O tráfico de seres humanos constitui uma actividade repugnante, que deve ser cuidadosamente prevenida e seriamente condenada pelas leis penais dos países civilizados.
Sendo, como é, um atentado às liberdades, merece tal tráfico uma especial atenção das polícias, a quem todos temos que exigir uma postura activa de prevenção e de repressão, visando a garantia de tais liberdade.
Não podemos, porém, cair na hipocrisia de confundir o tráfico de seres humanos com a prostituição e outras formas de comercialização de serviços sexuais, porque são coisas absolutamente distintas.
Existe em todos os países da União Europeia um comércio de serviços sexuais que movimenta biliões de euros, com a maior tolerância das autoridades públicas.
Os prostíbulos são anunciados nos principais jornais e há estabelecimentos comerciais de porta aberta que servem exclusivamente para a promoção da prostituição.
Nem as crianças acreditam que quem se dedica ao tráfico de seres humanos possa publicitar de forma tão descarada a actividade que se considera decorrente do mesmo.
Como ninguém, com um mínimo de bom senso, acredita que as mulheres que se dedicam à prostituição foram, por regra, apanhadas na rede ou enganadas por quem, alegadamente, as levou a tal caminho.
Se assim fosse, o normal seria que fugissem dos bordéis (o que não seria difícil num país como o nosso) e denunciassem os seus algozes. Mas não: o que acontece é que elas ali se mantêm e repetem as suas rotinas dia após dia.
O exercício da prostituição nos nossos dias é, normalmente, uma opção livre e auto-determinada de quem o faz. Só é prostituta quem quer, quem tem vontade de o ser; e o passo para a prostituição é, por regra, um passo cuidadosamente ponderado.
Não passa de uma fábula a generalização de que as mulheres que se prostituem na Europa são uma espécie de «escravas sexuais» e que a sua actividade redunda numa forma de escravatura.
A prostituição moderna é uma das expressão do direito à auto-determinação sexual, reconhecido na generalidade dos países ocidentais.
A sociedade aceita, sem hesitações, que são titulares desse direito os homossexuais, as lésbicas ou os sado-masoquistas, mas tem dificuldade em reconhecer os mesmos direitos às mulheres que optam for fazer sexo por dinheiro. Mais grave do que esse daltonismo é o facto de pessoas ilustres e com responsabilidade política e social enterrarem a cabeça na areia para esconder esta realidade, que deforma grosseiramente ao transformar essas mulheres em «vítimas» ou em mentecaptas.
Há até instituições universitárias que constroem teses adequadas a miserabilizar pessoas que optaram por se prostituir e se mantém há anos na prostituição porque conseguem nessa actividade rendimentos que nunca conseguiriam numa profissão «normal».
Estamos aí, pura e simplesmente, no plano da desonestidade intelectual. A generalidade das prostitutas são-nos porque o querem ser e enquanto conseguem tirar do corpo rendimento superior ao que conseguiriam noutra profissão. Depois retiram-se, como o fazem os outros profissionais de «desgaste rápido».
Muitas são estudantes universitárias ou filhas de família, oriundas de países menos desenvolvidos, que fantasiaram para os seus pais um curso de alguns meses no estrangeiro ou uma post-graduação.
Todos estaremos de acordo em que todas são pessoas que trabalham em «ambientes de risco». Mas os ambientes de risco não se combatem nem se corrigem deformando as realidades que todos temos à vista, de forma absolutamente desregulada.
A melhor forma de combater esse risco será a de o Estado assumir a sua tolerância e respeitar o direito a cidadania e o direito à auto-determinação das prostitutas, exigindo-lhes, em contrapartida, que com ele cooperem na defesa da ordem pública e dos direitos dos consumidores.
A prostituição, sendo, como é, uma actividade comercial em sentido lato, não pode, em domínios tão relevantes como os da segurança, do combate à criminalidade e da saúde pública, merecer beneficiar, de forma ilimitada, das regras de protecção da privacidade.
Não deve continuar a ser uma actividade meramente tolerada, devendo, pelo contrário, ser uma actividade reconhecida e sujeita a registo e a controlo das autoridades policiais e sanitárias.
Essa distinção entre as prostitutas assumidas e as que são obrigadas a esconder-se é uma via essencial para que se possa desenvolver o combate ao tráfico de mulheres. Mas é, também, um caminho inevitável se se quiser tratar, com um mínimo de decência, a prostituição doméstica que todos os dias vemos publicitada nos jornais.
Não sendo discutível o direito à auto-determinação sexual, não há nenhuma razão para que continuemos a tolerar esse mercado negro que a um tempo permite a fuga generalizada ao fisco e, a outro tempo, inviabiliza a possibilidade de as prostitutas se organizarem como os profissionais dos demais ofícios e lutarem contra a exploração desenfreada que esse mercado negro permite.
É do conhecimento comum que as «patroas» arrecadam 50% dos rendimentos dos serviços sexuais prestados pelas prostitutas. Uma patroa com cinco meninas arrecada o mesmo que as cinco meninas, sem nenhum esforço e sem nenhum risco.
E o Estado não só tolera isto, concedendo-lhes maiores benefícios fiscais que os que concede à banca, como, por outro lado, nos distrai falando da árvore em vez de se ater na floresta.
Mais grave do que o tráfico de seres humanos, que em Portugal não tem expressão, é esse mercado negro que precisa de regulação urgente.
O resto não são mais do que sonhos de jobs for the boys e jobs for the girls. Com o risco de haver quem, observando a realidade, se passe para o outro lado.