Um texto do Major
General Pedro Pezarat Correia
Gostaria de
não me deixar fixar nas personagens
que têm dominado estas minhas últimas viagens pelo GDH. Mas o problema é que
elas estão omnipresentes,
diariamente, nos media
de todo o mundo a propósito do que quer que seja. E sempre pelas piores razões.
Não há acontecimento, notícia, ou comentário que perturbe a nossa tranquilidade,
sem que tais figurões, ou alguns deles, se destaquem.
Hoje quero
partilhar uma reflexão sobre a matéria que dominou a semana que agora termina,
a “emergência climática”, segundo as palavras avisadas de António Guterres.
Obviamente que Trump e Bolsonaro não poderão deixar de aparecer. Mas
reservo-lhes uma referência marginal, apropriada ao papel negativo que lhes
coube.
Dois
acontecimentos cativaram as atenções: a Cimeira da Ação Climática na ONU, no
anterior fim-de-semana e a movimentação, à escala planetária, protagonizada
pela juventude, contra a insuficiência da resposta dos poderes políticos às
alterações climáticas que têm no homem o seu agente determinante.
António
Guterres, o “nosso” secretário-geral da ONU tem, desde que tomou posse,
multiplicado esforços por esta causa. E bem. Quando proclama que “não há
planeta B” e que “estamos a perder a corrida”, está a justificar porque é que
qualifica a conjuntura como de ”emergência climática”. É sem dúvida uma situação
de emergência que o planeta enfrenta e, com ele, a humanidade. Apesar do Acordo
de Paris de 2015 pouco foi feito para travar a degradação ambiental e os
últimos 4 anos foram mesmo os mais quentes de sempre, desde que há registos.
Guterres acusou implicitamente os que se excluem do Acordo de Paris, com os
quais não conta, que não querem aceitar que é prioritária a redução das
emissões de CO2 e à testa dos quais se perfilam Trump e o seu acólito
Bolsonaro. Excelente foi a intervenção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa na
Assembleia Geral da ONU. Em apoio de Guterres censurou os ausentes e
dissidentes do Acordo de Paris perante uma emergência que a todos respeita.
Na sequência
da Cimeira veio a onda jovem que inundou o mundo. Greves académicas, manifestações,
protestos, entrevistas, a juventude “surfou” a vaga e arrastou adultos, pais,
professores. O papel inspirador coube a Greta Thunberg já uma referência
incontornável, “a criança que ralha a gente crescida”, porta-voz de uma geração
que se diz traída pelas que a precederam e que vai ter de lidar com o espólio
da degradação ambiental que estas lhe legam. Por isso Greta e o movimento de
que é rosto estão já a ser alvos de uma campanha detratora, irónica, cínica, de
uma certa “inteligência” que Roberto Salvio coloca em 4 categorias: os
estúpidos, os ciumentos, os puristas e os paternalistas (Público, 22 set 2019, p.
29). Tem razão Salvio. Uma juventude que, com alguma razão, era acusada de
indiferente, fútil, egoísta, avessa à participação cívica, é agora,
paradoxalmente, porque cumpre um dever reivindicando direitos que são de todos,
porque reclama que também os adultos cumpram os mesmos deveres, acusada de
exibicionismo. Guterres deu voz a Greta.
Mas não nos iludamos. A emergência climática exige uma resposta abrangente que
se inscreva numa política global. Passa por uma abordagem ecopolítica,
biopolítica e geoeconómica, no quadro de uma nova geopolítica. João Camargo
refere que, em números redondos, neste mundo cada vez mais desigual, 10% dos
mais ricos são responsáveis por 50% da emissão global de CO2, enquanto os 50%
mais pobres apenas o são por 10% (Público,
27 set 2019, p. 13). O que dá razão a Paul Mason, economista britânico, quando
diz que a resposta às mudanças climáticas tem de passar pela reforma do sistema
capitalista, também este global (Público
(Ipsilon), 27 set 2019, p 8).
Acrescenta Mason que, para tal é indispensável maior intervenção do Estado. Daí
a fúria, o desprezo, a resistência que lhe movem os líderes e apóstolos da
extrema-direita populista e neoliberal que (des)governa o mundo.