sexta-feira, outubro 08, 2010

A falácia dos mercados

De um dia para o outro, os políticos começaram a falar dos mercados e da respetiva confiança. Os portugueses usavam a palavra, antigamente, para se referirem às feiras ou aos mercados citadinos, onde compravam batatas e hortaliças. Coisas bem concretas, tanto os mercados como os produtos da terra, que se misturavam com tudo o que pudesse servir de alimento.


As feiras sempre foram regidas por regras muito próprias, especialmente duas: a da concorrência aberta, que fazia baixar os preços, quando era grande a oferta, e subi-los quando ela era reduzida; a da liquidez, que permitia aos produtores transformar os seus produtos em dinheiro líquido e aos negociantes açambarcar para vender, pouco tempo depois, com grande lucro, aproveitando-se dessa necessidade de liquidez e do sacrifício que os lavradores teriam que fazer para voltar a levar os produtos para casa.

Os mercados, nesse sentido, sempre significaram liquidez e fartura, não se percebendo muito bem porque obscuras razões passaram os políticos a usar-lhes o vocábulo para falar do contrário.

Fala-se de confiança ou desconfiança, de retaliação e até de castigo dos mercados, como se eles fosses uns deuses cruéis para os pequenos países, influenciados por agências de rating odiosas.

Mas a realidade é outra. Esses deuses não existem. O que existe, como sempre aconteceu, são credores e devedores, gente que empresta dinheiro e gente que o pede emprestado. Nessa matéria, as regras não dependem no essencial da simpatia, desde os primórdios.

Mesmo no tempo das vacas gordas, nenhum banco emprestava dinheiro a uma empresa que se tivesse descuidado e não pagasse um cheque, vendo o seu nome envolvido na lista de devedores do Banco de Portugal, depois agravada com a lista de devedores ao fisco e à segurança social.

Todos os governos promoveram a difamação das empresas, por via dessas listas odiosas, elaboradas sem nenhuma consideração pela real situação das empresas, como se todas elas estivessem condenadas à insolvência, ou como se se quisesse que elas se transformassem, por via deste índex, em insolventes.

O que agora está a acontecer é, de certo modo, a aplicação das mesmas regras ao Estado, porém com maioria de razão.

Se o Estado fosse uma empresa, já seria sido declarado insolvente, em conformidade com as próprias regras que ele definiu para os particulares.

A administração pública portuguesa gasta quatro vezes mais do que a sua receita, crescendo a divida pública três vezes mais do que a mesma. Endivida-se mas, claramente, não sabe como vai pagar nem quando vai pagar. Entrou no roulement de pedir empréstimos para pagar as dívidas, agravando cada vez mais a dívida.

Se fosse uma empresa, já alguém teria pedido a sua insolvência, porque nenhuma empresa é viável quando não consegue crescer e as dívidas ultrapassam a sua produção bruta anual.

Se fosse um particular, que gastasse em cada mês o seu salário e mais três, pedidos emprestados, há muito que ninguém lhe daria crédito, mesmo que tivesse uns anéis herdados dos avós.

Portugal é um país bonitinho e simpático, com bom sol e uma excelente culinária. Os estrangeiros gostam de vir aqui passar férias. Mas não basta esta simpatia e esta afabilidade para conquistar, como agora se diz, a confiança dos mercados.

Quando se pede dinheiro emprestado é preciso demonstrar que se tem condições para pagar. E o que ressalta a olho nu é que, com este andamento, Portugal não tem as mínimas condições para pagar, porque a administração não tem condições para gerar as receitas indispensáveis ao pagamento dos empréstimos de que o país precisa para continuar esse endividamento louco.

O problema dos mercados não é um problema de confiança ou de desconfiança. É um problema de objetividade, como são sempre os problemas que se suscitam quando alguém tem que a avaliar a concessão de um empréstimo a uma pessoa ou a uma empresa.

É absolutamente razoável que quem tem dinheiro o não empreste ao Estado português, porque não se vislumbra como é que o receberá de volta.

E oxalá que não empreste, porque quanto mais emprestar mais temos que pagar e mais veremos reduzido o crédito disponível para a economia real.

O Estado, em vez de ser a solução para uma série de problemas, transformou-se, ele próprio no problema dos portugueses.

Oxalá que os mercados nos ajudem e não emprestem mais dinheiro a esse pródigo.