no jornal “Expresso”, em que contrariava as
teses do Governo de António Guterres, que se alardeava do sucesso da economia
portuguesa. Nesse texto denunciei a fantasia do sucesso económico português,
preveni contra a crise eminente no horizonte e enumerei os vários erros das
politicas governamentais. Talvez valha aqui a pena recordar a parte do texto em
que tentei chamar a atenção dos portugueses para os erros e omissões da
política económica. O que repeti numa moção de estratégia que apresentei ao XII
Congresso do Partido Socialista .
Escrevi então:
“1-Inexistência de uma estratégia
conducente à modernização e inovação nos sectores de bens transaccionáveis,
como condição de melhorar a relação de troca da nossa economia com o exterior,
sem o que restará apenas reduzir o consumo, ou seja, apertar o cinto dos portugueses.”
“2-Ausência de uma política
activa de atracção do investimento estrangeiro, erro que é agravado pela
incapacidade de negociação internacional do Governo e pelas políticas de
incentivo ao investimento português no estrangeiro, nomeadamente em países como
o Brasil.”
“3- Excessiva concentração
temporal de obras públicas, muitas delas de interesse nacional mais do que
duvidoso.”
“4- Política orçamental laxista,
desligada de qualquer estratégia de desenvolvimento, com o resultante
crescimento dos custos sociais e da burocracia.”
“5- Indisciplina geral no
funcionamento do Estado e na sua relação com a economia, nomeadamente a
acumulação de dívidas às empresas e destas ao Estado.”
Depois da
publicação do artigo descrito os erros governamentais continuaram, cada vez mais graves, até aos nossos dias.
Além disso, os sucessivos governos não cessaram de negar a realidade ao seu
redor e de pintar cor de rosa o cenário da economia portuguesa. Consciente ou
inconscientemente, os nossos governantes, os deputados na Assembleia da
República e a generalidade da classe política, coligaram-se para de forma
sistemática iludir os portugueses quanto ao verdadeiro estado da Nação. Mas
fizeram mais, deixaram que as politicas públicas fossem orientadas para
permitir a especulação, os favores do Estado a amigos e a privilegiados, a
corrupção e o enriquecimento indevido de sectores razoavelmente conhecidos da
sociedade portuguesa. A corrida a
mordomias públicas bem pagas, por vezes
indecorosamente pagas, a voracidade das administrações das empresas públicas e
privadas próximas do poder político, tem sido a regra, que o actual Governo
continuou e ampliou. Apesar da pobreza extrema de Portugal e de milhões de
portugueses a apertar o cinto para sobreviver, nunca se viu em Portugal tanta
riqueza e tanto dinheiro fácil, como nunca as politicas do Estado foram tão
desajustadas relativamente ao interesse colectivo da Nação. Mesmo agora, em
situações de desmando tão evidentes como é o caso do Banco Português de
Negócios, as instituições do Estado afadigam-se a evitar que sejam conhecidos
os factos e denunciados os culpados e os
favorecidos do sistema. Mesmo a Assembleia da República, onde supostamente
habitam os representantes do povo português, viu recentemente recusada a sua
pretensão de acesso à documentação do BPN, com a nota de que esse acesso, a
verificar-se, não permitirá o conhecimento público do que realmente se passou,
devendo ficar no segredo dos deputados, que, para isso, fizeram juramento. Ou
seja, estão bem uns para os outros.
Por tudo isto,
Portugal precisa urgentemente de mudar de rumo na direcção de uma politica económica sã, verdadeira e
ajustada ao estado real da Nação e do mundo em que vivemos É verdade que para
recuperar a economia são precisos sacrifícios, é certo ser necessário mais
investimento e empresas mais
competitivas, mas acima de tudo é preciso desenvolver um clima de
seriedade e de justiça na distribuição equitativa das sacrifícios necessários e
dos recursos nacionais, de forma a que aqueles que mais precisam não sejam
chamados a pagar pelos erros cometidos e pelo enriquecimento de alguns. Mas,
para isso, para ser possível criar o clima de confiança necessário à
recuperação, é essencial acabar com o domínio das pequenas oligarquias
dirigentes dos partidos políticos, bem como reduzir o poder dos partidos na
sociedade portuguesa e encontrar novos dirigentes com suficiente conhecimento
da economia mundial e da vida das empresas. Dirigentes que sejam conhecidos
pela sua competência e pela seriedade dos seus propósitos e não estejam
comprometidos com os erros e as omissões do passado recente. Se isso é possível
ou não, não sei, mas receio que sem uma forte tomada de consciência dos
eleitores portugueses, o saque aos poucos recursos de que dispomos continue. A
decisão recente do Governo de isentar de concurso público o lançamento de obras
do Estado central e das autarquias, demonstra-o mais uma vez.
08-01-2009