sábado, dezembro 27, 2008

Goa: primeiras impressões

Cheguei ontem a Goa, eram seis da manhã.
Tinha à minha espera no aeroporto os meus amigos Geffrey de Sousa, Emérico Pereira, Lúcia Castelino e Anthony d'Sousa, todos eles indianos, muito ligados a Portugal.
A Lúcia e o Anthony levaram-me para a casa da família Castelino, em Bardez, onde prepararam um pequeno almoço à moda goesa, que é a mesma que a portuguesa, porém com mais educação. Exigiram-me que tomasse a cabeceira da mesa, que aqui é cedida aos hóspedes pelo pater familias.
Fiquei encantado com este primeiro contacto. Uma linda casa, cheia de memórias, com todos os meus interlocutores - luso-indianos ou indiano-lusos, não sei bem - a falar um português perfeito, mais correcto do que o que ouvimos no dia a dia em Lisboa.
Alguns deles não sabem escrever, mas dominam a lingua falada, tanto na fonética como na construção, de uma forma absolutamente perfeita.
O patriarca - o Sr. Castelino - foi secretário do último governador de Damão e é um poço de recordações que hei-de explorar nesta ou noutras viagens. Uma daquelas pessoas com quem o prazer da conversa surge no primeiro minuto.
Sempre encarei a invasão do Estado da Índia pela União Indiana como uma coisa politicamente natural. Tenho lido muito sobre a matéria e sou da opinião de que não contribuiu para ela apenas o nacionalismo indiano, havendo fortíssimos indícios de que houve em todo esse processo uma mãozinha inglesa.
Como que enciumados pela independência da Índia, os nossos velhos aliados terão contribuido para que a invasão se desse, em vez de aconselharem veementemente o ditador Salazar a abrir portas a uma negociação que permitisse manter, sem complexos, o equilíbrio da sociedade existente naqueles territórios.
Um dos ganhadores da ocupação foi precisamente a Inglaterra, que, por tal via, apesar de todos os contratempos, limpou do mapa a influência da cultura portuguesa, passando a afirmar-se como potência cultura dominante em toda a região.
Essa era, aliás, uma consequência natural e perfeitamente previsível, da associação da intolerância salazarista com o nacionalismo indiano, forjado sobre uma língua de união, um tanto à semelhança do papel de sucesso que a língua portuguesa teve na independência do Brasil.
Bem pior do que a perda da influência da língua portuguesa nesta região - que tem origens mais remotas, agravadas nos meados do século XIX- foram os traumas que a intolerância salazarista deixaram nesta sociedade, ao ponto de pessoas que se sentem portuguesas por afecto e indianas pela realidade da história, terem medo de invocar os seus direitos.
Observei isso esta manhã, numa conversa com J. nascido quando este era um território português. Dizia-me ele que sente português porque nasceu debaixo da nossa bandeira e todos os ancestrais o foram, mas que deve à Índia tudo o que tem, porque foi depois da «libertação» que esta terra cresceu e se afirmou como o estado com maior rendimento per capita do país.
«Eu sou um português indiano» - dizia-me, para logo a seguiu comentar que tem dificuldade em que alguém perceba isto, como se nesta matéria fosse impossivel ter dois amores ou amar duas pátrias.
Constatei que reina aqui uma enorme confusão - e um emaranhado de traumatismos - sobre uma série de questões, que vão desde o cultural ao político, passado pela questão da dupla nacionalidade.
Essa confusão está, aliás, bem espelhada em diversos sítios da net, onde os radicais da Índia de de Portugal procuram anular mutuamente direitos de cidadania adquiridos (e por isso respeitáveis) suscitando, uns e outros, argumentos patéticos, que relevam do mau conhecimento das realidades jurídicas.
J., para dar apenas esse exemplo, estava convencido de que se procedesse ao registo do seu nascimento no registo civil português, vendo reconhecida, por essa via, a nacionalidade portuguesa, perderia a nacionalidade indiana, passando a ser estrangeiro na sua própria terra, porque Portugal o obrigaria a isso, como que numa tentativa de recuperar o território, por via da infiltração de portugueses na Índia.
Ora, ele quer ser português - porque diz que o é do coração e até é sócio do Benfica - mas não quer deixar de ser indiano, porque foi a Índia que fez progredir a sua vida.
A família era pobre, à beira do miserável, e depois da libertação, a que nós chamamos ocupação, o território progrediu de forma notável, o que, por si só justifica não só o amor mas também a dedicação à segunda pátria, que em termos de convivialidade passou a ser a primeira, uma vez que ocupou o espaço e as funções daquela.
Lá lhe expliquei o sem sentido das suas preocupações, mas fiquei para mim próprio com a ideia de que este complexo traumático é isso mesmo... complexo.
Vou tentar conhecê-lo melhor nos próximos dias.
Escrevo estas linhas no excelente complexo da Miramar Residence, à beira do Mandovi. São quase 3 da manhã, mas ainda não recuperei do jet-lag, pois são menos 5h30 em Lisboa.
O tráfego do rio, que antes era sereno, não para, com os barcos de minério que passam a cada minuto para o porto de Mormugão.
A cidade de Pangim «fechou» por volta da meia-noite. Nem um táxi na rua, o que me obrigou a apanhar uma boleia de mota, que um outro português me facilitou.
Goa está sob a ameaça do terrorismo internacional, com soldados barricados nos pontos principais da cidade e em todas as praias, onde foram cancelados os tradicionais eventos nocturnos.
É uma dimensão que não conhecemos bem em Portugal e na Europa e que suscita inúmeras questões de política internacional, a ver, em primeiro lugar com as situações do Afeganistão e do Paquistão.
A primeira pergunta que me coloco é a de saber a quem interessa a instabilidade deste grande país e da sua economia.
Tudo está encoberto por cortinas de fumo, a começar pelos massacres de Bombaim, que não mais visaram do que o coração da economia indiana.

sábado, dezembro 20, 2008

Partido Socialista reduz ainda mais o voto dos emigrantes

O Partido Socialista não gosta, decididamente, dos emigrantes portugueses espalhados pelo Mundo. Usa-os quando pode, escolhe entre eles os seus comendadores, mas não tem nenhum respeito pelos portugueses da diáspora.
Há coisas que não se dizem em público mas se afirmam em privado: são gente pouco culta, desinteressada, oriunda de classes sociais baixas. Um retrato infeliz e retrógrado, que só pode ser estabelecido por gente que se desloca sem nada para dizer, apenas para ser laureado com os bons costumes e a boa educação que os emigrantes espalharam por todo o Mundo.
Tudo se passa como se os emigrantes da Austrália, do Canadá ou do Brasil fossem mais broncos que muitos aldeões residentes nas nossas aldeias, porém com direito de voto.
E isso não é verdade, nomeadamente porque a taxa de literacia na emigração é maior do que a que existe em Portugal, sobretudo para os maiores de cinquenta anos, muitos dos quais emigraram analfabetos e foram obrigados a aprender a ler nos países de acolhimento.
A participação cívica dos portugueses emigrados nas eleições legislativas é muito baixa, por razões que têm a ver com a pouca atenção que o Estado e os partidos políticos lhes dão. Mas passará a ser ainda mais baixa porque foi agora aprovada uma proposta legislativa que prevê o fim do voto por correspondência, exigindo-se o voto presencial.
Trata-se de um terrível erro. Mas é sobretudo um inaceitável retrocesso e uma acção marcada por uma censurável falta de visão estratégica, que contradiz a propaganda governamental da modernidade.
Nestes tempos do cartão do cidadão o que se justificava seria que os cidadãos residentes no estrangeiro tivessem prioridade no acesso a tal cartão e pudessem votar pela Internet. Não que se lhes retire o direito de votar por corresondência.
A maioria dos cidadãos emigrados moram a centenas ou milhares de quilómetros dos postos consulares e não têm os autocarros dos municípios para os ir buscar a casa.
Para além do vício da representatividade (porque há uma enorme desproporção na representação dos residentes no estrangeiro por relação aos residentes no território nacional) há agora uma manifesta restrição do direito de voto dos residentes no estrangeiro.
Eles já eram portugueses de segunda. Agora passam a ser portugueses de terceira, apesar do peso enorme que as suas remessas continuam a ter no quadro da balança de capitais.
Já fui militante do PS e é ali que estão os meus amigos políticos.
Mas não posso deixar de dar razão ao que disse o PSD na sua declaração de voto, que reproduzo:
«O Partido Socialista conseguiu impor finalmente o fim do voto por correspondência para os portugueses residentes no estrangeiro, aprovando hoje no Parlamento, o Projecto de Lei n.º 562/X, Alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que impõe o voto presencial, obrigando a grandes deslocações por parte desses cidadãos.
Esta situação é altamente gravosa para os emigrantes portugueses e um claro exemplo do que tem sido a política socialista em relação às nossas Comunidades.
É uma decisão que irá ter, com toda a certeza, um impacto muito negativo em termos de participação cívica dos portugueses residentes no estrangeiro e provocar um afastamento ainda maior em relação ao que se passa em Portugal.
O GP PSD apresentou uma Declaração de Voto onde expressa a sua posição de total oposição a esta decisão socialista.

Declaração de Voto
Projecto de Lei nº 562/X
Alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República

O Projecto-Lei do Partido Socialista que altera a Lei Eleitoral para a Assembleia da República vem restringir de forma clara e inaceitável o direito de voto dos portugueses residentes no estrangeiro.
Esta proposta é apresentada sem qualquer razão válida, dado que não ocorreu qualquer facto que a justifique e, como é do conhecimento público, os portugueses residentes no estrangeiro votam por correspondência desde 1976, não havendo memória de qualquer polémica no que se refere à fiabilidade e transparência deste método de votação.
A obrigatoriedade do voto presencial para as nossas comunidades elimina, na prática, o direito de voto da larga maioria dos portugueses residentes no estrangeiro que, para votar, vão precisar de fazer deslocações de centenas e milhares de quilómetros.
Uma característica das nossas comunidades é a sua dispersão resultado de uma capacidade de integração notável mas que deixa muitos portugueses ou núcleos de portugueses longe das grandes capitais e, sobretudo, longe da nossa rede consular. Estes portugueses vão ficar mais isolados, mais esquecidos pelos políticos e pelo Estado e, sobretudo, com menos razões de se manterem ligados a Portugal.
Acresce, que esta proposta ocorre no preciso momento em que o Governo socialista promove um forte desinvestimento na rede Consular e que passa pelo encerramento de vários Postos essenciais para as Comunidades Portuguesas.
Este projecto do PS mereceu a crítica unânime das Comunidades Portuguesas que entendem que estas alterações terão como principal consequência diminuir a sua participação e o seu importante contributo no futuro do nosso país, para além das muitas dúvidas que suscitam no que se refere à transparência e à organização do processo eleitoral.
A oposição clara das nossas comunidades ao fim do voto por correspondência está mesmo plasmada no texto de uma Petição que vai ser discutida neste Parlamento no próximo dia 16 de Janeiro de 2009.
Convém também lembrar que as eleições legislativas têm uma característica singular: são as únicas em que os portugueses residentes no estrangeiro (e só eles) podem escolher directamente os seus representantes. Ao contrário das outras eleições, não há um círculo nacional em que o voto das comunidades portuguesas se mistura com os votos dos residentes. Há dois círculos só para os portugueses residentes no estrangeiro, em que só eles votam.
Assim, não é correcto o paralelo que alguns tentam fazer com as eleições presidenciais e europeias. No que concerne às Presidenciais veio dar-se, pela primeira vez, o direito de voto aos portugueses residentes no estrangeiro (que até aí não podiam votar). Quanto às Europeias foi estendido o direito de voto aos portugueses residentes no círculo de Fora da Europa mas, convém referir, que os portugueses residentes na Europa podem votar, sempre que o desejem, no país de acolhimento.
No entanto, há alguns paralelismos que podemos fazer. O primeiro é a comparação entre o nível de participação nas últimas eleições para o Presidente da República, realizada através de votação presencial, que foi três vezes inferior ao das últimas eleições para a Assembleia da República, votação esta realizada através do voto por correspondência.
Outro paralelismo que se evidencia tem a ver com as posições do Partido Socialista em matéria de voto dos portugueses residentes no estrangeiro. É verdade que a Constituição não exige a maioria de dois terços para a alteração que hoje votamos. No entanto, esta matéria deveria obter na Assembleia da República um alargado consenso dado que estamos a falar de uma Lei altamente sensível para o Estado e para as Comunidades Portuguesas. Foi este o entendimento do PS em 2002 que aquando da discussão das alterações da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu “chamava a atenção para o facto de não bastarem os votos da maioria neste caso, uma vez que a jurisprudência presidencial e constitucional irem no sentido de que alterar leis eleitorais obriga à existência de uma maioria alargada”.
O que terá mudado?
Nesta Assembleia da República, sempre que estiveram em discussão matérias relativas a direitos eleitorais, o sentido foi sempre o de alargar esses direitos. Portugal consegue mesmo ser, hoje, um país exemplar no que toca aos direitos eleitorais e cívicos dos estrangeiros residentes em Portugal. Esta inédita proposta do Partido Socialista ao restringir direitos configura precisamente o contrário, o que acontece pela primeira vez em democracia, e que nos leva a votar inequivocamente contra.
Palácio de São Bento, 19 de Dezembro de 2008

quinta-feira, dezembro 18, 2008

A miséria no Brasil

Leio na Lusa esta notícia sobre a miséria que atinge emigrantes portugueses no Brasil, a quem a sorte não protegeu na vida:

«O centro de apoio da Provedoria da Comunidade Portuguesa de São Paulo, Brasil, recebe uma média de 25 emigrantes carenciados por dia, que pedem alimentos, ajuda para pagar a renda da casa ou apoio jurídico.
Em entrevista à Agência Lusa, o provedor Fernando Ramalho explicou que "aparecem pessoas de todas as idades, às vezes famílias inteiras", que tiveram "azares na vida".
"São pessoas que quando emigraram para o Brasil não tinham escolaridade e foram ficando para trás", explica, acrescentando que muitas nem sabem como e onde tratar da documentação que precisam.
De acordo com o provedor, o centro dá 60 cestas básicas (alimentos) por mês, mas "as ajudas são pontuais, normalmente durante quatro ou cinco meses, até a pessoa se reerguer", sublinha.
Este centro funciona na Casa de Portugal de São Paulo e é financiado pelo Governo português, com uma verba de 75.000 euros por ano.
"Há uns anos era 150.000 euros mas agora só recebemos metade. Já tivemos que despedir uma funcionária para cortar nas despesas", lamenta Fernando Ramalho, acrescentando que esta verba dá para manter a provedoria apenas durante três meses.
O secretário de Estado das Comunidades, António Braga, que hoje termina uma visita de seis dias ao Brasil, afirma que "o Governo não pode sustentar na totalidade estes projectos", mas "dá um contributo muito relevante e que no contexto do Brasil é decisivo para a sua manutenção".
Segundo António Braga, o Governo faz uma avaliação dos apoios que existem na região e contribui "racionalizando os parcos meios que o Orçamento de Estado dispõe, usando-os bem".
Segundo o provedor, o centro social funciona como um serviço paralelo ao consulado, "que não tem estrutura para atender estas pessoas todas", e destina-se exclusivamente a emigrantes portugueses porque é totalmente financiado pelo Governo de Portugal.
Fernando Ramalho adianta que nos últimos anos têm surgido também muitos pedidos de jovens portugueses que estão detidos no Brasil.
"São sobretudo jovens que vêm enganados pelos traficantes, parece que recebem 3.000 euros por uma viagem para transportarem droga e acabam por ser presos", explica, acrescentando que o centro de apoio lhes envia 'kits' de higiene ou cobertores para a cadeia.
No centro trabalham duas assistentes sociais e um advogado, que ajudam também muitos idosos a tratar da documentação para pedir o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC), programa criado pelo Governo português para os casos em que não há outros apoios nos países de acolhimento dos emigrantes.
"Há muitos casos de pessoas que nunca descontaram nada no Brasil e agora não têm direito a reforma do Estado brasileiro", acrescenta o provedor. Segundo o secretário de Estado das Comunidades, António Braga, que termina hoje uma visita de seis dias ao Brasil, há em São Paulo 650 idosos a receberem apoio no âmbito do ASIC, de um total de 7.000 no Brasil.
A Provedoria da Comunidade Portuguesa de São Paulo foi criada há 40 anos por um grupo de portugueses a pedido do cônsul da época "para auxiliar os emigrantes que iam pedir ajuda ao consulado, que não tinha verba destinada para isso".
A principal obra da provedoria é, no entanto, um lar, com capacidade para 90 idosos, onde estão actualmente 62, dos quais 40 são portugueses e que é "totalmente financiado pela comunidade portuguesa", de acordo com Fernando Ramalho.
Enquanto aguarda pelo início da tradicional missa de Natal do lar, situado numa chácara na zona norte de São Paulo, o madeirense João Duarte, de 64 anos, conta à lusa que é beneficiário do ASIC, recebendo 1.300 reais (404 euros) de três em três meses.
Este taxista reformado diz que descontou para a segurança social brasileira durante 12 anos, mas que agora foi informado de que não tem direito a reforma.
O secretário de Estado das Comunidades considera esta obra "insubstituível", que "se inscreve na tradição humanista e solidária da comunidade portuguesa".»

Conheço bem o trabalho da Provedoria, porque estou ali ao lado, de dois em dois meses.
É um trabalho notável, gerido sabiamente pelo Fernando Ramalho e pela excelente equipa que ele dinamiza.
O Estado faz um excelente negócio com o apoio que dá à Provedoria, pois que toda esta gente a quem a sorte não ocorreu tem o direito de pedir o repatrimento para Portugal, que custaria valores incomensuravelmene superiores.
O que é que se faz com uma miséria de 25.000 contos?

sábado, dezembro 13, 2008

Guantanamo em Portugal ou Portugal em Guantanamo?

Leio no Jornal Digital:

«A Amnistia Internacional (AI) felicitou Portugal por se ter disponibilizado a acolher os prisioneiros de Guantanamo que não podem regressar aos países de origem, sugerindo aos restantes países da União Europeia (UE) que lhe sigam o exemplo.
A iniciativa vem na sequência de uma iniciativa da UE para ajudar os Estados Unidos a encerrar as portas do estabelecimento prisional de Guantanamo, tal como foi prometido por Barack Obama durante a sua campanha eleitoral.
Segundo a AI, a iniciativa de Portugal vai contribuir para acabar com o escândalo que é a violação de direitos humanos a que se assiste em Guantanamo.
Também Hans-Gert Pottering, presidente do Parlamento Europeu, saudou a disponibilidade portuguesa para tentar resolver o problema de Guantanamo.
Já na quarta-feira, Ana Gomes, eurodeputada socialista que sempre se bateu pelo apuramento da verdade sobre os voos da CIA com prisioneiros suspeitos de terrorismo, avançou a disponibilidade de Portugal como sendo uma «excelente maneira de Portugal celebrar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos».
O centro de Guantanamo, situado numa base naval norte-americana em Cuba, e destinado a suspeitos pelos Estados Unidos de ligações à Al-Qaida ou aos talibãs, tornou-se um símbolo dos excessos da «guerra contra o terrorismo» conduzida por George W. Bush, muito criticado por isso mesmo pela comunidade internacional. A legitimidade deste centro é muito contestada uma vez que a maioria dos prisioneiros se encontra lá há anos sem culpa formada ou julgamento.»
O que a notícia nos diz é que alguns prisioneiros de Guantanamo virão para Portugal.
Os jornais não dizem se vêm como prisioneiros ou como refugiados políticos, como criminosos ou como heróis da causa talibã.
Se vierem como prisioneiros estamos perante uma espécie de trespasse de Guantanamo para Portugal. E nesse quadro é Portugal que fica preso em Guantanamo.
Se vierem como refugiados políticos estaremos perante uma contradição política insanável, tomando em conta a posição de apoio tácito que Portugal sempre ofereceu aos Estados Unidos. Será Portugal a assumir o que os Estados Unidos, com o apoio de Portugal, nunca quiseram fazer, ou seja reconhecer a inocência dos prisioneiros.
Importa questionar quem, depois disso, vai pagar as indemnizações a que eles, naturalmente, têm direito. Quem vai pagar os custos da sua reinserção social, que são elevadíssimos, posto que foram torturados e não conhecem esta sociedade nem têm nenhuma afinidade com ela.
O que a História nos tem ensinado é que os terroristas de uma época são heróis noutra época, depois de terem sido terroristas.
Conhecemos essa mudança, sobretudo em espaços geográficos localizados, e soubemos aclimatar-nos a elas. Mas neste caso estamos perante um terrorismo com outra lógica e outra filosofia, cuja razão de ser se mantém, a não ser que queiramos dar razão à Al Qaeda.
Estaremos nós interessados em absolver a Al Qaeda e em transformar o país numa base de apoio aos seus refugiados?

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Chegou-me hoje esta carta, enviada pela Federação das Associações Portuguesas na Alemanha ao Dr. António Braga:
Exmo. Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas,
Dr. António Braga,

Em Junho passado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros desencadeou um processo visando a designação dos membros do CCP eleitos em representação do movimento associativo.
Na Alemanha todos os consulados foram chamados a encetar as diligências necessárias à obtenção dos nomes dos membros a designar.
Na área consular de Düsseldorf, numa reunião de 12 associações para a qual o Consulado unicamente disponibilizou as suas instalações, e na qual não participaram nem o Cônsul nem funcionários consulares, foram designados no dia 8 de Junho dois membros da comunidade, um efectivo e um suplente, tendo sido o resultado de tal designação acompanhado da respectiva acta enviado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Passados três meses, a Federação das Associações Portuguesas na Alemanha, FAPA, e a comunidade portuguesa foram surpreendidas por uma notícia da Lusa (30.09.2008), poucos dias antes da realização do plenário do CCP em Lisboa, a qual informava que o Sr. Alfredo Cardoso (por coincidência responsável pela secção do PS de Münster), Vice-Presidente do Centro Português de Münster, e não, ao contrário do que se lia naquela notícia, membro da federação de associações portuguesas de Münster que não existe nem legal nem ilegalmente,foi designado pelo Governo português como representante do movimento associativo no CCP.
Depois de termos tido acesso a declarações feitas pelo Dr. Paulo Pisco, onde o responsável pela organização do PS na emigração afirma que o conselheiro em questão teria sido indicado por 4 associações e uma missão católica da cidade de Münster e que tinha sido um dos nomes mais votados pelas associações, fizemos diligências junto do Gabinete de apoio ao CCP, no sentido de tentarmos saber porque é os dois dirigentes associativos já designados em Düsseldorf por 12 associações numa das maiores áreas consulares da Alemanha foram preteridos pelo Governo.
A nossa estupefacção foi grande ao sermos informados que o Gabinete desconhecia a existência da acta e os resultados dessa reunião enviados para o MNE, a DGACCP e a Embaixada de Portugal em Berlim por telegrama de 09.06.2008.
O que foi feito da acta, ou digamos quem é que no Ministério dos Negócios Estrangeiros terá feito desaparecer a acta e o telegrama?
Mais ainda, o Gabinete de Ligação, por ordem do mesmo Ministério terá enviado uma carta com data de 16.07.2008, isto é, um mês e uma semana depois da reunião em Düsseldorf, a pedir nomes de cidadãos para serem designados para o CCP.
Tal carta, ainda segundo as informações do mesmo Gabinete, terá sido enviada só para colectividades que se encontram registadas e credenciadas junto da DGACCP e tendo como fundamento legal o novo Regulamento de Atribuição de Apoios pela DGACCP – despacho nº 16155/2005, publicado no Diário da República nº 141 (2.° Série), de 25 de Julho de 2005.
Ao pedirmos a lista das Associações que tinham sido consideradas, recebemos uma lista com apenas 7 colectividades. Na página (Internet) da SECP existem mencionadas mais de 250 associações.
Porque razão o MNE decidiu aplicar um regulamento que se destina unicamente a pedidos de apoio numa questão em que a lei do CCP é bem clara ao referir-se expressamente ao “movimento associativo”?
Porque razão o MNE anulou secretamente o processo iniciado em Junho e sem informar as associações e os membros já designados, desencadeou um segundo processo praticamente clandestino e à margem do movimento associativo de modo a poder nomear quem quisesse sem que as associações envolvidas e a comunidade portuguesa se apercebessem do que se estava a passar?
Pelos graves danos que tal modo de agir acarretam para a credibilidade da democracia junto da comunidade portuguesa na Alemanha, exigimos de Vossa Excelência uma rápida resposta às questões por nós levantadas e a anulação da decisão já tomada a qual de uma forma tão evidente infringiu os mais elementares princípios da democracia, da transparência e da seriedade dos órgãos do governo e dos governantes.
Federação das Associações Portuguesas na Alemanha (FAPA)

A privatização do Estado

Reproduzo a notícia da «Visão»:
Lisboa, 03 Dez (Lusa) - O ministro das Finanças garantiu hoje que a operação de financiamento do BPP tem apenas como objectivo salvaguardar a situação dos depositantes, tal como foi prometido pelo Governo para a generalidade das instituições bancárias.
"Este empréstimo que seis instituições bancárias estão a fazer ao BPP não visa socorrer a área de gestão de patrimónios mas somente salvaguardar a situação dos depositantes", disse Fernando Teixeira dos Santos aos jornalistas, depois de ter dado posse à nova directora-geral da Administração e do Emprego Público.
O ministro referiu que quando anunciou o compromisso formal do Governo de tudo fazer para que os depósitos bancários dos portugueses não corressem perigo, referia-se a todas as instituições financeiras.
"Não se trata de um apoio ou de uma injecção de dinheiro público, trata-se de um financiamento feito por seis instituições bancárias. O Estado limitou-se a ser fiador deste financiamento", acrescentou.
Quanto à identificação dos activos do BPP, que servem de garantia ao empréstimo, Teixeira dos Santos salientou que foi o Banco de Portugal quem se responsabilizou pela tarefa "para que não houvesse dúvidas quanto ao rigor".
Teixeira dos Santos referiu ainda que os activos dados como garantia (avaliados em 670 milhões de euros) são 30 por cento superiores ao valor do empréstimo concedido ao BPP (450 milhões de euros.
"O Estado exigiu esta garantia", explicou.
Quanto aos efeitos da crise económica internacional, o ministro, questionado pelos jornalistas sobre o facto dos Estados Unidos terem admitido estar em recessão há um ano, considerou que isso já era esperado.
"É de esperar que 2009 seja um ano de abrandamento económico face aos anos recentes", disse o ministro das Finanças prevendo a aproximação de "tempos difíceis" que tem de ser enfrentados com determinação.
"Em 2009 temos de estar preparados para enfrentar as condições económicas adversas, como fizemos em 2008", acrescentou.
Estamos a assistir à privatização do Estado, a benefício de interesses ocultos.
A regra é a de que as empresas que não são viáveis devem falir, mesmo que isso importe a destruição de milhares de postos de trabalho.
As falências - muitas delas de empresas viáveis, apenas com dificuldades de crédito - multiplicam-se em arrastados processos nos quais tudo se consome.
Não há nenhum apoio à economia real.
E de um pé para a mão o Estado avaliza uma operação de 450 milhões de euros, para «salvar» uma banco que não foi capaz de cumprir as regras.
Salvaguardar os depósitos? Não há para isso um fundo de garantia? Porque não accionam o fundo.
É a podridão completa no meu País. Coitados dos vindouros...

terça-feira, dezembro 02, 2008

Solidariedade com as vítimas de Santa Catarina

São absolutamente chocantes as imagens que, hora a hora, nos chegam de Santa Catarina.

São quilómetros e quilómetros de casas sumersas eu um numero indeterminado de mortos.

Apareceram 116 cadáveres, mas não se sabe quantos mais estarão debaixo das lamas.
Cerca de 80 mil pessoas estão desabrigadas em 14 municípios em estado de calamidade pública e 51 em estado de emergência.
Mais de 1,5 milhão de pessoas foram afetadas pelos temporais que atingem a região.

Voluntários mobilizam-se em todo o país e a população multiplica-se em iniciativas para recolha de roupas e alimentos.
Parece que todos os dias a situação se agrava.
Depois de uma trégua, uma nova frente fria ameaça novos desabamentos. Parece que as montanhas, prenhes de água se divertem a destruir tudo.
Em Belo Horizonte, o ex-presidente de Portugal, Mário Soares, diz que as catástrofes climáticas que têm acontecido em diversas regiões do mundo, a exemplo das enchentes em Santa Catarina, chamam a atenção dos países desenvolvidos para a urgência de se combater as ameaças climáticas ao planeta. De Lisboa, Cavaco Silva enviou pêsames a Lula.
E a solidariadade da Europa- parceiro estratégico e de Portugal - país irmão. Lendo os jornais europeus, o que se constata é um enorme alheamento por relação à tragédia de Santa Catarina.

Quem ajuda esta gente? Alguém já se preocupou em saber quantos portugueses e luso-descendentes estão entre as vítimas?
E os brasileiros? A sua tragédia não nos diz nada?

É chocante e grotesco este alheamento, associado a uma espécie de encobrimento da tragédia.
Ver imagens em O Correio

sábado, novembro 29, 2008

Viva o Magalhães

Quando cheguei a São Paulo perguntou-me uma amiga se esta coisa do lançamento do Magalhães era mesmo uma homenagem ao Joaquim Magalhães, que foi durante mais de uma década, assessor cultural da Casa de Portugal de São Paulo.
Ele gostava mais do PS do que da família, sacrificava-se pelo seu partido e a homenagem parecia mais do qur justa à minha interlocutora.
Tive que a desmentir, com os maiores cuidados, desfazendo a patranha que lhe impingiram. Depois fiquei a pensar que melhor seria que o Magalhães do Sócratas homenageasse este e tantos outros Magalhães que deram a volta ao Mundo da nossa diáspora, do que o outro, mercenário que se vendeu a Castela para uma circumnavegação em que utilizou dados espiados do conhecimento português.
Fernão de Magalhães foi, literalmente um espião e um traidor, estando ainda por explicar quem o matou nas Filipinas, sendo que há quem sustente que foi alguém da inteligência portuguesa.
O valor acrescentado por Fernão de Magalhães à História de Portugal é o da traição, razão porque não deixo que os meus filhos tenham um computador que o homenageie, sobretudo porque ele era transmontano e os transmontanos são, por regra, gente séria.
Esta conversa de São Paulo permite-me sugerir que o governo emende a mão...
De cada vez que venho a São Paulo relembro com saudade o meu amigo Joaquim Magalhães, falecido em Janeiro de 2007, vai para dois anos.
Só agora, à distância, é possível que nos apercebamos da verdadeira dimensão do homem vivo, de figura miuda que ele era.
Sem margem para dúvidas, foi, durante mais de dez anos o maior promotor da cultura portuguesa que alguma houve em São Paulo.
Graças a ele, tive a oportunidade de conhecer o melhor da música portuguesa da última década. Dos Madredeus ao Carlos do Carmo, passando pelo Vitorinho e pelo Rao Kyao - desculpem-me de não falar de todos os outros - tudo passou pelo excelente salão de festas da Casa de Portugal de São Paulo.
Mas não foi só na música. Foi na pintura, na literatura, na poesia.
Para além da contratação directa, que sempre teve o apoio do comendador António dos Ramos, o Magalhães estava sempre atento à presença de uma figura da cultura portuguesa ou à preservação de um valor português.
Morreu, inesperadamente, e acabou tudo...
A Casa, que fica à frente do meu apartamento, de portuguesa só tem o brasão.
Nunca mais houve um espectáculo - e passaram quase dois anos. Usam-na para congressos de cabeleireiras, promoção de perfumes, reuniões políticas, espaço de milagres de igrejas novas e bem sucedidas.
Uma tristeza...
Ele foi-se, a família ficou - literalmente - na miséria e a cultura portuguesa acabou em São Paulo.
PS - Também não me choca que a escolha do nome de Magalhães possa ser uma homenagem ao José Magalhães, um homem dos homens que mas fez pela difusão das novas tecnologias da informação em Portugal.
O outro - o traidor - é que não...

Coisas desagradáveis...

Sou sócio da Casa de Portugal em São Paulo, que apoio há anos, em tudo o que posso apoiar, por respeito pela estirpe de portugueses que a fundou e a manteve até hoje.
A Casa é, antes de tudo, um lugar de emoção de portugalidade, no centro da maior cidade brasileira.
Funcionou ali, durante muitos anos, o Consulado Geral de Portugal em São Paulo, que o governo de Durão Barroso mudou para a Rua do Canadá, num bairro nobre mas de acesso difícil, por razões ainda não explicadas.
O PS - a que eu pertencia nessa época - denunciou a asneira e levantou suspeitas relativamente ao que estava por detrás. Parece que foi uma negociata, em que alguém ganhou muito dinheiro, mas abafou-se tudo.
A Casa de Portugal tinha dois eventos semanais notáveis: um era o baile da saudade, que reunia em cada domingo mais de 100 pessoas, quase todas de idade avançada. Acabou, acabando com ele a ligação da mais velha geração de sócios à sua Casa; outro era o almoço das quintas, que tem cerca de 60 anos, de modo ininterrupto.
Este almoço teve altos e baixos nos últimos anos. Mas é indiscutível que melhorou, de forma substancial, desde que o Mauro tomou conta dele.
Não é barato, para os preços do Brasil, sendo mesmo inacessível a qualquer emigrante português da classe média. Custa 75 R$, o que corresponde a cerca de 30 €, num país em que o salário mínimo é de cerca de 400 R$, ou seja cerca de 160 €.
Na última quinta-feira foi dia de homenagem ao Embaixador Francisco Seixas da Costa, que fez um excelente mandato no Brasil.
Homenagem justíssima, em que fomos todos brindados com um exelente discurso de improviso, em que Seixas da Costa disse coisas importantíssimas e sinceras, como acontece sempre que o ouvimos.
Lastimável é que alguém tenha a aproveitado a figura para fazer um negócio não esclarecido.
Seguramente que a «vedeta» não recebeu um cêntimo, como, com toda a justiça terá ocorrido, recentemente, com Roberto Leal, um artista muito querido no Brasil, mas que deve ser pago, justamente, pelo trabalho que realiza.
Todavia, o preço passou de 75 € para 150 € - o mesmo preço dos almoços ou jantares com Roberto Leal - aqui com a agravante de a qualidade ser, supimanamente, mais baixa do que a do excelente e rico buffet servido todas as quintas feiras.
Os frequentadores do almoço das quintas, esses não estavam lá, seguramente porque se sentiram ofendidos com a marosca. E com isso perdemos todos, a começar pelo Francisco Seixas da Costa, aque merecia ter ali os cidadãos activos que semanalmente comemoram Portugal na Avenida da Liberdade, em vez de um jet-set de plástico, que apenas se diferencia pelo dinheiro.
Muito mau... Se eu soubesse não teria ido, por mais que respeite o Embaixador Seixas da Costa, que nada tem a ver com isto.

terça-feira, outubro 14, 2008

Porque não havemos de retirar o dinheiro dos bancos?

Parece-me que toda a gente já se fez esta pergunta, desde que a crise se acentuou, nas últimas semanas. Ninguém fala disso em público, ninguém responde nem ao ouvido do vizinho, ninguém ultrapassa a afirmação ambígua do politicamente correcto.
Tirar o dinheiro dos bancos é... anti-social. Prejudica todos e pode levar os bancos à falência. Sustentar o levantamento dos fundos é uma heresia que não pode pronunciar-se e que ninguém pronuncia, por medo.
Lembra-me isto o que aconteceu a seguir ao 11 de Março e à nacionalização da banca em Portugal, por outras razões. Chamava-se «sabotagem económica» ao levantamento dos fundos do sistema bancários; e chamavam-se de sabotadores económicos os que tentavam levantar os seus recursos do sistema bancário.
A onda era outra, mas parece que está tudo na mesma. Ao menos no plano dos medos.
Qualquer pessoa minimamente sensata tem a noção de que deixou de ser seguro ter o dinheiro nos bancos. E não é a primeira vez que isso acontece; aconteceu há menos de 100 anos, ainda na vigência da primeira República e durante todo o Estado Novo.
Ninguém acreditava no sistema bancário. E nos anos 60, se queriam que os portugueses depositassem os seus fundos nos bancos, tinham os banqueiros que os tratar muito bem, que mandar os seus empregados a casa dos aforradores, que pagar juros pela utilização dos fundos depositados à ordem.
O que ganhamos nós confiando aos bancos as nossas reservas?
Nada, rigorosamente nada, no que se refere aos fundos colocados à sua ordem.
Ter uma conta bancária é uma fonte de despesas, das mais diversas, em que nós nem reparamos.
São contos de reis ao fim do ano, sobretudo se forem contas pequenas, com reduzido movimento. E para que precisamos nós dessas contas? Nas mais das vezes para nada, sendo certo que as temos, na generalidade dos casos, apenas por medo de sermos assaltados.
Mas assim, com depósitos bancários, corremos o risco de outros assaltos, desde os do fisco, que é conhecedor de todas as contas, até ao de credores pouco escrúpulos, que as penhoram sem pre-aviso, como é de lei.
Se fizermos contas, fica muito mais barato ter um cofre, desses fortes, que se vendiam em segunda mão nos leilões, ou mesmo dos outros que ainda se vendem novos e que prometem ser objecto de uma indústria cada vez mais próspera.
Retirar o dinheiro dos bancos é um direito. E é a única forma que temos de nos defendermos e de exigirmos que nos respeitem e nos retribuam o esforço das nossas poupanças.
Porque é que havemos de pagar X cêntimos por cada dia em que tivemos um pequeno saldo negativo e o banco não há-de pagar-nos na mesma proporção pelos dias em que temos a conta positiva?

segunda-feira, outubro 06, 2008

Um mundo de vigaristas?

A crise do sector financeiro aí está, em todo o seu esplendor, como tínhamos anunciado, chamando a atenção para importantes indícios, há mais de um ano.
A crise suscita, no essencial, problemas de três naturezas: de natureza política, de natureza jurídica e de natureza económico-financeira.

A questão política
No plano político, estamos perante a demonstração do fracasso de um modelo de mercado que assenta na especulação e na vigarice. A confiança, sem a qual não funciona nenhum mercado, não pode, em nenhuma circunstância, assentar na mentira sistemática, mesmo que ela seja dissimulada por uma «estruturação» complexa, que serve apenas para iludir o aprofundamento da fraude.
A crise veio demonstrar uma intolerável falta de respeito dos responsáveis políticos pelos cidadãos e pelos consumidores. Relativamente aos primeiros porque se lhes ocultou a trama que, na falta de fiscalização eficaz, permitiu criar o enorme buraco que, com a sua acção e a omissão dos estados, os especuladores criaram, em termos que põem em crise o normal funcionamento das sociedades.
As bolsas transformaram-nos, nos últimos anos, em autênticos casinos, cenário de jogos de fortuna e azar, previamente anunciados por bancos e autoridades que hoje estão na bancarrota, mas cujos crédito foi alimentado pela media até ao momento do ko. Bancos com nome acima de qualquer suspeita, auditores do mais fino nome, caíram de um dia para o outro na lama.
A ideia com que fica qualquer cidadão minimamente bem informado é a de que todo o quadro vem sendo encoberto, em termos que permitam continuar a explorar os tontos e os otários, tanto mais que, sem necessidade de especiais cuidados, é possível ter a noção da mentira sistemática que o sistema mediático vende aos «mercados» nos últimos doze meses.
Damos uma especial atenção à informação económica e, a partir de Junho de 2007, dedicamos muitas horas à observação dos mercados. No verão de 2007, publicamos um conjunto de relatórios sobre a «crise dos mercados financeiros» que, no essencial, são, a um ano de vista, uma antevisão do que agora se está a passar.
Em 20 de Setembro de 2007, escrevíamos que o economista Harry Markowitz, Prémio Nobel de Economia de 1990, afirmada que a decisão da Reserva Federal americana (Fed) de reduzir as taxas de juro nos Estados Unidos em 50 pontos base estava a criar uma liquidez artificial nos mercados monetários., segundo o economista Harry Markowitz, Prémio Nobel de Economia de 1990, citado pela TV Jornal/Agência Estado. Segundo Markowitz, a principal motivação do Fed para executar o corte de juros destinava-se a incentivar os bancos a voltarem a emprestar dinheiro uns aos outros.
«Na prática, o corte de juros vai inundar de liquidez o mercado» - comentava no Nobel, a quem ninguém deu importância. O economista chamou a atenção para alguns dados da economia norte-americana, como a inflação, e apontou a elevação dos preços das commodities, entre elas o petróleo, que se encontrava em patamares recordes.
Os sintomas da crise e do respectivo encobrimento eram já muito fortes. Nesse mesmo dia (20/9/2007) começamos a publicar textos informativos especiais, dedicados à «crise dos mercados financeiros».
Na primeira edição, com essa data, revelávamos que o Banco de Inglaterra (BOE) se preparava para lançar no mercado mais de 14,3 biliões de euros, para tentar salvar as instituições financeiras que tinham agido de forma menos prudente. Nessa mesma Newsletter colocamos um link para um importante relatório de Mervyn King que agora não pode ser lido, porque foi retirado da Net.
No dia 21 de Setembro de 2007, escreviamos este interessante naco de prosa:
«O mercado estadunidense de papel comercial voltou a encolher pela sexta semana consecutiva mostrando que a redução das taxas de juro decidida pela Reserva Federal (Fed) não foi suficiente para fazer regressar os investidores ao mercado da dívida de curto prazo, noticiou esta madrugada a agência norte-americana Bloomberg. A Fed informou que aquele segmento caiu 16% desde o dia 8 de Agosto, perdendo em volume cerca de 345 mil milhões (bilhões) de dólares. Os instrumentos de dívida caucionados por activos hipotecários de alto risco/subprime (ABCP’s) foram praticamente abandonados pelos investidores após o número de incidentes de crédito ter atingido valores históricos nos últimos cinco anos. Os vendedores de ABCP’s usavam o numerário para comprar dívidas sobre hipotecas, obrigações, cartões de crédito, facturas vencidas e empréstimos automóveis caucionadas por activos de alto risco. Desde Agosto este mercado desapareceu. »
No mesmo dia:
«Depois de ter forçado a marca simbólica de 1,40 dólares, o euro continuou a valorizar-se ontem cotando-se a 1,412 dólares. Ferida pelo espectro da recessão e indefesa perante o inevitável efeito “boomerang” da política monetária da Reserva Federal (Fed) a «green back» vai passar por um período de reajustamento do seu valor, mais consentâneo com a economia real dos Estados Unidos. A moeda europeia fechou o dia nos 1,4076 dólares, contra 1,4065 dólares na véspera (21H00 GMT).
O dólar canadiano bateu o recorde de há 31 anos (11/1976). Outras moedas de economias ricas em «commodities» valorizaram-se - os dólares australiano e neozelandês, o real saudita, a coroa norueguesa, bem como outras divisas refúgio. Entre elas destacamos o iene japonês e o franco suiço, apesar de os respectivos bancos centrais menterem as taxas de juro francamente mais baixas do que as americanas ou britânicas. Conforme previmos no passado dia 20, no nosso primeiro relatório, o dólar confirmou o início do que promete ser uma longa fase de desvalorização face a uma alargada cesta de divisas mundiais. É nossa convição de que, com o agravar da crise financeira global e a esbanjadora política do Banco Central Europeu de apoio à liquidez do mercado interbancário, a prazo, o euro acompanhará o dólar na caminhada descendente.»
Em 24 de Setembro de 2007, Pedro Varanda de Castro era especialmente incisivo no seu relatório com o título « Crise Financeira Global - Observatório - Report 2»:
«A Europa é, neste grupo, o elo menos forte. Suspeita-se que o grau de exposição do sistema bancário da zona euro às turbulências financeiras sejam bem maiores do que se tem dito e escrito. Na Alemanha, Grã-Bretanha, Holanda, Espanha e França as réplicas do sismo americano causaram umas dezenas de vítimas. » - escreve Pedro Varanda de Castro, do Departamento de Data Mining da MRA no seu report de hoje.
«Três bancos alemães mudaram de mãos em operações relâmpago que acalmaram os ânimos de depositantes crescentemente desconfiados. Em Inglaterra o Northern Rock está cada vez mais encostado às tábuas, à espera da estocada final. Lloyds, Barclays, HSBC e Fortis anunciaram nos últimos dias que a compra da moribunda instituição está fora dos seus planos. O Financial Times, na edição desta manhã, revela que a recusa tem a ver com o facto de a recuperação financeira exigir injecções de capital que rondam os 20 mil milhões (bilhões) de libras, quase 30 mil milhões (bilhões) de euros.»
O relatório lá está no nosso site, onde pode ser consultado. Aí se fala pela primeira vez de Paulson e do gigantismo da dívida americana.
Boa parte daquilo a que estamos hoje a assistir, está lá, com detalhes de há um ano antes.
No dia 25 de Setembro de 2007, escreviamos o seguinte:
«A Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos voltou a injectar na segunda-feira mais 10 mil milhões de dólares no sistema monetário, via Fed Nova York, o banco emissor encarregado das operações de liquidez. Na semana passada foram colocados no mercado 68 250 milhões de dólares. Na operação de ontem (segunda-feira) verificou-se um facto importante. Contata-se que, apesar da maciça intervenção, os bancos queriam muito mais.
De facto, o Fed aceitou a compra de dívida (prazo 1 dia) no valor de uma dezena de milhar de milhões. Porém, face às ofertas apresentadas, o mercado sinalizou «precisar» de 41 225 milhões, ou seja mais 75% do que o montante injectado. A dívida adquirida estava quase totalmente suportada por títulos do tesouro (9 334 milhões).
Pela primeira vez, e ao contrário de situações anteriores, as garantias oferecidas não foram respaldadas por créditos hipotecários. Digno de nota, também, o facto de a Reserva Federal usar a compra de créditos hipotecários para tornar mais líquido um mercado actualmente a atravessa uma grave crise. O sector bancário luta deseperadamente pelo acesso a fundos suficientes para cobrir a gigantesca quantidade de hipotecas de alto risco (subprime) já vencidas ou prestes a vencerem-se, por se encontrarem no limite da maturidade.
Sem dinheiro fresco suficiente no circuito interbancário, os receios dos investidores manifestam-se nas cotações bolsistas. No quadro acima, logo após a intervenção do Fed (12H00, Nova Iorque), as cotações recuperaram um pouco. Porém, logo que foram sendo conhecidos novos dados sobre a economia americana, que foi divulgada a posiçãodo FMI sobre o assunto, o stresse aumentou. A opinião do director-geral do FMI, Rodrigo Rato (ver post anterior), sobre as (negras) perspectivas para o último trimestre de 2007, e o seu provavel agravamento em 2008, a reacção dos investidores foi a de liquidar/reduzir posições ajudaram a toldar o clima depressivo. Todos os índices, com excepção do relativo aos títulos tecnológicos (High Tech Index), fecharam no vermelho.»

Em 26 de Setembro de 2007, caia a primeira vítima, em Portugal e nós escrevíamos o seguinte:
«O BPI decidiu proceder à liquidação de um fundo de investimento mobiliário, com activos no montante de 88 milhões de euros, revela o Diário Económico na edição de hoje. Segundo um comunicado divulgado na terça-feira, o banco informou que “a decisão de extinção do Fundo [BPI Renda Trimestral] tem subjacente o interesse dos participantes” e a “simplificação da oferta de fundos de investimento”. A carteira do fundo é composta maioritariamente por obrigações de “baixo risco” com “elevada liquidez” e por “alguns créditos hipotecários”. A incerteza quanto à distribuição trimestral do rendimento dos capitais investidos foi a razão apontada para a liquidação. O reembolso da totalidade do capital aos participantes foi assegurada por uma fonte do BPI citada pelo jornal. O encerramento do fundo será concluído no dia 2 de Outubro. A mensagem pretensamente tranquilizadora arrisca-se a aumentar os receios e a desconfiança dos investidores. O Diário Económico refere que “o sector financeiro português não está imune aos riscos de contágio” da crise global de crédito e classifica a decisão do banco presidido por Fernando Ulrich como a manifestação de “uma crise financeira, mas também de confiança”. O DE avança publicamente com o que a MRA tem prognosticado nos relatórios de acesso restrito ”Sistema Financeiro Global - Observatório da Crise“, desde Agosto, apesar da sistemática desvalorização do problema por parte das autoridades monetárias e dos «market players». A situação, porém, é grave. A sentença BPI significa o princípio do fim de outros veículos de investimento existentes no mercado português. Após o colapso do segmento hipotecário de alto risco (subprime), nos Estados Unidos, cujos sinais já eram evidentes no último trimestre de 2006, os instrumentos de dívida negociados entre investidores, bancos, fundos, corretores e outros agentes tornaram-se ilíquidos. O mercado evaporou-se. O apetite pelo risco tornou-se drásticamente volátil (…)
Esta quarta-feira, Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) informará os investidores e o público em geral sobre os efeitos da crise no sistema financeiro português, durante uma conferência de imprensa. O jornal sublinha que “o regulador [CMVM] considera existirem, neste momento, alguns motivos para preocupação” uma vez que “não é possível garantir que não se verifiquem casos preocupantes”.Manuel Vasconcelos Guimarães, presidente da APFIPP, associação dos fundos de investimento, pensões e patrimónios, há apenas uma semana, garantira ao jornal não existirem motivos para alarme quanto a um eventual contágio pela crise ‘subprime’. “Estamos tranquilos com a indústria de fundos” afirmou então o presidente da APFIPP garantindo desconhecer “problemas no sistema”. A opinião foi emitida em contraciclo com a debandada geral dos investidores. Em Agosto, os resgates das unidades de participação atingiram níveis recorde. Tal não impediu o dirigente associativo de manifestar o seu optimismo. “Os dados de Agosto reflectem o período de incerteza que afectou os mercados financeiros. É nestas alturas que determinados investidores vêem boas oportunidades que acabarão por constituir-se como motores de novas subscrições”, sublinhou Vasconcelos Guimarães. À data, a CMVM já havia informado o mercado sobre a crescente tendência para o desinvestimento naqueles veículos de poupança e valorização de patrimónios. Era a confirmação, pelo regulador da actividade bolsista, de que os mecanismos imunitários do sistema europeu ao descalabro dos mercados da dívida não existiam. Por isso, não funcionaram.»

Em 24 de Outubro de 2007, relatávamos assim as últimas noticias do Merryl Linch:
« O banco norte-americano Merril Lynch agitou os mercados hoje de manhã ao fornecer mais dados sobre o impacto da crise do crédito no balanço do grupo reavivando receios de novos e vultuosos prejuízos. O banco anunciou que reduziu em 7,9 mil milhões/bilhões (mm/bi) de dólares os activos contabilísticos devido a investimentos especulativos nos mercados hipotecários e de crédito elevando para níveis inesperados os prejuízos do terceiro trimestre. Os prejuízos agora contabilizados superam em 2,9 mm/bi as anteriores estimativas, relacionadas com derivativos hipotecários de baixo (prime) e alto risco (subprime). Entre os cinco maiores bancos de Wall Street, Merril Lynch foi destacadamente o mais atingido pelas ainda inacabadas sequelas da presente crise. O descontentamento dos accionistas é evidente. Entre o 2.º e o 3.º trimestre os lucros passaram respectivamente de 2,2 mm/bi de dólares ($ 2.82 de ganho por acção) para 2,14 mm/bi ($2.22 de ganho por acção). Na comparação com o 3.º trimestre de 2006 o resultado é desolador ($3,14 de ganho por acção), menos 92 cêntimos/acção. Os proveitos líquidos caíram 94 % ($577 milhões). Em 2006, aquele valor atingiu uns gordos 9,8 mm/bi de dólares mas emegreceu 100 milhões de dólares no último trimestre ($9.7 mm/bi).
Merril Lynch era um dos principais emissores de titulos de dívida cujo valor dependia do risco dos activos que lhes serviam de garantia (CDO’s, em inglês). Stan O’Neal, presidente e CEO, que tem o cargo em risco por negligenciar a gestão prudencial da instituição. Os avultados prejuízos nas áres de câmbio e commodities de renda fixa ($5.6 mm/bi) no último trimestre tiveram origem na securitização das posições especulativas em produtos subprime e CDO’s. O rotundo falhanço da estratégia securitizadora “risco zero” implicou uma alteração radical da estratégia da Merril Lynch: cortes de 53% nas posições em CDO’s ( para $15,2 mm/bi), de 35% em derivativos subprime (para $5.7 mm/bi); reforço nas áreas lucrativas (acções/obrigações, + 4% lucros; banca de investimento, + 24% de lucros; gestão de fortunas, + 70%). Apesar das dolorosas notícias, os números foram recebidos positivamente na Bolsa, com as acções a subirem cerca de 1%, fixando-se no patamar dos 67 dólares.»
No mesmo dia, escreviamos sobre o National City:
«O banco norte-americano National City Corp, um dos maiores do Midwest americano, Cleveland, Ohio, anunciou hoje uma quebra de 80% nos lucros do terceiro trimestre, como consequência da crise hipotecária e apesar da venda da divisão de hipotecas de alto risco (subprime) à Merrill Lynch & Co. O banco, o 9.º maior dos EUA, eliminou 2 500 postos de trabalho (7% do total) cerca de 1 700 dos quais relacionados com o sector subprime, mais 400 do que o inicialmente anunciado. Os proveitos líquidos no trimestre caíram 106 milhões de dólares (18 cêntimos por acção). Em 2006 os mesmos proveitos foram de 526 milhões de dólares (86 cêntimos por acção). Na banca hipotecária, os prejuízos ascenderam a 152 milhões de dólares (- 25 cêntimos/acção). Segundo a Reuters Estimates, os analistas previam um lucro de 31 cêntimos/acção, revelando uma queda de dimensão inesperada, que alimenta previsões mais desfavoráveis no último trimestre do ano. Na sessão que antecipou a abertura oficial das operações em Bolsa, as acções sofreram uma desvalorização de 91 cêntimos, cotando-se no patamar dos 23 dólares.»
Novo aviso em 25 de Outubro de 2007:
« Países asiáticos, liderados pela China e pelo Japão, iniciaram em Agosto acções conjuntas de desinvestimento em activos norte-americanos. Entre 15/8 e 30/11, o valor total das dívidas (vencidas e vincendas) a pagar pelo Tesouro dos EUA aos seus credores atingirá os 273 mil milhões/bilhões (mm/bi) de dólares.
A persistente desvalorização do dólar e a subsequente subida das taxas de rendibilidade das obrigações do governo americano, segundo dados publicados no site do Departamento do Tesouro dos EUA, são as consequências práticas no curto e médio prazo, desde que o mercado não seja artificialmente estimulado, leia-se manipulado.Marc Ostwald, economista da empresa Insiger de Beaufort, citado por vários jornais e agências noticiosas, embora reconhecendo que “os números são para atordoar qualquer um”, admitiu que, considerando outras aplicações de investidores estrangeiros em activos cotados em dólares “ os montantes poderão ser mais impressionantes.” »

Em 26 de Outubro de 2007, publicamos uma nota sobre os primeiros efeitos do sub-prime em Portugal, que transmite, com clareza a ideia de que alguns dos principais dirigentes e o ministro das Finanças estão perfeitamente cientes do que se está a passar.
No dia 28 de Outubro de 2007 anotamos que a maior empresa de crédito hipotecário dos Estados Unidos, Countrywide Financial Corp., anunciou prejuízos de 1,2 mil milhões/bilhões de dólares (mm/bi USD) relativos ao terceiro trimestre do ano. Interessante o comentário com que encerra essa notícia:
« O presidente e CEO da Countrywide Financial Corp., Angelo Mozilo, arrecadou USD 200 milhões na venda de stock options, desde Janeiro/2007, exactamente no período em que era esperada a implosão da bolha imobiliária. Segundo o diário Los Angeles Times, entre 11/2006 e 08/2007, Mozilo alterou os planos de venda de acções preferenciais (prémios de gestão) redefinindo quantas acções deveriam ser vendidas mensalmente. O patrão da Countrywide vendeu, no período, 4,9 milhões de acções. A maior parte comprou-as a preços abaixo do par, exercendo o seu direito de opção, conforme consignado no contrato de gestor profissional. A prática é comum entre os executivos de topo americanos, aproveitando as facilidades que a lei lhes concedeu em 2000, como forma para se defenderem de eventuais acusações de “insider trading” - gerar lucros a partir de informação privilegiada. Juristas e economistas são unânimes. A prática não é ilegal. Todavia já são “muitíssimo raras” mudanças de planos/estratégias de venda de tão largas quantidades de “stock options” em tão curtos períodos de tempo. Será que é esta a razão pela qual muitos accionistas querem ver Mozilo pelas costas?»
Em 29 de Outubro de 2007 dávamos noticia do despedimento do «patrão» do Merryl Lynch:
«Merrill Lynch, um dos maiores bancos globais, já tomou a decisão de demitir o seu presidente do conselho de administração (CEO, em inglês) informou hoje o diário britânico Times.
Stan O’Neal não conseguiu resistir à pressão do conselho de administração do conglomerado financeiro para retirar as consequências dos USD 7,9 mil milhões/bilhões (mm/bi) de prejuízos contabilizados no terceiro trimestre, resultantes da crise hipotecária americana e do aperto do crédito no mercado interbancário, desde Agosto. O seu afastamento será oficialmente comunicado logo que seja designado um substituto que tanto poderá já pertencer aos quadros, como ser recrutado externamente.»
Daí para cá foi uma autêntica escalada, com informação cada vez mais detalhada a a noção, cada vez mais precisa de que estariamos à beira da bancarrota, porém com todos os operadores a quererem ocultar a realidade. No dia 16 de Setembro de 2008, publicavamos um post em que se afirmava o seguinte:
« Ralph Siva, director de investigação económica do TowerGroup, em entrevista concedida hoje ao canal de TV norte-americano CNBC afirmou que “existem bancos a mais” e que a situação “é insustentável”. “Não há margem suficiente no sector para aguentar o número de bancos que existem. (…) A nível mundial, um terço dos bancos, pelo menos, tem que desaparecer”, disse Silva. Em sua opinião, isso acontecerá através de falências e de processos de consolidação, nos quais os bancos mais pequenos são engolidos por concorrentes de maior envergadura. Silva concordou com a recusa da Reserva Federal (Fed) em apoiar o banco Lehman Brothers, já que a operação de salvar o Bear Stearns, em Março, não melhorou a situação financeira global. “Por que razão devemos insistir uma segunda vez?”, argumentou. “Sabemos que vai ser doloroso. Sabemos que não o devemos fazer. Por isso, acho que agiram correctamente em não terem prestado apoio”, rematou o pesquisador do TowerGroup»
Na mesma data, quando se fala da constituição de um fundo de 70 biliões de dolares para acorrer à desgraça da América, o nosso consultor Pedro Varanda de Castro chama a atenção para «os perigos do botox financeiro», salientando o seguinte:«A crise, por ser sistémica, promete agudizar-se nos próximos 2/3 anos e contaminar ainda mais outros segmentos críticos do mercado da dívida - derivativos, crédito ao consumo, seguros de crédito, entre outros.
Na primeira linha das preocupações está o importante segmento ABS - Asset Backed Securities - uma das causas da implosão do Lehman Brothers. Este mercado secou gradualmente, desde 2007. Não se encontram compradores facilmente dado que o apetite dos investidores pelo risco sofreu uma quebra dramática. À medida que as semanas passam, as instituições são forçadas a reavaliar os activos problemáticos e diariamente desvalorizados. Os prejuízos prometem galgar para níveis estratosféricos face ao risco de o mercado ser inundado pelo “lixo tóxico” que enche as carteiras de investimento do Lehman Brothers e de outras instituições, em particular dos hedge funds.
Pressionados pelo vencimento das dívidas de má qualidade, os gestores da falência Lehman Brothers vão inundar os mercados com USD 600 mm/bi de títulos a preços de liquidação. A pressão da venda vai desencadear uma reacção em cadeia - queda de preços, agravamento dos prejuízos contabilizados, desvalorização das acções e dos índices bolsistas - e agravará o clima recessivo. A situação é dificilmente reversível face à estrutura virtual da economia global. Todavia, é perceptível analisando o rácio PIB Mundial/ Liquidez Global em função dos instrumentos financeiros disponíveis, quantificados com recurso aos dados do Banco Internacional de Pagamentos (BIS, em inglês), referentes a Dezembro de 2007. Os derivativos de crédito excedem em 8 vezes o PIB Mundial e correspondem a 3/4 da liquidez global.
O agregado da massa monetária em circulação (depósitos bancários à ordem, a prazo, acções, obrigações e outros activos em papel) é pouco mais do dobro do PIB mundial e representa escassos 11% da liquidez global.
Os derivativos de crédito ou “produtos estruturados” oferecem uma míriade de instrumentos alegadamente “disseminadores do risco”.
Eles são os tumores malignos que afectam a saúde do sistema financeiro global. O seu falacioso “risco zero” transformou o mercado num gigantesco casino onde, até 2007, ninguém prestava contas a ninguém.
Grandes investidores públicos e privados - governos, autarquias, fundos de pensões, fundos soberanos, hedge funds, seguradoras, bancos, etc. - entraram no opaco mercado. Quando a bolha hipotecária explodiu os bancos centrais deram-lhe injecções financeiras de botox. Nos mercados de capitais e da dívida as operações de cosmética, a prazo, estão condenadas ao fracasso.»

Perante estas informações, que são, todavia, sumárias mas suficientemente importantes (e graves) para que se possa questionar o papel dos auditores, resultam marcadas por um sabor de mentira a generalidade das afirmações feitas nas últimas semanas pela generalidade dos dirigentes políticoxs.
E resultam com um sabor de engano os apelos à confiança nos mercados que, em boa verdade, não a merecem.
A essência do problema político suscitado por esta crise reside na problemática da confiança e bem se compreende porquê.
Conscientemente uns e inconscientemente outros, os dirigentes políticos de todo o Mundo deixaram que a parte principal dos recursos de todas as economias fosse como que confiscada pelos especuladores, em termos que colocam em risco a solvabilidade do sistema financeiro.
Como atrás se refere, os derivativos de crédito representam, em termo globais, 8 vezes o PIB mundial e a massa monetária em circulação em todo o Mundo não representa mais do que duas vezes o PIB mundial e 11% da liquidez total.
Só uma completa desregulação e uma absoluta irresponsabilidade dos dirigentes políticos permitiu que se chegasse a este ponto.
Problema maior é o de que a mentira sistemática continua, como o tempo demonstrará.
No dia 5 de Outubro, o ministro das Finanças alemão, Torsten Albig, afirmou que o governo ia dar uma garantia ilimitada do Estado a todos os depósitos de poupanças de particulares. Pouco tempo antes, a chanceler Angela Merkel tinha afirmado, durante uma conferência de imprensa, que as pequenas poupanças estavam "seguras", tentando evitar qualquer movimento de pânico da população. Mas seguras como e com quê?
No sábado, 4 de Outubro, em Paris, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, sustentava que se deve impedir a falência de qualquer um dos grandes bancos europeus. Por seu lado, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, declarava que a crise económica "é um problema global que precisa de uma solução global".
"Cada país representado aqui hoje deverá fazer o que é necessário para assegurar a estabilidade do sistema, a segurança das famílias e das empresas nos nossos países", acrescentou Gordon Brown.
Há um velho ditado que diz que a coisa mais difícil que há em matéria de gestão financeira é fazer falir um banco e, pelos vistos, os operadores do sistema estariam perto de o conseguir, se não se verificasse uma paradoxal tendência para a nacionalização da banca, por parte, mesmo dos governos mais conservadores.
O estado a que chegou o sector financeiro só foi possível em razão da generalizada irresponsabilidade dos dirigentes políticos, agora ainda mais apostados no encobrimento da verdade, de forma a manter uma ideia de «confiança» que, claramente, o sistema não merece.
O sector financeiro tem merecido uma especial atenção dos legisladores no pressuposto de que o negócio do dinheiro e a gestão das poupanças tem uma especial importância para o desenvolvimento das economias e das sociedades.
É importante em qualquer sociedade que os fundos colocados nos bancos possam ser usados para financiar o desenvolvimento, seja por via do apoio ao consumo seja por via do apoio ao investimento.
A experiência secular dos bancos e dos banqueiros demonstrou que, ao longo de gerações e gerações, se construíram grandes empresas, dos caminhos de ferro à navegação, passando pela indústria automóvel com recurso a meios financeiros geridos pela banca e em termos que seriam impossíveis sem eles.
O sucesso passou sempre por dois vectores: uma cuidadosa análise dos pressupostos e das condições dos investimentos (due diligence) e uma cuidadosa ponderação das garantias.
A banca tradicional sempre operou entre terceiros: os depositantes de um lado e os clientes investidores do outro, com uma noção muito específica dos conflitos e da concorrência de interesses.
O drama da presente crise tem algo semelhante com o da prostituição da dona do prostíbulo. A dona do bordel passou ela própria a prostituir-se, usando os recursos que deveria pôr ao serviços de terceiros, sem que alguém lhe pedisse contas e sem tomar, no que se refere às garantias, o mínimo de cuidados.
E o que se viu foi o aparecimento de uma multidão de proxenetas, que espreitaram o furo encontraram uma fórmula de enriquecer facilmente de um dia para o outro, como que num esquema de expropriação privada de toda a poupança.
O que era um mercado de prosperidade – apregoado pelos políticos e pelos media – transformou-se, de um dia para o outro, numa incrível mentira, com os mais credíveis auditores internacionais a darem de pantanas e as melhores agência de rating a terem que reconhecer os seus fracassos.
Dramático será se, doravante, as poupanças arrecadadas nos bancos puderem continuar a ser usadas para suportar a especulação, em vez de serem destinadas ao desenvolvimento.
O normal seria que funcionasse o mercado e que falissem as instituições que não têm solvabilidade. Mas parece que a maioria dos governos vai pretender salvar os especuladores e alocar recursos públicos a essa cruzada dos políticos e da media.


As questões jurídicas

O cenário da actual crise suscita uma vastíssima lista de questões jurídicas, em quase todas as áreas do direito, desde o direito europeu à direito dos mercados de capitais, passando pelo direito da informação e pelo direito societário.
Dirá o leitor que me esqueci de referir o direito criminal; e com razão, porque a lógica do senso comum nos arrasta, de imediato, para a sumária conclusão de que, em abono dos bons princípios, se as sociedades funcionassem, deveria estar já muita gente na prisão.
O candidato Mc Cain foi peremptório na afirmação de que a hora não é de pedir responsabilidades a ninguém; e a verdade é que, atentos os valores, há, como sempre acontece, uma velada tendência para a discriminalização das condutas.
Por mais criminosas que elas possam ser, é nossa convicção de que nada vai acontecer.
No quadro do direito europeu levantar-se-à, seguramente a questão de saber se as intervenções dos Estados não serão afrontosas da concorrência, tanto mais que, ao que tudo indica, os níveis de envolvimento das diversas instituições financeiras serão diversos.
As grandes questões hão-de suscitar-se, porém, no quadro da responsabilidade civil emergente da violação de regras do direito à informação, por parte das instituições financeiras mas, sobretudo, por parte dos auditores e das sociedades de rating, nomeadamente nos quadros de avaliação de activos sem a mínima sustentabilidade.
Quanto valiam na contabilidade do Lehman e de outras instituições falidas os respectivos nomes? Que vale o nome de uma instituição falida? Como pode o nome de uma instituição falida ser considerado um activo ou ser contado como tal para artificializar um equilíbrio?
É por demais claro e evidente que há pessoas e empresas que vão perder milhões, apenas porque acreditaram em informação viciada que lhes foi prestada pelas instituições financeiras e pelos auditores. Quem vai pagar esses prejuízos? Será que os responsáveis por essas instituições vão continuar a poder dormir descansados, com os seus bens ao luar?
Provavelmente que não, porque quando tudo se esclarecer, não será difícil encontrar provas que permitam responsabilizar os culpados e recuperar boa parte dos patrimónios gerados no quadro da sua gestão danosa.
É bem provável que, a breve prazo, quando a casa for abaixo, os lesados se organizem com vista à responsabilização dos culpados e que, em conjunto, arranjem os meios necessários para o accionamento dos indispensáveis processos.


As questões económicas e financeiras

A questão mais imediata que esta crise suscita é a de saber se podemos ter confiança e que não perdemos os recursos que temos depositados nos bancos.
A resposta que tem sido dada em Portugal é a de que o sistema de garantia de depósitos assegura que os depósitos até 25.000 € se encontram garantidos. Porém não estão disponíveis dados actualizados que nos permitam avaliar, com um mínimo rigor a dimensão da crise no sistema financeiro português.
Nem o site no Banco de Portugal nem os sites dos diversos bancos oferecem informação actualizada e detalhada sobre as instituições financeiras portuguesas. O máximo da informação disponível pode encontrar-se no sítio do Banco de Portugal, no endereço http://apl1.bportugal.pt/pcopesquisa/
Mas o grande problema não é o de saber se os nossos fundos estão seguros no banco X ou no Y, mas se o próprio sistema financeiro não vai alocar as poupanças e os recursos nele depositados à resolução dos seus próprios problemas, em vez de os disponibilizar para o desenvolvimento da normal actividade produtiva.
Esse é que é o problema axial.
Uma coisa é perspectivar a possibilidade de as poupanças poderem ser usadas para alavancar a actividade económica produtiva. Outra coisa é essas poupanças serem como que confiscadas pelos sistema financeiro para financiar os seus próprios vícios e para reduzir os efeitos do escândalo dos mercados financeiros.
Nada isto tem a ver directamente com as bolsas… embora as bolsas possam ter a ver com a crise do mercado financeiro.
Se o mercado fosse transparente, não estariam aos bancos à beira da falência, por terem usado os recursos para alavancar a subida de títulos que não têm o valor que lhes foi dado. O normal é que o mercado continue a funcionar e os títulos se coloquem o valor que devem ter e que é o resultante do rendimento que potenciam.
Há muitos anos, ensinava o Prof. Teixeira Ribeiro que a cotação de um título é igual ao rendimento multiplicado por 100 e dividido pela taxa de juro (C=(Rx100)/J). Um titulo com o valor nominal de 1 € que potencie um dividendo de 0,1 €, quando a taxa de juro no mercado é de 5% vale, segundo esta fórmula 2 €, que é o dobro do valor nominal, porque rende o dobro do juro corrente no mercado.
O mercado fará a sua «justiça» e penalizará os títulos que não derem melhor rendimento do que as aplicações a juros, sendo certo que a subida das taxas de juro é o maior inimigo dos títulos, na medida em que os desvaloriza.
Se uma acção não confere direito a dividendo superior ao que resultaria da aplicação a juros do respectivo valor nominal, o melhor é desfazer-se dela, pois que uma acção que não dá rendimento não vale nada. E é preferível vender por baixo valor do que perder tudo…
No que se refere ao dinheiro depositado nos bancos há que ter prudência, pois que se toda a gente acorrer aos bancos para levantar os seus fundos, o dinheiro não chega para todos.
Diversos ministros de diversos países anunciaram que os governos garantiam o o pagamento dos depósitos em caso de falência dos bancos. Essas «garantias» não passam de pura demagogia, enquanto não forem publicadas leis que as afirmem.
Bom negócio, para quem tenha dinheiro disponível, será emprestar dinheiro a juros, com garantias fortes, porém com o cuidado de não cair no quadro do crime de usura.
Há coisas que os bancos podem fazer e que não podem fazer os particulares. Uma delas é cobrar juros, por valores superiores ao que aqueles podem fazer.
Mas há coisas que só os particulares podem fazer: e uma delas é guardar o seu dinheiro no colchão, com o fizeram durante décadas, com receio de o perder.
Lembro-me de que o meu avô não guardava um cêntimo nos bancos porque tinha medo de lhe roubarem o dinheiro e que o meu pai só abriu uma conta no Banco Nacional Ultramarino (no inicio dos anos 60) porque o gerente Pratas lhe garantiu uma remuneração nos depósitos à ordem e com pré-aviso.
Questiono-me por que razão o meu banco não me credita juros pela simples manutenção de depósitos à ordem. Talvez seja o momento de eu retirar de lá o meu dinheiro.

MR




segunda-feira, setembro 29, 2008

Feios, porcos e maus...

Vale a pena ver e guardar... É o que os portugueses pensam do casamento e do divórcio...
No final, tenho a sensação de que vivo numa enorme casa de putas, ainda por cima velhas e gordas, em boa parte.
Que nojo...
Reconforta-me a sensação de que esta miséria não tem nada a ver com o o país real...

Que horror... Não perca...

sexta-feira, setembro 26, 2008

Memória de um voo na TAP

Visitei há dias o Director da TAP para a América do Sul, no seu novo escritório da Avenida Paulista. Foi uma visita de amigo e daquelas em que se pergunta como vais e se acaba a desejar saúde e sucesso.
O reconhecimento do papel do Mário de Carvalho para a afirmação da TAP na América Latina é uma obrigação incontornável. E por isso mesmo nunca deixo de lhe dar as minhas opiniões críticas, quando há razões para elas.Estes aviões A-330 são maravilhosos, mas um avião não faz tudo.
O que sempre distinguiu a TAP das demais companhias de aviação foram a segurança e a qualidade do serviço de bordo.
A assistência aos passageiros em terra vem-se degradando demais, a ponto de não podermos ter confiança no que nos informam aos balcões da companhia. Mas o próprio serviço de bordo está ao nível das mais miseráveis companhias de aviação.
Escrevo este post a bordo do voo TP109, de Guarulhos (São Paulo) para Lisboa.
Quando cheguei ao aeroporto para fazer o check-in fui informado de que não tinha bilhete para Lisboa, porque deveria ter embarcado de Salvador no dia 31 de Agosto, ou seja, há 21 dias.
Exibi uma confirmação da marcação do voo São Paulo-Lisboa para o dia 21, feita pela minha agência de viagens, com reporte do report emitido pelo próprio sistema informático da TAP. Mas mais: exibi bilhetes emitidos pela TAP, em Lisboa, para voos de Brasilia para o Rio de Janeiro, do Rio para Fortaleza, de Fortaleza para Belém, de Belém para Salvador e de Salvador para São Paulo, todos com data posterior a 31 de Agosto.
Tratando-se de um air-pass, tais bilhetes só podiam ter sido emitidos entre as datas da chegada ao Brasil e da partida.Porque tinha confirmada, previamente, a reserva da data do regresso a Portugal, fiz as marcações e o pedido de emissão das viagens internas no balcão Tap do Aeroporto de Lisboa, nunca me tendo passado pela cabeça que o regresso a Lisboa deveria fazer-se antes de realizar as ditas viagens.
Quando exibi o bilhete à funcionária da TAP no balcão de check-in do Aeroporto de Guarulhos, fez-me ela o reparo de que eu deveria ter verificado que naquele bilhete constava, paradoxalmente, o regresso a Lisboa no dia 31 de Agosto. Como não tinha reparado nesse erro deveria pagar uma multa.
Fica o conselho de que não devemos confiar nos serviços da TAP e devemos conferir cuidadosamente todos os dados dos bilhetes, tentando descobrir neles os erros mais paradoxais, como este de projectar viagens no interior do Brasil depois de um regresso a Lisboa.
Tentei explicar à funcionária que se tratava de um erro da TAP, como era evidente, não devendo eu ser penalizado por ela. Mas a dita não concedeu, mandando-me pagar a multa da remarcação no balcão próprio.
Repetiu-se aí a cena. Pacientemente voltei a tentar explicar o paradoxo. Tive a sorte de encontrar uma funcionária provavelmente mais esperta que telefonou à supervisora, a qual autorizou que eu viajasse com o tal bilhete de Salvador, que nunca cheguei sequer a comprar com destino a Lisboa.
Com isto gastei cerca de uma hora e meia, correndo directamente do check-in para o embarque.
A TAP anunciou recentemente que os titulares do cartão Vitória podem fazer upgrade para a classe executiva no próprio avião.
Porque a correria deste dia e a perda de tempo causada pelo acidente me impediram de jantar no excelente restaurante que abriu ali mesmo ao lado do balcão de check-in da TAP, decidi pedir o upgrade, mas logo que entrei no avião fui informado de que a classe executiva estava repleta.
Lá me sentei na fila 16-B, começando a devorar o Público, que ainda consegui apanhar naquele carrinho que colocam à porta do avião.
Quando começou a distribuição das refeições constatei que o jantar era uma pasta com queijo, sem alternativa. Quando perguntei se não havia outro menu, a menina respondeu-me que não; ou comia este ou não comia nada.
É a primeira vez que isto me acontece em voos intercontinentais, mesmo em outras companhias. E nos voos entre Portugal e o Brasil nunca tinha visto, de facto, um desaforo destes e uma falta de respeito pelos que, por razões de alergia ou outras, não podem ou não gostam de comer queijo.
Uma pasta não é comida que se apresente. É uma comida miserável, que faz mal à saúde, e que, por isso, nenhum médico recomenda. É a ração dos exércitos e a comida dos miseráveis, popularizada pelos italianos no Brasil.
Não faz parte da nossa gastronomia nem de nenhuma gastronomia que mereça esse nome. Mas mesmo nos restaurantes mais modestos há uma regra que manda servir o queijo como opção e não como aqui, à força.
Generalizar o uso do queijo é uma má criação que ofende as pessoas que não gostam de queijo, sobretudo se não se lhes oferecer nenhuma alternativa. E isso é o que está acontecer nos voos da TAP.
Que saudades do tempo em que esta companhia honrava a boa cozinha e nos tratava com dignidade.O Presidente da TAP, Fernando Pinto, porém, escreve no editorial da revista UP, que leio neste voo:
«Nos nossos aviões, a gastronomia, os vinhos e a música portuguesa, bem como o entretenimento seguem ao dispôr dos passageiros com toda a sofisticação».
Trata-se de uma rotunda mentira, aliás repetida, de forma insinuante na página 142 da revista, onde se promete uma «refeição genuinamente portuguesa», com quatro pratos quentes.
O meu problema desta noite não é o de a refeição ser genuinamente portuguesa ou não. O meu problema é o de que não gosto de queijo, estou fechado num avião e não tenho nenhuma alternativa.
A atitude do pessoal de voo foi em tudo semelhante à daquelas frauleine alemãs, que «educavam» espartanamente os seus pupilos, dizendo-lhes que ou comiam o que estava estabelecido ou não comiam nada.
Nos voos da TAM oferecem umas sanduiches de queijo que podem ser deliciosas para quem as come, mas que têm um cheiro nogento para o passageiro do lado que seja alérgico ao dito. Mas até aí há uma alternativa para quem não goste de queijo: umas barritas de cereais, que lembram ração de combate, mas que cumprem a sua função de aconchegar o estômago.
Aqui nada, para além da humilhação, como se fosse obrigatório gostar de queijo. Podia ter pedido outra refeição, no momento do check-in – sugeriu um comissário. Mas para quê se nunca foi preciso, porque sempre houve dois menus à escolha, um deles sem queijo?
Porque estava, literalmente, com muita fome insisti, perguntando se não havia nenhuma outra alternativa, uma sanduiche, uma bolacha, o que quer que fosse. Responderam-me de novo que não.
Folheando a revista de bordo verifiquei que nela constavam uns chocolates. Comprei uma caixa de Port Truffles e tentei convencer-me a mim próprio de que isto seria a minha ceia.
No momento em que escrevo faltam seis horas para chegar a Lisboa.
Eu, que adormeço passados dez minutos após a descolagem, não consigo pôr olho, com este desconforto que sinto no estômago.
A TAP não tem, obviamente, culpa de eu não ter almoçado, por falta de tempo. Mas tem culpa de me ter empatado quase uma hora e meia e de me ter impedido de comer um daqueles bifes maravilhosos do restaurante do aeroporto. E tem, obviamente, culpa por, sem qualquer aviso prévio ter passado a ter um menu único e com queijo, o que é discriminatório para todos os passageiros que dele não gostam.
Sinto-me, literalmente, enganado, vigarizado, ofendido... E com fome, muita fome.
Lembro-me que pelo menos água hão-de ter. Convenci um comissário a dar-me um litro e meio e vou imaginar que ela é tudo: o primeiro copo vai ser um consomé de lagosta; o segundo será um creme espargos; o terceiro talvez uma canja de galinha.
Emendei e tomei de seguida quatro consomés de lagosta imaginários.
Vou tentar dormir, agora que o estômago está confortado.
Há mais de 25 anos que não era obrigado a beber água para matar a fome.
Aconteceu-me pela última vez no deserto do Sahra, quando era jornalista.
Nunca imaginei que isso pudesse acontecer num avião da TAP.

TAP - a minha viagem aérea mais longa...

Já há muitos anos que não passava fome...
Andei numa correria no domingo passado, resolvendo assuntos que não queria deixar pendurados, na enorme e cosmopolita São Paulo.
Porque tem um excelente restaurante na zona do check-in, mesmo ali ao lado do balcão da TAP, projectei jantar lá.
Mas estava destinado que isso não aconteceria.
Demorei cerca de hora e meia para o check-in. E depois passei fome até Lisboa, porque não gosto de queijo e os da TAP resolveram castigar-me, como seu eu fosse um garo malcriado.
Tive a sorte de me venderem uma caixa de chocolate e de me darem uma garrafa de litro e meio de água.
Descobri que a água também mata a fome.
Fiz uma reclamação de que recebi ontem esta resposta parva, para não dizer imbecil:
«Exmo. Senhor Miguel Reis,

Fazemos referência ao comentário que nos enviou por ocasião da sua viagem no voo TP194 entre São Paulo e Lisboa no passado dia 22 de Setembro, a que dedicámos a nossa melhor atenção.

Agradecemos o facto de nos ter comunicado as suas observações relativamente ao serviço a bordo, designadamente no que respeita às refeições servidas durante o voo em questão. Lamentamos que não tenham ido ao encontro das suas expectativas e informamos que as suas observações foram imediatamente transmitidas ao responsável pelo departamento envolvido, dado que constituem, sem dúvida, um muito importante contributo para o aperfeiçoamento do nosso desempenho.

Dado que um dos nossos principais objectivos consiste em satisfazer, ou mesmo antecipar, as necessidades dos nossos Passageiros, solicitamos-lhe que não hesite em contactar-nos noutras situações.

Esperando que um próximo voo com a TAP Portugal se revele totalmente satisfatório, aproveitamos esta oportunidade para lhe apresentar os nossos melhores cumprimentos.

Sara Graveto»
Poderia escrever-se alguma coisa mais cínica e mais sem sentido? Parece que não...
Porque com fome não consigo dormir, memorizei o que senti naquela noite num texto que tenho no meu palmtop...
Vou dá-lo à luz a seguir...

Regresso...

Este é um espaço de que fujo quando me acirra demais o veneno e a consciência me pede comedimento.
Há coisas que pensamos mas não se dizem, porque dizê-lo é inútil... e nalguns casos começa a ser perigoso, sem que disso alguém tire vantagem...
Há cada vez mais filhos de puta, que não merecem ler nem soletrar o que pensamos.
Cada vez mais se justifica a tertúlia, a conversa fechada entre quatro ou cinco amigos.
Pensar em público é perigoso.
O Zé falou demais, sem ter previamente a independência necessária para poder falar.
Não lhe renovaram o contrato...
Emprestei-lhe 100 € para o fim de semana...

segunda-feira, agosto 11, 2008

Carta aberta ao Sr. sequestrador Nilton Souza

Exmº Senhor
Nilton Souza
Distinto Sequestrador


Não tive o prazer de o conhecer antes de o Sr. ter levado um tiro certeiro da polícia, quando atentava contra a liberdade da minha vizinha Cristina, gerente do pequeno escritório do BES na Rua Marquês de Fronteira.
Se o tivesse conhecido - sobretudo no mais profundo do seu íntimo - tê-lo-ia felicitado, previamente ao ocorrido, pelo arrojo e pelo destemor que demonstrou e que todo o Portugal viu em directo e a cores.
O Sr. era um bandido; mas todos vimos que era um bandido com coragem e com ética, disposto a levar o seu projecto até às últimas consequências. Todos esperamos, durante horas, que o Sr. pudesse ser um fraco e que vacilasse perante as propostas que lhe foram apresentadas pelos mediadores; mas cedo começamos a concluir que, conforme tudo indicava, você estaria disposto a combater até ao fim, até à última gota de sangue.
Todos sabemos que um bandido a sério não negoceia nem se rende. Ou vence ou morre...
É pena que o Sr. não tenha tido a consciência de que o poderiam levar a sério, como tem que ser levado a sério qualquer cidadão que, com uma miserável pistola de calibre 6,35, tem a coragem de enfrentar uma força policia de mais de 150 homens, equipada com o mais sofisticado equipamento.
Claro que o seu direito à vida é um direito fundamental e que todos nós respeitamos esse direito.
Fomos milhões a torcer por si naqueles minutos em que nos provocou a todos, desejando que, ao ver o que esperava, tivesse a coragem de ser humilde e de se render.
Todos torcemos para que fosse possível sair daquele impasse sem perda de vidas, para o que era exigível que você mandasse a sua ética à urtigas e se rendesse.
Bastaria que jogasse fora a sua pistola e levantasse os braços, para que nada lhe acontecesse e para que o bandido que você é se pudesse transformar numa espécie de herói.
Você, meu caro Nilson, não conseguiu gerir essa situação.
Provavelmente acreditou que um desses deuses, que se vendem em todas as esquinas do Brasil, iluminaria os mortais para que não o atingissem ou, se atingissem como atingiram, lhe garantiria a si, como compensação, pelo arrependimento íntimo, a vida eterna.
Não penso que vá para o inferno nem que um arrependimento íntimo de última hora o conduza ao imaginário dos céus.
O que sei é que, apesar de toda essa coragem, você morreu sem honra nem glória, aqui mesmo ao lado, prisioneiro de uma ética estúpida. Que eu saiba só está solidário consigo um palerma que, depois da sua morte, lhe explora a memória.
Esse palerma colocou hoje no local do seu hara-kiri uma coroa de flores em que se lê: «Nilton Souza - Morto nesta Agência por ser Brasileiro». É, obviamente, uma provocação, a não ser que se pretenda que interpretemos a mensagem como uma anedota.
Você, que conhece bem as anedotas que se contam dos portugueses no Brasil, sabe perfeitamente que nunca um português passaria pelo que você passou, pela simples razão de que se renderia.
Provavelmente isso também não aconteceria com um espanhol, um francês, um alemão... ou mesmo qualquer outro brasileiro, minimamente bem informado.
Na Europa todos respeitamos o direito a vida; mas respeitamos ainda mais a liberdade, sem a qual não vale a pena viver.
Essa indústria dos sequestros - que se afirma no quadro de uma exploração grotesta da conflitualidade de direitos fundamentais - não resultou deste lado do Atlântico. Você devia saber que, perante o risco de perda de uma vida (a sua ou a da sua refém) haveria muito mais probabilidades de você perder a sua do que a de ela perder a dela. E deveria. também, ter a noção de que o problema nada tinha a ver com a sua nacionalidade mas com o tempo.
Você não morreu por ser brasileiro, mas por insistir em encostar uma pistola à cabeça de uma pessoa que transformou em refém. Esse é o risco natural que qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade, corre se cometer facto idêntico.
O pateta que deixou na porta do banco uma coroa em sua memória deveria ter escrito: «Nilton Souza - Morto nesta Agência por ser um Bandido corajoso e parvo».
Felizmente, os brasileiros não têm nada a ver com isso.
Bem pelo contrário: muitos deles vêm para a Europa porque sabem que, aqui, quem ousar um sequestro, tem, provavelmente, o seu destino.
A coroa de flores que lhe ofereceram é uma homenagem xenófoba, que nos ofende a todos nós e que o ofende a si próprio.
Ofendem-nos a nós porque ninguém o quis matar por ser brasileiro. Teria ocorrido o mesmo se tivesse qualquer outra nacionalidade.
Ofendem-no a si porque nem sequer o deixam gozar, depois de morto, de uma experiência de internacionalização. Xenofobia pura, meu Caro Nilton.
Como você é, seguramente, crente e foi vítima de morte violenta, ercarne neles e vingue-se. Estão a dar cabo da sua imagem...
Sem rancor
MR