domingo, agosto 06, 2006

Verdades e ficções

José Pires responde a Zé da Fonte no PortugalClub, no quadro da polémica sobre o cadáver de D. Afonso Henriques:

«Lamento informá-lo mas na altura que o "menino Afonsinho" nasceu havia nobreza há séculos na Península Ibérica.
O que não havia ainda era Portugal. Ou Espanha.
A parte norte do território peninsular encontrava-se dividida entre vários reinos e esses reinos eram dirigidos por barões que se organizavam sob monarquias variadas. Que organizaram e levaram a cabo a Reconquista! Os árabes haviam invadido a Península quinhentos anos antes e nessa altura o território estava sob o domínio da nobreza vizigótica, que substituira o domínio do desaparecido Império Romano, abraçando a religião católica.
E quanto a Viriato, o lusitano, não está provado que tivesse sido pastor nem que tivesse ovelhas ou disfrutado de grande poder nos Montes Hermínios. As suas origens situam-se - dizem alguns estudiosos mais aplicados - no Vale do Tejo e tornou-se um chefe rebelde militar que causou enormes dissabores à República Romana, 150 anos antes de Cristo. E a esmagadora maioria das suas campanhas militares desenrolou-se no território do que é hoje a Andaluzia! Não nos Montes Hermínios! Por isso hoje, no Museu de Cera de Madrid, lá parece Viriato como um heroi... hispânico, que é de facto!
A força da Europa - que para o bem ou para o mal - moldou o nosso Mundo actual, ficou a dever-se à visão e esforço de reis, nobreza e povo.
A nobreza foi a força aglutinadora que juntou os diferentes povos europeus, perdidos nas trevas da Idade Média. E essas monarquias, que ainda hoje existem, são "apenas" os soberanos dos locais onde o progresso humano mais profundamente se faz sentir em todo o mundo: Inglaterra, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega e agora a Espanha, que conhece um desenvolvimento como nunca tivera desde os tempos dos reis católicos, que a fundaram e tornaram uma Nação Única!
Acho que se devia, bem pelo contrário, permitir que a ciência observasse os restos mortais do fundador da nacionalidade e tirar daí uma série de informações que nos ajudem a melhor compreender o sentido da História.
É que a Ignorância é a Mãe de todos os Males e quanto mais soubermos melhores Homens poderemos ser. Nada há de mais reaccionário do que tentar obstaculizar o avanço do Conhecimento Humano.
Ainda há pouco, o governo espanhol permitiu que se analisassem os restos mortais de Cristóvam Colombo e assim provar de uma vez por todas que o seu corpo ( ou parte dele!) que que se encontrava sepultado na catedral de Sevilha era mesmo o dele, pondo ponto final numa porção de lendas e conjecturas.
O Obscurantismo é, pois, o Inimigo do Progresso.»
No meu próximo romance, tenho uma outra versão...
«..."O Sr. vai ter que ficar para ir ao juiz"- disse o guarda a Ricardo, quando voltou depois de tão grande conferência. Era evidente que estávamos perante um espião, para além do mais a trabalhar para os franceses, o que haveria, naturalmente, de pôr em causa os interesses da mais velha aliança do Mundo, que, como aprendera o Chefe, há mais de quarenta anos na escola primária, era a aliança luso-britânica. Os ingleses é gente com quem sempre nos entendemos e conspiramos, durante séculos. A Filipa de Lancaster era inglesa. O Duarte chamou-se Edward até no túmulo da Batalha; e o Henrique continua a ser para eles Henry, the Navigator. Não foram clones, que no século XIV não se falava nisso, mas foram autênticos cruzamentos, da maior importância para o desenvolvimento da raça e do País. Até à importação de Filipa, Portugal era um país de vocação continental. É certo que o pai de Afonso Henriques, um Henri de origem francesa, aliás de uma zona já então com boa tradição vinicola, passou por aí de barco, junto à costa. Parou para descansar e engravidou D. Teresa, com tanta sorte que, ressaibiado de tanto tempo de mar, nos deixou um principe de fina têmpera, com todas as virtudes que podem emergir do acasalamento de um mocetão previamene sujeito a abstinência com uma princesa quente pelo sonho da espera de um nobre vindo do mar com uma cruz pintada no camisolão que haveria de trazer vestido, para remissão de todos os pecados. Verdade é que depois de emprenhar a donzela o conde se foi sem ensinar o filho a navegar, dizendo apenas que ia para o sul à caça dos sarracenos, o que para nós também foi uma sorte pois que, se assim não fosse, o jovem Afonso não teria partido à descoberta do Alentejo e do Algarve, numa luta feroz contra os infiéis que, segundo lhe haviam ensinado, também eram combatidos por seu pai, como se tudo se tratasse de uma aversão de família.
As praias do sul do Sado eram já nessa época maravilhosas, mas não consta que Afonso ou algum dos seus companheiros houvessem aprendido a nadar. Essa aversão ao mar haveria de ser, segundo alguns entendidos, um problema genético que o rei teve que resolver com prudência e sabedoria logo que se esgotou o rectângulo, criando-se um drama nacional sem precedentes cerca de duzentos e vinte anos depois da proclamação da independência por Afonso Henriques. Do lado de cima e do lado direito do mapa eram castelhanos e muçulmanos; do lado esquerdo e do lado de baixo era mar e ninguém sabia nadar, que faria navegar.
Passavam aí na costa uns contrabandistas com rumo a norte, que mercadejavam armas a troco de sal e de umas moçoilas a que achavam uma graça especial em razão da tez escura. Um dia um desses mercadores trouxe uma loira e todos lhe acharam muita graça quando ela, habituada a um clima mais frio e senhora de outros costumes, se desnudou ali onde hoje é o Terreiro do Paço e se lançou à água, andando nela como se andasse em terra e deixando perceber no intervalo dos movimentos a belezas das suas curvas pélvicas e dos seus seios. Chamaram-lhe Isadora, não se sabe bem porquê, sabendo-se apenas que o Is corresponderia à terceira pessoa do presente do indicativo do verbo ser, tal qual ainda é hoje na língua inglesa.
O rei D. João quando viu a performance da amostra chamou o mercador e mandou vir uma de encomenda que tomou por esposa, precisamente porque no seu entendimento haveria de passar-se com os humanos o mesmo que se passava com os animais, área em que ele e o Condestável haviam conseguido notáveis progressos, apurando à custa dos adequados cruzamentos um cavalo mais robusto, veloz e frugal que os de todos os vizinhos.
Aquela facilidade de nadar que as loiras manifestavam, a ver pela amostra, seduzia-o, como se ali estivesse a solução de todos os problemas nacionais e a marca do novo destino do País.
Quando lhe chegou Filipa, nem ele falava uma palavra de inglês nem ela uma palavra de português. Havia em Belém uma tasca onde há muitos anos paravam contrabandistas de diversos paises do norte, uma espécie de bordel, onde uma tal Aurora lhes dava conforto e lhes marcava encontros com umas pequenas profanas e também com umas noviças de um convento próximo, que ali vinham à fonte. Essa tal Aurora falava a lingua inglesa, devido ao treino de muitos anos. Por isso, o rei chamou-a e lhe pediu dois favores: que o ensinasse a compreender a jovem esposa e que tranformasse aquele entreposto de marinheiros na primeira escola de navegação do país.
O próprio rei deu o exemplo e passou a tomar aulas de natação, mas em boa verdade nunca foi grande nadador, constando de alguns velhos documentos que se limitava a nadar como um prego. A própria Aurora, que lidava com tantos marinheiros e tanto queria agradar ao rei nunca conseguiu afastar-se da praia, para onde perdesse o pé. Nada que pudesse comparar-se com Filipa, a quem as águas agradavam tanto que ali passava todo o tempo. Gravida de Edward, que se passou a chamar Duarte quando ela melhorou os seus conhecimentos de português, passou os nove meses na água e mal a criança nasceu passou a nadar com ela, o que causava a todos grande espanto. Com Henrique agravou-se o vicio, havendo quem diga que ele começou a nadar antes de dar os primeiros passos. E Fernando, o mais novo, que morreu no cativeiro de Fez, também ele começou nas salsas águas ainda antes de começar a andar.
E assim se iniciou segundo o Chefe, a grande saga dos descobrimentos, toda ela marcada pelo sindrome da velha Albion, uma enorme ilha de que não havia por aqui nada comparável, embora os mais eminentes geógrafos antigos referissem a existencia de outras nas proximidades da velha Olissipo. Esses geógrafos, vê-se hoje, não eram de grande confiança, a apreciar os seus mapas e a desproporção dos seus diversos elementos. Por exemplo, Ptolomeu anota numa das suas cartas uma ilha de razoável tamanho em frente ao território em que hoje se situa Portugal. Verdade é que a Berlenga ou encolheu demasiado desde o tempo em que foi descoberta pelo geografo ou, pura e simplesmente, ele nunca esteve lá, tendo-se limitado a reproduzir informação que lhe chegou demasiado ampliada. Este facto que parece não ter nenhuma relevância transformou-se num elemento traumático para os reis de Portugal desde, pelo menos, os meados do século XIV. É que Portugal era o único país conhecido na Europa que não tinha uma ilha que se visse. Havia ali umas ilhotas no meio do Tejo e a Berlenga, enormemente exagerada no mapa do dito Ptolomeu. Os castelhanos tinham as Baleares, no caminho mediterrânico de Roma, os franceses tinham as ilhas do Canal e os inglesas, contava Filipa a seus filhos, tinham tantas ilhas quantas as estrelas do céu. Aí começou o sonho de Henry, o Navigator, que muitos anos mais tarde haveria de dar o nome à primeira classe da Air Portugal.
E como o sonho comanda a vida este pais fugiu para o mar semeando-se nas quatro partidas do Mundo, especialmente no Brasil, que ce, como se vê das telenovelas o país onde os índios eram mais inteligentes, aprendendo com facilidade o português, apesar de na época não se poder contar sequer com o auxilio do Linguaphone. Aí se encontram Santarém, na margem esquerda do Amazonas, Trancoso, logo a seguir a Porto Seguro, Belmonte, Cantanhede. E similitudes tão grandes de carácter como as que encontramos entre alentejanos e baianos, ambos propícios aos mesmos tipos de anedotas, como teve oportunidade de aprender o Chefe, que desde há uns quatro anos vai todos os anos pelo Natal às terras do Cruzeiro do Sul graças à gentileza do Sr. Afonso Francesconi, que nunca mais se esqueceu dele desde que aqui passou uns dezoito meses de cativeiro. O dito Sr. Afonso teve azar e nestas coisas fica-se sempre a ganhar quando se oferece um apoio desinteressado. As coisas não lhe estavam a correr bem numa empresa de camionagem que herdou de seu pai e ele teve a tentação de aceitar a oferta de um coronel do exército para trazer uma mala com cocaina para a Europa. Teve azar porque logo nesse dia estavam os cães no aeroporto e não estava lá ninguém de confiança para apanhar a mala.
"Se fosse um contentor, desses que vêm todos os dias... Mas uma simples malinha é muito injusto..."
O Chefe passou, por isso, a dar a Afonso Francesconi um especial apoio moral e a facultar-lhe as condições necessárias para ele recuperar o ânimo, o que lhe valeu este fabuloso brinde de uma viagem anual aos mares do sul, mais propriamente aos que banham as costas da Bahia e do Espírito Santo, que são os que guardam mais antigas memórias da chegada dos portugueses ao Brasil. (...)»