terça-feira, outubro 19, 2010

Um Orçamento que agrava a crise... e é perigoso


Uma primeira leitura da proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2011 permite extrair imediatas conclusões sobre o que nos espera no próximo.
A já baixa competitividade das empresas portuguesas – que contribuem para a receita do Estado com apenas 8.000 milhões de euros de IRC, contra 12.800 milhões de IRS – será violentamente abalada com o novo regime da tributação das prestações de serviços, pois que, naturalmente, os prestadores (a recibos verdes) serão forçados a repercutir a elevadíssima taxa da prestação para a segurança social (29,5%) a que ficam obrigados a partir de Janeiro, taxa à qual acrescem mais 5% devidos por quem adquire os serviços.
Com este quadro, a única saída de muitos prestadores de serviços será a de engrossar os fluxos da emigração, que serão cada vez mais fortes.
Emigração é, também, o caminho natural dos empregados mais qualificados, para quem, para além do enorme crescimento da carga fiscal, contará mais o acentuado risco de desemprego que a economia portuguesa comporta.
Embora com medidas muito duras no que se refere à tributação dos rendimentos do trabalho, o Orçamento não resolverá a questão essencial do país, que é da divida pública, que continuará a crescer, de forma irreversível.
Os números da divida são astronómicos, fixando-se, como ponto de partida, em 123.000 milhões de euros, com uma perspetiva de endividamento adicional, em 2011, de mais de 74 mil milhões de euros, o que projetará a dívida pública para mais de 197 mil milhões de euros.
Efetivamente, numa análise sumária da proposta de orçamento constata-se que o endividamento global direto pode crescer, se for aprovada a proposta, 11,573 mil milhões de euros (artº 82º da Proposta). Para além disso, o governo pretende autorização para emissão de dívida flutuante até 25 mil milhões de euros e pretende emitir garantias até ao limite de 21,181 milhões de euro e aumentar o endividamento global direto em 9,146 mil milhões de euros.
A concessão de garantias a pessoas coletivas de direito público pode ir até 7,2 mil milhões de euros.
A despesa prevista no orçamento de 2011 é de 177,812 mil milhões de euros, o que significa que, pela primeira vez, a dívida pública acumulada no fim do exercício será superior ao valor do orçamento anual.Tudo isto acontece num país em que as previsões dos impostos sobre o rendimento, mesmo com o agravamento acima referido não ultrapassam os 20,800 mil milhões de euros, ou seja cerca de 11% da despesa.
Os números da despesa são absolutamente escandalosos, mostrando que as entidades públicas continuam dispostas a viver acima das possibilidades do país.
A Presidência da República tem um orçamento de mais de 16 milhões de euros, o que é inaceitável como custo de um cargo individual, num pequeno país como o nosso.
A Assembleia da República tem um orçamento de quase 100 milhões de euros, o que tampouco se justifica, pelo menos numa situação como esta em que o País se encontra.
Os gabinetes dos ministros da República nos Açores e na Madeira, tem orçamentos de, respetivamente, 351 milhões e 250 milhões, quando a verdade é que estes gabinetes deveriam ser extintos, porque, pura e simplesmente, nada os justifica.
Depois, o Conselho Económico e Social, que deveria ser suportado pela sociedade civil, custa ao erário público 1,5 milhões, que também deveriam ser cortados.
Tampouco se justifica que o Conselho Superior da Magistratura tenha um orçamento de 3,7 milhões de euros, quando é certo que a maioria dos seus membros ocupa outros postos e que o seu trabalho é transversal à atuação dos magistrados nos tribunais.
O Tribunal Constitucional, que é caríssimo, tem uma verba de mais de 5 milhões de euros.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social tem um orçamento de quase 5 milhões de euros e o Provedor de Justiça mais de 5 milhões.
Depois temos o ACIDI – Alto Comissariado para as Minorias Étnicas e Diálogo Intercultural - uma entidade que não faz nenhum sentido, porque a imigração acabou e os imigrantes estão perfeitamente integrados, que consome mais de 15 milhões e o Instituto do Desporto de Portugal que gasta quase 76 milhões.
A Autoridade para a Proteção Civil – num país sem catástrofes – consome mais de 133 milhões de euros.
Escandaloso é que, para além de 11 milhões para os gabinetes dos membros do Governo dependentes da Presidência do Conselho de Ministros, só os serviços de coordenação e os órgãos consultivos do primeiro ministro gastem 194 milhões de euros.
Excessiva, demasiado excessiva, é também a despesa prevista para «serviços gerais de apoio, estudos, coordenação e representação» do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Mais de 208 milhões de euros, uma barbaridade para uma diplomacia discreta como é a nossa.
No Ministério das Finanças, para além de mais de 123 mil milhões para «gestão dívida e da tesouraria pública» temos uma verba de quase 14 mil milhões para «despesas excecionais.
Na justiça os números não são menos chocantes e o ideal é que se reduzissem ao mínimo, para que não tenham dinheiro para fazer mais asneiras. Serão 61 milhões para «serviços gerais de apoio, estudo, coordenação controlo e cooperação».
São inúmeras as entidades inúteis e improdutivas, que consomem, todas elas, milhões e milhões de euros.
Dissecando as verbas dos diversos serviços e organismos chega-se à conclusão de que têm um peso específico elevado as obras de recuperação e remodelação de imóveis e os investimentos em informática, todos com verbas astronómicas.
A experiência – e a análise da base de dados dos contratos públicos – tem-nos mostrado que esse é o campo privilegiado dos boys e dos amigos, que conseguem ajustes diretos por quantias exorbitantes.
A marca essencial da execução orçamental dos últimos anos é a do desperdício e da falta de transparência dos contratos e das operações realizadas.
Eis alguns exemplos:
Foi adjudicada à sociedade SOFTLIMITS, por ajuste direto, a «instalação do serviços de assistência consular em 30 consulados» por mais de 627 mil euros. À mesma sociedade foi adjudicado um sistema de «corporate TV» por mais de 756 mil euros, também por administração direta.
A mesma entidade gastou com os Prémios Talento de 2010 a módica quantia de 60.520 €, só no que se refere à cerimónia.
A tradução do Portal das Comunidades Portuguesas (que não conseguimos encontrar) custou a módica quantia de 46.500 euros, o que é uma barbaridade, atento o reduzido número de textos em língua estrangeira.
Ainda no Ministério dos Negócios Estrangeiros podemos ver a aquisição de 5 routers Cisco 1841 por 11.497,60 € quando o valor de cada um não ultrapassa os 586 dólares.
A pesquisa dos ajustes diretos do Ministério dos Negócios Estrangeiros fornece-nos uma ideia clara de despesismo, que marca, aliás, toda a administração pública.
O mesmo se verifica no Ministério da Justiça onde se gastaram quase 60.000 euros para a produção de um livro, se gastaram 60.000 euros para «auditoria aos sites do Ministério» , ou se pagaram 70.092,00 euros para um livro de propaganda sobre a justiça.
A propaganda do Ministério da Justiça tem custado fortunas, tudo em contratos com preços muito superiores aos correntes no mercado.
Alguns exemplos:
- Filme sobre os serviços online – 64.750 €
- Divulgação de «boas práticas» - 23.126 €
- Xekes cinema – 23.546 €
- Clipping da imprensa – 15.000 €
- Livro Para Além das Prisões – 19.860 €
- Manual de redução de custos – 22.960 €
- Conceção do Manual de redução de custos – 13.450 €
- Pré-impressão, impressão e acabamento do Manuel de redução de custos – 19.860 €
- Criação de Identidade para o Programa de Modernização das Infra-Estruturas Judiciais – 16.500 €
- Conceção de grafismo de um livro – 9.090 €
- Portal Web – 69.710 €
Se analisarmos as aquisições de serviços na área da informática é de pôr as mãos na cabeça, tanto no que toca aos valores como à sobreposição de entidades atuando nas mesmas áreas, o que, por si só, desmonta a ideia de que haveria um instituto (o ITIJ) que teria por função coordenar todas as operações informáticas.
A ideia que nos fica da leitura paralela da proposta do Orçamento do Estado e das adjudicações diretas publicadas no base.gov é a de que este governo assenta a sua conceção de desenvolvimento no despesismo e no endividamento.
Afinal, se não houver despesismo não há produto et pour cause não há impostos. E para que haja impostos é importante que o despesismo seja o mais elevado possível, porque quanto mais elevado for maior é o lucro tributável e maior é a margem do défice orçamental, erradamente definida em função do produto.
Com o peso que a despesa pública tem no PIB, esta realidade constitui, sem dúvida, um valiosíssimo contributo para a reiterada falta de produtividade dos portugueses.
Uma palavra especial merecem as previsões relativas à formação profissional.
Estamos, literalmente, perante outra irracionalidade económica, pela simples razão de que a realidade nos tem demonstrado que a formação serve apenas para iludir as estatísticas e para alimentar um conjunto de operadores parasitários, que cobram os seus serviços por valores exorbitantes, sem que com isso contribuam minimamente para o desenvolvimento.
É óbvio que, para além de interessar aos políticos, cujas clientelas sofrerão com uma adequada política de saneamento financeiro – que necessariamente passa pelo fim do despesismo – o agravamento da dívida interessa especialmente às entidades financeiras.
O clássico poder de emissão de moeda – que todos aprendemos ser um atributo da soberania – perdeu-se a favor de um sistema monetário que assenta na criação de dinheiro por via escritural e em sucessivas operações de anatocismo, adequadas ao aumento da divida por via do aumento da base de cálculo dos juros.
Paradoxalmente, o Banco Central Europeu não empresta dinheiro aos Estados, emprestando-o às instituições financeiras, a taxa zero, que depois o reempresta com spreads que já ultrapassaram os 6% no caso português.
Se a taxa de juro da dívida soberana portuguesa se fixar na casa dos 6%, as instituições financeiras vão ganhar no próximo ano coma divida pública portuguesa qualquer cerca de 12 mil milhões de euros, o que é uma barbaridade.
Quanto maior for a dívida maior é o lucro das instituições financeiras, mas também maior é o PIB, para o qual conta a produção da indústria financeira nacional, embora tal parcela não só seja irrelevante em termos de desenvolvimento (posto que não conta para a tributação) como seja até prejudicial, porque arruína o nosso futuro coletivo.
Se adicionarmos a isto os mais recentes fenómenos do mercado de câmbios, o quadro é desastroso.
Começa, com efeito, a haver indícios de que moedas como o dólar baixam a sua cotação quando as dívidas soberanas vão aos mercados procurando dólares para converter em euros mas sobem nos momentos em que está projetada a liquidação dos empréstimos.
Significa isso que «compramos» muito mais dólares com menos euros quando o dólar está baixo mas que pagaremos muito mais euros quando, no momento da liquidação dos empréstimos tivermos que comprar dólares para tais pagamentos.
Por tudo isto é extremamente arriscado prosseguir o endividamento.
Como já dizia Afonso Costa – depois plagiado por Salazar – a solução é produzir e poupar.
Mas só é possível produzir se não houver fome e se, no mínimo, tivermos dinheiro para a eletricidade.
Com este Orçamento, a considerar a experiência recente dos PEC’s voltaremos a PECar no princípio do ano e afundaremos o país irremediavelmente, porque o quadro traçado é insustentável.


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