Pressionado por Castela, a Oriente e pelos árabes a Sul, saiu das suas fronteiras, no século XIV, na aventura das Descobertas que são, vistas com o distanciamento que a História nos permite, muito mais um fenómeno migratório do que um projeto de conquista.
Povo pequeno, construiu um império que bordejou toda a costa africana, a das Arábias e do Industão e se afirmou, de forma especialmente expressiva no Brasil, mais numa base de alianças do que numa base de conquistas, deixando mais riquezas nos espaços que os portugueses escolheram para plantar gente do que as que trouxe para a metrópole, como resultado do comércio, que essa migrações potenciaram.
As Descobertas, como os grandes movimentos migratórios dos séculos XIX e XX, justificaram-se, no essencial, por essa ideia de falta de espaço que sempre nos marcou, nos melhores e nos piores momentos.
"É nossa sina não caber no berço. Desde os primórdios que somos emigrantes." - escreveu o mesmo Torga que, em 1974, "ouvindo o dobre a finados" dizia: "Nómadas do mundo teremos que ser agora sedentários, numa Europa onde sempre coubemos mal e nunca nos soubemos realizar. Partir era a nossa carta de alforria. Hoje, os caminhos não serão já os da demanda de espaços abertos a uma afirmação tolhida no berço, mas de um achamento interior protelado a fio."
Em 1993, refletia ele, no seu ultimo Diário: "Já não temos fronteiras marcadas e respeitadas, nem alfandegas de autoridade a verificar o que entra e sai, sem poder de decisão nem voz própria, nem mesmo liberdade de semear e colher. Nem vontade mesmo de trabalhar e viver à nossa custa e, de mão estendida, como pedintes envergonhados, de todo esquecidos do que sempre fomos, esforçados, autónomos, remediados e ufanos da nossa mediania. E ricos, sim, de humanidade e sonho de aventura. E de tudo abrimos mão. Que mais nos falta perder?"
Aderimos à Europa por manifesta falta de espaço e dispusemo-nos a abrir a fronteira ao secular inimigo espanhol por causa disso.
Passamos a ser europeus, ingenuamente, porque essa Europa nos abria a dimensão do espaço necessário aos nossos sonhos de grandeza.
Ajudaram-nos, quase que nos forçaram a retalhar o país com estradas capazes de suportar cinquenta vezes mais automóveis dos que os a temos, venderam-nos submarinos para vigiar o nosso imenso mar, que já não administramos, estrangularam-nos com regras que inviabilizaram boa parte das nossas empresas e dos nossos produtos mais genuínos, a pretexto de uma padronização que só favorece os mais ricos. Pagaram-nos para aniquilar a agricultura e para incendiar os barcos, a pretexto de uma solidariedade enganosa que nos conduziu à ruína.
Somos um pais moderno, com uma fabulosa rede de estradas, com o mais avançado que há em telecomunicações, com uma juventude que passou pela universidade mas não tem emprego e uma população madura condenada ao marasmo de quem tem o fim da vida marcado por pensões decadentes, cada vez mais decadentes, sujeitas a ser roídas pelos sucessivos pec’s.
Temos, é certo, espaço, todo esse espaço de 27 países, onde podemos viajar (por enquanto) sem fronteiras, aproveitando as fabulosas vantagens de uma Europa a várias velocidades.
O salário mínimo em Portugal é de 500 €, contra 1.758 € do Luxemburgo, 1.365 € da França, 1.139 € do Reino Unido ou 748 € da Itália. Na Grécia, o salário mínimo é de 863 € e na Irlanda é de 1.462 €, tudo em conformidade com dados do Eurostat, de Janeiro de 2011.
Tendo os portugueses uma vocação de emigrantes, poderia concluir-se, à primeira vista, que teríamos, todos, que estar felizes, precisamente porque uma tão diferença dos rendimentos mínimos, relativamente aos países mais desenvolvidos da União nos permitiria cumprir essa vocação, com a liberdade que não tinham os nossos antepassados, obrigados a saltar fronteiras sob o olhar vigilante das polícias.
Nada de mais errado, nem de mais sinistro.
Os portugueses sempre encararam - como continuam a encarar - a emigração como um exercício de liberdade. E um tal exercício não é viável numa Europa que, dando-nos, embora um espaço, como compensação do que oferecemos aos outros, nos trata como europeus de segunda.
Por isso mesmo, apesar da liberdade de circulação, os portugueses emigram para Angola, para o Brasil, para os Estados Unidos, para a Suíça ou para a Austrália e não para os demais países da União Europeia. Entre nós e os turcos, não há diferença na Europa.
Somos membros da União Europeia, de pleno direito. Entramos na CEE depois de uma revolução que nos devolveu a liberdade e que nos encheu de sonhos. O sonho europeu foi um sonho complementar do nosso próprio sonho; mas esta União não é a daquela Europa com que sonhamos, depois de findo o ciclo do Império.
Sonhamos todos com uma Europa solidária, funcionando a uma velocidade, apostada em unir esforços para transformar o velho continente num espaço de liberdade, segurança e justiça.
Sonhamos com uma Europa respeitadora da matriz democrática e dos direitos fundamentais, entendidos numa visão moderna do Mundo e do desenvolvimento. Sonhamos com isso quando havia grandes lideres: Willy Brandt, François Mitterrand, Helmut Schmidt, Mário Soares, Helmut Kohl, Olof Palm, Jacques Delors, Felipe Gonzalez e mais uma bateria de nomes que se encontravam fixados na memória coletiva, como garantia do rigor politico e da própria Democracia, que se afirmava como inquestionável.
Morreram uns, alguns estão velhos e ficaram isolados os outros, submersos por baterias de burocratas e de políticos sem história nem prestígio para conduzir a barca europeia.
Esta Europa, governada por funcionários, com dirigentes políticos que não mais do que homens de palha (strawmen) de interesses escondidos, não é a Europa com que sonhamos e muito menos a Europa que nos prometeram, vendendo o sonho de Jean Monet.
Esta Europa em que estamos hoje é uma Europa falsificada, achinesada, uma Europa vendida aos interesses dos clubes que manipulam a economia mundial e que se fazem representar nas cúpulas da União por personagens sem currículo como são Durão Barroso, Van Rompuy ou a apagada senhora Catherine Ashton, que ninguém conhece, apesar de ser a chefe da diplomacia europeia.
Suspendemos o escudo, que era uma moeda honesta e não se sabe bem o que é feito das nossas reservas de 382 toneladas de ouro, que envolvemos na aventura do euro, em 2002, há precisamente 9 anos.
Entretanto, estoirou a crise dos subprime, em 2007, com todos os bancos poluídos pelo papel gerado na sombra da desregulação. E nós, os portugueses, sentimos pela primeira vez, desde 1143, o que era ser um país sem moeda e sem soberania.
Os países da União passaram a ser explorados uns pelos outros, em função da imagem que é criada de cada um deles e do mercado que se criou, artificialmente, para substituição dos bancos centrais.
A Alemanha financia-se a 1%, enquanto a Grécia só se financia a 25% e Portugal já ultrapassou os 10%, o que permite aos grandes explorar os pequenos com a maior desfaçatez.
E como uma boa parte da dívida dos europeus é constituída em dólares, teremos como axioma que qualquer desvalorização do euro, multiplicará a dívida em dólares.
É por demais óbvio que esta situação é muito desconfortável para a generalidade dos países do sul, vítimas de uma vulnerabilidade que a União não assume como sua, mas que poderá conduzir à destruição do euro e à própria destruição do projeto europeu.
Portugal será, a par (por enquanto) da Irlanda e da Grécia, uma plataforma de teste da coesão da UE.
A sobrevivência não é viável para nenhum país independente sem políticas monetárias.
Não existindo solidariedade na União Monetária, parece-nos que é inevitável a rotura em quadros de pré-default, como o que se afigura incontornável, tomando em consideração as medidas constantes do memorando estabelecido pela troyka, constituída por representantes da União Europeia, da Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu.
Apesar de ser evidente que é absolutamente impossível cumprir as metas do memorando e que ele projeta um crescimento da dívida pública para valores paradoxais, ninguém ousa questionar tais perspetivas, como, aliás, já aconteceu relativamente à Grécia e à Irlanda, que foram as primeiras vítimas da união monetária.
O estoiro do euro seria inevitável se a Grécia, a Irlanda e Portugal abandonassem o sistema, porque isso obrigaria a pôr a nu a real exposição da banca alemã, que tem ganho fortunas com a ajuda aos países periféricos.
A grande questão que no momento se coloca é a de saber se é preferível adiar a crise, numa tentativa de salvar a União Europeia ou se, pelo contrário, resulta como muito mais inteligente provocar a crise do euro imediatamente, precisamente com o mesmo objetivo.
Tenho para mim que o projeto europeu, em que todos estamos envolvidos, só é viável se não deixarmos arrastar a crise e se forçarmos novos quadros de solidariedade, sem os quais a mesma se não justifica.
No que se refere a Portugal, parece-me que não vale a pena arriscar mais soberania nem hipotecar mais o Estado a interesses do sistema financeiro, apenas para defender uma moeda que é cada vez menos a nossa e cujos riscos devem ser assumidos por quem mais ganhou com ela.
Por isso mesmo, me parece absolutamente chocante que se preveja, para além da alocação de 12,8 mil milhões de euros de um empréstimo, de que todos seremos devedores, ao sistema financeiro nacional, a concessão de uma garantia de 35 mil milhões à emissão de bondes pelos bancos, assumindo o Estado a totalidade do risco.
Adiar um quadro de bancarrota - que se afigura inevitável se não houver solidariedade europeia - será isso mesmo: apenas um adiamento, que servirá apenas para os que os países ricos ganhem tempo e preparem as suas próprias alternativas e salvarem os seus lucros.
É nesse sentido que me parece que Portugal se encontrar numa encruzilhada.
Ou se afirma empenhado no projeto europeu e, por isso, exige a solidariedade dos países ricos e o estabelecimento de regras que permitam a criação de uma Europa com uma única velocidade; ou será melhor declarar a bancarrota e seguir o seu próprio caminho, recuperando a moeda própria e a soberania que ela transporta, ciente de que, se o fizer, sai uma União que é um moribundo, onde ele próprio deixou de ter condições para sobreviver.
Os dirigentes dos principais partidos políticos são hoje unânimes no sentido de que se não chegasse o dinheiro do empréstimo de 78 mil milhões, prometido pela troika, não haveria dinheiro, dentro de um mês, para pagar aos funcionários públicos.
A grande questão é a de saber o que acontecerá dentro de meses, quando esse dinheiro estiver gasto e não houver, como já foi garantido, uma nova oportunidade?