quarta-feira, abril 20, 2005

Branqueamento puro


DN Online: Credores da Mortensen analisam insolvência

Isto é o que se chama branqueamento puro.

É interessante ler o requerimento inicial da insolvência, que aqui reproduzimos:

«JORGEN MORTENSEN LIMITADA, sociedade comercial com o nº 502917121, com sede na Rua do Matadouro, Marinha Grande, vem instaurar processo especial de insolvência, o que faz nos termos do disposto no artº 18º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e com os seguintes fundamentos:

Enquadramento do pedido de declaração de insolvência
1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de 2.568.809,18 €, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº 01118 930106 (Doc. Nº 1)
2. A requerente peticionou a adopção de medida de recuperação de empresa nos autos que correram sob o nº 422/01, no 1º Juízo deste tribunal.
3. A assembleia de credores aprovou, aliás por uma larguíssima maioria, uma medida de recuperação, que permitiria o relançamento da empresa e o pagamento aos credores, em conformidade com o plano aprovado, que se junta como Doc. Nº 2 e se dá por integralmente reproduzido.
4. Todavia, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial, votaram contra e interpuseram recusou da douta decisão deste tribunal, que homologou a deliberação da assembleia de credores.
5. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 11 de Março de 2003, julgou procedente o recurso interposto por aqueles institutos públicos, inviabilizando, por tal via a medida aprovada pela assembleia de credores (Doc. Nº 3)
6. Na verdade, tal medida assentava, como se explicou previamente, numa série de acções que seriam de cumprimento impossível se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial se lhe opusesse (Doc. Nº 4)
7. Se, como veio a acontecer, o IGFSS e o FGS viessem exigir o imediato pagamento dos seus créditos – como veio a acontecer – deixaria de haver condições tanto para a fusão projectada como, sobretudo, para o relançamento da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
8. Apesar dos veementes avisos - e da demonstração de que uma tal postura daqueles institutos redundaria numa prática de gestão danosa, que conduziria a que tais instituições nada recebessem e que o sistema de Segurança Social fosse obrigado a suportar encargos de milhões de euros – o IGFSS e o FGS, na altura sob a tutela do Ministro Bagão Felix, avançaram com o referido recurso.
9. O Tribunal da Relação veio dizer que se a Segurança Social exigia o pagamento imediato, não poderia a requerente opor-se-lhe.
10. Um grupo de trabalhadores da empresa, liderado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, apresentou em Agosto de 2003, um pedido de procedimento especial de conciliação, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 316/98, de 20/10.
11. Não era previsível que este pedido tivesse algum sucesso, na medida em que há um óbvio conflito entre os interesses do IAPMEI, que é a entidade que gere este tipo de processos e a empresa requerente.
12. A ora requerente apresentou, no quadro do PEC, um novo projecto de recuperação, não se obtendo, porém qualquer acordo, nomeadamente porque as instituições da Segurança Social – ali representadas pelo próprio IAPMEI – continuaram a manter uma postura de intransigência (Doc. Nº 5).
13. O IAPMEI manifestou o maior desinteresse pelo caso e por despacho de 6/10/2003, o IAPMEI encerrou o processo.
14. A situação financeira da empresa degradou-se, em razão do quadro de incerteza criado (como era previsível) pelas instituições da Segurança Social.
15. Por isso, em 1 de Junho de 2003, a requerente enviou a juízo um requerimento em que afirmava o seguinte:
1. «O douto acórdão da Relação de Coimbra, proferido nos autos de agravo interpostos pelo Fundo de Garantia Salarial e pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, revogou a sentença homologatória da medida de recuperação aprovada pela assembleia de credores na parte em que se projecta uma moratória no pagamento dos créditos das entidades públicas recorrentes.
2. A decisão transitou em julgado.
3. O Tribunal da Relação estabeleceu que a deliberação da assembleia de credores é ineficaz relativamente a tais créditos, devendo a liquidação destes “ser feita sem qualquer deferimento no tempo e sem qualquer restrição aos direitos dos agravantes”.
4. Importa que nos questionemos, em primeiro lugar, se a declaração de ineficácia do julgado relativamente aos créditos daqueles institutos públicos permite a sobrevivência da deliberação relativamente ao remanescente do plano de recuperação.
5. Salvo melhor opinião, não permite, porque isso ofenderia a boa fé dos restantes credores.
6. Reanalisemos a medida aprovada pela assembleia de credores e homologada por este tribunal:
MEDIDA DE RECUPERAÇÃO
1. A sociedade Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários Lda incorporará, por fusão, a sociedade Jorgen Mortensen Lda, de acordo com o plano que se junta como Anexo II.
2. A sociedade incorporante será transformada em sociedade anónima e alterará a denominação social para JM Glass – Fábricas Stephens S.A. ou para outro adequado à sua actividade, que venha a ser aprovado pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
3. Esta sociedade assume, por natureza da fusão, todos os créditos e responsabilidades da sociedade Jorgen Mortensen Lda.
4. Visando a recuperação da Jorgen Mortensen Lda, a Jorgen Mortensen – Sociedade Imobiliária Lda, proprietária do prédio urbano sito na Praça Stephens, na Marinha Grande, descrito sob o nº 0753/1103931 na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, prédio esse com primeira hipoteca genérica a favor do BCP garantindo responsabilidades até ao máximo de 3.641 mil Euros), dá em pagamento ao BCP o referido imóvel, pelo valor de 3.130 mil Euros.
5. O BCP obriga-se a celebrar um contrato de locação financeira do imóvel objecto de dação, tendo como locatária a Jorgen Mortensen Lda., nas seguintes condições:
- Locatária: Jorgen Mortensen Lda;
- Valor do contrato : 3.130 mil Euros;
- Prazo do contrato – 17 anos;
- Taxa – Euribor 30 dias + spread 1%, arredondado para 1/8 superior;
- Periodicidade das rendas – mensal;
- Montante de cada renda (conforme simulação em anexo) :
1ª à 18 renda – carência de capital e juros;
19ª à 30ª rendas – carência de capital;
31ª à ultima rendas – constantes de capital e juros;
Valor Residual – 15%;



6. Visando a recuperação da Jorgen Mortensen Lda os sócios Jorgen Mortensen e Ana Mortensen, proprietários do imóvel “Quinta de Sanfins” sita na Vila da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila da Feira sob o nº 00019/050386, objecto de 1ª hipoteca genérica a favor do BCP garantindo responsabilidades até ao máximo de 1.947 mil Euros, dão em pagamento ao BCP o referido imóvel, pelo valor de 1.675 mil Euros.
7. O BCP obriga-se a celebrar um contrato de locação financeira do imóvel objecto de dação, tendo como locatários Jorgen Mortensen e Ana Mortensen, nas seguintes condições:
7.1. Locatária: Jorgen Mortensen e Ana Mortensen
7.2. Valor do contrato : 1.675 mil Euros;
7.3. Prazo do contrato – 15 anos;
7.4. Taxa – Euribor 30 dias + spread 1%, arredondado para 1/8 superior;
7.5. Periodicidade das rendas – mensal;
7.6. Montante de cada renda (conforme simulação em anexo) :
7.7. 1ª à 6ª renda – carência de capital e juros;
7.8. 7ª à 18ª rendas – carência de capital;
7.9. 19ª à ultima rendas – constantes de capital e juros;
7.10. Valor Residual – 15%;
7.11. Garantias – Livrança subscrita pelo casal Mortensen;
8. Independentemente da eficácia inter-partes do contrato de locação financeira referido no ponto anterior, a sociedade Jorgen Mortensen Lda obriga-se para com os sócios Jorgen Mortensen e Ana Mortensen a pagar-lhes, por compensação do crédito subrogado que lhes advém do pagamento ao BCP, o valor das rendas que, sucessivamente, se vencerão relativamente ao referido contrato de locação financeira.
9. Com estas dações em pagamento, o BCP ficará integralmente pago, subrogando-se a sociedade e as pessoas pagadoras nos seus créditos.
10. A dação em pagamento e os contratos de locação financeira serão feitos imediatamente após a decisão homologatória da deliberação da assembleia de credores que vier a aprovar esta proposta.
11. Os créditos dos trabalhadores sobre a empresa têm o seguinte tratamento:
11.1. A empresa não dispõe temporariamente de liquidez para o pagamento das retribuições e indemnizações devidas aos trabalhadores.
11.2. Em Janeiro de 2002, foi estabelecido um plano de tesouraria com os seguintes princípios:
11.2.1. A empresa, por insuficiência de fundos, não pagará aos trabalhadores as retribuições que lhes forem devidas, até ao limite do direito de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos do artº 4º do DL nº 219/99, de 15 de Junho, devendo os mesmos reclamar o pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial.
11.2.2. A empresa pagará aos trabalhadores as retribuições e demais prestações que se forem vencendo, à medida que se for esgotando o direito de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, bem como os respectivos encargos sociais e entregará às entidade competentes os impostos e a prestação da segurança social que forem retidos bem como a parte cabe à entidade patronal nas prestações ao sistema de segurança social.
11.3. A empresa cumpriu o plano estabelecido, sendo certo que o Fundo de Garantia Salarial não pagou aos trabalhadores as retribuições devidas pelos meses de Abril, Maio e Junho.
11.4. Porque o Fundo de Garantia Salarial não procedeu aos pagamentos aos trabalhadores num prazo razoável, viu-se a empresa obrigada, perante a situação de grave carência em que os mesmos se encontravam, a proceder a pagamentos por vales de caixa do montante de 64.393,26 € no mês de Abril e de 38.615,94 € no mês de Junho, ou seja a um total de 103.009,2 €, conforme as listagens anexas.
11.5. Os trabalhadores comprometeram-se a devolver os montantes destes vales logo que recebessem do Fundo de Garantia Salarial.
11.6. Esses valores são absolutamente indispensáveis à reposição de um mínimo de equilíbrio na tesouraria.
11.7. A empresa desconhece com rigor os pagamentos que foram feitos pelo Fundo de Garantia Salarial, pelo que continuará a pugnar pela clarificação de tais valores.
11.8. Sem prejuízo de tal clarificação, os créditos relativos a retribuições e indemnizações aos trabalhadores, nomeadamente os que foram ou vierem a ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial, serão integralmente pagos em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros à taxa legal, vencendo-se a primeira um ano após a homologação da medida de recuperação.
11.9. Os trabalhadores deverão reclamar do Fundo de Garantia Salarial os montantes não pagos pela empresa, obrigando-se esta a emitir as devidas declarações de não pagamento.
11.10. Os créditos da Segurança Social, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do Fundo de Garantia Salarial e do Fundo de Acidentes de Trabalho serão pagos em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros à taxa legal, vencendo-se a primeira um ano após a homologação da medida de recuperação.
11.11. Os créditos da Segurança Social, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do Fundo de Garantia Salarial e do Fundo de Acidentes de Trabalho são garantidos com penhor mercantil sobre os seguintes bens:
11.11.1. Um forno de 15 toneladas, a que se atribui o valor de 1.500.000 €;
11.11.2. Oito fornos de pote, a que se atribui o valor de 400.000 €.
12. Os créditos dos demais credores serão integralmente pagos em 216 prestações iguais, mensais e sucessivas, com juros à taxa EURIBOR a 30 dias reduzida em 0,5 p.p, vencendo-se a primeira após um período de carência de três anos, a contar da data de homologação da medida.
13. O acompanhamento do cumprimento do plano constante desta proposta será feito por uma Comissão de Fiscalização constituída por um representante do BCP, um representante do IAPMEI, um representante do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e um representante dos Trabalhadores, indicado pelo Sindicato da Indústria Vidreira, presidindo a esta comissão o BCP como principal credor.
14. Se a partir do quinto ano, após a homologação da medida, se verificar que os meios libertos líquidos permitem a antecipação do pagamento das prestações constantes da proposta, poderão os credores e a empresa negocial o pagamento parcial ou integral das prestações vincendas, no respeito pelo princípio da igualdade dos credores e após parecer da Comissão de Fiscalização.

7. Segundo o plano aprovado, os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do Fundo de Garantia Salarial e do Fundo de Acidentes de Trabalho haveriam de ser pagos em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros à taxa legal, vencendo-se a primeira um ano após a homologação da medida de recuperação.
8. Ao invés, os créditos dos demais credores, incluindo os dos trabalhadores, haveriam de ser pagos em 216 prestações iguais, mensais e sucessivas, com juros à taxa EURIBOR a 30 dias reduzida em 0,5 p.p, vencendo-se a primeira após um período de carência de três anos, a contar da data de homologação da medida.
9. Atenta a posição de intransigência dos institutos públicos, conseguiu a requerente negociar com os demais credores um quadro que é especialmente favorável àquelas entidades, tanto no que se refere aos prazos de pagamento como no que se refere aos juros, apesar do pressuposto de que, em caso de falência, a lei trata todos os credores em igualdade.
10. A medida de recuperação foi aprovada no seu todo, pelo que a declaração de ineficácia de uma parte, agora feita pelo Tribunal da Relação, a põe em causa na sua totalidade e não apenas na parte que se refere aos créditos dos institutos públicos.
11. A sociedade Jorgen Mortensen Imobiliária Lda obrigou-se a incorporar a ora requerente por fusão num específico quadro que é o da proposta e não em outro.
12. Só naquele quadro, que não no estabelecido pelo Tribunal da Relação é que essa sociedade se dispôs a assumir, todos os créditos e responsabilidades da sociedade Jorgen Mortensen Lda.
13. Só nesse quadro, que não noutro, é que essa sociedade se dispôs a dar em pagamento ao BCP, para solver dividas da requerente pelo valor de 3.130.000 €.
14. Só nesse quadro, que não noutro, os sócios Jorgen Mortensen e Ana Mortensen, se dispuseram a dar em pagamento ao BCP o imóvel denominado “Quinta de Sanfins” pelo valor de 1.675.000 €.
15. Ou seja: os sócios da requerente dispuseram-se a envolver todo o seu património, pelo valor de 4.805.000 €, num quadro específico, visando a recuperação da empresa que não noutro, que conduzirá inevitavelmente à sua perda total, a benefício de terceiros.
16. Como se vê do texto da medida, as sobreditas dações em pagamento foram feitas em conjugação com duas operações de lease-back, nos termos dela constantes.
17. O plano de recuperação, tomou assim em consideração, a necessidade de se gerarem fundos para:
17.1. O pagamento de 4.805.000 €, relativos aos contratos de leasing em 17 anos;
17.2. O pagamento de 1.122.984 € aos credores comuns em 17 anos (15+3 de carência);
17.3. O pagamento de 1.174.358 € ao Fundo de Garantia Salarial, em 6 anos (5+1 de carência).
17.4. O pagamento de 165.691 € à Segurança Social, em 6 anos (5+1 de carência).
18. Temos, assim, de um lado os sócios e os credores comuns suportando o sacrifício do pagamento de 5.927.358 € em dezoito anos, com juros à uma taxa que é inferior à Euribor e representa menos de metade da apontada para pagamento aos credores públicos e, do outro, um projecto de pagamento de 1.340.049 € a pagar aos referidos entes públicos no prazo de seis anos.
19. Facilmente se compreende que a exigibilidade imediata deste montante de 1.340.049 € pelo Fundo de Garantia Salarial e pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social defrauda os interesses dos demais credores e dos sócios que se dispuseram a comprometer tudo o que tinham para tentar salvar a empresa.
20. Salvo melhor opinião, a declaração de inefícácia da decisão proferida por Vª Exª relativamente aos créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Fundo de Garantia Salarial não implica, a imediata declaração de falência da requerente, desde que a totalidade dos credores se conformem com a parte sobrevivente do plano de recuperação.
21. É isso que decorre, em nossa opinião, da conjugação do artº 1º,2 e 56º,2 do CPEREF.
22. O Tribunal da Relação não revogou in totum, a decisão de homologação proferida por este tribunal, mas apenas na parte referente aos créditos dos recorrentes, declarando ineficaz essa parte.
23. A declaração de falência é, porém, inevitável se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial, aliás com manifesta violação das normas comunitárias relativas à concorrência insistirem em exigir o imediato pagamento dos seus créditos.
24. É do domínio público que as mesmas entidades têm adoptado, por relação a empresas concorrentes, posições mais favoráveis, nomeadamente com perdões de créditos, com manifesto ofensa do artº 81º e seguintes do Tratado CE.
25. O que permite questionar a questão de saber se, sendo tal do domínio público, a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra não é nula, por ofensa do direito comunitário.
26. E o que eventualmente justificará a necessidade de fazer apreciar esta questão nos tribunais comunitários, no quadro do reenvio prejudicial.
27. “A Comunidade constitui uma nova ordem jurídica, a favor da qual os Estados limitaram (...) os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados-membros mas igualmente os seus cidadãos” (Processo 26/62 , Aan Gen Loos) .
28. “O objectivo do Tratado CEE que é o de instituir um mercado comum cujo funcionamento concerne aos cidadãos da Comunidade, implica que este Tratado seja mais do que um acordo que apenas criaria obrigações mútuas entre os estados contratantes” (Ibidem).
29. “A autoridade do direito comunitário não pode variar de um Estado-membro para outro, por efeito das legislações internas, qualquer que seja o seu objecto, sem que seja posta em perigo a eficácia deste direito e a aplicação uniforme que ele deve receber no conjunto dos Estados Membros e em relação a todos os destinatários das disposições em causa”. (Processo 55/77, Margueritte Maris, Epouse Roger Reboulet/ Office National des Pensions pour Travailleurs Salariés).
30. « As disposições do direito comunitário são fonte imediata de direitos e obrigações para todos aqueles a quem digam respeito, quer se trate de Estados-Membros quer dos particulares que sejam sujeitos de relações jurídicas subordinadas ao direito comunitário. Este efeito directo atinge directamente qualquer juiz que, no quadro da sua competência, tem por missão, enquanto órgão de um Estado-membro, salvaguardar os direitos conferidos aos particulares pelo direito comunitário” (Procº nº 106/77 ).
31. No caso dos autos, a questão que tem que se equacionar é a de saber se a interpretação que foi feita do artº 62º,1 do CPEREF é ou não conforme com o direito comunitário da concorrência, na medida em que é discriminatória da empresa requerente, em termos que são adequados à sua destruição e ao favorecimento de empresas concorrentes, a quem as mesmas entidades concederam não só moratórias como perdões de dívidas.
32. Por força do disposto no artº 1º,2 do CPEREF “só deve ser decretada a falência insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou não se considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira.”
33. Está o tribunal vinculado ao cumprimento deste normativo, para o que tem que atender ao que consta dos autos, ao que é do conhecimento oficioso do tribunal, ao direito interno e ao direito comunitário vinculante.
34. O que se vê dos autos é que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Social tudo têm feito para inviabilizar o plano de recuperação e para conduzir a empresa à falência.
35. Não se alcançam quais os estranhos desígnios que movem este comportamento.
36. O que se constata é que a atitude adoptada por essas entidades é adequada a favorecer os interesses da concorrência, por via do afastamento da requerente do mercado.
37. A requerente é justamente considerada pelas revistas da especialidade como “um dos melhores fabricantes de vidro do Mundo”.
38. A requerente vende mais de 90% da sua produção para o mercado internacional, a preço incomparavelmente superiores aos da generalidade da concorrência.
39. A requerente não recebe quaisquer apoios públicos, os quais são, no que se refere ao vidro, canalizados quase exclusivamente para um agrupamento de empresas concorrentes, em termos também eles ofensivos do direito comunitário, como se demonstrará na sede própria.
40. O afastamento da requerente do mercado só interessa aos que com ela o disputam, aliás de formar organizada e com o apoio público do Estado e da Câmara Municipal da Marinha Grande.
41. Ainda recentemente, com violação da obrigação de independência a que está adstrita, a Câmara Municipal da Marinha Grande, arrendou à sociedade Vitrocristal – Estudos e Projecto de Apoio à Cristalaria ACE, um espaço contíguo ao da fábrica da requerente para aí instalar uma loja, paredes meias com a unidade produtiva da requerente.
42. O que foi feito, no maior segredo, sem qualquer concurso público.
43. Daí que a requerente não possa deixar de considerar que a posição dos referidos institutos públicos se integrem numa prática concertada, com manifesta violação das regras comunitárias da concorrência, para a liquidar.
44. Tal conclusão é reforçada pelo facto de ela se colocar nas antípodas da política afirmada pelo Governo, que é no sentido de privilegiar a viabilização das empresas em dificuldade que estejam vocacionadas para a exportação.
45. E de privilegiar a manutenção dos postos de trabalho.
46. Ora, ao contrário de outras empresas concorrentes, de que assume especial expressão a Mandata, a ora requerente moldou o seu projecto de recuperação no sentido de no curto prazo manter todos os postos de trabalho e, no médio prazo, criar novos postos de trabalho.
47. Seria bem mais fácil construir um projecto de recuperação com despedimento de metade dos trabalhadores...
48. Acresce a tudo isto que a posição assumida pelos referidos institutos é absurda, em termos de defesa do interesse público.
49. Nos termos do plano, esses institutos recebem, com privilégios por relação aos demais credores, a totalidade dos seus créditos.
50. Se a empresa for declarada falida, ficarão equiparados aos credores comuns e nada receberão, atento o privilégio dos créditos dos trabalhadores.
51. Para além disso, como já foi dito nos autos e em diversas mensagens enviadas àqueles institutos, o prejuízo que o Estado e os entes públicos sofrerão com a falência da requerente é enorme, pelo que a sua condução à falência haveria de ter-se como um acto de indiscutível gestão danosa.
52. Em 6 de Agosto de 2002 escreveu a requerente numa carta dirigida ao Fundo de Garantia Salarial:
“Estimamos que o prejuízo sofrido pelo Estado e pela Segurança Social na hipótese de não viabilização da empresa rondará os 14.100.000 €, assim distribuídos:
- Perda de prestações futuras para a
Segurança Social (20 anos) ........................................... 8.900.000 €
- Prestações de desemprego a pagar no imediato.......... 2.600.000 €
- Perda de IRS dos trabalhadores em 20 anos.............. 2.600.000 €
As perdas de prestações para a Segurança Social são efectivas, pois que, como será do conhecimento de Vª Exª esta empresa sempre cumpriu rigorosamente com as suas obrigações, mesmo no tempo de crise em que vive.
Só entre os anos de 1993 e 2002, a empresa pagou à Segurança Social o montante de 6.376.343 €, a valores correntes à data do pagamento.
Se o que se reclama, em termos globais, é a prestação de valores que rondam os 1.000.000 €, neles incluídos os valores já pagos, é indiscutível que a imponderação deste quadro conduzirá a um quadro punível pela lei penal, o que só por cautela, e para que amanhã não se invoque desconhecimento dos efeitos, se anota.
A postura do Fundo de Garantia Salarial é adequada causar, de forma determinante, a falência da empresa e o lançamento no desemprego de 152 trabalhadores.
Essa postura é tanto mais estranha quanto é certo que o Fundo está perfeitamente alertado para esta situação e que relativamente a outras empresas, algumas paralisadas, procede aos devidos pagamentos sem a mínima hipótese de retorno.

53. No imediato, se for declarada a falência, só o custo das prestações de desemprego será de 2.600.000 €.
54. E perderão aqueles institutos públicos a totalidade dos seus créditos, do montante, já referido de 1.340.049 €.
55. Ou seja: para além das vantagens cessantes, a declaração de falência causa, de imediato, aos credores do sector público um prejuízo de 3.940.049 €, pelo qual terão que ser responsabilizadas as pessoas que forem efectivamente responsáveis.
56. Tanto mais que toda esta postura é – pelo absurdo que comporta – suspeita de ter conexões com a protecção de interesses de terceiros, razão pela qual se sugere que, desde já, seja dada vista deste requerimento ao Ministério Público para que proceda às investigações adequadas.
57. Para além dos danos económicos, a declaração de falência implica o lançamento no desemprego de mais de 150 trabalhadores, pelo que terão que ser responsabilizados, também e em exclusivo, aqueles institutos públicos.
58. Importa, por isso, que se esclareça, em definitivo a posição do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial relativamente à situação destes autos.

Para tanto requer a Vª Exª o seguinte:
I. Que se notifiquem os principais credores do teor deste requerimento e ainda a sociedade Jorgen Mortensen – Sociedade Imobiliária Lda e os sócios Jorgen Mortensen e Ana Mortensen para tomarem posição sobre o expendido;
II. Que se notifiquem o Fundo de Garantia Salarial e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social do teor deste requerimento, para que esclareçam se, perante a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra pretendem que seja decretada a falência.
III. Que, atento o disposto no artº 1º,2 do CPEREF e os interesses sociais envolvidos se notifique o Ministério Público, para tomar posição sobre este requerimento.
IV. Que atento o disposto no artº 62º,2 do CPEREF se notifiquem, para que tomem posição sobre este requerimento, o Secretário de Estado do Trabalho e o Secretário de Estado da Segurança Social.
V. Que, atentos os interesses dos trabalhadores, se notifique deste requerimento o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, nesta cidade.»

16. Nenhum dos notificados tomou posição sobre o requerimento.
17. Em 9 de Julho de 2003, a requerente voltou a apresentar novo requerimento em que afirmava o seguinte:
17.1. «Como é do conhecimento deste Tribunal, o Fundo de Garantia Salarial e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social inviabilizaram a medida de recuperação aprovada na assembleia de credores e homologada por Vª Exª.
17.2. Não ouve condições para recorrer ao disposto no artº 56º,4, in fine, do CPEREF, de forma a sanar o vício da homologação, pelo que a decisão que derrogou a sentença proferida por Vª Exª transitou em julgado.
17.3. O mandatário da requerente esteve no Tribunal e analisou o conteúdo de alguns dos requerimentos entretanto apresentados, cuja notificação a secretaria lhe recusou, apesar de a ter solicitado para sobre os mesmos se pronunciar.
17.4. Diz, a propósito dos mesmos, que ela requerente está disponível para todas as diligências que alguém queira desenvolver no sentido de recuperar a empresa.
17.5. Não encontra, porém, nenhuma via jurídica para contornar o disposto no artº 56º,4, primeira parte do CPEREF.
17.6. Se o FGS e o IGFSS, avisadas que foram no curso da assembleia de credores, de que a sua oposição teria como consequência inevitável a falência, com as consequências então apontadas, e se agora essas mesmas instituições vêm dizer que não querem a falência – o que se saúda – então que digam como pretendem evitá-la e que meios jurídicos existem ao alcance dos credores ou da empresa para a evitar.
17.7. Sob pena de o Tribunal ter que concluir que essas instituições litigam de má fé, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento jurídico não podem ignorar, até porque disso estavam avisadas.
17.8. O FGS e o IGFSS sabiam perfeitamente que a sua oposição à medida de recuperação apresentada implicaria necessariamente a falência da empresa e, apesar disso, agiram dolosamente com a intenção de a provocar.
17.9. Bastaria que analisassem com um mínimo de cuidado e de rigor os documentos contabilísticos e os estudos económicos constantes dos autos para retirarem as adequadas conclusões, em vez de, com manifesto abuso de direito e advogando confessadamente em sentido contrário ao da lei (artº 3º do CPEREF conjugado com a confissão de que a maioria dos credores considera a empresa viável) terem recorrido para peticionar a exigibilidade imediata de todos os seus créditos, que lhe veio a ser deferida, na base do normativo do artº 62º, que confere ao Estado e aos institutos públicos um autêntico direito de veto das deliberações maioritárias dos credores.
17.10. Para além dessa postura processual, o Fundo de Garantia Salarial adoptou uma postura de recusa do pagamento dos salários aos trabalhadores a quem a empresa não podia pagar, por falta de fundos, e que ainda não tinham esgotado o plafond de acesso a tal Fundo o que se sabia perfeitamente, pelas demonstrações feitas no processo e explicadas na assembleia de credores pelo Prof. Dr. Fernando de Carvalho, haveria de desequilibrar irremediavelmente a tesouraria da empresa colocando-a em situação de falência económica.
17.11. A empresa fez um notável esforço no sentido de recuperar os seus clientes e de pagar pontualmente a totalidade dos salários que se fossem vencendo.
17.12. Desde a última reunião da assembleia de credores, os salários têm sido pontual e integralmente pagos a todos os trabalhadores e têm sido entregues ao Estado e à Segurança Social os impostos e as prestações descontados aos mesmos.
17.13. Porém, apesar de ter recuperado boa parte da clientela, a empresa, com os referidos constrangimentos, não pode aumentar a produção, por falta de fundos e aumentou a sua dívida à Transgás, em termos que levam esta companhia, apesar de beneficiar de privilégio creditório, nos termos da decisão adoptada por este tribunal para o tratamento dos créditos dos fornecedores posteriores à deliberação, a ameaçar cortar a energia.
17.14. O Estado deve à empresa 139.663 € de subsídios à formação profissional, o que permitiria resolver o problema do pagamento à Transgás e evitar o corte da energia, que conduzirá à paralisação da fábrica. Apesar de esse montante ser devido num momento em que a empresa não devia um cêntimo à Segurança Social, o pagamento é recusado.
17.15. A entidade pagadora é o IAPMEI que também se dedica ao negócio do vidro é, por essa via, é concorrente directo da requerente.
17.16. De facto, o IAPMEI é um dos seis sócios da VITROCRISTAL – ESTUDOS E PROJECTOS DE APOIO À CRISTALARIA ACE , entidade comercial privada que concorre directamente com a requerente nos mercados internacionais.
17.17. A VITROCRISTAL anuncia a venda dos seus produtos na Internet em www.vitrocristal.pt . E até abriu recentemente uma loja, paredes meias com as instalações da requerente, num espaço municipal que lhe foi arrendado sem qualquer concurso público.
17.18. Não são conhecidas as contas da VITROCRISTAL, porque essa entidade pura e simplesmente as não deposita, apesar de a tal estar obrigada como o estão todos os comerciantes .
17.19. A VITROCRISTAL não produz o que quer que seja, mas vende vidro comprado a terceiros e, sendo embora uma entidade comercial privada, explora a marca MGLASS, que chegou à sua titularidade de forma de legalidade duvidosa e que é patrocinada por milhões de euros dos erários públicos.
17.20. É do domínio público que VITROCRISTAL recebe milhões de contos para suportar o seu negócio de compra e venda de vidros.
17.21. Sendo embora sócio dessa estrutura comercial concorrente, com um representante no respectivo Conselho de Administração - e portanto directamente interessado no afastamento da requerente do mercado - o IAPMEI é, também, uma entidade determinante na gestão dos dinheiros públicos destinados ao apoio à indústria.
17.22. Do que resulta a possibilidade de financiar com dinheiros públicos os seus próprios negócios, o que ofende todos os princípios comunitários relativos à protecção da concorrência.
17.23. O IAPMEI é, também, a entidade a quem a lei incumbe de aceitar, recusar ou deferir os pedidos de conciliação (PEC) previstos no Decreto-lei nº 316/98, de 20 de Outubro.
17.24. A requerente presta homenagem à postura independente adoptada nestes autos pela Exmª mandatária do IAPMEI, mas não pode tapar a nuvem com Juno e esquecer essa evidência de que esse Instituto, interessado como está no mesmo negócio em que participa a requerente, não poder adoptar, por relação à crise que a afecta, uma posição independente.
17.25. Daí que não fizesse nenhum sentido requerer um Processo Especial de Conciliação que haveria de ser decidido por uma entidade que, estando envolvida ela própria no mesmo negócio, não tem a mínima independência para o instruir e para procurar encontrar uma solução adequada à salvaguarda dos interesses dos credores e dos trabalhadores.
17.26. E nem se diga que com esse sistema se conseguiu até agora adiar a falência da concorrente Mandata, porque não é assim.
17.27. O IAPMEI tem também interesses na Mandata, que justificam que se preocupe com a sua recuperação, até para justificar um conjunto de erros de gestão a que deu objectiva cobertura, como resulta de uma simples consulta dos autos.
17.28. A crise que afecta a requerente – recorde-se – teve o seu principal desenvolvimento na sequência de uma operação de sabotagem que afectou a sua produção durante quatro meses e que se descobriu apenas em 26 de Fevereiro de 2001.
17.29. A empresa não conseguiu aproveitar uma única peça durante esses quatro meses, porque alguém, subrepticiamente, colocava soda na área de colheita do vidro.
17.30. No mesmo dia foi apresentada queixa à Polícia Judiciária, que não procedeu a qualquer investigação.
17.31. Seria extremamente fácil, porque se trata de uma zona com acesso relativamente restrito, apurar, com uma imediata investigação policial, quem cometeu essa prática criminosa, que causou à empresa prejuízos de centenas de milhar de euros.
17.32. Porém nada foi feito, não se tendo procedido a nenhuma investigação e não se tendo colhido quaisquer provas.
17.33. Tendo o Sr. Jorgen Mortensen protestado junto do Ministro da Justiça e tendo citado na sua carta o “Relatório do Desenvolvimento Humano 2001”, publicado pelo PNUD , do qual consta que Portugal é o país mais corrupto da Europa, o quer o ministro fez foi promover que contra ele fosse aberto procedimento criminal, em vez de diligenciar no sentido de serem feitas as investigações.
17.34. Esta crise deu origem a uma greve, com perturbação da ordem pública por pessoas estranhas à empresa.
17.35. As entradas da fábrica foram bloqueadas com entulho, de forma a evitar a saída de mercadorias para os clientes.
17.36. Pedida a reposição da ordem, nada foi feito pelas autoridades, no sentido de garantir condições de segurança que permitissem o cumprimento dos contratos.
17.37. Curiosamente, o responsável por essa inacção foi o então Governador Civil, Dr. Carlos André, que agora é o Presidente do Conselho de Administração da VITROCRISTAL.
17.38. Mas mais curioso ainda é que a greve foi aproveitada para o Governador tentar convencer os Mortensen a vender a empresa a alguém da esfera da VITROCRISTAL (Doc. Nº 1 ).
17.39. A requerente está convencida de que há um bloco central de interesses, que começou na vigência do anterior governo e que continua neste, destinado a liquidar a sua empresa.
17.40. Não encontra outra justificação para a discriminação negativa de que tem sido alvo por parte das entidades públicas, quando, é certo que, enquanto não foi afectada a sua normalidade sempre foi uma empresa cumpridora para com o Estado, a Segurança Social e os trabalhadores.
17.41. Neste momento, a empresa fabrica o melhor vidro da Marinha Grande e, segundo os especialistas, um dos melhores do Mundo.
17.42. Os salários são pagos pontualmente e a carteira de encomendas cresce todos os dias, sendo certo que mais de 90% são clientes estrangeiros.
17.43. A política oficial do Governo faz a apologia das exportações, mas a política concreta é no sentido do estrangulamento total da requerente e, por isso, de criar condições para o fim da sua laboração e para o incumprimento das suas obrigações contratuais.
17.44. Contrariando a deliberação adoptada pela larguíssima maioria dos credores e homologada por Vª Exª, tudo tem sido feito pelas entidades públicas para estrangular a requerente.
17.45. Apesar de a maioria dos credores reconhecer que se trata de uma empresa viável.
17.46. Agora, a Transgás – que é uma empresa com capitais públicos – insiste em cortar o gás na próxima quinta-feira, dia 10 de Julho.
17.47. A requerente confessa que, em razão da perturbação do cumprimento do plano aprovado pela assembleia de credores e da falta de pagamento do que lhe é devido pelo Estado, não tem meios próprios para solver os compromissos gerados com esse fornecedor de energia.
17.48. E não tem condições para assumir a responsabilidade social do lançamento de 135 trabalhadores no desemprego.
17.49. Não há gestor judicial, porque o gestor judicial nomeado foi suspenso, não mais prestando qualquer apoio à gerência.
17.50. Sem prejuízo da devida ponderação que há-de ser adoptada por Vª Exª relativamente ao futuro da empresa, é imperioso que o Tribunal adopte imediatamente, a benefício dos interesses dos credores, uma posição relativamente à questão do corte da energia.
17.51. O consumo diário de gás não ultrapassa os 1.300 €.
17.52. O corte da energia sem que se adoptem as providências técnicas adequadas implicará a destruição do forno, sendo certo que a construção de um forno com as características do actual custa, pelo menos, 750.000 €.
17.53. A Transgás goza, nos termos do citado despacho de Vª Exª, de privilégio creditório.
17.54. Os bens que a empresa tem em stock, mesmo vendidos a um preço muito inferior ao do mercado, valem, no mínimo 500.000 €, o que significa que a referida Transgás tem, em qualquer circunstância, garantido o pagamento dos seus créditos.
17.55. De outro lado, os interesses dos credores serão gravemente prejudicados se não forem concluídas, mas na hipótese de vir a ser decretada a falência, algumas encomendas em curso.
17.56. O benefício que à Transgás advém do corte da energia é infinitamente menor que o prejuízo que causa, se não forem adoptados os procedimentos adequados.
17.57. Deve o Tribunal intervir, ordenando a imediata suspensão da decisão de cortar o fornecimento de gás sem prejuízo da reafirmação dos referido privilégio creditório, como meio de proteger os interesses dos credores, sem prejuízo do estabelecimento posterior de regras para o processamento de tal corte, na hipótese de se considerar que ele é inevitável.»

18. Concluía a requerente , peticionando o seguinte:
18.1. Que se notifiquem o Fundo de Garantia Salarial, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Sindicato da Indústria Vidreira, para, em cinco dias e não mais porque a situação da empresa o não admite, esclarecerem a que meios processuais pretendem recorrer para evitar a falência da requerente.
18.2. Que se ordene à Transgás que suspenda a decisão do corte do fornecimento de gás ou que, se isso for julgado inviável, se definam as regras a que deve obedecer tal corte, de forma a evitar a destruição do forno, fornecendo-se à Transgás os meios para tal operação, uma vez que a requerente não tem o apoio dos seus trabalhadores para esta operação.
18.3. Que, perante a inviabilização da medida de recuperação aprovada pela assembleia de credores, ouvidas as entidades referidas em 1 e a Comissão de Credores, se clarifique a situação da empresa, a benefício dos próprios interesses da requerente, dos trabalhadores, dos clientes e dos credores.
19. A Mmª Juiz do processo autorizou que fosse constituído penhor mercantil sobre os stocks da empresa, para garantir o pagamento dos fornecimentos de gás .
20. Com recursos financeiros reduzidos – apesar de ter encomendas não tinha os recursos suficientes para as fabricar – com uma ameaça do corte de energia por parte da Transgás, viu-se a requerente obrigada a reduzir a sua actividade e a reduzir o pessoal, à dimensão do estritamente necessário para a actividade que lhe era possível desenvolver com os reduzidos meios financeiros de que dispunha.
21. Paradoxalmente, ao contrário do que acontecia com outras empresas, a requerente tinha encomendas, mas não dispunha nem de crédito nem de meios financeiros suficientes para suportar os custos da sua fabricação.
22. Por requerimento de 8 de Setembro de 2003, veio requerente peticionar o seguinte:
22.1. Em consequência de uma situação que foi reportada nos autos, a empresa teve que adoptar um plano emergência, reduzindo ao número de 65 os trabalhadores em funções e mantendo inactivos 70 trabalhadores .
22.2. No dia 29 de Agosto de 2003, a empresa pagou à totalidade dos trabalhadores a retribuição relativa a 14 dias de trabalho desse mês.
22.3. Não dispõe de fundos que permitam pagar a totalidade dos salários referentes ao mês de Agosto de 2003, mas consegue, com recursos próprios e de terceiros, reunir os fundos necessários para pagar as retribuições aos trabalhadores que estão em actividade.
22.4. Esta medida justifica-se como a única capaz de evitar a paralisação da fábrica, que causaria prejuízos irrecuperáveis à empresa e a própria massa falida, no caso de vir a ser decretada a falência.
22.5. A discriminação dos trabalhadores é criminalizada pelo art. 13º nº 1 al. d) e nº 3 da Lei 17/86 de 14 de Junho, devendo entender-se, porém que ela é licita se for autorizada pelo tribunal.
22.6. Ainda há expectativas de recuperação da empresa por via do PEC, que se mantém em aberto.

Nestes termos e nos melhores de direito, requer a Vª Ex.ª que autorize a requerente a pagar o remanescente dos salários de Agosto apenas aos trabalhadores em actividade, de forma a evitar a paralisação da fábrica, com as consequências supra referidas.

23. A Mmª Juiz do Processo deferiu o pedido, com o qual não concordou o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, que dele recorreu, através de um dos trabalhadores (Doc. Nº 6).
24. Entretanto, por despacho de 16/01/2004, foi ordenado o “encerramento” do processo de recuperação, pendente no 1º Juízo sob o nº 422/2001.
25. Já posteriormente a esse despacho, por acórdão de 28 de Setembro de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra veio julgar procedente o recurso interposto a propósito do não pagamento dos salários aos trabalhadores inactivos, ordenando a sua reforma (Doc. Nº7)
26. Por despacho de 7/12/2004, veio a Mmª Juiz da Marinha Grande, em obediência ao acórdão da Relação de Coimbra, ordenar que se proceda ao pagamento dos salários dos trabalhadores inactivos (Doc. Nº 8)
27. Este douto despacho transitou em julgado, estando a requerente obrigada a cumpri-lo.
28. Adianta-se, desde já, que a ora requerente não dispõe de meios económicos ou financeiros que lhe permitam solver esta obrigação, para com os trabalhadores que estão inactivos.
29. Apesar de uma boa deles ter entrado de baixa ou ter passado um longo período em greve, o total dos seus créditos, é de 413.228 €
30. Como não tem meios para pagar 790.606 € que lhe são exigidos pela Segurança Social na acção executiva com o nº 100120004010002325.
31. Dispõe o artº 3º do Código da Insolvência que «é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».
32. Ora, tomando em consideração as sobreditas decisões judiciais é forçosa a conclusão de que a requerente se encontra numa situação de insolvência, estando obrigada a apresentar-se em juízo para que a mesma seja declarada.
33. De nada valeu nem pode valer a aprovação de uma moratória pela grande maioria dos credores, quando a Segurança Social inviabiliza tal moratória, exigindo o pagamento imediato dos seus créditos e não aceitando sequer o pagamento em 60 meses, quando é certo que os demais credores seriam pagos em 216 prestações.
34. Se é certo que se pode considerar que as prestações do credores comuns não se encontram vencidas, atento o consenso resultante da aprovação da referida medida de recuperação, não é menos certo que, à luz das sobreditas decisões judiciais, são imediatamente exigíveis os créditos da Segurança Social e dos trabalhadores inactivos.
35. A medida de recuperação aprovada pela assembleia de credores só seria viável se tivesse a aquiescência da Segurança Social, na medida em que, segundo o plano constante do processo de recuperação, nunca a empresa conseguiria libertar meios suficientes para o seu cumprimento, pagando imediatamente à Segurança Social, como é exigido no processo executivo já pendente.
36. A oposição da Segurança Social à medida de recuperação aprovada, inviabilizou – como não podia deixar de se prever – a fusão projectada na medida.
37. E, por essa via, inviabilizou, outrossim a contratação das operações de lease-back, nos termos em que elas foram projectadas.
38. Não sendo possivel, por via de um rigoroso cumprimento da medida aprovada, consolidar financeiramente a empresa, não teve ela condições para contratar a seu favor o leasing das instalações, viável apenas no quadro da projectada fusão.
39. A incerteza sobre o futuro da empresa, provocada pelo recurso da Segurança Social, impediu a criação de condições indispensáveis à recuperação financeira da empresa, nomeadamente por via do acesso ao crédito ou da negociação de participações com um parceiro estratégico.
40. E impediu a recuperação dos clientes de referência que, mais do que qualidade, exigem rigoroso cumprimento de prazos.
41. Só assim seria possivel
41.1. Aumentar a produção e incrementar a produtividade, com vista a uma rentabilização do forno e à redução do custo unitário da energia;
41.2. Investir na promoção dos produtos da requerente junto de novos clientes;
41.3. Manter a totalidade dos postos de trabalho e aumentar o seu número no curto prazo.
42. Nos anos de 1998 e 1999 a empresa atingiu proveitos de 8.512.507 € e 7.433.028 €, respectivamente, e não seria difícil recuperar esses valores se se tivesse criado um quadro de estabilidade, indispensável à fidelização dos clientes.
43. Na possibilidade de recorrer ao crédito e de aumentar a produção, conseguiu, a requerente, ainda assim, manter a totalidade dos trabalhadores até Agosto de 2003 e cerca de metade até ao presente.
44. Produz, graças a alguns segredos industriais, ao talento dos seus gerentes em matéria de design e à excelente qualidade dos seus vidreiros, um vidro que é considerado dos melhores do Mundo, com um interessante valor acrescentado, todavia insuficiente para operar a recuperação da empresa.
45. Acresce a tudo isto que, como já referiu nos requerimentos que se citaram, a requerente enfrentou condições especialmente difíceis no plano da concorrência.
46. Desde logo, tendo sido inviabilizado o projecto de recuperação, ficou a requerente impedida de beneficiar de quaisquer apoios do Estado, nomeadamente em matéria de comércio externo, apesar de continua a ser um dos maiores exportadores de vidro do País.
47. De outro lado... as entidades gestoras dos apoios à indústria não são independentes.
48. O IAPMEI, que nada fez para que o processo extrajudicial de conciliação tivesse sucesso, é um dos principais sócios da maior concorrente portuguesa da aqui requerente – a Vitrocristal ACE.
49. O ICEP, que é a entidade pública responsável pelo apoio ao comércio externo, é também sócio da referida Vitrocristal ACE.
50. Há, obviamente, entre a requerente e aquelas entidades, uma óbvia conflitualidade de interesses, que prejudica todas as tentativas de progressão da requerente.
51. A requerente exporta mais de 90% da sua produção.
52. Mas não tem qualquer apoio à sua actividade de exportador, suportando integralmente os custos da promoção das suas vendas, com meios reduzidíssimos, por relação à concorrência, que é suportada pelo Estado.
53. Estão hoje convencidos os sócios da requerente que tudo foi feito para destruir a sua empresa e que ela, tendo embora um enorme potencial tecnológico, produzindo um vidro que é considerado do melhor do Mundo não tem condições para sobreviver, nomeadamente por viciação das regras elementares da concorrência:
53.1. A fábrica da requerente foi sabotada, tendo-se apresentado queixa o Ministério Público. Nenhuma investigação séria foi realizada, apesar de haver toneladas de vidro que provam a sabotagem.
53.2. O gerente Jorgen Mortensen queixou-se do facto ao Ministério Público e a única consequência de tal facto foi a instauração de um processo criminal contra ele próprio por, alegadamente, ter ofendido as instituições judiciárias portuguesas.
53.3. Quando da greve do Verão/Outono de 2001, as autoridades portuguesas não garantiram aos gerentes da requerente as condições de segurança indispensáveis à saída das encomendas, o que conduziu à perda de clientes e à criação de stocks gigantescos, de difícil venda, por preço razoável.
53.4. Mantém-se com plena actualidade o conteúdo da carta endereçada por Jorgen Mortensen ao Ministro da Economia, Carlos Tavares, em 11/7/2003:
Parece que o Governo Português está apostado em dar a estocada final na nossa empresa e, por isso, eu não posso deixar de me dirigir a Vª Exª.
Comprei ao Estado e paguei pontualmente as empresa J. Ferreira Custódio Lda e Fábrica Escola Irmãos Stephens SA, construindo, a partir delas a melhor fábrica de cristal de vidro existente em Portugal.
Agora, depois de um longo processo de ataques, uma empresa de capitais públicos sob a sua tutela – a Transgás – ameaça cortar os fornecimentos, o que inviabilizará totalmente a nossa fábrica.
Estávamos à espera de uma coisa destas porque acontecem sempre coisas em Julho, antes da feira de Frankfurt, onde temos obtido o maior sucesso.
Como é do conhecimento público, nacional e internacional, eu revolucionei o design do vidro português. Em 1999, a minha empresa exportou 7.254.385 euros, em 2000 exportou 7.064.783 euros.
No ano 2000 a nossa fábrica foi sabotada. Descobrimos que alguém colocava diariamente soda na zona de colheita do vidro e, por causa disso, estivemos sem produzir durante quatro meses. Já no ano de 1998 tínhamos sofrido um revés que nos custou 2,5 milhões de euros: os três fornos que encomendamos a um dos mais reputados especialistas mundiais não puseram ser postos em funcionamento. Ficamo-nos na altura por “deficiências técnicas”, o fabricante sueco foi conduzido à falência e nunca se apurou a verdadeira causa do insucesso.
Quanto ao que aconteceu no ano de 2000 não temos dúvidas porque temos toneladas de prova e análises laboratoriais.
No dia 26 de Janeiro de 2001, quando se descobriu a sabotagem, apresentamos imediatamente queixa à Polícia Judiciária, que nada fez no sentido de investigar os autores do crime, o que seria muito simples porque aquela zona não era frequentada por muita gente.
Porque não houve nenhuma diligencia escrevi uma carta ao Sr. Ministro António Costa que nada fez no sentido de mandar investigar os factos, tendo-se limitado a apresentar queixa contra mim, por ofensas à Polícia Judiciária, porque nessa carta eu afirmei que considerava estranho que nada se investigasse e que essa estranheza me preocupava porque um relatório oficial das Nações Unidas referia nesse ano que Portugal era o país mais corrupto da Europa.
Foi pedida a intervenção do Sr. Procurador Geral da República mas também ele nada fez, agindo todas as autoridades como se quisessem ocultar esse crime da maior gravidade para a minha empresa e para a economia portuguesa.
A sabotagem de que fomos alvo arruinou a nossa tesouraria, o que deu origem a uma greve, em 2001, que paralisou a empresa durante dois meses e meio. As autoridades portuguesas nada fizeram no sentido de fazer respeitar as suas próprias leis e as leis comunitárias. A via pública, à frente da entrada da nossa fábrica, foi ocupada com entulhos, impedindo que as nossas mercadorias saíssem para os clientes, pelo que perdemos os nossos principais clientes estrangeiros.
O principal responsável por esta atitude irresponsável é o Sr. Governador Civil de Leiria nessa época, Dr. Carlos André, que declarou não ser da sua competência retirar entulhos da via pública para garantir a circulação de mercadorias.
Compreendemos hoje porque não o fez.
Já na altura, pleno período de greve, o Sr. Dr. André nos pressionou no sentido de alienarmos a empresa e partirmos fora da Marinha Grande. Ele tinha para isso o patrocínio do Primeiro-Ministro António Guterres, que enviou a Leiria um emissário para participar na reunião de que, em anexo envio um resumo.
Perdemos todos os nossos clientes mas conseguimos reerguer-nos. Restabelecemos a paz social e pusemos a empresa a funcionar em pleno, com o apoio dos nossos trabalhadores. Porque tínhamos a tesouraria exausta, recorremos ao Fundo de Garantia Salarial, que garantiu o pagamento dos salários até ao momento em que afastamos um consultor porque soubemos que ele estava a negociar a entrega da empresa a terceiros e o nosso afastamento.
No tempo da colaboração desse consultor, perante a completa carência de recursos, obviamos a situação dramática de alguns trabalhadores fazendo-lhes pequenos empréstimos, à custa de fundos que tínhamos destinados ao pagamento das despesas indispensáveis e urgentes, como é o caso das despesas de combustível. Essa prática nunca foi posta em causa, nem o poderia ser porque temos uma contabilidade transparente.
Logo que esse colaborador foi afastado começaram os problemas. O Fundo de Garantia Salarial deixou de pagar pontualmente e recusou-se a pagar naquelas situações em que tínhamos feito empréstimos aos trabalhadores carenciados, com os fundos destinados a outros fins no nosso orçamento de tesouraria.
Quando constatamos que o referido colaborador e o gestor judicial tinham um acordo para nos afastar da empresa, que chegou a ser formalizado no tribunal pelo referido gestor judicial, um senhor agora arguido em processo criminal em razão da sua actividade, encomendamos ao Prof. Fernando de Carvalho, da Faculdade de Economia de Coimbra, um estudo de viabilização alternativa, que acabou por ser transformado em proposta e aprovado por mais de 80% dos credores na assembleia de credores do dia 2 de Agosto de 2002.
A medida de recuperação aprovada previa, entre os pontos principais, os seguintes:
1. O pagamento à banca, por dação em pagamento dos sócios, de 4.805.000 euros.
2. O pagamento aos credores comuns em 15 anos após três de carência, com juros à taxa euribor menos 0,5.
3. O pagamento ao Fundo de Garantia Salarial e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social em 5 anos, após três de carência, com juros à taxa legal.
4. A empresa comprometia-se a pagar integral e pontualmente os salários aos trabalhadores que tivessem esgotado a possibilidade de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, continuando este a pagar aos demais enquanto a isso tivessem direito e comprometendo-se a empresa a pagar-lhes logo que se esgotasse o plafond do Fundo.
Este acordo foi aprovado com votos favoráveis de mais de 80 por cento dos credores mas com voto contra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Fundo de Garantia Salarial. Foi homologado pelo juiz mas essas instituições interpuseram recurso, ao qual o Tribunal da Relação de Coimbra deu acolhimento.
Eu não sabia que em Portugal o Estado e as entidades públicas têm o direito de se opor às deliberações maioritárias das assembleias de credores e de inviabilizarem essas deliberações sem nenhum fundamento, mesmo naqueles casos em que, comprovadamente, isso possa trazer enormíssimos prejuízos ao Estado.
Há uma regra elementar da boa gestão que manda que se siga o caminho que melhores resultados económicos permitir. Neste caso, se aprovassem o projecto, aquelas instituições públicas iriam receber da nossa empresa cerca de 1.000.000 de euros em cinco anos, com os respectivos juros à taxa usurária que praticam. E nós ficávamos contentes porque viabilizaríamos a empresa. Votando contra e recorrendo, essas entidades vão provocar ao Estado um prejuízo de mais de 9 milhões de euros, contando o custo do subsídio de desemprego, da ordem dos 2,6 milhões de euros e as perdas de impostos e descontos no médio prazo.
Tudo isto só faz sentido no quadro de uma ataque à nossa empresa justificado por outros interesses.
O Estado português tem patrocinado uma enorme promiscuidade de interesses no sector do vidro.
A nossa principal concorrente é a empresa VITROCRISTAL ACE, a cujo conselho de administração preside o citado Dr. Carlos André, que atrás referimos como Governador Civil de Leiria e que nos pressionou a vender a empresa, em plena greve, ao Dr. Duarte Raposo de Magalhães, que o antecedeu e que agora parece que é um alto funcionário do seu ministério.
Compreendemos hoje melhor porque não tomou providências para remover os entulhos, de forma a permitir a saída de mercadorias da nossa fábrica.
Entre os sócios da Vitrocristal, figuram, com posições relevantes, o IAPMEI e o ICEP, sendo que o IAPMEI preside à assembleia geral e tem um administrador no Conselho de Administração.
Não nos parece razoável que o IAPMEI, que é uma entidade determinante na gestão dos fundos comunitários e na condução dos processos de conciliação para a recuperação de empresas possa ser, também, um comerciante interessado no negócio.
Os meus concorrentes mais directos não têm imaginação nenhuma, mas beneficiam do dinheiro do Estado e da União. Eu já tinha a marca JM-Glass, que é conhecida há anos no mercado internacional. A imaginação desses cérebros para inventar uma marca limitou-se a copiar a minha tirando-lhe o J para fazer M-Glass, o que não passa de uma desvergonha que qualifica por si o Estado Português que a apadrinha.
Tanto quanto sei, apesar dos milhões de euros que terá recebido, a meu ver de forma ilegal, atento o referido conflito de interesses, esse projecto é um fiasco. E será para reduzir a dimensão do fiasco que é importante destruir a minha empresa.
Não posso também deixar de ligar a este conflito de interesses o facto de o IAPMEI ter retardado o pagamento de cerca de 28.000 contos que o Estado deve à nossa empresa por subsídios à formação profissional, crédito que se venceu em momento anterior à greve e, portanto, quanto a empresa não devia um cêntimo nem ao Estado nem à Segurança Social. Alegam agora que não pagam, porque temos dívidas à Segurança Social, que foram geradas, precisamente, pelo quadro de rotura causado pela sabotagem e pela greve que se lhe seguiu.
Nós somos uma referência de qualidade no vidro mundial.
Apesar dos assaltos que temos sofrido, exportamos 95% da nossas mercadorias e conseguimos vender mercadorias do valor de 3.140.236 euros no ano de 2001 e do valor de 2.692.684 euros no ano de 2002. É certo que no ano de 2000 vendemos 7.064.787 euros, mas a baixa não se deve à nossa acção nem à perda da qualidade dos nossos produtos, mas à agressão constante de que vimos sendo alvo, com o alto patrocínio do Estado Português e das instituições que ele tutela.
Eu sou da Dinamarca e a minha mãe sempre me disse que os povos do sul, sem ofensa para os ciganos, são isso mesmo... um bocado ciganos. Mas nunca pensei que pudesse ir-se tão longe. Por isso, entendo que a experiência da minha vida deve ser contada a outros e estou a escrever um livro que se chamará “Don’t invest in Portugal” para explicar tudo isto, desde a falta de funcionamento dos tribunais aos conflitos de interesses e à mesquinhez de ninguém poder ver crescer a seu lado uma obra de qualidade.
Se eu fosse português não haveria seguramente problemas. Os portugueses diriam que a minha fábrica faz um dos melhores vidros do Mundo. Como não sou, continuam a dizê-lo, mas como um estrangeiro não poder produzir o melhor vidro do Mundo, tudo fazem para me destruir a fábrica. Isto, na Dinamarca chama-se xenofobia.
O que me custa nisto tudo é o brutal atentado aos direitos humanos que os Srs. estão a cometer por relação aos trabalhadores. Eu poderei levar alguns se me fecharem a fábrica e se eu decidir aceitar convites que tenho de outros estados para mudar o nosso negócio para outro país. Mas não tenho condição para os levar a todos. E esta gente vai passar fome neste miserável país em que um governante não tem vergonha de ir à televisão dizer que demora quatro meses a pagar o subsidio de desemprego.
Vocês são muito desorganizados e estão com uma grande dificuldade de compreender a cultura europeia, de forma a integrarem-se na Europa. Eu sempre fiquei muito chocado por ninguém compreender por que razões sempre paguei pontualmente os impostos e as prestações da Segurança Social. Antes da greve que se seguiu à sabotagem de que a nossa fábrica foi alvo e que a vossa Justiça insiste em não investigar nós não devíamos um cêntimo ao Estado ou à Segurança Social e, mesmo agora, com esta crise que nos causaram, continuamos a pagar pontualmente os montantes que descontamos aos trabalhadores. Um amigo meu chamou-me várias vezes louco por não fazer como os portugueses que podem ser muito sérios, dependendo da pessoa, nas relações comerciais privadas mas que fogem aos impostos como não vejo em nenhum país europeu.
Olhando para trás, eu não mudo os meus princípios mas talvez mude mesmo de país pois que acho que o que o Estado Português me está a fazer é uma enorme deslealdade. Eu não sou capaz de mudar, mas começo a compreender que os portugueses têm boas razões para não pagar impostos.
Fiz tudo o que esteve ao meu alcance para engrandecer este País e tenho a certeza de que ficarei na história do vidro em Portugal como um inovador. Tenho uma fabulosa equipa de vidreiros portugueses, sem a qual não seria possível fazer peças que estão expostas em museus internacionais, como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, ou o cálice gigante de vinho do Porto que figura no Livro Guiness de Records e que me vejo obrigado o oferecer ao Corning Glass Museum, de Nova Iorque, por entender que é uma indignidade que essa peça esteja exposta no Museu do Vidro da Marinha Grande, paredes meias com a loja que, sem qualquer concurso público, a Câmara Municipal da Marinha Grande, entregou à Vitrocristal ACE.
Gostaria de poder continuar a honrar o nome do vosso País com a produção de um vidro de qualidade inigualável, que não sei se vou conseguir fazer noutras condições e noutro lugar.
Talvez esteja ai a raiz do drama actual, quando uma empresa sob a sua tutela ameaça cortar o gás e acabar com tudo isto. Ficará feita a demonstração de que este vidro já não se fabrica, porque ninguém tem condições para fabricar coisa idêntica.
Tudo indica que esta história vai fechar-se a breve prazo. A fábrica está a funcionar perfeitamente, afinada como nunca esteve e com uma produtividade como a que nunca teve. As encomendas estão a sair e, todos os dias, até ser anunciada mais uma crise, nos chegavam novas encomendas.
Não temos armas de destruição massiça mas cometemos o pecado original de não respeitar os costumes portugueses, entre os quais o de não pagar impostos. Sabemos que ninguém nos perdoa isso. E, por isso mesmo, sentimos que, num dia destes acabará toda esta normalidade, com um bombardeamento que conduzirá ao fecho desta empresa, ao despedimento de 135 pessoas e à criação de condições que inviabilizam o pagamento aos credores.
São 135 pessoas que vão ficar na miséria e, segundo os jornais, a Agência Portuguesa de Investimentos, que tem um orçamento de milhões, só conseguiu obter promessas de criação de 115 postos de trabalho no primeiro semestre de 2003.
O paradoxal destino, apesar de mais de 80% dos credores entenderem que a empresa é viável, será o encerramento porque entidades publicas o desejam, apesar de os prejuízos que isto causará ao erário público serem imensamente superiores aos custos que implicaria criar condições mínimas para a recuperação da empresa. No meu país quem fizesse uma coisa destas seria sujeita aos tribunais e acabaria na prisão.
Aqui, não teremos força para lutar mais, porque nos movemos contra interesses gigantescos, que, com a cobertura do Governo, hão-de vencer.
Permito-me uma palavra final sobre uma situação concreta. A Transgás, que é uma empresa sob a sua tutela, ameaça como já disse, cortar o gás e pôr termo ao funcionamento da fábrica.
Nós já avisamos a Transgás de que, para fechar o forno, é necessário adoptar um plano técnico e recorrer a uma equipa especializada. Mas nós não temos condições para forçar os nossos trabalhadores a encenarem um “hara-kiri” para essa sua companhia. Pedimos ao tribunal que analise o assunto e que tome em consideração os interesses superiores dos credores.
Porque temos um grande afecto por esse forno, no qual conseguimos produzir um vidro inigualável, pedimos a Vª Exª que adopte as providências adequadas a evitar a sua destruição.
Depois de, há anos, ter curado o Governo português de dois cancros económicos, comprando-lhe duas empresas e empregando uma boa parte dos seus trabalhadores, estou magoado com o que me estão a fazer. Mas, digo-lhe com sinceridade, não estou ofendido. Vocês, portugueses, são muito diferentes. Como dizia Voltaire “au delà des Pyrinnés c’est l’Afrique” e estas coisas, por maior que sejam a vossa vontade, vão demorar muitos anos a mudar.
Isto não implica que eu não deve recorrer às instituições comunitárias para a boa defesa dos nossos interesses e a adequada condenação do Estado Português. Mas também não prejudica a minha natural abertura para um gesto de sublime bom senso que possa salvar esta fabulosa fábrica de vidro.
Investi aqui toda a minha fortuna e perdi um dos meus olhos. Não se faz isto impunemente.
Não podia deixar de escrever, neste momento doloroso, esta carta a Vª Exª, até porque não sei se o Sr. Ministro tem toda a informação necessária para gerir esta situação.
Com ela me estribo para o futuro, para que Vª Exª não possa alijar as suas responsabilidades. Acho que, no momento, está tudo nas mãos do Governo.»
53.5. Basta analisar o processo de recuperação da requerente e o processo de recuperação da Mandata para se constatar que o mesmo Estado e as mesmas instituições adoptaram uma postura absolutamente diferente e discriminatória relativamente à requerente, o que só pode ser interpretado como acção adequada a destruir a sociedade requerente, afastando do mercado um concorrente de qualidade.
53.6. Esta postura é tanto mais grave quanto é certo que antes da greve do ano de 2001, a requerente não devia ao Estado nem à Segurança Social um único cêntimo, quando a muitas das empresas concorrentes tinham elevadas dívidas e continuavam a receber apoios indirectos do Estado.
53.7. Tudo fizeram os gerentes da requerente para manterem na Marinha Grande uma fábrica de vidro de alto padrão, cientes de que só por essa via é possível sobreviver no quadro da globalização.
53.8. E em tudo foram torpedeados, pelo que se veem obrigados a desistir.
53.9. Procuraram manter a totalidade dos postos de trabalho e pagar a totalidade das dívidas; mas as entidades públicas opuseram-se a isso, apesar de os seus dirigentes terem a consciência inequívoca de que é uma via de gestão danosa, porque inviabilizando o plano, a Segurança Social pouco receberá e terá que suportar encargos incrivelmente altos.
53.10. Apesar das preocupações manifestadas aos ministros Carlos Tavares e Bagão Félix no tocante à necessidade de manter os cerca de 170 postos de trabalho da altura, nenhuma preocupação manifestaram esses dirigentes.
53.11. Têm os gerentes da requerente a sensação de que os responsáveis políticos não têm a mínima noção do valor de um vidreiro altamente qualificado e do que é a sua desvalorização retirando-o de um processo produtivo normal, em ambiente de paz social, indispensável ao exercício desta arte.
53.12. Têm os gerentes da requerente a sensação de que os responsáveis políticos não têm a mínima informação sobre o que é a arte do vidro nem sobre o que é a qualidade, nem têm a mínima noção da perspectiva da indústria no quadro da globalização.
53.13. Se tivessem essa dimensão estratégica não agiam como agem, forçando o encerramento de uma unidade altamente qualificada, mas que não consegue sobreviver sem os segredos industriais dos seus sócios, parte deles intransmissíveis, como são intransmissíveis todas as coisas que têm uma dinâmica.
54. Num tal quadro, não vale sequer a pena equacionar a hipótese de recuperação da empresa, devendo proceder-se à sua liquidação.
55. Sendo clara, frontal e objectiva a vontade das instituições da Segurança Social – tuteladas pelo Governo – no sentido de fechar esta fábrica, não tem a requerente a mínima possibilidade de lhe opor.
56. Não deseja a requerente ser arrastada e arrastar os seus trabalhadores num calvário de dificuldades e de salários em atraso.
57. Por isso deliberou pagar os salários do mês de Janeiro e requerer a declaração de insolvência, fazendo-o com os salários em dia declarando não poder responsabilizar-se pelo pagamento dos do mês de Fevereiro.
58. Seria de uma enorme irresponsabilidade prosseguir a actividade quando, claramente, a empresa não tem meios para solver o que lhe é reclamado.

Da situação de insolvência
59. No dia 31 de Janeiro de 2005 a situação pode resumir-se nos termos seguintes:
59.1. A requerente estabeleceu um plano de pagamento com a Transgás (fornecedor de gás natural) nos termos do qual haveria de pagar uma prestação de 17.333 € mensais.
59.2. Não conseguiu pagar as prestações de Novembro e Dezembro.
59.3. Foi interpelada para proceder ao pagamento de 44.776,05 € em duas prestações, uma no dia 11 e outro no dia 28 de Fevereiro.
59.4. Mais foi interpelada para pagar antecipadamente o montante de 22.400 € relativamente ao fornecimento de gás no mês de Fevereiro.
59.5. A dívida da requerente à Transgás, pelos fornecimentos posteriores à aprovação da medida de recuperação é de 176.521,27 €, vencendo-se na totalidade em caso de incumprimento do plano de pagamentos.
59.6. A requerente está obrigada a pagar o montante de 5.189,83 € à EDP, sob pena de corte do fornecimento da energia.
59.7. No mês de Janeiro, deveria pagar aos trabalhadores com que fez acordos o montante 5.318,57 €.
59.8. Tendo embora o pagamento dos salários em dia, não conseguiu pagar parte dos subsídios de Natal, como melhor se refere noutro local.
59.9. Mas em consequência da decisão judicial agora proferida, contando a obrigação de pagamento aos trabalhadores inactivos, tem, afinal, divida aos trabalhadores que são enormíssimas, atingindo o montante de 1.402.728 € (Doc. Nº9).
59.10. Estes créditos estão, indiscutivelmente, vencidos.
59.11. Para manter o nível de produção actual, precisa a requerente de um mínimo de 20.000 € para pagamento de matérias-primas que não lhe são fornecidas sem pagamento antecipado.
59.12. As necessidades mínimas da tesouraria da requerente para poder continuar a sua actividade no mês de Fevereiro são as seguintes:

Transgás 67.176,00 €
Electricidade 5.189,83 €
Prestações de acordos trabalhadores 5.318,57 €
Matérias primas 20.000,00 €
Massa salarial 63.000,00 €
Segurança Social 15.743,00 €
IRS 8.000,00 €
184.427,40 €


59.13. A média das vendas dos últimos 12 meses é de 141.000 €.
59.14. E não pode crescer mais em razão da insuficiência de meios financeiros da requerente.
59.15. O resultado da exploração dos primeiros dez meses de 2004 foi de -934.028 €, incluindo no cálculo o valor das amortizações.
59.16. Para além das dificuldades próprias da empresa, emergentes do bloqueio das medidas de recuperação, a situação agravou-se com os factores conjunturais decorrentes da elevada cotação do euro.
59.17. A empresa só poderia ser competitiva na actual conjuntura se tivesse meios para manter em funcionamento o forno de 15 toneladas, obtendo por tal via, custos de produção mais baixos do que os que consegue praticar.
59.18. Perante a insuportabilidade da factura da energia para uma produção tão baixa como a que lhe foi imposta pela falta de meios para a aquisição de matérias primas, viu-se a requerente obrigada num primeiro momento a encerrar aquele forno e a produzir pelo sistema de potes.
59.19. Numa segunda fase, conseguiu reduzir os custos de pessoal, recorrendo ao outsourcing da actividade comercial através da sociedade JM Glass – Vidros da Marinha Grande S.A., cuja fundação constituiu uma tentativa de, por via da associação de parceiros estratégicos, melhorar a performance comercial e encontrar apoios para a realização de investimentos indispensáveis à continuação da actividade da requerente.
59.20. Nesse sentido, a JM Glass – Vidros da Marinha Grande S.A. procedeu à construção, no ano de 2004, de um forno de 5 toneladas, cuja exploração cedeu à requerente.
59.21. Certo é que a redução da actividade a que a requerente foi sujeita – contrariando todos os valores do projecto de recuperação – não permite, em nenhuma circunstância, solver os compromissos assumidos no quadro do plano de recuperação nem a sobrevivência no respeito pelos compromissos derivados entretanto assumidos.
59.22. Com o actual quadro de responsabilidades imediatas, não será possivel pagar os salários devidos aos trabalhadores no mês de Fevereiro nem as responsabilidades vencidas relativamente às Transgás.
59.23. Para além disso, em consequência do atrás alegado, a situação financeira da sociedade requerente, vem-se agravando e continuará a agravar-se em termos insustentáveis.
59.24. No exercício de 2001 a empresa teve um resultado líquido negativo foi de 1.843.212,24 €
59.25. No exercício de 2002, a empresa teve um resultado líquido negativo foi de 1.899,656 €.
59.26. No exercício de 2003, a empresa teve um resultado líquido negativo de 1.212.349,68 €.
59.27. O turnover que seria possivel cumprindo-se o plano de recuperação aprovado pelos credores e contestado pela Segurança Social, está agora a uma distância de quase seis milhões de euros.
59.28. Anota-se, de outro lado, que o projecto de recuperação encetado só teria viabilidade com a manutenção da totalidade dos trabalhadores – e até a admissão de mais trabalhadores para um turno adicional – na base de um aumento substancial da produção e da produtividade, indispensáveis a gerar valor, com o qual se solveriam os compromissos.
59.29. Basta ler o plano de recuperação para concluir que o seu cumprimento, nunca seria viável com uma lógica de emagrecimento a que se forçou a requerente.
59.30. A previsão do plano era de 140 trabalhadores e a empresa foi, pelas aludidas circunstâncias, forçada a reduzir este número para 70, o que, mesmo com ganhos significativos de produtividade nunca poderia permitir alcançar os valores constantes do projecto.
59.31. Assim sendo, mesmo que pudesse defender-se a sustentabilidade da empresa após o “emagrecimento” a que foi sujeita, nunca poderia afirmar-se, de forma séria, que ela iria cumprir os compromissos financeiros constantes da medida de recuperação e que, não estando embora vencidos, com excepção dos do Fundo de Garantia Salarial e da Segurança Social, totalizam valor muito elevado.
59.32. Os créditos reconhecidos no processo especial de recuperação de empresa totalizam o montante de 8.814.202€.
59.33. De acordo com o Relatório do Gestor Judicial, foi englobado no Processo Especial de Recuperação de Empresas Nº 422 / 2001, um montante de créditos no valor de 8.814.202 Euros , subdivididos nas seguintes grandes rubricas:


Credores Valor Percentagem
Estado e Entidades Públicas 165.691 € 1,88%
Instituições de Crédito 5.356.370 € 60,77%
Outros Credores 3.292.142 € 37,35%
Total 8.814.202€ 100%

59.34. Demonstrou-se nesse processo que não havia qualquer dívida ao Estado.
59.35. Bem pelo contrário, a empresa era credora de IVA pelo montante aproximado de 24.098 € e tinha um crédito de sobre o IAPMEI de 46.568,14 € .
59.36. A dívida à Segurança Social era, segundo um requerimento apresentado no dia 23 de Julho de 2002, de 63.774,08 €, sendo certo que se verificou uma alteração dos valores por relação ao momento da entrada do processo em Juízo, em razão de pagamentos entretanto feitos pela empresa, ainda no curso do processo de recuperação.
59.37. Mas tendo o mesmo sido inviabilizado, e entrando a empresa numa profunda crise, os valores agravaram-se de forma sensível, situando-se actualmente num montante muito mais elevado, pois que a empresa, entregando embora à Segurança Social os montantes descontados aos trabalhadores não tem pago o montante que a ela incumbe.
59.38. No valor Estado e Outras entidades Públicas figuravam todos os créditos dos Estado, da Segurança Social e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, apurados pelo gestor judicial.
59.39. O valor acima referido, relativo ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, incluiu a dívida à Segurança Social sem aquela variação e alguns pagamentos feitos pelo Fundo de Garantia Salarial.
59.40. Apesar de instado pela Meritíssima Juiz do Processo, o Fundo de Garantia Salarial não trouxe àqueles autos prova dos pagamentos que processou, nem sequer informação rigorosa e detalhada sobre os mesmos, que possa permitir o seu correcto tratamento contabilístico.
59.41. Não foi, por isso, estabelecer que valores são devidos aos Trabalhadores nem que valores serão devidos, por via da sub-rogação ao Fundo de Garantia Salarial, pelo que se trabalhou no processo de recuperação de empresa sobre um valor previsional, que carece de demonstração.
59.42. Como se alegou no processo de recuperação de empresa, a empresa solicitou ao Fundo de Garantia Salarial informação sobre os pagamentos feitos aos Trabalhadores, tendo o Fundo negado essa informação nos termos do documento já constante do processo.
59.43. Continua a ser entendimento da empresa que as contas relativas aos pagamentos alegadamente feitos pelo Fundo de Garantia Salarial carecem de ser auditadas, até porque, como também consta daqueles autos, terão sido feitos pagamentos em excesso a alguns trabalhadores e pagamentos por defeito a outros.
59.44. O Fundo de Garantia Salarial veio posteriormente a reclamar os seguintes pagamentos:
59.44.1. 602.610 €, por requerimento de 29/4/2002
59.44.2. 161.243,18 €, por requerimento de 11/6/2002
59.44.3. 63.777,08 € por requerimento de fls 2515 desse processo.
59.45. Ora, o Fundo de Garantia Salarial só pode subrogar-se nos direitos dos trabalhadores se fizer prova de que pagou aos mesmos e de que pagou bem, nomeadamente de que não pagou duas vezes.
59.46. Sendo este aspecto relevante no que se refere à conferência das contas, não é relevante no que se refere à insolvência, uma vez que é facto que o Fundo de Garantia Salarial pagou alguns salários e tem, por isso o direito de exigir o pagamento imediato, nos termos da referida decisão do Tribunal da Relação de Coimbra.
59.47. No relatório relativo ao exercício de 2003, a sociedade afirma que a dívida à Segurança Social, entretanto agravada em razão do não pagamento da parte da contribuição devida pela empresa, é de 471.879 € e que se desconhecem os montantes devidos ao Fundo de Garantia Salarial.
59.48. Porém, no mesmo relatório, refere-se que as remunerações por liquidar são de 823.165,67 €, admitindo-se que este valor possa ter sido pago pelo Fundo de Garantia Salarial.
59.49. Teremos assim, a provar-se o que não está provado mas que o referido Fundo provará com facilidade, conciliando as suas contas com as da requerente, uma dívida global à Segurança Social e ao Fundo de Garantia Salarial que pode atingir o montante de 1.295.044 €, por relação a 31/12/2003e tomando em consideração o que consta das próprias contas aprovadas pela empresa.
59.50. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, instaurou contra a ora requerente a execução n.º 10012004010022325, pendente na Secção de Processos de Leiria, em que pede o pagamento de 790.606,04 €, sendo 603.245,80 de capital e 124.159,04 € de juros.
59.51. Por ser ininteligível o título executivo foi deduzida oposição em 12 de Outubro de 2004. Mas isso não prejudica a confissão de que há uma dívida vencida e exigível, que corresponde às prestações que a requerente não pagou, por falta de meios, desde que se iniciou o processo de recuperação de empresa, em termos a conferir com a documentação relevante.
59.52. No ano de 2004, é suposto que o Fundo de Garantia Salarial nada pagou aos trabalhadores.
59.53. A empresa pagou a totalidade dos salários e dos subsídios de férias aos trabalhadores activos, mas não conseguiu pagar 75% do subsídio de natal de 2.004, do montante de 32.040,75 €, que é imediatamente exigível.
59.54. Este valor era de amortizável. Porém, ele é agravado, a um nível insustentável, pelas consequências do douto despacho proferido pelo Mmº Juiz do Processo nº 422/2001 do 1ºJuizo deste tribunal, em 7/12/2004, noficicado a 13/12.
59.55. Como já se salientou, o Tribunal da Relação de Coimbra veio revogar a decisão do Tribunal da Comarca da Marinha Grande que permitia pagar apenas aos trabalhadores activos, tendo o Mmº Juiz desta comarca reformado o seu despacho, condenando a empresa a pagar as retribuições aos trabalhadores que ficaram inactivos na sequência da remodelação de Julho de 2003.
59.56. No douto despacho proferido nos citados autos escreve o Mmº Juiz revogando o despacho em que autorizara o pagamento das retribuições apenas aos trabalhadores em actividade «por forma evitar a paralisação da fábrica»:
“Determina-se que, reportado à data do mesmo (despacho) face ao processado que antecede, que os pagamentos dos salários a satisfazer pela requerente sejam efectuados nos moldes impostos por lei, tal como supra referido, sem prejuízo, no entanto, dos eventuais direitos adquiridos pelos trabalhadores que manteve em actividade ou ainda da posição dos trabalhadores que aceitaram rescindir os respectivos contratos de trabalho”.
59.57. Diz este despacho, de forma inequívoca – e que não se contesta, tomando em consideração a sua douta fundamentação - que a empresa requerente está obrigada a pagar aos trabalhadores que ficaram em inactividade os salários correspondentes ao tempo que mediou entre a data do inicio da inactividade e do não pagamento dos salários e o presente.
59.58. A decisão transitou em julgado, pelo que esses pagamentos são imediatamente exigíveis.
59.59. Em obediência a essa decisão está a requerente obrigada a pagar aos trabalhadores que ficaram inactivos desde 15 de Julho de 2003, o montante correspondente a 18,5 meses de retribuição, o que, com os créditos de outros trabalhadores, que não podem ser, obviamente discriminados, totaliza o montante global de 1.402.728 €, a que acrescerão os encargos da Segurança Social.
59.60. É por demais óbvio que nunca seria possivel, na Marinha Grande, mesmo que houvesse dinheiro para isso, pagar aos trabalhadores que não trabalharam e não pagar, por exemplo, a parte do subsídio de natal em falta, `aqueles que trabalharam.
59.61. Ora, a requerente não tem condições para pagar este montante, pelo que, se outros fundamentos não houvesse, estava obrigada, nos termos do disposto no artº 18º,3 do Código da Insolvência, a requerer a sua declaração de insolvência.
59.62. Dispõe esse normativo o seguinte:
1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no Nº 1 do artigo 3º , ou à data em que devesse conhecê-la.
2 - Exceptuam-se do dever de apresentação à insolvência as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência.
3 - Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do Nº 1 do artigo 20º .
59.63. À luz desta disposição, porque o douto despacho supra referenciado é do dia 7/12/2004 tendo sido notificado a 13/12/2004, está ela obrigada a pedir a declaração da sua insolvência até ao dia 12 de Fevereiro de 2005.
59.64. Face ao teor do douto despacho antecedente, não pode deixar de se considerar que o não pagamento das retribuições, nos termos em que foi processada, se integra no disposto no artº 20º, 1, al. g), ponto iii) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
59.65. O que o douto despacho vem dizer é que a requerente está obrigada a pagar num quadro que corresponde, pela reiteração e pela duração a um «incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dividas» correspondentes a «créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da violação deste contrato».
59.66. Para além da obrigação imposta pelo artº 18º do CIRE, dispõe o artº Artigo 228º, al. b) do Código Penal que «o devedor que tendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da sua empresa, não requerer em tempo nenhuma providência de recuperação é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias ».
59.67. Conhecedores das leis – porque assistidos por advogados de excelência, que merecem o maior respeito da requerente – e conhecedores dos números da empresa, porque participaram activamente tanto no processo de recuperação de empresa supra identificado como no procedimento especial de conciliação (PEC) não podiam os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira deixar de prever que a consequência natural e lógica do recurso que promoveram era o inevitável pedido de declaração de insolvência, que agora se formula.
59.68. Se é certo que perante as dúvidas suscitadas pela divergência de números da Segurança Social ou perante o curso da moratória concedida pela maioria dos credores se pode admitir como sustentável a tese da não obrigatoriedade do pedido de declaração de insolvência, não há quaisquer dúvidas de que, o douto despacho antecedente – provocado pela iniciativa do referido Sindicato – tem como consequência necessária e inelutável a obrigatoriedade do pedido de declaração de insolvência, sob pena de os gerentes da requerente incorrerem em procedimento punível pela lei penal.
59.69. Foi sem dúvida uma vitória jurídica do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, porém adequada a acelerar o encerramento da empresa e a colocar no desemprego os 70 trabalhadores sobreviventes.
59.70. Dispõe o artº 3º do CIRE que «é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».
59.71. «As pessoas colectivas são, para além disso, consideradas insolventes, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, segundo as normas contabilisticas aplicáveis» (artº3º,2).
59.72. A aqui requerente é insolvente a todos os títulos.
59.73. Já o era quando se apresentou a pedir aprovação de uma medida de recuperação de empresa, posto que já nessa época o seu passivo era superior ao activo, conseguindo, porém, uma moratória da maioria dos credores para o pagamento diferido, em conformidade com o plano aprovado.
59.74. Mas é-o agora, por outra via: porque, para além desse diferencial, está impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.
59.75. Tem, por isso mesmo, perante o quadro atrás detalhado, a obrigação de pedir a declaração da sua insolvência e de oferecer o seu património para que pela liquidação do mesmo se proceda ao pagamento aos seus credores.
59.76. A insolvência e actual, pelo que deve ser declarada imediatamente (artºs 23º,2 al. a) e 28º do CIRE)

60. Formalidades (artºs 23º,2, al. b) e d)
60.1. A requerente gira sob a denominação de JORGEN MORTENSEN LIMITADA, tem a sua sede na Rua do Matadouro, Marinha Grande, matriculada sob o nº 01118/939106 na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande.
60.1.1. NIPC: 502 917 121
60.1.2. Gerentes: os sócios Jorgen Mortensen e Ana Branca Rodrigues Pinto Mortensen, residentes na Rua do Brejo Largo, 22, Martingança, 2445, Alcobaça.
60.1.3. Capital social: 1.53.710,56 €
60.1.4. Principais credores
60.1.4.1. Banco Comercial Português, com escritórios na Avenida José Malhoa, 1681, 1070-157 Lisboa;
60.1.4.2. Transgás – Sociedade Portuguesa de Fornecimento de Gás à Indústria, S.A. com escritórios na Rua Tomás da Fonseca, Torre C, 1600-209 Lisboa;
60.1.4.3. Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com sede na Av. Manuel da Maia n.º 58
1049 - 002 Lisboa
60.1.4.4. IAPMEI, com sede na Rua Rodrigo da Fonseca, 73, 1269-158 Lisboa
60.1.4.5. Banco Espírito Santo, com sede na Avenida da Liberdade, 195 1250-142 Lisboa
60.2. Relação por ordem alfabética de todos os credores (artº 24º, 1 al. a) – Anexo I
60.3. Relação e identificação de todas as acções e execuções pendentes contra a requerente (artº 24º, 1, al. b) – Anexo II
60.4. Documento em que explicita a actividade ou actividades a que se dedicou nos últimos três anos e os estabelecimentos de que seja titular (Artº 24º, 1 al. c) – Anexo III
60.5. Relação dos bens a que se refere o artº 24º, 1 al. e) – Anexo IV
60.6. Documentos contabilísticos a que se refere o artº24º, 1, al f) – Anexo V
60.7. Mapa do pessoal (artº 24º, 1. al i) – Anexo VI
60.8. Acta contendo a deliberação social para requerimento da declaração de insolvência (artº 24º,2, al. a) – Anexo VII
60.9. Consigna-se que o credor BCP beneficia de garantias reais sobre os imóveis em que se encontra instalada a empresa que são propriedade Jorgen Mortensen – Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda e sobre um imóvel que é propriedade dos sócios. Banco Espírito Santo é beneficiário de garantias pessoais dos sócios. O IAPMEI é beneficiário de uma garantia bancária oferecida pelo BCP. Os credores CENEL e Transgás beneficiam, outrossim, de garantias bancárias oferecidas pelo BCP.



Alguns aspectos relevantes
61. Importa considerar alguns aspectos relevantes da situação da requerente e do seu relacionamento com outras entidades.
61.1. O estabelecimento industrial explorado pela requerente foi adquirido pela sociedade Jorgen Mortensen Imobiliária Limitada e explorado em regime de cessão de exploração pela requerente.
61.2. Deveria ter-se operado a fusão entre a requerente e a Jorgen Mortensen Imobiliária Limitada, procedendo esta última à dação em pagamento do edifício em que se encontra o estabelecimento industrial ao BCP e procedendo a requerente à outorga de contrato de leasing com a BCP leasing.
61.3. Este contrato implicaria a responsabilidade pelo pagamento de uma renda mensal, que a requerente não poderia assumir, no quadro de incerteza em que foi colocada com a oposição da Segurança Social à medida de recuperação aprovada.
61.4. O contrato de leasing deveria ter sido celebrado até Maio ou Junho de 2003, em termos que permitissem iniciar o pagamento das respectivas prestações no prazo apontado pelo contrato (Doc. Nº 10)
61.5. Porém, em consequência da oposição dos institutos públicos, não teve a requerente condições para avançar com essa vertente da medida de recuperação.
61.6. As instalações em que se encontra instalada a fábrica foram adquiridas pertencem a terceiros, não tendo a requerente nenhum título para a sua ocupação.
61.7. Nos termos da medida de recuperação aprovada, deveria a requerente ter celebrado um contrato e leasing com o Banco Comercial Português, em conformidade com a deliberação da assembleia de credores.
61.8. Tendo sido a medida de recuperação posta em causa pela Segurança Social, seria ruinosa a celebração de tal contrato, sabendo-se de antemão que a requerente não teria condições para proceder ao pagamento das rendas.
61.9. A posição adoptada pela Segurança Social, inviabilizando em absoluto o plano aprovado pela assembleia de credores, implica a anulação de todos os actos jurídicos que se cometeram na perspectiva do cumprimento das obrigações dele emergentes.
61.10. Desde logo, não se tendo procedido à fusão por absorção da Jorgen Mortensen Limitada pela Jorgen Mortensen Investimentos Imobiliários Limitada, tem que se considerar que o crédito sobre a primeira que haveria de transferir-se para a segunda por força do acordado se mantém na plena titularidade do Banco Comercial Português.
61.11. É certo que a Jorgen Mortensen Imobiliária procedeu a uma dação em pagamento ao BCP, o mesmo tendo sido feito pelos sócios Jorgen Mortensen e Ana Mortensen.
61.12. Tais dações, feitas de boa fé pelas pessoas que tinham posição de garante, só seriam eficazes se viesse a ter concretização o plano aprovado pela assembleia de credores, sem prejuízo da manutenção das garantias dadas por aquelas pessoas à requerente.
61.13. Terá o administrador judicial que for nomeado que providenciar no sentido de as instalações sejam libertadas de forma a que a Jorgen Mortensen Imobiliária possa solver as suas responsabilidades para com o Banco Comercial Português.
61.14. Importa tomar em consideração que nestas instalações existem bens de três entidades distintas:
61.14.1. A requerente
61.14.2. A proprietária do imóvel – Jorgen Mortensen –Investimentos Imobiliários Lda
61.14.3. A sociedade JM Glass – Vidros da Marinha Grande S. A., que é proprietária de um forno recentemente instalado e colocado à disposição da ora requerente com o compromisso de o mesmo ser devolvido em condições de funcionamento se se verificasse uma situação de paralisação.
61.15. Deve providenciar-se no sentido de, em respeito pelos respectivos inventários, se respeitar a propriedade dos diversos bens, apreendendo-se para a massa insolvente os que a ela pertencerem e garantindo os direitos dos titulares do demais bens.
61.16. A requerente possui um stock muito elevado de vidros acabados e uma grande quantidade de produtos por acabar.
61.17. Trata-se de vidro de alta qualidade que, para que não haja prejuízo para os credores, deve ser vendido por preço justo, o que é inconciliável com qualquer negociação por atacado.
61.18. Adianta-se, desde já, a sugestão de que tal vidro seja vendido em leilão público, com a devida publicidade e que, para melhor comercialização, deve ser marcado com a marca JMGlass ou com a marca Stephens, por isso lhe acrescentar valor.
61.19. Imperioso é que se adoptem as medidas necessárias para que essa liquidação não se arraste no tempo, com prejuízo grave e para os trabalhadores, que são os credores com mais interesse nessa liquidação.
61.20. Imperioso é, de outro lado, que se iniciem imediatamente estudos adequados a decidir dos destinos dos equipamentos da requerente que integram o estabelecimento, de forma a proceder à desocupação do espaço ou à viabilização da reutilização do espaço, o que passará, em todo o caso, por negociações de grande complexidade com o Banco Comercial Português e com a sociedade Jorgen Mortensen Investimentos Imobiliários Limitada.
61.21. Entende a requerente que os equipamentos instalados não têm qualquer valor económico fora do local em que se encontram. Pode mesmo avançar-se que globalmente o valor dos equipamentos não é suficiente para pagar a desinstalação.
61.22. Todavia, a unidade industrial instalada possui valências apreciáveis, desde que seja conservado o equipamento e, sobretudo, desde que não se perca tempo para que alguém a reponha em funcionamento, o que supõe, antes de tudo, que se evite a degradação das máquinas e que seja possivel aproveitar os vidreiros, de grande qualidade, que trabalham actualmente para a requerente.
61.23. Para que seja possivel manter o valor económico do estabelecimento industrial é preciso, antes de tudo,
61.23.1. Acelerar o processo de liquidação dos stocks e dos que não integram o equipamento, de forma a libertar espaços e a deixar campo livre para os projectos que possam surgir no mercado com vista à reabertura da fábrica;
61.23.2. Conservar os equipamentos em termos de poderem voltar a ser usados.


62. Reservas
62.1. A sociedade requerente ainda não encerrou nem fez auditar as contas relativas ao exercício de 2004, pelos que os resultados que se apresentam são provisórios.
62.2. Tal facto não afecta minimamente os pressupostos do pedido que se formula neste processo.
62.3. Na listagem que foi fornecida pelos serviços de contabilidade merecem especial reserva os números relativos aos créditos aprovados no quadro do processo especial de recuperação de empresa e aos créditos dos trabalhadores, que carecem de ser auditados.
62.4. A gerência solicitou ao revisor oficial de contas que proceda à verificação de todos os documentos entregues em juizo e que sobre eles profira parecer.

63. Conclusões
63.1. Escreve-se no preâmbulo do CIRE:
«Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma actividade comercial, assume, por esse motivo, indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos».
63.2. Os sócios e gerentes da requerente sempre pautaram a sua vida empresarial por esses princípios.
63.3. Quando apresentaram à assembleia de credores um projecto de recuperação como o consta do respectivo processo (e de que se junta cópia) tinham a consciência de que só comum enorme esforço e um extremo rigor seria possível atingir as metas traçadas, repondo a empresa na linha de prosperidade que ela teve antes de ser sabotada e antes do desencadeamento de um surto de greves que a afectou de forma gravíssima.
63.4. Ao opor-se como se opôs ao projecto de recuperação, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Fundo de Garantia Salarial determinaram, de forma inelutável, o fim da empresa, por ser claro das suas contas que seria absolutamente impossível gerar no imediato os fundos para o pagamento do que é devido a essas instituições.
63.5. De outro lado, ao opor-se como se opôs, ao despacho do Mmº Juiz do Tribunal da Marinha Grande que autorizou o pagamento dos salários apenas aos trabalhadores activos, ordenando o pagamento das retribuições vencidas aos demais, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira sabia que dava a estocada final na empresa, lançando no desemprego os 70 trabalhadores sobreviventes.
63.6. Para além dos créditos sujeitos a moratória no quadro do processo de recuperação de empresa, encontram-se imediatamente vencidos os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Fundo de Garantia Salarial, de valor não absolutamente determinado, mas que é superior a 1,5 milhões de euros, estando pendente uma execução pelo valor de 790.066 €.
63.7. Os créditos dos trabalhadores, agravado com a imposição judicial de pagamento aos inactivos, são do montante de 1.402.728 €, sendo que não é viável nem legal a discriminação dos trabalhadores no que se refere a estes créditos.
63.8. A empresa não dispõe de fundos para o pagamento destes créditos. Mas mesmo que deles dispusesse não deveria proceder ao pagamento, porque poria em causa a relação de confiança com os demais credores, que lhe concederam moratória para o pagamento a quinze anos.
63.9. Se a requerente deixasse avançar a sobredita execução, ficariam seriamente lesados os demais credores, pois que o seu património seria afecto a um pagamento não previsto no acordo estabelecido, em termos susceptíveis de inviabilizar completamente o cumprimento dos compromissos assumidos.
63.10. Nem sequer é lícito à requerente operar uma venda apressada dos seus stocks para solver as responsabilidades imediatas, com defraudação das legítimas expectativas dos demais credores, porque, por uma tal via se colocaria na posição de, coincidentemente, criar condições adequadas ao não cumprimento do acordado.
63.11. Como se vê dos documentos juntos, o passivo ultrapassa largamente o valor do activo.
63.12. Os resultados transitados são de – 5.639.309 €, ultrapassando já o dobro do capital.
63.13. As dívidas a terceiros atingem, segundo o balanço provisório reportado a 31 de Janeiro de 2005 o montante de 9.608.396 €, valor esse, porém, inferior ao real, por não contar com cálculos de juros sobre a generalidade das dividas em mora e por não contar ainda com as dividas aos trabalhadores.
63.14. Do lado do activo temos, de relevante, imobilizações corpóreas do valor de 3.093.863,18 € e existências do valor de 2.907.676 €, ou seja um total de 6.001.539 €, ou seja menos 3,6 milhões de euros do que as responsabilidades levadas ao balanço.
63.15. Em termos de prudência, não pode deixar de se considerar que numa perspectiva de liquidação os valores do activo serão extremamente reduzidos, por relação ao valor contabilístico.
63.16. De um lado, é muito difícil valorar as existências em quadros de liquidação. Do outro, é fundamental considerar que uma boa parte dos equipamentos, tendo embora um valor contabilístico, não têm qualquer valor económico, uma vez que deslocação de muitos é absolutamente inviável e que outros não têm valor suficiente para suportar os custos da desmontagem.
63.17. A manutenção da actividade da requerente passaria pela fusão com a Jorgen Mortensen – Investimentos Imobiliários Limitada, pelas dações em pagamento desta e dos sócios ao BCP e pela celebração pela requerente de um contrato de leasing que lhe permitisse reaver as instalações que a Jorgen Mortensen Investimentos Imobiliários Limitada daria em pagamento ao BCP, libertando a requerente das suas dívidas.
63.18. Ora, para que isso fosse possivel, era elementar o rigoroso cumprimento do plano, de forma a que a requerente gerasse proveitos que lhe permitissem pagar as rendas.
63.19. E quando falamos de rendas, falamos de 21.099,96 € por mês...
63.20. Para que isto fosse possível era indispensável o rigoroso cumprimento do plano, impossivel sem a consolidação integral dos créditos nos termos aprovados pela assembleia de credores, a que a Segurança Social e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social se opuserem.
63.21. Não tem, pois, a mínima viabilidade económica a continuação da actividade da requerente nos termos que lhe foram impostos.
63.22. Efectivamente, como mostram as contas dos últimos três anos, a requerente continua a acumular resultados negativos, pois que a situação de instabilidade em que foi colocada a impossibilita de obter os meios financeiros necessários à expansão projectada e a impede de recorrer a todos os programas de apoio do Estado, desde a área da investigação até à da modernização.
63.23. Continuar a actividade nestes termos conduz apenas à redução das garantias dos credores e à não assunção da inviabilização do projecto de recuperação a que a oposição dos institutos públicos conduziu.
63.24. Com a produção que tem – e que não pode expandir porque, tendo embora a melhor tecnologia, o melhor design e trabalhadores de excelência não dispõe de meios financeiros indispensáveis – nunca a requerente conseguirá solver os seus compromissos.
63.25. Para chegar a essa conclusão basta analisar as contas com um mínimo de atenção.
63.26. Deixar avançar a execução da Segurança Social já em curso e permitir que outras lhe venham no encalço, seria, de outro lado, não só uma enorme ingratidão para com os credores que confiaram na empresa como um prémio a quem procurou, a todo o transe destrui-la.
63.27. É que só por via da extinção dos privilégios creditórios em consequência da declaração de insolvência (artº 97ºdo CIRE) é possivel assegurar a igualdade de tratamento dos credores, pela qual qualquer devedor honrado deve pugnar.
63.28. Não dispondo de fundos nem de valores que lhe permitam solver as suas dívidas tem a requerente a obrigação de peticionar a declaração de insolvência e de desencadear o processo adequado à liquidação do seu património e ao pagamento aos seus credores, à custa dos valores da liquidação.
63.29. É isso que decorre, nomeadamente, dos artºs 3º e 20º do CIRE.
63.30. Como se alegou a requerente está absolutamente exausta, em termos de meios financeiros, não dispondo sequer dos fundos necessários para pagar as facturas do fornecimento de gás e a aquisição de matérias primas.
63.31. Pagou os salários de Janeiro mas, no quadro da lealdade que marca a sua relação com os trabalhadores, avisou todo o pessoal que, segundo as suas previsões de tesouraria, não será possivel pagar os salários de Fevereiro.
63.32. Não está a requerente disposta a suportar situações de salários em atraso nem a pedir aos seus trabalhadores que trabalhem sem lhes poder garantir o efectivo pagamento.
63.33. Em consequência deste anúncio, os trabalhadores permanecem na fábrica mas não trabalham, o que se considera legítimo, pois que não pode a requerente exigir-lhes que prestem a sua actividade, sabendo, como sabe, que não terá fundos no final do mês para pagar os salários.
63.34. Atento o teor do douto despacho de 13 de Dezembro, teria, em todo o caso a requerente enormes dúvidas sobre a questão de saber se poderia pagar aos trabalhadores activos, sem pagar prioritariamente aos que não trabalharam e a quem o tribunal mandou pagar.
63.35. Facto é que não pode a requerente pagar nem a uns nem a outros.

Nestes termos e nos do artº 28ºdo CIRE deve declarar-se imediatamente a situação de insolvência da requerente.
A fim de assegurar uma absoluta protecção da massa e dos registos da empresa que a documentam, deve nomear-se imediatamente um administrador judicial provisório. (...)