quarta-feira, novembro 22, 2006

Prostituição e tráfico de seres humanos


O tráfico de seres humanos constitui uma actividade repugnante, que deve ser cuidadosamente prevenida e seriamente condenada pelas leis penais dos países civilizados.
Sendo, como é, um atentado às liberdades, merece tal tráfico uma especial atenção das polícias, a quem todos temos que exigir uma postura activa de prevenção e de repressão, visando a garantia de tais liberdade.
Não podemos, porém, cair na hipocrisia de confundir o tráfico de seres humanos com a prostituição e outras formas de comercialização de serviços sexuais, porque são coisas absolutamente distintas.
Existe em todos os países da União Europeia um comércio de serviços sexuais que movimenta biliões de euros, com a maior tolerância das autoridades públicas.
Os prostíbulos são anunciados nos principais jornais e há estabelecimentos comerciais de porta aberta que servem exclusivamente para a promoção da prostituição.
Nem as crianças acreditam que quem se dedica ao tráfico de seres humanos possa publicitar de forma tão descarada a actividade que se considera decorrente do mesmo.
Como ninguém, com um mínimo de bom senso, acredita que as mulheres que se dedicam à prostituição foram, por regra, apanhadas na rede ou enganadas por quem, alegadamente, as levou a tal caminho.
Se assim fosse, o normal seria que fugissem dos bordéis (o que não seria difícil num país como o nosso) e denunciassem os seus algozes. Mas não: o que acontece é que elas ali se mantêm e repetem as suas rotinas dia após dia.
O exercício da prostituição nos nossos dias é, normalmente, uma opção livre e auto-determinada de quem o faz. Só é prostituta quem quer, quem tem vontade de o ser; e o passo para a prostituição é, por regra, um passo cuidadosamente ponderado.
Não passa de uma fábula a generalização de que as mulheres que se prostituem na Europa são uma espécie de «escravas sexuais» e que a sua actividade redunda numa forma de escravatura.
A prostituição moderna é uma das expressão do direito à auto-determinação sexual, reconhecido na generalidade dos países ocidentais.
A sociedade aceita, sem hesitações, que são titulares desse direito os homossexuais, as lésbicas ou os sado-masoquistas, mas tem dificuldade em reconhecer os mesmos direitos às mulheres que optam for fazer sexo por dinheiro. Mais grave do que esse daltonismo é o facto de pessoas ilustres e com responsabilidade política e social enterrarem a cabeça na areia para esconder esta realidade, que deforma grosseiramente ao transformar essas mulheres em «vítimas» ou em mentecaptas.
Há até instituições universitárias que constroem teses adequadas a miserabilizar pessoas que optaram por se prostituir e se mantém há anos na prostituição porque conseguem nessa actividade rendimentos que nunca conseguiriam numa profissão «normal».
Estamos aí, pura e simplesmente, no plano da desonestidade intelectual. A generalidade das prostitutas são-nos porque o querem ser e enquanto conseguem tirar do corpo rendimento superior ao que conseguiriam noutra profissão. Depois retiram-se, como o fazem os outros profissionais de «desgaste rápido».
Muitas são estudantes universitárias ou filhas de família, oriundas de países menos desenvolvidos, que fantasiaram para os seus pais um curso de alguns meses no estrangeiro ou uma post-graduação.
Todos estaremos de acordo em que todas são pessoas que trabalham em «ambientes de risco». Mas os ambientes de risco não se combatem nem se corrigem deformando as realidades que todos temos à vista, de forma absolutamente desregulada.
A melhor forma de combater esse risco será a de o Estado assumir a sua tolerância e respeitar o direito a cidadania e o direito à auto-determinação das prostitutas, exigindo-lhes, em contrapartida, que com ele cooperem na defesa da ordem pública e dos direitos dos consumidores.
A prostituição, sendo, como é, uma actividade comercial em sentido lato, não pode, em domínios tão relevantes como os da segurança, do combate à criminalidade e da saúde pública, merecer beneficiar, de forma ilimitada, das regras de protecção da privacidade.
Não deve continuar a ser uma actividade meramente tolerada, devendo, pelo contrário, ser uma actividade reconhecida e sujeita a registo e a controlo das autoridades policiais e sanitárias.
Essa distinção entre as prostitutas assumidas e as que são obrigadas a esconder-se é uma via essencial para que se possa desenvolver o combate ao tráfico de mulheres. Mas é, também, um caminho inevitável se se quiser tratar, com um mínimo de decência, a prostituição doméstica que todos os dias vemos publicitada nos jornais.
Não sendo discutível o direito à auto-determinação sexual, não há nenhuma razão para que continuemos a tolerar esse mercado negro que a um tempo permite a fuga generalizada ao fisco e, a outro tempo, inviabiliza a possibilidade de as prostitutas se organizarem como os profissionais dos demais ofícios e lutarem contra a exploração desenfreada que esse mercado negro permite.
É do conhecimento comum que as «patroas» arrecadam 50% dos rendimentos dos serviços sexuais prestados pelas prostitutas. Uma patroa com cinco meninas arrecada o mesmo que as cinco meninas, sem nenhum esforço e sem nenhum risco.
E o Estado não só tolera isto, concedendo-lhes maiores benefícios fiscais que os que concede à banca, como, por outro lado, nos distrai falando da árvore em vez de se ater na floresta.
Mais grave do que o tráfico de seres humanos, que em Portugal não tem expressão, é esse mercado negro que precisa de regulação urgente.
O resto não são mais do que sonhos de jobs for the boys e jobs for the girls. Com o risco de haver quem, observando a realidade, se passe para o outro lado.

terça-feira, novembro 21, 2006

Prostituição e tráfico de mulheres

É a paranóia total, na confusão que se faz entre a prostituição institucionalizada e o tráfico de mulheres.
Toda a imprensa alinha pelo politicamente correcto, esquecendo a realidade.
Personalidades respeitáveis, como, por exemplo, José Magalhães embarcam no discurso da Igreja, mais uma vez apostada em concorrer ao negócio do «apoio às vítimas».
Todos condenamos o tráfico de seres humanos, porque há hoje uma unanimidade na condenação do ataque às liberdades.
Mas temos que ser razoáveis. A prostituição é hoje, na maioria dos casos, uma acto de livre exercício da autodeterminação sexual.
As prostitutas fazem uma opção livre, como a fazem os gays ou as lésbicas, não devendo, por isso, ser discriminadas.
Verdade é que está tudo desfocado... Veja-se o que escreve o Diário de Notícias:
«A Conferência Episcopal Portuguesa chamou-lhe "um crime pior que a escravatura".
Mas é de escravatura, precisamente, que vive o tráfico de pessoas, forçadas a trabalhar muitas vezes até à morte, como acontece com as vítimas das redes de prostituição.
Com o objectivo de lutar contra este crime e tornar claro para as potenciais traficadas que o que as espera é uma rota de escravidão, a UE está, explicou ontem num seminário sobre tema o secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, a "estudar a criação de barreiras".
Foi também anunciada o estabelecimento, em Portugal, de uma rede de abrigos e de uma equipa móvel de apoio às vítimas.José Magalhães, que falou na sessão de abertura do Seminário Internacional sobre Tráfico e Exploração Sexual (que hoje termina), exprimiu preocupação pelo facto de os voos de baixo custo estarem a abrir "novos caminhos para o tráfico, ao aproximar os clientes das vítimas a um preço muito baixo".
Anunciando o lançamento do primeiro Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, por forma a dar uma resposta eficaz às exigências da UE no sentido de definir a nível nacional estratégias de combate a este crime, o governante explicou que o plano irá dar "uma atenção particular às vítimas, ao seu estatuto e necessidades de protecção".
Nesse sentido, deverá ser criada uma rede de casas de acolhimento para pessoas traficadas e estabelecida uma equipa móvel multidisciplinar, constituída por um jurista, um psicólogo e um mediador, para intervir quando são descobertas pessoas traficadas.
Um guia de registo de denúncias, para uso das forças de segurança, faz também parte das propostas apresentadas pelo projecto CAIM (Cooperação, Acção, Investigação e Mundivisão), a entidade que organizou o seminário e que tem a incumbência de estudar e enquadrar o fenómeno do tráfico de pessoas em Portugal.
Um fenómeno cujas dimensões e características no País são muito pouco conhecidas, como o CAIM admite. Sabe-se, segundo o Serviço de Estrangeiros Fronteiras, que o Brasil é o principal país "fornecedor" de mulheres para as redes de prostituição em Portugal e que, de acordo com o último relatório, de Abril deste ano, do Gabinete das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime, o território nacional é de "médio risco" para o tráfico de seres humanos.
O relatório especifica que as pessoas traficadas, sobretudo mulheres, vêm, para além do já citado Brasil, também da Polónia, Letónia, Estónia, Hungria e República Checa. As razões, sabe-se, são sempre as mesmas: carências económicas e promessas de vida melhor, muitas vezes até de casamento, atraem as imigrantes.
A Internet é uma das ferramentas utilizadas para escolher e encomendar a "mercadoria".Tratadas como coisas, propriedade dos traficantes, as pessoas são depois forçadas a trabalhar até ao fim do seu rendimento. E o rendimento é considerável: a ONU estima que entre sete e 10 mil milhões de euros se fazem assim, à custa de vidas perdidas.
*Com Lusa»

Jobs for the boys and for the girls...

Está-se a montar um quadro para arranjar mais jobs, for the boys e for the girls.
É a grande hipocrisia, quando os jornais publicam centenas de anúncios oferecendo putas das mais variadas nacionalidades que exercem livremente a sua profissão, sem que as autoridades cumpram sequer o que manda a lei geral tributária.
A prostituição está liberalizada em Portugal e é amplamente publicitada, não se compreendendo porque razão se começa pelo fim, em vez de se começar pelo princípio.
Antes de falar das «redes» é preciso questionar a exploração que resulta da regra dos 50/50 e extrair dessa regra as adequadas consequências fiscais, cadastrando as patroas e as sujeitas, que é o nome que melhor lhes assenta, porque se sujeitam a essas condições de trabalho.
Se não há contrato colectivo, ao menos que se cobrem os impostos, a umas e a outras, sobretudo às primeiras, que ganham, por natureza mais do que qualquer das segundas, em razão do efeito multiplicador.
Para isso não é preciso criar mais estruturas. Já temos as suficientes, desde as da Polícia às das finanças.

Exploração sexual...


Exploração sexual: maioria vem do Brasil e permanece pouco tempo em Portugal 21.11.2006 - 16h18 LusaA maioria das mulheres que são vítimas de tráfico para exploração sexual em Portugal é de nacionalidade brasileira e não fica mais de seis meses no mesmo sítio, para evitar criar laços de fidelidade, revela um estudo da Universidade de Coimbra apresentado hoje.
O estudo de Madalena Duarte, socióloga e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, só será publicado em Junho de 2007, mas hoje foram apresentados em Lisboa os resultados intercalares.
Estes dados permitem revelar alguns aspectos deste fenómeno, que começou a ter maior expressão em Portugal em 2001, com maior incidência nas cidades do Porto, Lisboa, Aveiro e na zona do Algarve.
A investigação deste tipo de crimes, adiantou, não é fácil porque estas redes têm um elevado grau de adaptação e de flexibilidade e porque as mulheres têm uma grande rotatividade.
"Muitas andam entre Portugal e Espanha para não criarem laços de fidelidade", disse.
A maioria das mulheres trabalham essencialmente em bares de alterne, mas os investigadores também encontraram registo de mulheres da Europa do Leste e da Nigéria usadas na prostituição de rua.
A investigação permite também constatar que há uma diferença entre as mulheres recrutadas em países de leste e as brasileiras: as redes de tráfico de mulheres brasileiras são artesanais enquanto as de Leste são organizadas e violentas.
Segundo Madalena Duarte, alguns processos judiciais têm demonstrado que as mulheres das redes de Leste eram sujeitas a uma violência física mais intensa, enquanto as brasileiras tinham maior liberdade de movimentos.
Segundo a autora, há uma grande discrepância entre o número de investigações e o número de casos que vão a julgamento. "As pessoas têm medo (...). Estamos a falar de mulheres que estão assustadas, que foram sujeitas a violência física e psicológica e que são alvo de chantagem", disse.
Muitas destas vítimas, adiantou, não têm confiança nem nas polícias nem no sistema judicial dos seus países.
Os resultados intercalares da investigação sobre "Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual" foram hoje apresentados no seminário internacional sobre tráfico e exploração sexual.
O estudo, encomendado pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, está a ser realizado por investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

quarta-feira, novembro 15, 2006

O campeão dos azares


O meu amigo Joaquim Magalhães é o campeão dos azares.
Voou de S. Paulo para Lisboa, com o entusiasmo que todos lhe
conhecemos para participar no congresso do PS.
Aquela hérnia discal que arrasta há anos estragou-lhe a festa.
Cúmulo do azar: quando ontem se deslocava para Aveiro, a fim
de visitar um médico amigo, viu o caminho barrado pelo descarrilamento
de um combóio...
Que venham melhores dias meu amigo... Posted by Picasa

Fumo de corrupção

Escreve o «Diário de Notícias»:
«O negócio de adjudicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), uma rede de comunicações que irá ligar entre si os principais organismos de socorro do País, está envolto em polémica. A Polícia Judiciária (PJ) procedeu a buscas na semana passada na Sociedade Lusa de Negócios (SLN), a empresa que lidera o consórcio com que, a 3 de Julho passado, o Ministério da Administração Interna (MAI) assinou um contrato de 485 milhões de euros para a instalação daquele sistema. As autoridades suspeitam da prática dos crimes de corrupção e tráfico de influências neste caso.»
Alguém há-de explicar por que razão a segunda adjudicação foi feita por menos 150 milhões que o previsto.

A corrupção ao vivo e a cores...

Toda a gente o reconhece... ao mais alto nivel.
Mas ninguém faz nada e o país definha.

Corrupção na Europa...

Os princípios existem... O que falta é o resto.

Tretas sobre a corrupção...

Foi há meses que isto foi publicado.
Carregue no link e ria-se.

Corrupção e transparência

A corrupção é filha da falta de transparência.
Só há corrupção enquanto os corruptos não forem obrigados a explicar os seus silêncios.
Portugal também precisa de um movimento para a transparência.

A carta de Almeida Santos (1)

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A carta de Almeida Santos (2)

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Confirmado o abate

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A minha demissão do PS

O Partido Socialista está mais «unido» do que nunca, depois do XV Congresso.
Não há qualquer risco na difusão da carta de demissão que escrevi em 4 de Maio e que me parece cada vez mais actual.
O país atola-se na corrupção e toda a gente parece indiferente, apesar de os jornais disso nos trazerem notícias todos os dias...

Exmº Senhor
Dr. António de Almeida Santos
Distinto Presidente do Partido Socialista
Sede Nacional - Largo do Rato
Lisboa



Lisboa, 4 de Maio de 2005


Meu Estimado Amigo:

Escrevo-lhe na minha qualidade de militante do Partido Socialista (nº 4.310) para lhe anunciar a minha demissão e lhe pedir que adopte as providências adequadas ao seu registo.
Tomei esta decisão de forma muito ponderada, assumindo-a como um acto de cidadania, que nada tem de inamistoso para com o Partido ou os camaradas com quem convivi nos últimos 31 anos.
Tenho 54 anos, já me divorciei duas vezes e esta terceira vai fazer-me melhor ao ego do que as outras. Tal como tenho uma relação civilizada (e agradável) com as minhas ex-mulheres, também depois deste divórcio, espero ter uma boa relação com o PS, de quem me descaso.
Julgo importante dar-lhe conta dos aspectos mais importantes da minha reflexão, porque me parece que ela pode aproveitar ao próprio partido, de onde saio voluntariamente mas a quem desejo os maiores sucessos.
Sou militante no PS desde 1 de Abril de 1975 e cheguei à conclusão de que não devo manter esta relação, porque se esgotou – sobretudo no plano dos sonhos que comandam a vida - quase tudo o que justificou o seu estabelecimento.
Eu era, na altura, um jovem jornalista. Tinha acabado de vir de Paris, onde frequentei o primeiro curso aberto pelo Centre de Formation des Journalistes a jornalistas portugueses. Trabalhava no “Jornal de Notícias” e fazia, como sempre fiz, um grande esforço por produzir informação rigorosa.
Nunca aceitei a lógica da informação isenta, porque... não há informação isenta, apesar de se ter consagrado na actual lei de imprensa, da lavra do PS, esse enorme disparate. Sempre entendi que o pluralismo se encontrava, no plano da informação, no cumprimento da obrigação de rigor que vincula todos os jornalistas, sem prejuízo das suas diversas tendências, que marcam a realidade com cores plurais, por via da valoração dos elementos da noticias, que é naturalmente variável.
Por isso mesmo, não só não me suscitou nenhum problema de consciência a inscrição no Partido Socialista, como, pelo contrário, sempre a assumi de forma frontal, defendendo a absoluta compatibilidade entre o exercício do jornalismo e a filiação num partido político.
Nos tempos quentes de 1975, estive na primeira linha do combate pela liberdade de imprensa e multipliquei o meu tempo, trabalhando de manhã em “A Luta” e à tarde no “Jornal de Notícias”, sem que alguma vez a condição de membro do PS tenha prejudicado o cumprimento dos meus deveres como jornalista ou coarctado, de qualquer modo, a minha liberdade.
Mal sabia eu que a minha carreira jornalística haveria de terminar antes do tempo por causa dessa inscrição.
Foi em Fevereiro de 1982, quando da famosa “greve dos pregos”.
Eu tinha aceite o cargo de director-adjunto do diário “Portugal Hoje” e assumira a responsabilidade de proceder a uma reestruturação do periódico, que o viabilizasse e o afirmasse no mercado.
Lembro-me, como hoje, de uma conversa que tive com Mário Soares, antes de ter aceite o cargo. O que é que o meu amigo quer? Quer continuar a andar de táxi ou aceita começar a circular de autocarro? O jornal era quase um panfleto, com sete ou oito fotografias do Mário em cada edição e um culto de personalidade levado ao nível do Kim Il Sung. Aliás, Mário Soares apontou logo esse defeito e eu aproveitei para lhe dizer: assim o jornal não tem nenhuma credibilidade; o Sr. só pode aparecer quando fôr, efectivamente, notícia.
O Mário aceitou o desafio de começar a andar de autocarro, ou seja de ser notícia apenas quando fosse notícia, passando o jornal a relatar, com objectividade mas sem isenção – ou seja assumindo a sua tendência – a realidade do País.
Tínhamos uma excelente equipa de jornalistas de que relevo os nomes de Carlos Andrade, Celestino Amaral, Paula Garcês, Sérgio Soares, Mário Lindolfo, Alexandre Pais, Vítor Bandarra, José Rui Cunha entre outros.
Presto a Mário Soares a homenagem devida a quem nunca ingeriu na política editorial nem influenciou os conteúdos informativos.
No dia da “greve geral” faltou quase toda a redacção. Fizemos o jornal com meia dúzia de jornalistas, entre os quais um único fotógrafo, o Manuel Falcão, que me trouxe fotografias fabulosas da repressão policial no Rossio, que havia assumido aspectos grotescos.
Nesse dia, havia uma homenagem a Manuel Tito de Morais, um respeitável dirigente socialista, na Embaixada de Itália, onde lhe seria entregue uma condecoração dada por Sandro Pertini.
Como havia um único fotógrafo, eu tinha que optar entre mandá-lo para as manifestações do Rossio, em que se previa borrasca, ou para a cerimónia protocolar. Optei, naturalmente, pela primeira, mandando fazer um texto sobre a cerimónia, ilustrado por uma fotografia de arquivo.
À hora do fecho, apareceu-me na redacção o administrador João Tito de Morais a gritar que o jornal não sairia sem a fotografia do pai, pelo que mandaria parar as máquinas se eu ousasse avançar a impressão do periódico.
Era uma prepotência ao quadrado, porque João Tito Morais era, para além de administrador do “Portugal Hoje”, também administrador da tipografia que o imprimia (a CEIG, que ele ajudou a arruinar com os calotes ferrados pelos jornais de extrema direita que ali se davam á estampa).
Porque havia que apanhar os comboios e era importante que o jornal saísse com as notícias da violência policial, chamei a polícia e acusei-o de violar – aliás em flagrante delito – um direito essencial da liberdade de imprensa, o direito de imprimir.
Quando a polícia veio, ele deixou de gritar. E a máquina arrancou, imprimindo-se o jornal a tempo.
Foi um escândalo a que não dei causa. Ao outro dia João Tito de Morais saiu da administração do “Portugal Hoje” mas haveria de manter-se na administração da tipografia que o PS construiu com as ajudas dos partidos irmãos. O argumento para que assim acontecesse foi o de que ele precisava de um emprego.
O Edmundo Pedro, uma das pessoas mais generosas que conheci no PS, e o João Gomes pediram-me para ficar. Mas, porque era impossível continuar a fazer um jornal em litígio com a tipografia, saí. E fui para o desemprego...
Tive, na altura vários convites para diversos jornais, até em condições mais interessantes, do ponto de vista económico, do que as que tinha no “Portugal Hoje”. Entendi não os aceitar, porque os interpretei, naquela conjuntura, como presentes envenenados, que haveriam de pôr em causa a solidariedade que eu devia ao PS.
Acabei aí, precocemente, a minha carreira de jornalista.
Tinha um filho de cinco anos e a mulher grávida e fiquei numa situação extremamente difícil, sem que alguém se preocupasse com isso. Por acaso tinha numa gaveta um diploma da licenciatura em direito e até já tinha concluído o estágio da advocacia com o nosso camarada José Maria Roque Lino.
Morreu um jornalista mas nasceu, de um momento para o outro, um advogado, que dizem que não é mau. Não escondo as saudades que tenho dos jornais nem a mágoa que me vem daquele triste desfecho. Mas se hoje estivesse na mesma situação faria rigorosamente o mesmo, porque sou e hei-de continuar a ser um homem de lealdades.
Ao longo destas últimas três décadas mantive a minha fidelidade ao PS e ao seu ideário, participando sempre que me é possível nas suas iniciativas, convivendo com camaradas, discutindo ideias e procurando dar o meu apport nas áreas em que me reconhecem melhor aptidão.
Abstive-me durante todo este tempo de fazer criticas públicas a situações que julguei criticáveis, substituindo-as pelo desabafo com companheiros com quem privo, num circuito fechado dificilmente tolerável nalguns momentos.
Nunca me candidatei a cargos partidários porque tenho modo de vida e nunca tive o tempo suficiente para os poder desempenhar dignamente, sem prejuízo da minha vida profissional. Mas nunca recusei as missões que – mediata ou imediatamente – me confiaram, procurando desempenhá-las com respeito pelos nossos princípios e pelo nosso ideário. Saliento, a propósito, a da participação na Alta Autoridade para a Comunicação Social, de onde me demiti apenas no momento em que a Assembleia da República perverteu o sentido desse órgão constitucional e o transformou numa polícia da comunicação, com poderes para acoimar, em desfavor da função cívica que deveria exercer pela mensagem. Saíram logo depois de mim o camarada António Reis e a escritora Lídia Jorge.
Ajudei o Joaquim Raposo na conquista da Câmara da Amadora e fui membro da Assembleia Municipal por uma legislatura. Envolvi-me com Mário Soares na última campanha eleitoral, participando activamente na organização das acções que se fizeram na media do Brasil.
Ao longo dos últimos anos tenho emprestado o meu apoio aos camaradas das comunidades portuguesas no estrangeiro, ajudando-os sobretudo no esclarecimento de questões jurídicas relacionadas com o seu trabalho político.
Assisti, neste último plano, a coisas tão grotescas e tão chocantes que só por si justificariam que já tivesse saltado do barco há muito tempo. É matéria que é do conhecimento dos responsáveis do Partido e, por isso, não vale a pena que me alargue mais.
Guardo os apontamento mais burlescos para um livrinho que um dia hei-de publicar. Mas não posso, apesar disso, deixar de referir a escandalosa liquidação do próprio Presidente da Federação da Suiça do Partido Socialista, que defendo num processo política, jurídica e moralmente ignóbil por cujas consequências o Partido é o principal responsável.
Manuel de Melo foi aposentado compulsivamente em razão das suas opiniões políticas, é membro da Comissão Nacional do Partido e o partido que o liquidou não repara sequer nas suas faltas ás reuniões.
Por ser militante do Partido, guardei sobre a matéria o mais prudente silêncio, quando num outro quadro, o normal seria que viesse para os jornais denunciar o que é um infame escândalo.
Abstive-me como cidadão de uma participação cívica mais activa, fora do quadro do Partido, porque entendo que a qualidade de militante de um partido político implica um compromisso de auto-contenção.
Ao longo destes anos escrevi umas duas dúzias de artigos em jornais, apenas em situações que, do meu ponto de vista, ultrapassavam todos os limites da razoabilidade ou da decência.
Penso há muito – e continuo a pensar - que os partidos políticos são essenciais ao bom funcionamento do regime democrático. Mas penso também que, em abono do princípio contido no artº 51º,5 da Constituição, os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.
E é aqui que começa a minha crise de consciência por relação ao Partido Socialista.
É inerente à própria essência da formação da vontade popular e da organização do poder político, a que concorrem os partidos, a obrigação de comedimento dos seus membros em termos de intervenção pública. No fim de contas, o que a lógica partidária importa de mais essencial é o desafio à síntese, que se traduz naquilo a que habitualmente chamamos correntes de opinião. Não é possível definir, de forma coerente, uma corrente de opinião – ou de pensamento – se as opiniões que as influenciam, que dela são pressuposto e que lhe dão alma, se perderem de forma isolada no vácuo em que se volatilizam as opiniões individuais.
A História tem desta realidade dois exemplos de protótipos: o do junta a tua à nossa voz que consiste, essencialmente, na existência de uma elite pensante e de uma multidão que lhe amplia os slogans e o do cada homem uma voz, cumprindo ao partido a síntese da pluralidade.
O PS nasceu, como partido democrático, adoptando o segundo modelo, sendo de sua lavra, tanto quanto me lembro, a norma do referido artº 51º,5, nascida apenas na revisão constitucional de 1997.
É essa lógica de transparência e de participação de todos os membros na vida partidária que justifica a capitis diminutio que a condição de militante de um partido implica. A fidelidade partidária é a contrapartida natural do direito de participação democrática na formação da opinião do próprio partido como corrente política.
Esta capitis diminutio só se justifica se os partidos tiverem vida efectiva e se neles for possível a intervenção cívica. Se eu tenho a possibilidade de debater ideias dentro do partido, de contribuir para a formação das suas políticas não faz sentido que eu intervenha, de forma isolada, na opinião pública. Mas se eu não tenho nenhuma possibilidade de aceder a tal debate, então não faz nenhum sentido essa fidelidade, sem nenhuma contrapartida.
Mais do que não fazer sentido, tal fidelidade redunda, neste último quadro, numa inaceitável forma de opressão da liberdade de expressão do pensamento.
A coisa é ainda mais grave quando, havendo uma declaração de princípios que se assume como uma espécie de constituição partidária, somos confrontados na prática com a ofensa grosseira dessa base constitucional e a perversão de todos os seus princípios.
É essa, meu estimado António de Almeida Santos, a razão originária da minha demissão.
Eu não estou disposto a manter uma fidelidade partidária, implicando toda essa contenção que assumo como dever cívico, quando não há debate político no PS. Não estando disposto a violar esse dever – porque o entendo essencial – só me resta a atitude libertadora da demissão.
Perguntar-me-à porque tomo uma decisão destas quase vinte e sete anos depois da minha inscrição. E eu respondo...
É que a situação do Partido Socialista se degradou, a meu ver, a um ponto insustentável e não há nenhuma esperança de que algo venha a mudar a breve prazo.
O PS transformou-se num deserto de ideias com um ninho de gatos de várias qualidades que só sobrevive se mantiver esse deserto. Tudo o que seja pensamento pró-activo, tudo o que seja crítica, no bom sentido democrático, incomoda e é gerador de desconfianças.
O PS transformou-se num partido de homens sem história e sem referências democráticas, porque só assim, pelo branqueamento da história política dos que a têm, conseguem afirmar-se os que a não têm ou que a têm no pior sentido.
Os nossos grandes vultos – e você é um deles – estão condenados ao caixote do lixo da História, perante o crescendo do arrivismo que marcou a vida do PS nos últimos anos.
Desapareceu a paixão pela Política e chamam de loucos os que continuam a guiar-se por princípios, em contraponto com o salve-se quem puder que passou a estar na ordem do dia. Há fortunas colossais acumuladas de forma estranha, como se alguns titulares de cargos públicos – com relevo para os autarcas - tivessem o condão de comprar todas as semanas cautelas premiadas. E a culpa continua a morrer solteira, nada se investigando, apesar das denúncias públicas dos jornais.
Quando falo disto, dizem-me que não são só os nossos. Dizem-me mais: que se houvesse justiça estavam presos metade dos nossos mas estariam presos dois terços dos outros. E eu respondo que os nossos (que passam a ser só vossos) é que me importam, que deveriam ser imunes a qualquer suspeita.
O Partido definhou e deixou de ser um ponto de reflexão para ser uma central de gestão de interesses particulares, que usa os militantes como tropa de choque.
Claro que todos os militantes têm o direito de pretender inserir-se em postos chave da referida central, usando para isso os mecanismos democráticos. Toda a gente tem o direito de se candidatar e de se fazer eleger. Mas esta descaracterização retirou a muitos qualquer interesse de participar nesse jogo.
Eu sou um deles e tenho deixado arrastar a minha situação no Partido, com uma velada esperança de que as coisas pudessem mudar e sempre com o estafado argumento de que «é cá dentro que se luta».
Como deixei de acreditar nisso, vou-me embora.
Dizia Deng Xiao Ping que os que ocupam as retretes sem conseguirem obrar devem dar lugar a outros. Sigo o conselho do velho comunista e retiro-me, não porque tenha prisão de ventre, mas porque não estou disposto a a participar neste jogo de sanita. É preciso que haja alguém neste Pais que não queira fazer merda.
Acredito que não tomo esta atitude em abono de um qualquer moralismo. Tenho muitos amigos que são corruptos e não deixo de ser amigo deles por causa disso. Chamo-lhes «ladrões», cara a cara, como chamo «putas» às putas com quem tenho confiança.
Mas não faço negócios nem com uns nem com outros, o que os leva a dizerem, em uníssono, que tenho mau feito, ao que respondo, jocosamente que (eles e elas), em contrapartida, não têm vergonha.
Felizmente, a Democracia permite-nos estas coisas, este falar à vontade e também esta completa falta de pudor, redundante de uma Justiça que faliu e em quem já ninguém tem esperança.
Ainda bem para muitos amigos nossos, mesmo que não concordemos com eles.
Porém, a sociabilidade que nos permite estas ousadias é bem diferente da pertença a um club. Uma coisa é ir ver as putas e outra ser sócio do prostíbulo e poder ter a fama de viver à custa dos seus rendimentos.
A metáfora talvez não seja a melhor, mas pode crer que ela faz sentido.
Há cerca de um mês, no meio de uma conversa em que se discutia a falta de clareza na contratação de advogados por entidades públicas, disse-me um camarada esta coisa tão singular quanto ofensiva: «Temos indicações para não contratar advogados ligados ao PS, para que a comunicação social não diga que estamos a favorecer gente do Partido…».
Eu tinha-me limitado a criticar a falta de transparência e o objectivo favorecimento de algumas sociedades e de alguns advogados que constituem um autêntico oligopólio na prestação de serviços jurídicos ao Estado e a entidades públicas. Nada pedi e esse imbecil, que por acaso é meu amigo, suportado por todo o peso do Estado e do Partido ofendeu-me na minha condição de Homem, por ser filiado no PS.
Eu julgava que não nos contratavam por recusarmos práticas que não aceitamos, nomeadamente aquela clássica de emitir a factura pelo valor do serviço e dos impostos que cubram uma avultada comissão. A última proposta que nos fizeram envolvia uma factura de 1 milhão de euros. Pagávamos os impostos, devolvíamos a maior parte do dinheiro e ainda ficávamos com 100.000 euros… Um bom negócio que nós não fizemos mas alguém fez…
É uma operação «clássica» mas nós não aceitamos essas práticas e com isso temos alimentado uma imagem que gera desconfiança perante alguns operadores e, nos tempos que vão correndo, perante alguns camaradas com funções relevantes no plano decisório.
Compreendemos essa reacção e respeitamos o sigilo de quem nos consultou e a quem, obviamente, não interessamos como advogados.
O que eu não consigo compreender e não posso aceitar é a camuflagem desta realidade chocante – e dessa outra do descarado envolvimento de políticos de primeira linha na assistência profissional a negócios privados do Estado - com o argumento acima expendido, colocando sob suspeita toda a gente séria que é do PS pelo facto de o ser.
Há uma perversidade em tudo isto que absolutamente chocante.
Hoje, toda a gente bem informada sabe que há uma teia de interesses que passa pela medula do partido e que vive do aproveitamento do partido para o tráfico de influências.
É escandalosa a conflitualidade de interesses que convive em muitos dos camaradas, alguns dos mais notáveis e parece que ninguém se preocupa com o que, cada vez mais medrosamente, vai aparecendo na comunicação social.
São conhecidas as fortunas sem justificação de muitos daqueles que integram o clube dos meus amigos a quem chamo, carinhosamente, de «ladrões». E ninguém repara nisto…
Mas repara-se no facto de alguém ser do PS para, em defesa da falta de transparência que alimenta os mesmos lobbies, lhes negar o direito à livre concorrência, para, alegadamente, proteger o Partido.
Ainda num dia destes me dizia um amigo comum que eu sou um «inadaptado» e eu acho que ele tem razão.
O drama está em que eu não quero adaptar-me, preferindo adoptar nesta matéria uma postura conservadora.
Recordo, a propósito, a minha última conversa com Álvaro Cunhal - a quem ataquei vigorosamente nos anos 70 e 80, mas por quem tenho um enorme respeito. Visitei-o na fase final da sua vida, recordamos as guerras do Prec, as entrevistas que lhe fiz e falamos dos ex-comunistas. Ele usou precisamente essa expressão – inadaptados – para lhes chamar renegados e potencialmente corruptos.
Radical, preso como bronze à rocha da sua moral, o velho líder talvez cometesse algum exagero, mas não deixaria de ter a sua razão. Ele conhecia melhor do que ninguém a perversão dos aparelhos, que temos, com outras cores, na sua melhor dimensão.
Tenho amigos, reconhecem-me algum prestígio e algumas qualidades e tive oportunidade de aproveitar os meus relacionamentos para me inserir em grupos que beneficiam de privilégios em Portugal.
Optei por não seguir esse caminho e por dar o meu contributo pessoal para que Portugal saia da vergonhosa posição que ocupa como o Pais com o mais elevado índice de corrupção da Europa, segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano.
Entendi que o lugar privilegiado para estar com uma tal postura era o PS. Vi-me agora forçado a concluir que não é… e que é o próprio Partido quem, como posturas como as descritas, lança a suspeita sobre os que, de uma forma honesta, ocupam as suas fileiras.
É uma desilusão tamanha.
Por isso me vou embora, assobiando e de cara alegre, porque tristezas não pagam dívidas.
Espero que não haja retaliações. Agora, que já não sou do PS, não há razões para não respeitar as regras da livre concorrência…
Creia na minha maior estima por si, a quem desejo que, com a sabedoria que lhe é peculiar, faça o possível pela defesa do decoro, tão importante nestes tempos em que o PS é governo e tem um bom governo, que o partido acabará por liquidar se não mudar de atitude.
Por mim limitar-me-ei a entregar cópia desta carta a uma meia dúzia de amigos a quem devo consideração e a guardá-la para publicação futura, num livro de reflexões que vou fabricando dia a dia.
Peço-lhe que dê conhecimento dela ao Secretário-Geral e ao Joaquim Raposo, que é meu amigo pessoal e lidera a Federação a que pertenço.
Os meus melhores cumprimentos


Miguel Reis

quarta-feira, novembro 08, 2006

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«Em seguida ao “18 de Janeiro” o “Pavel” radicou-se na URSS como representante do PCP junto da Internacional Comunista. Foi escolhido por Manuilsky, então secretário geral da Internacional Comunista, para seu secretário.adjunto.O alto cargo que então exercia na estrutura do Comintern implicava o estatuto de permanente. Mas a vida de um revolucionário era tudo menos uma vida estável...Estava sempre sujeita a repentinas mudanças de curso.
Durante anos segui, à distância, o seu extraordinário percurso. No Tarrafal, pouco mais de um ano depois de ter ali chegado, pudera acompanhar, em parte, pelos relatos do Gilberto de Oliveira e do Domingos dos Santos, recentemente regressados da União Soviética, a sua prodigiosa ascensão no âmbito da Internacional Comunista. O Florindo de Oliveira (“Spartaco”) tinha seguido para a URSS na companhia do Bento no fim de Julho de 1935. O Domingos dos Santos (“Calabrês”) e o Cunhal partiram pouco depois, em Agosto do mesmo ano. O “Spartaco” e o “Calabrês” foram detidos pouco depois do seu regresso da União Soviética e expedidos, sem mais delongas, para Cabo Verde.
Foi justamente o “Spartaco” que me transmitiu, quando chegou ao Tarrafal, a reacção de Cunhal quando, pela primeira vez, no verão de 1935, foi apresentado ao Pavel em Moscovo
[1]. A sua extensa obra literária, que ia desde a ficção à crítica de arte – especialmente em matéria de pintura mural, de que o México se tornara num paradigma, de que foi considerado o crítico mais reputado – ficou bem patente nos reflexos que teve na cultura daquele país. O Estado mexicano, país da sua forçada adopção, dedicou-lhe uma homenagem nacional como reconhecimento do precioso contributo que deu à cultura daquele país.
Pavel tinha um enorme respeito pela cultura e pelo perfil do então secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, enquanto indiscutível representante da classe operária. E, também, de dirigente máximo dos comunistas portugueses. Consolidei a mesma opinião ao longo do estreito convívio que mantive com ele durante muitos anos.
Em 1938 tivemos conhecimento, no Tarrafal, da nova detenção do Pavel. O impacto desse acontecimento entre os prisioneiros comunistas foi enorme.
A continuação da guerra civil de Espanha tornara importante o papel de Portugal enquanto retaguarda, não só do fascismo espanhol, mas também do fascismo europeu, liderado pela Alemanha nazi. Para a União Soviética era extremamente importante a derrota do nazi-fascismo em Espanha ou, no mínimo, atrasar a sua vitória se esta se tornasse inevitável. Precisava de tempo para reforçar a sua economia e o seu exército. Era dali que provinha, para a URSS, o maior perigo.
A acção do Pavel no nosso país assumiu para a Internacional Comunista, naquela fase, uma relevância muito superior àquela que ele então desenvolvia na URSS.
Foi por isso compelido a deixar ali a mulher – a soviética com quem casara e de quem tivera um filho – e a regressar a Portugal para assumir aqui a direcção do PCP.
A prisão, no final de 1935, dos três membros do seu secretariado nacional – e, nomeadamente do seu secretário-geral, acabado de regressara da URSS – decapitara, num momento crucial, a direcção do Partido
O Pavel voltou a Portugal em 1937. É preso cerca de um ano depois. Embora a doença estivesse controlada, o facto é que continuava tuberculoso.
A polícia conhecia o historial da sua doença. A maior parte do tempo em que esteve preso quando, pela primeira vez, caiu nas malhas da polícia, passou-o, inicialmente, na enfermaria da prisão do Limoeiro. Por isso, no decurso da organização do processo, não foi agredido.
O Pavel assumiu as suas responsabilidades de dirigente comunista. Depois de encerrado o processo, foi enviado para a enfermaria do Aljube. Encontrou ali um ex-jovem comunista, o Augusto, que ele identificou como um antigo membro da Juventude Comunista, no período de1932/33, ou seja, durante a fase em que o Pavel exerceu o cargo de secretário-geral daquela organização.
O Augusto explicou-lhe que decidira concorrer àquele lugar com a intenção de, oportunamente, prestar um grande serviço ao Partido.
O Pavel, de início, desconfiou dos reais objectivos do Augusto. Submeteu-o, segundo me disse, a várias provas. Mas acabou por se convencer de que as suas intenções eram genuínas. Pô-lo em contacto com a direcção do PCP. E elaboraram, em conjunto, o plano de fuga.
A evasão, com o apoio logístico e operacional do Partido, foi bem sucedida. O Augusto, na companhia de outro prisioneiro, fugiu com o Pavel. Este prometera levá-los para União Soviética. Estava convencido de que, no seguimento da sua fuga, passaria ali algum tempo para se ressarcir do abalo que acabara de sofrer. Tinha lá a família. Era um quadro altamente prestigiado do movimento comunista internacional. A presunção de que aceitariam o seu regresso à Rússia, no caso da fuga ser bem sucedida, tinha todo o cabimento.
Não sei se a versão que o Augusto lhe apresentou correspondia ou não à verdade, ou seja, se ele procurara chegar àquele lugar com a deliberada intenção de, no momento oportuno, ajudar algum membro importante da direcção do Partido a evadir-se. Não procurei saber o que o Pavel pensava sobre este aspecto da sua extraordinária odisseia. Penso, aliás, que nem ele próprio estaria em condições de garantir que o Augusto fizera aquele complexo percurso unicamente inspirado pelas suas persistentes convicções ideológicas. Tudo o que se pode garantir é que o Augusto agiu, naquele caso concreto, como se a sua versão fosse verdadeira, ou seja, com inegável boa fé.
É provável que a história que contou não correspondesse à verdade. O ajudante de enfermeiro terá concorrido àquele lugar, não por se ter convertido em fascista, mas porque não arranjara outro emprego. É óbvio que, ao dar esse passo, revelara uma certa fraqueza de carácter. Mas não é difícil admitir que, apesar disso, tenha conservado as convicções ideológicas do tempo em que fora jovem comunista. O Pavel terá sido para ele, a certa altura da sua vida, o que foi como para muitos outros jovens. Ele representava, no nosso imaginário, o perfil do revolucionário exemplar, tanto pelo seu saber, como pela sua fascinante personalidade. Não admira que o Augusto tenha conservado, desde o seu tempo de jovem comunista, a admiração que sentia por ele.
O Pavel não me relatou os pormenores da organização da fuga imaginada, no essencial, pelo Augusto. Contou-me apenas os tópicos mais gerais. De qualquer modo, só o ligou ao Partido, com vista ao indispensável apoio logístico, depois de o submeter a várias provas destinadas a testar a seriedade das suas intenções. O Augusto saiu-se bem de todas. Adquiriu a certeza de que ele tinha um genuíno desejo de o ajudar a evadir-se. Contar-me-ia que depois da evasão ficaram ligados por laços de amizade de tal modo fortes que, quando se instalaram no México, partilharam diariamente o pequeno-almoço, até à morte do Augusto, ocorrida muitos anos depois! O Pavel tinha a profunda convicção de que o Augusto o salvara de uma morte quase certa.
Efectivamente, se não tivesse fugido, a polícia tê-lo-ia remetido, pouco depois, sem a menor dúvida, para o Tarrafal.
A fuga, permito-me insistir, foi preparada em estreita colaboração com a direcção do PCP. O médico Ludgero Pinto Bastos, que na altura pertencia ao secretariado nacional do PCP, desempenhou nela um importante papel. Tratou-o, nomeadamente, das feridas causadas nas mãos pela fricção na corda utilizada para chegar à rua.
[1] Penso que o juízo negativo que Cunhal manifestou nessa altura sobre Bento Gonçalves, quando comparado com o Pavel, reflecte o impacto que exerceu sobre ele, um brilhante intelectual, a personalidade de um ex-operário que se transformara, graças ao seu esforço e à sua excepcional inteligência, também ele num intelectual cujo nível seria eventualmente superior ao de Álvaro Cunhal. No juízo de valor que Cunhal fez de Bento Gonçalves não entraram as reais qualidades que o distinguiam como genuíno dirigente operário. Também este aspecto ajuda a compreender a personalidade de Cunhal enquanto dirigente comunista. Nomeadamente o sentido da hierarquia intelectual, e de menosprezo pelos operários, que está implícito nesta sua apreciação. E isto apesar de ter pretendido, na última fase da sua vida, ficar para a História como “um filho adoptivo da classe operária”... Cunhal teve uma permanente preocupação de cuidar da sua imagem como dirigente operário e como líder comunista. Mas a sua real personalidade, apesar do cuidado que teve em esconde-la, projectou-se várias vezes em posições e actos públicos que deixaram a descoberto, sem lugar para dúvidas, a sua verdadeira personalidade. No capítulo que reservo à análise do seu percurso político procurarei reflectir sobre o significado de algumas posições que assumiu para consolidar a sua liderança..»

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«Numa das suas visitas a Lisboa, depois do 25 de Abril, o “Pavel” contar-me-ia que os responsáveis do Comintern (Internacional Comunista) tinham dificuldade em de compreender como é que num pequeno país, periférico e atrasado, com uma incipiente classe operária, tinha surgido um núcleo dirigente composto exclusivamente por operários de um tal nível político e cultural.
Bento fora, até à sua primeira detenção, como referi atrás, presidente do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha. Foi nessa qualidade que em 1927, aos 25 anos, visitou pela primeira vez a URSS. Fê-lo a convite da Internacional Sindical Vermelha (ISV). Era nessa altura um sindicalista altamente prestigiado. Daí a iniciativa do convite. No regresso da União Soviética, impressionado com o que observara (ou julgara observar) aderiu ao projecto político do PCP. Dois anos depois, ascendeu ao cargo de secretário-geral.
Bento Gonçalves foi operário de corpo inteiro. E nunca quis ser outra coisa. Na bela contestação que dirigiu ao Tribunal que o julgou relatou a sua aprendizagem escolar, o seu reconhecido mérito profissional, e manifestou o desejo de que o Arsenal tenha beneficiado das suas capacidades de técnico excepcional. Bento tinha orgulho no seu trabalho. Nessa contestação exprimiu a sua estima pela empresa onde se especializara e que servira com a sua extraordinária mestria.
Bento Gonçalves morreu aos 40 anos. Ninguém pode, com legitimidade, especular sobre qual seria o seu percurso político se não tivesse terminado a sua vida, precocemente, no Tarrafal. Não pôde acompanhar de perto, nomeadamente, a degenerescência do modelo soviético de poder instalado na Rússia, depois da Revolução de Outubro. Essa progressiva alteração do projecto inicial teve por diversas vezes afloramentos sangrentos, antes do colapso final, em vários países que adoptaram o mesmo sistema. Não pôde acompanhar esses acontecimentos nem tirar deles as evidentes conclusões que implicavam.
Não teve a oportunidade de assistir, por exemplo, à resistência, sangrenta e desesperada, dos operários das grandes fábricas de Budapeste, contra o “ Governo Operário” de Rakosi, apoiado pelos exércitos soviéticos. E também não pôde acompanhar a luta dramática e heróica dos operários polacos – para citar só um dos casos mais paradigmáticos –, conduzida na clandestinidade e nas condições de uma feroz repressão, pela legalização do sindicato “Solidariedade” . Esta acabaria por se impor, contra a vontade dos comunistas, como a sua central sindical verdadeiramente representativa.
Ora, se nem eu, nem ninguém, pode garantir em que medida estes acontecimentos teriam influído no percurso político de Bento Gonçalves há em todo o caso uma convicção que me atrevo a exprimir sobre o que ele, de certeza, não faria se continuasse vivo. Não daria cobertura política não só à dissolução do “Solidariedade” – decretada pelo então secretário-geral do partido comunista polaco e comandante em chefe das forças armadas polacas, general Yaruzelsky – nem à terrível repressão que se abateu sobre os dirigentes operários a seguir a essa vergonhosa iniciativa. E não o faria pela simples razão de que essa atitude do chefe comunista polaco foi em tudo semelhante – mas infinitamente mais grave, em termos de repressão! – à decisão tomada por Salazar de dissolver o sindicalismo livre e impor, à força, o sindicalismo corporativo. Bento Gonçalves lembrar-se-ia de que fora um dos dirigentes da tentativa de greve geral de protesto levada a cabo pelas organizações operárias em 18 de Janeiro de 1934 contra aquela decisão. O fracassado desse protesto implicara numerosas prisões e incontáveis sacrifícios, entre os quais o do próprio autor desta reflexão. Fora responsável, de certo modo, pela morte do próprio Bento. »

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«O Bento revelaria, ao longo dos poucos meses que permaneceu na empresa – aproximadamente seis meses, até onde me posso recordar – as múltiplas utilizações dos tornos mecânicos, algumas delas até ali desconhecidas.
Os tornos mecânicos são, por natureza, máquinas rotativas. Pois o Bento obrigou o seu torno, com um acessório que lhe aplicou, a fazer movimentos alternativos de vai e vem. Mostrou que, com esse movimento oscilante, os tornos, com os acessórios por ele imaginados, podiam produzir frezas e fabricar peças que nunca antes deles tinham saído.
O seu posto de trabalho transformou-se num local de romaria! Quando o almirante Cerqueira o visitava – o que, a partir da altura em que o Bento regressou à oficina, passou a ser frequente – falava com ele, demoradamente, sobre as suas experiências inovadoras e, em geral, sobre os mais variados temas técnicos. Por vezes, demorava-se junto do Bento durante mais de uma hora. Conversavam, enquanto ele trabalhava. A minha actividade na bancada dos aprendizes, a uns três ou quatro metros de distância, permitia-me acompanhar parte dessas conversas.
Criou-se à sua volta, durante o curto período em que se conservou no Arsenal, uma aura de autêntica devoção! »

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«Homem de grandes paixões, ao abraçar o ideário comunista meu pai converteu-se num militante extremamente activo. Entregou-se à actividade partidária com a profunda determinação que punha em todos os actos da sua vida.
Viveu por dentro a primeira grande crise daquele partido - crise que coincidiu, não por acaso, com outras semelhantes ocorridas, por essa altura, em quase todos os partidos comunistas. Eram, a maior parte das vezes, conflitos de interesses pessoais, normalmente em torno do problema da liderança política e do poder.
Esses conflitos eclodiam periodicamente. Reflectiam o ambiente de generalizada suspeição que reinava na URSS . Esse ambiente estendeu-se a todos os partidos que faziam parte do movimento comunista internacional. Reflectiam o temperamento autoritário e cruel do todo-poderoso Estaline.
Por essa altura, ele iniciara as “purgas” que conduziriam ao assassinato da maioria dos principais dirigentes do PCUS que tinham levado a cabo a Revolução de Outubro. Mandava prender e fuzilar todos os que considerava suspeitos de porem em causa as suas opiniões e o seu poder absoluto.
As "purgas" periódicas, inspiradas na prática estalinista, tornaram-se uma constante no seio dos partidos da III.ª Internacional, sobre a qual Estaline exercia um controlo absoluto. A “caça às bruxas”, seguindo o exemplo de Moscovo, propagava-se a partir daquele centro, em ondas concêntricas, até aos confins do planeta. Nenhum partido da IC escapava a essa lógica. O IV.º Congresso do PCE conduziu à expulsão do "grupelho provocador” constituído por Trilla, Bullegos e Adam e à eleição do novo secretário-geral, José Diaz.
O meu pai e a minha mãe (que também se filiou no PCE logo que chegou a Sevilha) participaram activamente nesse conclave. Até o meu irmão João, com apenas onze anos, esteve presente naquela reunião magna em nome dos "pioneiros portugueses" que, obviamente, não existiam! O que não o impediu de usar da palavra para saudar, em nome dessa imaginária "organização", o Congresso do PCE. Minha mãe, então com 28 anos, também usou da palavra nesse congresso em nome da organização comunista das mulheres portuguesas – organização que, tal como a dos "pioneiros", só existia na imaginação dos dirigentes comunistas...
Não recebera, como parece evidente, qualquer mandato para intervir em nome das mulheres portuguesas. Não creio que existisse naquele tempo uma estrutura comunista que as agrupasse. Só muito mais tarde o PCP viria a criar essas organizações. Contudo, na óptica dos dirigentes comunistas presentes no Congresso, o que tinha importância era, aparentemente, a representação simbólica – aspecto a que o movimento comunista sempre ligou uma extrema importância.
A URSS tornara-se o modelo universal do movimento comunista. Por isso a prática do Partido Bolchevique – por definição o Partido Guia e, portanto, o inspirador de todos os outros – era copiada, em todos os aspectos, pelos restantes partidos da Internacional Comunista. O enquadramento dos vários grupos sociais – crianças, jovens, intelectuais, operários, camponeses, ex-combatentes, mulheres, deficientes, os reformados, etc., etc. – de modo a integrá-los na dinâmica do movimento comunista, constituiu, desde cedo, uma prática imperativa seguida por todos os partidos comunistas.
E foi assim que minha mãe e meu irmão se viram transformados, nesse congresso, em representantes de imaginárias organizações... Tudo isso viria a contribuir para se tornaram, eles também, activos elementos do movimento comunista – situação que lhes viria a acarretar, cada um à sua maneira, trágicas consequências pessoais.
[1]
Como era esperar, visto que os partidos comunistas mantinham entre si uma estreita colaboração – e os poucos que subsistem continuam a mantê-la, a despeito da sua crescente rarefacção e decomposição – os meus pais acabariam por conhecer em Espanha alguns dirigentes do PCP. O mais provável (embora disso não esteja certo) é que esse contacto tenha sido estabelecido com o representante dos comunistas portugueses naquele congresso. O resultado desse contacto foi o convite da direcção do PCP, dirigido aos meus pais, para ingressarem nele e regressarem clandestinamente a Portugal para se dedicarem, a tempo inteiro, à actividade partidária. Assumiriam o estatuto de funcionários políticos.
Ambos aceitaram a proposta. No fim de 1931 (ou no início de 1932, não posso precisar exactamente) os meus pais entraram no nosso País clandestinamente para se entregarem, em exclusivo, à actividade revolucionária.
Sob a influência dos dirigentes comunistas com quem passara a contactar, minha mãe, que era dotada de um alto espírito de sacrifício e de justiça, ajudada pelos catecismos que lhe deram a ler, acabaria por se identificar totalmente com a ideologia marxista-leninista. Penso, no entanto, que embora essas leituras e contactos a tivessem influenciado, a sua principal motivação, ao aceitar a proposta do PCP, foi a circunstância de continuar apaixonada pelo marido. Estivera sempre disposta a acompanha-lo em todos os passos importantes da sua vida.
[1] Efectivamente, meu irmão faleceria cerca de três anos depois em consequência de uma agressão sofrida no rescaldo de uma manifestação estudantil - e minha mãe acabaria por ser detida, passados dois anos sobre estes acontecimentos, como quadro responsável do PCP.»

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

« Recordo-me de ter acompanhado com um interesse apaixonado, apesar de ter apenas catorze anos, o complexo processo político que, no ano de 1933, se desenrolou na Alemanha. A República de Weimar mergulhara no caos político provocado pela crise económica do pós-guerra. Milhões de trabalhadores foram atirados para o desemprego. Hitler, que enfrentava um movimento operário dividido por insanáveis rivalidades via aberto diante de si o caminho do poder.[1]
Próximo do fim do ano, algum tempo depois de Hitler, chamado pelo marechal Hindenburg, ter formado o seu governo, o Reichtag – o Parlamento alemão – foi incendiado. A notícia, transmitida no contexto de um país agitado por fortes convulsões – com os comunistas, derrotados em 1919, em plena ascensão –, correu mundo. Os hitlerianos acusaram três comunistas búlgaros de serem os autores do atentado.
O julgamento dos pretensos incendiários, entre os quais se destacara o nome de Dimitrof, começou algum tempo depois de ter ocorrido aquela provocação.
Dimitrof tornar-se-ia, rapidamente, no símbolo do heroísmo e da firmeza dos comunistas. A audácia com que enfrentou os seus acusadores, assumindo ele próprio a função de juiz do regime hitleriano, enchia-me de orgulho. Via confirmar-se no meu espírito, já preparado por inúmeras leituras, a superioridade moral dos comunistas. Orgulhava-me de ter ocupado, entre eles, o meu lugar de combate... A real personalidade do meu herói de então só muito mais tarde se tornaria conhecida..
[2]
O que é facto é que naquele ano de 1933 a figura de Dimitrof assumira a aos meus olhos o perfil paradigmático do revolucionário coerente e audaz. Inspirado pela nova moral e pelos valores do movimento comunista, colocara a sua vida ao serviço da grande causa da emancipação humana, representada pelo projecto comunista.
Esse sentimento, habilmente cultivado, predispunha os propagadores do novo credo para o sacrifício total.
Foi naquele contexto global, tão carregado de certezas, de promessas e de exaltação heróica, que eu interiorizei as profundas convicções ideológicas que ditaram o meu futuro. Tudo parecia confirmar o rigor das previsões do movimento comunista, nomeadamente o aparente êxito da experiência soviética e a superioridade moral dos seus principais agentes pessoais. Nesse contexto pesou também, como era natural, a influência familiar e o ambiente político, muito especial, do Arsenal da Marinha.

[1] Os comunistas tinham eleito, como inimigo principal, os socialistas, situação que ainda hoje se verifica. Nas últimas eleições, os comunistas tinham averbado nas urnas cerca de 6 milhões de votos. Os social-democratas à volta de 9. Os nazis, com 12 milhões de votos, tinham sido o partido mais votado. Mas os socialistas e comunistas, em conjunto, recolheram nas urnas cerca de 15 milhões. Face à evidente incapacidade de entendimento entre aquelas forças - situação cuja responsabilidade era imputada pelos comunistas aos social-democratas, apelidados de "social-traidores" e de “amarelos” , o Partido Nacional Socialista, chefiado por Hitler, como partido maioritário, assumiu legalmente o poder.
[2] O caso de Dimitrof viria a constituir para mim um dos muitos desenganos que me ajudariam a compreender a face oculta do projecto comunista. Dimitrof abandonou à sua sorte, nos anos mais negros do terror estalinista, os seus companheiros de processo. Permitiu que um dele, Popof, permanecesse dez anos no Goulag sob a acusação de ser “inimigo do povo”. Esse reverso da medalha, a verdadeita face da sua personalidade, só viria a ser conhecido muitos anos depois. Dimitrof queria para si, em exclusivo, a glória de ter enfrentado o Tribunal nazi. Acusou os seus companheiros de se terem limitado, no decurso do julgamento, a uma defesa meramente pessoal. Revelou aos soviéticos que Tanef teria proposto, em 1929, no Comité Central do Partido Comunista Búlgaro - a que os três pertenciam - uma discussão em volta do caso de Trotsky... Permitiu uma intromissão abusiva de Estaline na vida interna do partido de que era secretário-geral . Esta “terrível” acusação levou os seus camaradas de processo a cairem em desgraça perante os comunistas russos. Tanef foi acusado de simpatia por Trotsky - o que constituía, naquela altura, um grave crime anti-soviético...Durante a guerra foi lançado de pára-quedas no interior do território búlgaro. Foi ali abatido em circunstâncias estranhas... Depois da chegada do PC Búlgaro ao poder, só Dimitrof foi considerado digno de figurar na galeria dos do heróis... Este, para conservar a confiança de Estaline, e manter o seu lugar de secretário-geral da Internacional Comunista, não hesitou em acusar os seus camaradas de crimes imaginários. Esta era a “moral” dos homens que simbolizaram, durante muito tempo, os valores do comunismo. »

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«Naquele ano de 1933, tudo parecia apoiar a ideia de que a marcha para o comunismo – representada pela conclusão, antes do tempo previsto, do 1º. Plano Quinquenal – era imparável. Esse plano lançara as bases da indústria pesada soviética. As gigantescas empresas industriais implantados nos Urais e as colossais barragens hidroeléctricas (de que a do Dinieper, considerada, na altura, a maior do mundo, se tornara um símbolo), cuja construção coincidiu com a fase em que o mundo capitalista se afundava na maior crise da sua história, pareciam credenciar a ideia de que nada poderia deter a marcha triunfante da União Soviética. .
O mundo capitalista, aterrado perante a força de atracção que esse aparente triunfo representava, reforçara, em torno da URSS, um eficaz do "cordão sanitário" destinado a impedir a propagação da influência soviética. Desde os países bálticos, no norte, até à Roménia, no sul, estendia-se um vasto sistema de contenção constituído por países dominados por regimes de cariz totalitário onde as liberdades públicas tinham sido fortemente restringidas ou pura e simplesmente anuladas. A única excepção era a Checoslováquia. Nesse país existia uma economia florescente que proporcionava aos trabalhadores um nível de vida muito acima do que reinava nos restantes países que integravam aquele "cordão". Esse nível punha-os ao abrigo das tentações revolucionárias inspiradas no exemplo soviético.
Os rápidos progressos do movimento comunista internacional (que tinha suplantado no nosso País, em pouco tempo, a influência predominante que os anarco-sindicalistas haviam exercido no movimento operário) exprimiam uma confiança cada vez maior naquele projecto. Um número crescente de intelectuais de grande prestígio deixava-se seduzir pelas aparências, habilmente montadas, da propaganda comunista. Esta punha em evidência uma realidade dificilmente contestável: perante uma economia capitalista atolada numa crise da qual parecia não poder sair (que o "crack" da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, generalizara a todo o mundo), acontecimento que levara por toda a parte ao encerramento de empresas e à emergência de milhões de desempregados; perante uma economia que não sabia o que fazer à sua colossal produção de bens de consumo (nomeadamente alimentares, que apodreciam ou eram atirados para as caldeiras das locomotivas, tais como o trigo e o café, por não terem colocação rentável no mercado); no quadro de uma economia que sabia produzir, mas se mostrava incapaz de distribuir racionalmente o que produzia, milhões de pessoas morriam de fome. Em face dessa economia contraditória e em ruínas, parecia estar a erguer-se, pela primeira vez na história da humanidade, uma economia baseada na racionalidade científica e na justiça. Essa nova economia anunciava que elegera o Homem, e não o lucro, como fim supremo a atingir. A única solução que aparentemente restava ao sistema capitalista agonizante era, pois, o recurso à repressão contra todos aqueles que se dispunham a lutar contra as suas gritantes contradições e injustiças.
A repressão que, como uma imensa vaga, ia submetendo os povos da Europa ao jugo totalitário começara a ser liderada pela Alemanha nazi e pela Itália fascista – repressão que se propunha, antes de tudo, fazer face ao chamado “perigo comunista”. Aliás, em todos os países capitalistas, mesmo naqueles onde subsistiam regimes democráticos, era notório o receio provocado pela força de atracção de um projecto revolucionário que parecia contrapor à decrépita economia de mercado, afundada na crise, a aparentemente vigorosa economia planificada soviética, isenta de crises e posta ao serviço, pela primeira vez na atribulada história da humanidade, do bem-estar colectivo...
Os livros em que bebi as certezas que o mundo à minha volta parecia irrefutavelmente confirmar foram aqueles em que basicamente assentava o primeiro nível de formação dos militantes, a saber: o "Manifesto Comunista", de Marx e Engels, o "Estado e a Revolução", "Imperialismo, Última Fase do Capitalismo", "Que Fazer", de Lenine, e "Os Fundamentos do Leninismo", de Estaline. O "Materialismo Histórico", de Bukarine, ajudou-me a compreender, com o precioso apoio do Pavel, as leis dialécticas do processo social, baseado na luta de classes. Essas leis implicariam a inevitabilidade do acesso da classe operária ao poder...
Até aos quinze anos devorei os principais livros que fundamentavam a teoria e a prática marxista-leninista. Li também alguns romances e novelas da literatura soviética, inspirada no chamado “realismo socialista”. Referiam-se não só ao período da guerra civil, destacando o papel dos heróicos guerrilheiros e o empenhamento dos trabalhadores na luta que conduzira à consolidação do novo poder, como à fase posterior em que foram lançadas as bases da reconstrução económica. Os heróis do trabalho, que nos eram apresentados como indivíduos cheios de entusiasmo e devoção, como apoiantes incondicionais do novo regime, ajudavam a completar o quadro social altamente motivador em que decorreria a edificação da nova sociedade.
A biblioteca do Arsenal era, aliás, excelente. E a escolha dos livros fora feita sob a influência, entre outros, de Bento Gonçalves e de Francisco Paula de Oliveira. Estava politicamente bem orientada.... Visitava-a sempre que podia.
Essas leituras, comentadas e discutidas com verdadeiros mestres da cultura marxista, firmaram-me na convicção de que pela primeira vez na História a classe operária, “com o apoio dos camponeses pobres e dos intelectuais que tinham feito uma nova opção de classe”, tinha conquistado o poder na Rússia. Não tinha dúvidas de que se estabelecera ali, sob a direcção do “partido da classe operária” (o Partido Bolchevique) uma ditadura de novo tipo, uma ditadura, ao contrário de todas as que a tinham precedido, da “maioria explorada sobre a minoria exploradora”, uma “ditadura de classe”, como fora definida por Lenine. Não tinha dúvidas de que a “pátria do socialismo” - cuja força, com o apoio dos seus inesgotáveis recursos materiais e com a solidariedade dos explorados de todo o mundo, cresceria continuamente - se teria transformado numa garantia de que o projecto comunista estava destinado a estender-se a todo o planeta... Essa convicção levava-me a considerar que um dos principais deveres dos comunistas de todo o mundo consistia na defesa daquela experiência exemplar. A União Soviética transformara-se na “fortaleza do socialismo”. Todos nós, comunistas, tínhamos a obrigação de lutar contra o “cerco capitalista” de que o país dos sovietes se sentiria alvo. »

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«A minha amizade com a dona Rosa foi vivida próximo do fim do verão de 1933. Nessa altura, a minha actividade no plano sindical e político tinha-se intensificado, embora, por razões que adiante relatarei, tivesse assumido formas diferentes. Durante o tempo em que trabalhei no Arsenal, em resultado dos contactos secretos que mantive, ao longo de quase dois anos, com meus pais (sem que meus tios disso se apercebessem) e com alguns dos mais destacados quadros dirigentes do PCP, a minha formação política avançara rapidamente. Além de ser um elemento activo da célula juvenil daquela empresa estatal, tomara eu próprio a iniciativa de organizar, entre os estudantes da Escola Industrial Machado de Castro (quase todos jovens operários) uma célula da Juventude Comunista – célula que eu dirigia e animava. Estava, pois, empenhado numa actividade cujo ritmo e exigências eram cada vez maiores.
Aproximava-se o termo do ano que marcaria o fim de uma época do movimento operário português. A tensão, nos meios sindicais e políticos, crescia rapidamente. Vivia-se já a atmosfera febril que iria desembocar, meses depois, na tentativa de greve geral de 18 de Janeiro de 1934. Por meu lado, entrara num tal ritmo de actividade que, como era fácil de prever, me faria cair, a curto prazo, nas garras da polícia política.
Sem o apoio da dona Rosa ter-me-ia sido muito mais difícil, naquela fase cada vez mais exigente da luta em que me empenhara, desempenhar as inúmeras tarefas que me eram cometidas. Ela assegurara o funcionamento de um verdadeiro e eficaz depósito de trânsito para a imprensa clandestina que eu distribuía. Ao sair de casa, a caminho da escola ou da empresa, ela encontrava quase sempre maneira de me passar os manifestos ou outros documentos que escondera e que eu, na altura, lhe pedia.
Mas, por via de regra, o que é bom de mais, depressa acaba.
A minha tia, inopinadamente, e sem qualquer razão aparente, despediu a dona Rosa. Na altura, não me apercebi dos motivos que a levaram a tomar essa decisão. Ela viera pôr um ponto final numa relação que, a vários títulos, ficaria gravada na minha memória como um acontecimento marcante. Aquela senhora, para além da preciosa ajuda que me prestara, constituíra, durante algum tempo, um bálsamo importante numa existência que, desde os seis anos, fora marcada por um forte sentimento de abandono – sentimento para o qual a exigente e distante relação com a minha tia muito contribuíra. Esta adoptara, no seu trato comigo, o comportamento que considerava mais adequado para me proteger das "más influências", ou seja, das "companhias perigosas" – e para me conduzir àquele que ela pensava ser o "bom caminho". »

EDMUNDO PEDRO - MEMÓRIAS

«Uns três meses antes de fugir de casa dos meus tios entrou ao serviço uma senhora cuja idade andaria entre os cinquenta e cinco e os sessenta anos. A dona Rosa (assim se chamava) era uma senhora de feições delicadas e onde eram ainda bem visíveis os traços da pretérita beleza. Enviuvara algum tempo antes de se empregar. Aquele era, aliás, o seu primeiro emprego. Nunca trabalhara fora de casa. A morte do marido deixara-a numa situação difícil. Por isso, fora forçada a aceitar aquele emprego que, visivelmente, a humilhava.
Tal como tinha acontecido com outras, transformei-a, rapidamente, em minha confidente. A dona Rosa não tivera filhos. Lamentava esse facto, visto que, depois de enviuvar, acabara por ficar só.
Depressa se estabeleceu entre nós uma grande confiança. Percebendo a minha carência afectiva, começou, como acontecera com outras, por me prodigalizar os seus carinhos maternais. Depois de confessarmos mutuamente as nossas frustrações, a mãe recalcada que nela existia veio ao de cima. Deve ter visto em mim, no início do nosso relacionamento, o filho que lamentava não ter tido. Eu estava próximo dos quinze anos. As carícias que passou a prodigalizar-me – que se revestiam, no início, de cunho manifestamente maternal – constituíam para mim, no meio do ambiente gelado que me rodeava, um enorme lenitivo. A partir de certa altura, porém, a ternura da dona Rosa começou a assumir o carácter de uma intimidade que era tudo menos maternal...
O complexo de Édipo tolheu, durante algum tempo, a minha iniciativa. Mais do que mãe, sentia-a minha avó... Mas o sexo, que despertara em mim, e as carícias cada vez mais audaciosas da dona Rosa, depressa venceram as minhas hesitações...
Uma noite, depois do meu regresso da escola, anunciou-me, no decurso do jantar que me preparara (e que, por via de regra, acompanhava), que deixaria a porta do quarto aberta para que eu, se o desejasse, fosse ter com ela...
. Escusado será dizer que me pediu para tomar todas as precauções de modo a evitar que meus tios se apercebessem da minha eventual incursão nocturna... Fiquei, como se compreende, excitadíssimo com aquela agradável proposta...»

EDMUNDO PEDRO FAZ 88 ANOS

Edmundo Pedro comemora hoje 88 anos, poucos dias antes da publicação do primeiro volume das suas memórias.
Trata-se de um livro notável, em que Pedro recorda o fervor da sua crença no comunismo e a perda da fé, perante a desilução.
O livro promete ser um sucesso editorial... Não resisto a algumas citações.
«O meu irmão João, mais novo do que eu dois anos, foi, como eu, jovem comunista. A sua identificação ideológica com o comunismo foi ainda mais precoce do que a minha. Iniciou a sua militância com apenas onze anos! É também pensando no significado de uma tal precocidade que escrevo este livro!
Com efeito, tinha essa idade quando o convidaram a saudar, em nome dos "pioneiros" portugueses (obviamente inexistentes!), o IV.º Congresso do Partido Comunista Espanhol realizado em Sevilha no fim de 1931 ou no início de 1932. O meu pai, Gabriel Pedro, recentemente ali chegado, depois de ter fugido da Guiné, acabara de aderir àquele partido. Participou no congresso, bem como a minha mãe, Margarida Tavares Ervedoso, que, mais uma vez, saindo de Portugal, se lhe juntou. O meu irmão acompanhou-a. Antes disso, esteve com os meus pais na Guiné. A minha mãe deslocou-se para junto do marido quando este ali estive deportado. O João foi o filho que mais de perto seguiu a trajectória do pai – e que por isso mais directamente sofreu a sua influência moral e ideológica.
Meu pobre e querido irmão! Com que transbordante entusiasma ele me relatava a saudação que endereçara aos comunistas do país vizinho presentes naquela reunião! Com que admiração ele evocara, algum tempo antes de morrer, os admiráveis êxitos da industrialização em curso na União Soviética no âmbito do II.º Plano Quinquenal! Ele, apesar dos seus catorze anos, já acompanhava de perto, com uma paixão idêntica à minha, os resultados obtidos por aquele plano! Sabia de cor os milhões de toneladas de carvão saídos das minas do Donbass e os megawatts produzidos na nova central hidro-eléctrica do Dienieper!»

domingo, novembro 05, 2006

Paradoxos...

Tive a oportunidade de ouvir o que disse o ministro da presidência, Pedro Silva Pereira, na Assembleia da República, a propósito das políticas de imigração.
O Estado vai gastar milhões de euros para «apoio aos imigrantes» quando isso se não justifica de todo.
O ACIME, que agora vai mudar de nome, justificava-se quando o país foi invadido por centenas de milhar de eslavos, que não falavam uma palavra de português nem compreendiam o funcionamento do nosso sistema político e social.
Muitos desses imigrantes já partiram e os que cá estão dominam razoávelmente a lingua portuguesa e estão perfeitamente integrados na sociedade.
Precisam, apenas, que o Estado clarifique as condições para a sua legalização.
Não faz nenhum sentido manter a discriminação dos primeiros tempos dessa onda de imigração, porque qualquer desses cidadãos tem hoje a possibilidade e a facilidade de aceder aos normais serviços públicos.
Parece-me que o ACIME deve, pura e simplesmente, ser dissolvido, até como forma de deixar lugar ao funcionamento da sociedade civil, através das próprias associações dos imigrantes.
Estas, se desenvolverem um trabalho social sério devem ser apoiadas, mas com uma especial exigência no que se refere à gestão dos fundos.
Não faz nenhum sentido poupar-se de um lado para se gastar do outro.
No seu discurso, o ministro anunciou que vai criar gabinetes para apoiar os imigrantes no acesso à nacionalidade dos seus filhos. Mais jobs for the boys, que não têm a minima justificação. Há conservatórias do registo civil em todo o país, com capacidade e competência para realizar esse trabalho. Mas quê criar mais estruturas, quando nos dizem que o país tem que poupar?
E é bom que o Estado volte a pensar nos emigrantes portugueses, ao menos nos mesmos termos em que pensa nos imigrantes estrangeiros.

Imigração responsável...

Portugal esteve representado por Cavaco Silva e José Sócrates na Cimeira Ibero-Americana, em Montevideu.
O prato forte foram as politicas de imigração.
Segundo os jornais «o primeiro-ministro, José Sócrates, defendeu uma "abertura responsável" à imigração, garantindo que Portugal pratica essa política e se insere numa União Europeia que tem como valores o realismo, a tolerância e o humanismo».
Sócrates, que tem dado ao país a imagem de um homem de acção começa a manifestar um claro cansaço, com discursos repetidos e forçados, perante a inacção da burocracia que afecta Portugal.
O governo está no poder há ano e meio e não fez nada de sensível nesta área. Tem uma proposta de lei razoável, a aguardar aprovação na Assembleia da República. Mas corre o risco de não ter imigrantes, quando a lei for aprovada.
Uma boa parte deles - os melhores ou os mais arrojados - já partiram para outros países, cansados de esperar, na situação de ilegalidade em que viviam.
E afinal - como sustento há longo tempo - seria tudo tão simples, se houvesse bom senso. Bastava que se desse uma oportunidade aos que têm trabalho, para procederem a um registo (via Internet, naturalmente) informando dos seus dados e dos dados da entidade patronal, com referência, naturalmente, à data de admissão.
O mesmo programa informático, poderia gerar os dados para a contabilização imediata dos impostos e dos créditos da Segurança Social.
Este é o tipo de medidas que não pode ser adiado. Para além do cansaço que a insegurança gera, são milhões os valores que o Estado e a Segurança Social perdem todos os dias.
Os discursos são muito bonitos, mas ao cabo de se matraquearem tanto tempo sem acção transformam-se em conversas da treta que só desacreditam quem os profere.

Conhecem-na?

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Mendigos profissionais

Vinha no Público e merece ser guardado o recorte como sinais dos tempos que correm... Posted by Picasa

sábado, novembro 04, 2006

Quem pinta seus males espanta...



BigBrother...

Acrílico sobre tela (120 x 70)